Para quem exerce(eu) a docência é gratificante quando um ex-aluno reconhece o trabalho realizado, isto é, a influência positiva que o professor teve na sua vida. Não há palavras que exprimam as sensações. Significa que foi deixada uma semente que germinou. A "carta do leitor" que hoje li, assinada por Luis Andrade, teve o condão de levar-me a relê-la com todo o cuidado. Uma carta que não fala das múltiplas, quase infindáveis disciplinas curriculares, não fala de programas e conteúdos e não coloca o acento tónico na, por vezes, execrável mexeriquice da hierarquia política. É uma carta que destaca o que um professor lhe deixou: sonho, vida, esperança, ousadia, futuro, sociedade justa, liberdade, democracia, solidariedade, causas, princípios, convicções e muita inquietação. Tudo palavras que estão no texto de elogio ao seu ex-professor Joaquim Sousa, da Escola do Curral. Mais do que aquilo que designam por "conhecimento" na ponta da língua, para debitar no dia do teste ou do exame e, mor das vezes, para logo ser esquecido, no aluno ficou a perenidade de um conjunto de padrões de conduta, base determinante na formação e afirmação do ser. Eu diria que, neste caso, a ESCOLA funcionou. A CULTURA funcionou! E a partir dali, naturalmente, o professor acaba por ter o mérito porque possibilitou a abertura da grande janela do conhecimento que, sublinho, se encontra muito para além da escola.
A escola, enquanto estabelecimento de aprendizagem, deveria ser todas aquelas palavras e outras mais, inculcadas de uma forma transversal, enquanto alicerce estrutural do edifício da formação. Como dizem vários autores, o resto, felizmente, está na net. O que lá não está é a empatia, o saber colocar-se no lugar do outro, a compreensão e a capacidade de constituir-se como o mediador entre o ser e o mundo.
A propósito, li, há muitos anos, um livro cujo autor, julgo que Gusdorf, G., dizia que "ninguém ensina nada a ninguém", apenas tocamos e fazemos despertar o conhecimento adormecido. Ou então, na esteira de Paulo Freire, "(...) ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo". O que lá não está, na net, é o fazer despertar o pensamento crítico e o gosto pela curiosidade. Aí não existe tenologia que substitua o professor. Deixo-vos, então, com esta carta que é o melhor tributo que um ex-aluno pode fazer a um professor.
"Pensei que não passaríamos mais por estes tempos.
Nem parece que já vai fazer quarenta e cinco anos que renasceu a Liberdade em Portugal!
E depois de tudo o que se tem sabido que a Secretaria Regional de Educação tem feito a esse grande Homem que é o Professor Joaquim Sousa, não posso deixar de prestar a minha homenagem ao Homem que me ensinou que nunca é tarde para ser feliz nem para sonhar.
Fui aluno do professor e ainda hoje sou influenciado por este Homem, a quem muito devo. Obrigado por nunca me ter deixado desistir professor!
Porque se há pessoas em que profissão e a vida se confundem, ele é um deles.
Não havia aula que não transmitisse, passo a passo, a essência da vida, a esperança num mundo melhor, mais igual, mais amigo do ambiente, um ambientalista, um sonhador.
Mas quem era este jovem, que tinha mais 10 anos do que eu e era mais novo que o meu irmão, que nos dizia que podíamos ser mais do que nos diziam, que podíamos sonhar com as melhores universidades, com profissões que víamos na televisão, que podíamos poder ousar sonhar.
Ao longo dos anos fui acompanhando a sua inquietação.
Disse-me um dia que estes meninos iriam surpreender o país, a escola do Curral seria a curto prazo a escola com melhores resultados da Madeira e ainda seria a melhor escola portuguesa nos exames nacionais, na altura ri-me era como a académica ser campeã nacional.
No 20 de fevereiro atravessou as montanhas a pé e esteve com os alunos e aí mostrou a sua capacidade de estar com os seus.
Ao fim de quase 20 anos vejo o Professor como um viajante infatigável, como alguém que prefere perder a abdicar dos seus princípios, que acima de tudo acredita que pode contribuir para uma sociedade mais justa. São raros esses Homens.
Um dia perguntei-lhe porque não vinha para o continente e ele respondeu-me que estava no solo em que edificaria as suas raízes. Tentei demovê-lo, disse-lhe que a Madeira era uma terra perdida para além dos poderosos ninguém poderia crescer, fez-me uma proclamação de esperança.
E, um a um, foi alcançando os objetivos que se propôs. No Natal de 2015 disse-lhe para ir embora, tinha conseguido o que se propusera e as invejas eram muitas. Disse-me que ia sair, mas não saiu e está a acontecer esta vergonha. Também por isso não volto, a liberdade e a democracia ainda não chegaram verdadeiramente à Madeira.
A sua voz e entusiasmo sempre nos ligou ao futuro.
É de enaltecer que passados vinte anos continue o mesmo. Apaixonado por causas. Desligado dos interesses. Valente nas convicções. Intransigente na solidariedade, arrojado nas refregas e uma incessante capacidade de sonhar.
Continua fiel a si próprio. Sempre fiel como muitas vezes nos dizia.
Obrigado Prof. Joaquim Sousa
Luís Andrade"
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