A declaração em título é do secretário regional da Educação da Madeira. Esta espécie de "sentença" é totalmente gratuita e, talvez, por isso mesmo, enquadra-se na lógica de uma propaganda política de trazer por casa. É pobre. Melhor e mais compreensível seria dizer que se trata de uma opção ideológica que corresponde ao pensamento dominante no partido ao qual o governante pertence. Competiria, depois, no momento do julgamento, no acto eleitoral, o povo decidir se deseja que trinta milhões dos seus impostos sejam aplicados em um sector que não é prioritário à luz do texto constitucional. As questões políticas, esclarecidas junto dos eleitores, decidem-se no plano democrático. Ora, o governo tem maioria absoluta no parlamento, entende que deve oferecer trinta milhões ao sector educativo privado, pois bem, está no seu pleno direito. Não deve é colocar na consciência de outros aquilo que entende ser correcto.
Não conheço um professor ou um sindicalista que seja contra a existência de um segmento privado na Educação. Até os corpos sociais dos sindicatos contam com a presença de representantes das escola ditas privadas. Pode existir, eu é que não conheço! Todos com quem me cruzei ao longo da vida são favoráveis à existência de estabelecimentos de aprendizagem privados, complementares do sector público, na esteira da livre opção das famílias. Daí que, repito, seja gratuito dizer que "há quem queira fechar as escolas privadas". É um tiro de pólvora seca! Politicamente, um desastre e uma desonestidade intelectual.
O que está em causa são três aspectos essenciais: primeiro, a questão ideológica, isto é, o privado é bom, o público não serve. Tudo, ou quase, deve ser privatizado! Daí, a crescente tendência para a desresponsabilização do sistema constitucional público passando-a para a esfera do privado; segundo, em contraponto, perguntar-se-á, se é bom para o privado, que razões sustentam que não seja bom para o público? Terceiro, trata-se de uma questão economicista (também ideológica, claro), porque reduz os encargos orçamentais públicos ao mesmo tempo que transfere para os pais e encarregados de educação uma "dupla tributação", isto é, pagam em sede de IRS para que tenham direito à Educação e, depois, voltam a comparticipar na escola privada.
O interessante disto é que de privado a maioria das escolas têm muito pouco. Quem subsidia tem a faca e o queijo na mão, simplesmente porque quem paga, tendencialmente controla. Coloca uma parte dos professores, supervisiona e até interfere na organização pedagógica. Afinal, onde está a pureza do privado, questiono? Ora, pessoalmente, nada tenho contra o sector privado na Educação. É um sector com existência legítima. Outra coisa é quem paga a legitimidade de alguns poderem optar. São trinta milhões, montante significativo, quando as escolas públicas andam com atrasos relevantes nos pagamentos a fornecedores, quando o dinheiro é escasso para cumprirem os seus projectos educativos, quando se sabe que há associações de pais que recolhem dinheiro para ajudar com algum material e quando se sabe que até papel higiénico, pasme-se, tantas vezes falta.
A escola pública é a prioridade, porque é Constitucional, é pois um dever do Estado. E essa escola pública tem o dever de ser universal, inclusiva, de rigor, de qualidade e assente na excelência. Não entendo a escola de outra maneira.
E há aqui um facto muito curioso que, aliás, já reportei: "Investigadores compararam notas do curso e avisam: pagar pelo ensino pode valer acesso à faculdade, mas não garante uma preparação de qualidade". "(...) Os estudantes de Medicina provenientes do Ensino Secundário privado reprovam mais do que os colegas que vieram das escolas públicas. (...) O estudo, que comparou os resultados de 1700 alunos que frequentaram a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) entre 2007 e 2014 (...) A análise dos resultados revelou que, no primeiro ano do curso, a taxa de reprovação a pelo menos uma unidade curricular dos estudantes provenientes do privado foi de 43%, enquanto a dos alunos do público foi de 34%."Além disso, os alunos do privado apresentaram, em média, notas inferiores aos do público até ao quinto ano."
Finalmente, perante este estudo (existem outros) o secretário da Educação deveria então assumir que se trata de uma mera aposta ideológica e, já agora, dizer, publicamente, "quem é que quer fechar as escolas privadas"?
Ilustração: Google Imagens.
Fonte: DN-Madeira, edição de hoje.
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