Contra lideranças “napoleónicas”, personalidades de várias áreas querem alterar modelo que substituiu conselhos executivos pela figura do director. Do documento deverá resultar petição na Assembleia da República.
O que liga a deputada Joana Mortágua ao pedagogo Sérgio Niza e aos escritores Dulce Maria Cardoso, Inês Pedrosa e Jacinto Lucas Pires? E a ex-secretária de Estado da Educação Ana Benavente, o que faz ao lado da presidente da Associação de Professores de Matemática, Maria de Lurdes Figueiral, e do sociólogo Paulo Peixoto? Integram todos um grupo de 21 personalidades que lançou um manifesto reivindicando uma gestão mais democrática das escolas. O documento, que o PÚBLICO divulga em primeira mão, vai ser debatido no dia 14 de Janeiro, na Escola Secundária Rainha D. Leonor, em Lisboa, e pretende lançar a discussão em torno das alterações tidas como necessárias ao actual modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino, do pré-escolar ao secundário.
“Assistimos a uma crescente desvalorização da cultura democrática nas escolas e à anulação da participação colectiva dos professores, dos alunos e da comunidade educativa”, criticam os subscritores do manifesto, que, numa altura em que se comemoram os 30 anos da Lei de Bases do Sistema Educativo, apelam a “um modelo de direcção e gestão [das escolas] alternativo”. “Não podemos gerir uma escola como se se tratasse de uma empresa, com hierarquias, submissão e lógicas de poder, e achar que é nesse sentido que estamos a preparar cidadãos para viver em democracia”, concretiza a deputada do BE Joana Mortágua.
No centro da contestação está o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos do pré-escolar, básico e secundário que vigora desde 2008, estava a pasta da Educação nas mãos de Maria de Lurdes Rodrigues, e que criou a figura do director único para os diferentes agrupamentos escolares. Este modelo ditou o fim dos conselhos executivos e a pretexto de reforçar a liderança das escolas congregou o poder decisório nas mãos de uma direcção unipessoal.
Contra a "gestão unipessoal"
“O que queremos é que a pedagogia volte a estar em primeiro lugar na altura de se decidir como é que uma escola é dirigida e definida”, retoma Joana Mortágua, para quem uma escola gerida segundo “critérios economicistas, administrativos ou burocráticos” não garante o crescimento integral dos alunos. E porque o problema “não é só dos professores nem é só dos alunos", mas remete para "a forma como estamos ou não a construir democracia”, acrescenta a deputada, sublinhando que o manifesto, assinado por 20 personalidades, não formula propostas. "O mais certo é que, uma vez lançado, o documento se transforme em petição pública. O que queremos é que surjam ideias que possam transformar-se em propostas cujo caminho poderá levar ao Parlamento. Porque a base deste manifesto é que é preciso mudar alguma coisa e urgentemente”.
E mudar o quê, logo agora que o maior e mais conhecido dos estudos, o PISA, aponta melhorias significativas na literacia científica e de leitura entre os alunos portugueses? “Pois, se olharmos para o PISA com uma lente vemos que passámos a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), mas há dados que continuam a ser dramáticos: continuamos a ter um abandono escolar muito grande – só o Chipre é que está atrás de nós -, taxas de retenção muito elevadas e três milhões de portugueses entre os 25 e os 65 anos de idade sem o secundário. Portanto, estamos longe do ideal", responde João Jaime Pires, director da Escola Secundária Camões, em Lisboa.
"Basta recordarmos que, antes das mudanças de 2008, tínhamos 98% das escolas com órgãos colegiais. Nesse sentido, estamos pior, porque a lei obrigou as escolas a adoptar uma gestão unipessoal quando o importante seria que a escola desse exemplos de cidadania à comunidade e que os seus órgãos fossem democráticos e que as decisões fossem tomadas por todos e não exclusivamente pelos directores”, acrescenta, para concluir que este "é o tempo de fazer balanços e mudanças", já que, "em Março, muitos directores que assumiram o cargo em 2008 já não poderão ser reconduzidos". Desde já, deixa um contributo: “O conselho pedagógico tem que ser de novo a força da escola e não apenas o órgão consultivo do director”.
Escolas como uma "fábrica imensa"
Numa altura em que há agrupamentos que somam mais de 30 escolas e outros que congregam mais de quatro mil alunos, o pedagogo Sérgio Niza diz que as escolas estão transformadas “numa espécie de máquinas burocrático-administrativas e não pedagógicas”.
“Enquanto na Europa a média de alunos por conjunto de equipamentos é de 500, em Portugal é de 1500. E aqui perde-se toda a dimensão ecológica de relação entre as pessoas”, alerta o fundador do Movimento Escola Moderna. Feito o diagnóstico, Niza defende que é tempo de reequacionar os agrupamentos de escolas. “Os agrupamentos nasceram para resolver um problema de dimensão e para tornar mais barata a gestão das escolas. Ora, tratar uma escola como sendo uma fábrica imensa é um erro de cálculo que todos vamos pagar. E pagar com dor. A escola requer-se como um espaço extensivo do primeiro espaço de socialização que é a família, e como tal, não pode ser um lugar onde as pessoas se perdem e onde um governador longínquo manda cumprir ordens”.
É verdade que o conselho geral, a quem compete eleger o director e definir as linhas orientadoras da escola, integra professores, funcionários, pais e encarregados de educação, alunos e autarcas, ou seja, pretende-se espelho da comunidade. O problema é que este órgão reúne esporadicamente “e muitas vezes tem dificuldades em reunir quórum”, segundo João Jaime Pires.
“Os conselhos gerais estão demasiado afastados do dia-a-dia da escola”, concorda o presidente da Pró-Inclusão, Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, David Rodrigues. Dizendo-se avesso a “lideranças napoleónicas e todo-poderosas” nas escolas, Rodrigues defende que os conselhos pedagógicos deveriam ser "verdadeiramente os órgãos de gestão das escolas e os directores os seus executores". E "criar um conselho pedagógico representativo de todas as forças da escola implicaria que nele estivessem representados também os professores contratados e de Educação Especial", conclui.
NOTA
Publicado pelo Jornal PÚBLICO a 16 de Dezembro de 2016.
Um tema para ter presente junto de todos quantos leccionam na Madeira, nos Açores ou no Continente.
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