Estou a lembrar-me, entre muitos outros, do Professor Sérgio Niza, de quem ando a reler uma colectânea de documentos, docente que desde há 50 anos luta por uma mudança nas características do ensino-aprendizagem que enformam o Sistema Educativo Nacional. Tenho presente os textos do Professor António Nóvoa e a luta de um outro, o Professor José Pacheco, por uma escola que rompa com o formato criado há duzentos anos que, embora com dezenas de projectos, mantém todas as suas traves-mestras essenciais. Tenho presente investigadores, autores com diversas formações académicas, intervenções, textos em revistas de especialidade e vídeos publicados, Dissertações de Mestrado e Teses de Doutoramento, sobretudo nas Ciências da Educação que, no essencial, alertam para a absoluta necessidade de mudança de paradigma. Quem governa não aprende? Repito, aqui, sintetizando, o que já por diversas vezes divulguei: "como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente? O desencontro é inevitável" - Professor Paula Brito, em uma aula de Psicopedagogia que assisti, em 1970! Tratou-se, aliás, da frase que daí em diante marcou o rumo do meu pensamento. Mais recentemente, ouvi José Pacheco, hoje "refugiado" no Brasil onde é respeitado, dizer uma coisa tão simples quanto esta: "se eu preparava com rigor pedagógico as minhas aulas e os alunos não aprendiam, então não aprendiam porque eu dava aulas".
Não me quero afastar ao que venho. Os professores vivem, hoje, um drama, por tudo aquilo e onde se juntam as profundas desigualdades sociais: 1. a infernal e paranóica burocracia profissional associada ao processo ensino-aprendizagem; 2. a "indisciplina" de causas e contornos múltiplos. Relembro o Professor Joaquim Azevedo, da Universidade Católica, que foi muito claro sobre o sistema: "(...) a escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito", pelo que "a indisciplina cresce, cresce, cresce", cada vez mais. Saberão os governantes as razões mais substantivas? Uns não sabem e outros fingem não saber, é a minha convicção; 3. os programas que têm de debitar, disciplina a disciplina, ignorando a capacidade que os alunos transportam através de uma informação e vivências acumuladas, fora do ambiente escolar, por via do acesso aos mais variados meios; 4. finalmente, o espartilho da sua própria avaliação de desempenho que os encosta à parede da submissão. Dir-se-á: ou obedeces às imposições da hierarquia, ou estás liquidado! Corolário disto, já não é, apenas, a Síndrome de Burnout que a muitos invade, o estado depressivo, o esgotamento físico e mental intenso que marca a vida de muitos docentes. A caminho vem uma sintomatologia associada, tendencialmente mais complexa. Se a luta de muitos, ao longo de dezenas de anos, por uma mudança paradigmática do sistema, foi lenta, mas teoricamente sustentada e assertiva, baseada no conhecimento e na experiência, porém, distante da recente envolvência tecnológica, no tempo que estamos a viver, sublinho, em aceleração constante, estão a associar-se, de forma agravada, outras variáveis, face às quais, a maioria dos professores não está preparada. Pela idade e pela rotina, qual metáfora, do autocarro: professor conduz e alunos atrás como passageiros. São tempos que exigem paulatinas mudanças em contexto integrado, algumas, até, radicais, na estrutura organizacional e no pensamento pedagógico. Tempos que exigem dizer não ao passado, assumindo, como ainda ontem aqui deixei que "(...) o professor do século XXI deve ensinar o que ele não conhece. É aí que a inovação começa (...)". "Estudantes e professores devem aprender juntos e desenvolver os mesmos interesses".
A consequência previsível do marcar passo será (já é) esta: por um lado, alunos que rejeitam um sistema educativo contrário aos seus interesses e expectativas, porque desajustado da realidade e do conhecimento que transportam com origem diversa, portanto, desmotivador e gerador de perturbação nas relações entre docentes e discentes; por outro, professores, a quem lhes é pedido o cumprimento de programas acompanhados da perniciosa obsessão pelas avaliações, incapazes de agarrar o fio à meada das exigências das novas gerações, nascidas na plenitude da era da informação, da comunicação e dos meios que o desenvolvimento tecnológico colocou à disposição. É um dilema, reconheço, que não se resolve com o palavreado político da robótica, dos diplomas e com prémios meritocráticos!
Cruzo-me com professores que se dizem exaustos, cansados da vivência da escola, que só aparentemente se dizem felizes com aquilo que fazem, que sentem a necessidade da tal mudança, porém, invariavelmente, perguntam-me: mas como fazê-la? Começa aí a pescadinha de rabo na boca! Um círculo vicioso preocupante e doentio. Se, por um lado, há uma tomada de consciência que o caminho deverá ser distintivo, por outro, não sabem que rumo operacionalizar. Confrontam-se com o sistema político, com as regras impostas, com os normativos, com a rotina e com o natural sofrimento de quem sabe que este já não é chão que produza felicidade, para uns e outros. E seria bom que a secretaria regional da Educação tomasse consciência que estes problemas são estruturais e não se resolvem com projectos localizados, tipo "penso rápido", como o "mindfulness". Há dias, no meio de uma conversa sobre "... o que fazer", exprimi o que aprendi, embora em um outro contexto, com a leitura de Peter Drucker: no futuro só haverá lugar a dois tipos de gestores: "os rápidos e os mortos". Isto é, ou se adaptam ou sobrevirá o sofrimento por inadaptação. Compreendeu a aproximação e ficou-me a olhar. É isso. O "Burnout profissional que pode ser entendido como um estado emocional persistente e permanente que conduz a exaustão física, emocional e psicológica" (Pines & Aronson, 1988), será mais grave porque é impossível manter um sistema em completo desencontro com a vida. Depois queixam-se de haver tanto atestado médico.
Ilustração: Google Imagens.
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