Colega que muito estimo, há dias, conversando, desabafei sobre o ambiente de desmobilização entre professores, a todos os níveis que se possa enquadrar. De pronto ripostou: sabe, não existe classe docente! De facto, para existir uma classe, não no sentido da estratificação social e de tudo o que daí decorre, mas de um corpo de pessoas, no âmbito em que falávamos, preocupadas no plano profissional (salvo excepções) necessário se torna que estejam imbuídas dos mesmos princípios, de pensamento crítico, livre e de valores solidários. Nesta linha de raciocínio não basta cumprir o horário e o programa, participar neste ou naquele projecto, elaborar todos os relatórios e preencher todas as minuciosas grelhas, embora inconsequentes, solicitadas pela hierarquia, enfeitando os documentos com palavras melosas, enaltecendo ou batendo palmas às chefias, como quem aguarda algum benefício na próxima curva. Para o êxito de uma Escola ou de um sistema, isso valerá zero. Existe sentido de classe quando se lança um olhar e é sensível que uma larga maioria sabe onde está e onde quer chegar, luta por tais desideratos, não se acobarda, antes, democraticamente, faz valer a sua voz nos sítios certos, desde o conselho de turma à assembleia de escola, demonstra conhecimento e argumenta, sem receio, seja lá com quem for. Mais, ainda, é solidário com os colegas, não silenciando injustiças e pressões várias.
Caros professores: a Escola não tem dono específico. A Escola brota da sociedade, logo, é pertença e responsabilidade de todos. Ninguém tem, no plano político ou de circunstancial gestão de um estabelecimento de educação ou de ensino, o direito de subverter ou condicionar o pensamento e os diversos posicionamentos, apenas para agradar e demonstrar subserviência de A a Z da hierarquia política. Uma coisa é cumprir, escrupulosamente, os deveres estatuídos, outra é gerar e, subtilmente, impor, pelos diversos canais, o silêncio e um ambiente de cega obediência a uma só cabeça. Como se ela fosse portadora de uma qualquer "verdade absoluta". Portanto, se o "vértice estratégico" está errado ou emperrado, uma classe que se dê ao respeito, enfrenta-o com determinação. Se o sistema educativo está errado, tantos o dizem, a classe tem o dever e o direito de corrigi-lo. Não afrontar porque se beneficia de teias criadas e de alguns euros, porque se está à espera de um sim financeiro ou de horas para o projecto x, y ou z, significa isso demitir-se das causas maiores. No essencial o que está aqui em causa é um dos princípios do desenvolvimento: o da participação. O que equivale dizer, ou as pessoas participam ou os processos morrem. Tão simples quanto isto.
Confesso que nunca me dei mal com esta forma de estar e com a frontalidade. Fi-lo porque a batalha da Educação não se faz com silêncios e tolas subordinações. Faz-se no respeito por ambas as partes. O saldo, pelo menos na minha leitura, foi positivo. Questionarão, se adiantou alguma coisa, uma vez que tudo continua na mesma? Talvez, considerando que o exercício da cidadania activa implica, no respeito pelos outros, o permanente questionamento. No mínimo, não atraiçoei a minha consciência. Houve quem não gostasse, obviamente, mas a coluna falou mais alto. Porque sempre entendi que a classe devia se livrar das amarras impostas, dos erros grosseiros que caiem em cascata por incompreensão da realidade; devia sobrepôr-se, com humildade, à incompetência alardeada, em voz baixa, nos corredores e à mesa do café, entre uma e outra aula; devia estudar os diversos dossiês como pressuposto fundamental para desenvolver a capacidade de saber dizer NÃO. Lamento dizê-lo, mas essa saudável luta, feita de paixão e amor aos outros e à profissão, está cada vez mais distante. Daí que regresse à pergunta inicial: haverá classe docente? Convictamente, NÃO. Talvez, por isso, estamos onde estamos.
Ilustração: Google Imagens.
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