Como nota prévia, não deduzir deste texto qualquer presunção da minha parte. Trata-se, apenas, de um desabafo consequência da constatação que por aí vou vivenciando. Li uma declaração de um autarca da zona oeste da Madeira, dita no quadro das eleições que se aproximam: que se beba "um copo de vinho seco se necessário for". Vamos a isto, porque ainda ontem "tomei quatro ginjas". É o vinho por um voto ou o voto que "cai que nem ginjas". Este tipo de declarações, compaginadas com outras, que transmitem um comportamento, e mais do que isso, uma mentalidade, conduz qualquer pessoa a interrogar-se sobre o papel da escola na mudança dessa mentalidade. Ontem aqui transcrevi uma asserção de Michel de Montaigne (1533/1592): "uma cabeça bem-feita vale mais que uma cabeça cheia".
Uma cabeça cheia de um pseudo-conhecimento, cheia de respostas para esquecer, plena de futilidades, de total irrelevância para a vida, que passa ao lado daquilo que estrutura, forma e predispõe para a aprendizagem, seja ela de que natureza for, parece-me óbvio que transporta o significado do círculo vicioso. Velho Amigo meu, recentemente falecido, sublinho, também ele sem qualquer presunção, tantas vezes me disse: "para eu falar com algumas pessoas tenho de esquecer o que sei". Obviamente, refiro-me a um Homem que leu muito, de todos os géneros, assinou revistas e jornais de referência, amou a música, viveu o teatro, conhecia e discutia a História da Arte, que se emocionava perante uma obra, que não precisou de uma qualquer licenciatura académica para ser o que foi. Fez o seu doutoramento na incessante busca pelo conhecimento. Por isso, a escola pouco ou nada lhe deu, antes a sensibilidade despertou-o para a curiosidade. Tenho presente uma longa noite durante a qual analisámos a palavra curiosidade na formação das crianças e jovens. Ora, em síntese, a escola não tem despertado e não desperta para a ampliação do entendimento dos assuntos. O manual tem estado sempre primeiro e a resposta sempre antes do acto de pensar.
À família compete educar. Os actos mais básicos e universais do relacionamento com os outros devem partir de casa. Obviamente que sim, até porque a escola não pode ou não deveria ser o local de substituição da família. E muitas vezes é. É-me penoso assistir a inúmeras situações que demonstram que a transmissão de princípios e de valores foi secundarizada ou pura e simplesmente não existiu. E isso é dramático pelas consequências a prazo no quadro da tal cabeça "bem-feita". Mas, se a família é manifesta e genericamente incapaz, a escola, de uma forma pedagogicamente transversal, subtil e integrada, tem o dever de ir ao encontro da supressão dos vários défices, na formação do cidadão e pelo efeito multiplicador da sua acção junto dos demais. Apenas "encher a cabeça" de matéria, arrumando-a em não sei quantas gavetas que correspondem às disciplinas do currículo, para reprodução no dia do teste e, quase em acto imediato, remetendo-a para reciclagem, convenhamos que vale muito pouco ou nada. Penso ser nesta compaginação de défices, sobre os quais ninguém actua, que encontramos a eternização dos comportamentos. Beba "um copo de vinho seco se necessário for (...)". Não é o cidadão que tem o dever do domínio das traves-mestras do exercício da política, porque toda a sua vida em redor dela se faz e fará, mas o vinho, a bebida, rasca que seja, que pontifica na captação do voto. A dita "matéria" é para esquecer, todos sabem disso, porque está desarticulada e desintegrada de um processo de conhecimento sustentado e portador de futuro, e aquilo que deveria fazer parte da tão badalada formação integral dos jovens é negligenciada e colocada ao nível do "vinho seco"! E muitos tomam também para esquecer!
Ilustração: Google Imagens.
Sem comentários:
Enviar um comentário