sábado, 6 de outubro de 2018

NA ESCOLA OS JOVENS TÊM DE "METER A MÃO NA MASSA"


Estava a jantar, em amena cavaqueira, quando, a propósito de uma figura, hoje empresário de sucesso na região norte, veio à baila a sua avó que um dia disparou: "o Francisco (nome fictício) todos os dias entra na escola; a escola é que não entra nele". Rimos, naturalmente, porque encaixava como a última peça do puzzle que a nossa conversa acabava de construir. Falávamos da escola, da desmotivação dos alunos, do insucesso, mas sobretudo da dissintonia entre a escola que estes jovens dispõem e aquela que deveriam ter. Em um tempo tecnológico, infelizmente, há cérebros políticos tão pequeninos que teimam em manter as estruturas organizacionais e pedagógicas do passado. Fazem-me lembrar o Raul Solnado quando, com refinado humor, dizia que há testas tão pequenas que para as ideias entrarem têm de ir de gatas!


Aliás, esta história das crianças que entram na escola, mas a escola não entra nelas, já começa a cansar tantos são os autores e especialistas em educação que têm vindo a se debruçar sobre o tema. Vêm agora falar de percentagens na iniciativa curricular. Um pronto-socorro para um enorme incêndio. Deixem-se, por favor, de tretas, porque o êxito não passa por aí. A questão reside na aparência de uma mudança, mas que mantém as mesmas características, ou semelhantes, do ensino tradicional. O que deve ser colocado em cima da mesa, enquanto reflexão séria, não é a manutenção de um modelo, mas a configuração de um novo paradigma pedagógico que conduza à aprendizagem e não ao ensino. De que vale, pergunto, dizer a uma escola que pode dispor de 25% na gestão do currículo se, na prática, o formato pedagógico é o mesmo ou idêntico? 
Sejamos claros, há uma diferença entre modelo e paradigma. O modelo tem uma característica estática, que respeita, escrupulosamente, as fases de construção de qualquer coisa que os adultos entendem como necessária; o paradigma tem um significado diferente, pois é qualquer coisa global pela qual me guio mas, permanentemente, me adapto. O modelo não permite adaptações. Portanto, a escola não precisa de modelos, precisa de um novo paradigma organizacional e pedagógico, onde as crianças possam aprender distantes do modelo de ensino. Eu diria que elas precisam de "meter a mão na massa" e, para isso, exigem, para serem felizes na escola e aprenderem a desaprender, de um sistema mais horizontal e colaborativo do que de um verticalizado e castrador do pensamento. É, por isso, que hoje se fala de estabelecimentos de aprendizagem e não de estabelecimentos de ensino.

Ora, ter a capacidade de configurar uma determinada percentagem na gestão do currículo, significa que a hierarquia política não quer perder a mão sobre o controlo das escolas e dos professores. Trata-se de uma mistificação, pelo que não faz qualquer sentido meter o mundo que os adultos idealizam e querem na cabeça de crianças que não o desejam.

Eu sei que tudo isto é muito complexo e que a conjugação de todas as variáveis não se resolve com um simples estalido de dedos. Tem muitas implicações, directas e indirectas. Mas de uma coisa estou certo, é que não vale a pena jogar com a sorte do talvez dê, como quem "atira barro à parede". Há necessidade de estudo, planeamento e muita assertividade. E isso leva tempo, muito tempo, desde a conceptualização de um novo paradigma até à formação dos professores. Só neste âmbito, no caso dos professores, convenhamos, que, genericamente, não estão sensibilizados para a imprescindível mudança. São muitos anos, cada um na sua disciplina, em um "dá e avalia", "chumba ou passa", quando hoje o caminho já não pode ser esse, envolve uma enorme transversalidade no conhecimento que em nada se assemelha à segmentação por disciplinas.
E tenham a certeza de um outro aspecto: quanto mais retardarem a partida pior será. A classe dos professores está cada vez mais envelhecida e cansada e os mais novos, uns, estão arredados do sistema, outros andam com a casa às costas, deambulando pelo país "vendendo" aulas. Muitos dos mais novos, os que desejaram ser professores e que, por necessidade, procuraram alternativas de vida, se porventura um dia regressarem, das duas uma, ou perderam o fulgor ou estão desactualizados face às novas dinâmicas. Assim, é grande a probabilidade do sistema ficar confrontado e refém de novos dilemas. Não ver o que se está a passar é grave, muito grave. É caso para dizer que, a continuar desta forma, "o(s) Francisco(s) (nome fictício) todos os dias entra(rão) na escola; a escola é que não entra(rá) neles".
Ilustração: Google Imagens.

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