quarta-feira, 25 de maio de 2022

Visão micro - Visão macro


Começo desta forma: ainda bem!
Após a minha intervenção no II Seminário de Educação, organizado pela Câmara Municipal de Machico, concluídos os trabalhos da tarde, uma colega aproximou-se e, com alguma cordialidade, disparou mais ou menos com estas palavras: discordo do que disse. Repliquei com aquelas duas palavras: ainda bem. E continuei dizendo-lhe que não sou portador de qualquer verdade e que é sempre boa a existência da discordância. Ponto e contraponto devem andar a par, porque só assim podemos melhorar. A conversa ficou por aí ou com mais qualquer coisita do tipo… sabe, nós trabalhamos muito na minha escola!



De regresso a casa, num percurso sereno na condução, passando em revista tudo quanto abordei, fiquei obviamente a pensar: trabalham até demais, pois organizam, dedicam-se, preenchem toda a burocracia, aceleram para cumprir os programas, atendem os pais, respondem a todas as solicitações do vértice estratégico, das autarquias e de outras instituições que, a propósito do dia ou da semana disto e daquilo, solicitam a participação dos alunos, lutam, até, contra todas as incompreensões da hierarquia, vivem as angústias da pobreza, eu sei lá… ai trabalham, trabalham, exclamei para mim próprio! Só que o problema não esse, não é o do trabalho nem o da dedicação. É muito mais profundo. O problema não é o de ver a “escolinha”, mas de analisar e propor um sistema educativo que defenda o princípio de uma escola para cada um, ao contrário de uma escola igual para todos. Trata-se da visão micro face a uma leitura macro do processo.

Situar-se no domínio da “escolinha” equivale encostar-se às traves-mestras de um pensamento do passado que não responde às exigências do tempo que estamos a viver, tampouco relativamente ao futuro. E a minha intervenção, a par de outras, assentes e fundamentadas na ideia de mudança, foi no sentido de provocar uma ruptura com aquilo que as nossas crianças e jovens estão a viver e que as leva a assumir, tarde ou cedo, uma feroz crítica à escola que lhes oferecem. Dei exemplos bastantes. De resto, são tantos os investigadores, autores, filósofos, psicólogos e empresários que convergem na necessidade de buscar um novo sentido para a Educação do Século XXI. Não se trata do trabalho de mérito, dentro deste sistema, claro, que muitos ou todos realizam, mas para que serve o trabalho que fazem. A “escolinha” equivale a uma “visão do sapo” que capta e reage automaticamente o básico, mas não sai do espaço que habita. Uma nova predisposição implica aceitar que existe mais mundo para além da “escolinha”. Foi isso que, por exemplo, o Professor José Pacheco trouxe à consciência de cada um, contando histórias de vida e de talentos, e que pode circunscrever-se a uma só palavra: ruptura; foi isso que o meu distinto Colega Carlos Neto veio propor, quando, em diálogo comigo, assumiu o aprisionamento de que as crianças e jovens são vítimas na escola. Eles, certamente, não estão preocupados com a “escolinha”, mas com a Escola fonte de prazer, de felicidade, de conhecimento, de desenvolvimento motor, respeitadora do sonho e do talento, eu diria de vida e para a vida.

São duas posturas distintas. Uma remete-nos para o passado; a outra indica-nos o caminho adequado para milhares de perguntas. Uma visão de escola-resposta aos intermináveis itens dos programas e dos correspondentes manuais é passado; uma outra que espero esteja a nascer (embora com mais de 100 anos de atraso) preocupa-se, essencialmente, com a pergunta persistente que enriquece e consolida o conhecimento.

São duas posições distintas, uma de comodidade e rotina apesar de sofredora, outra que impele ao debate que coloca em causa presunções tidas por imutáveis. Desde há 50 anos que manifesto o desejo de ver o passado metido na gaveta da História e, quando muito, indo lá buscar as experiências que se tornaram inspiradoras. Porque o tempo é outro e porque a ciência veio ditar novas atitudes. Tenho presente as palavras de Edgar Morin: “A educação deve ser um despertar para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel.”

Não é o cumprimento de currículos e de programas que são mãos cheias de nada ou de muito pouco, sobretudo pela desarticulação ou, de outra forma, distantes de apropriadas conexões, que se atinge o conhecimento profundo e portador de futuro. Diz Morin: “As disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de arrumação. A educação deveria romper com isso (…)”

Ainda bem que a colega discordou!

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