terça-feira, 2 de outubro de 2018

OS TPC AOS TRÊS ANOS - "FAZER RISCOS"


Achei muita graça, mas fiquei a pensar. Saí de casa para dar, apenas, setenta passos em direcção à escola do meu neto mais novo, de três anos. Cheguei à sala, vi-o divertido, obviamente. Olhou-me e correu ao meu encontro. O ritual seguiu-se: ir à sala onde estão penduradas a mochila, o casaco e a lancheira. Tudo preparado e ala para casa. Foi-me falando do dia com os amiguinhos. Relatório feito e, já em casa, colocada a "bagagem" no sítio certo, olhou-me e disse naquela voz infantil: "vou fazer os tpc". Os tpc?, retorqui. A "pessoura" mandou fazer riscos, concluiu. E lá foi fazê-los em cores variadas.


Achei muita graça, repito, pelo quadro vivido, pois trata-se de um neto, mas aquilo, de acordo com o que estudei sobre o desenvolvimento motor e a importância do jogo, deixou-me a reflectir. Isso levou-me a reler um texto que publiquei há muitos anos: "(...) entrávamos na escola a 7 de Outubro, agora um mês antes, e havia tempo para o jogo em um sentido lato, tempo para brincar de forma muito séria. Como sublinhou Jean Chateau (1961), "se o jogo desenvolve as funções latentes, compreende-se que o ser mais bem dotado é aquele que mais joga" (...) "para ela quase toda a atividade é jogo, e é pelo jogo que ela descobre e antecipa as condutas superiores". Para Claparède, in Psychologie de l'enfant e pédagogie expérimentale (não tinha eu ainda nascido), "o jogo é o trabalho, o bem, o dever, o ideal de vida. É a única atmosfera em que o seu ser psicológico pode respirar, e, consequentemente, pode agir" (...) Perguntar por que joga a criança, é perguntar por que é criança". Ou então, na palavra de Schiller "o Homem não é completo senão quando joga". 
Ora, isto desperta-me duas reflexões complementares: "fazer riscos" entendo como uma preocupação pela motricidade fina que antecipa, por exemplo, a escrita, só que isso deve ser concretizado no leque das múltiplas actividades do estabelecimento de aprendizagem. Não em casa. Outra, que trago como preocupação maior, é a crescente tendência, que começa muito cedo, para a desestruturação social que conduz a uma certa escravização do mundo da criança, levando-a a passar horas a mais em um mundo que não deve ser o seu. O seu mundo é o jogo. Hoje, menos "ipad" e mais, muito mais, o tal jogo onde possa "descobrir e antecipar as condutas superiores". 
Este dado deveria ser motivo de reflexão: relativamente a Portugal, as crianças finlandesas passam, na escola, menos 40% do tempo e, no entanto, conseguem melhores resultados. Fazem menos "riscos", digo eu!
Mas que achei graça ao sentido de responsabilidade, claro que achei!
Ilustração: Google Imagens.

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