quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A educação positiva


Será "pela positiva" que os pais se tornam melhores pais?
Há ideias simples que representam sínteses inteligentes de um conjunto de princípios da psicologia e que, muito depressa, se transformam em termos que ganham tracção na opinião pública e se repetem, repetem e repetem. Exemplo disso serão, a "inteligência emocional" ou a "educação positiva". Por mais que nem sempre essas ideias sejam utilizadas com a robustez e fundamentação que o bom senso exigiria, há quem, a propósito delas, fale de "estudos científicos" e lhes junte algumas pitadas avulsas de "neurociências" e, de repente, temos pessoas das mais diversas profissões a fazer "couching parental". Isto é , tudo aquilo que não ousamos fazer a propósito da medicina, da engenharia ou do direito. Com um risco (grande) desse voluntarismo levar alguns pais ao engano.



Uma ideia assim estruturada duma "educação positiva" pretende colocar-se como alternativa a uma "educação repressiva", que seria severa e ancorada na obediência. Ao contrário da "educação repressiva", a "educação positiva" tomaria em consideração a empatia e o respeito pelas emoções das crianças.
Foquemo-nos na empatia. E na ideia de, para não interferirem negativamente no equilíbrio entre desenvolvimento mental e equilíbrio nervoso, os pais "terem de ser" empáticos. Ora, ninguém é empático porque tenha ser empático. Ninguém é empático num contexto de "faz de conta". E não é por uma pessoa reivindicar a sua empatia que é empático. [Aliás, empatia, vinculação e tantos outros termos da psicologia, por mais que sejam um património de todos, mereciam ser compreendidos com outro rigor por parte de quem os reclama para se evitarem muitos equívocos.] Por outras palavras: para muitos pais, ser-se empático é entendido como condescender, não culpabilizar as crianças como sinónimo de ser-se justo, respeitar as emoções delas e persuadi-las a não expressaram algumas delas, e negociar com os filhos (por tudo e por nada) como a alternativa "positiva" a repreendê-las ou a ordenar-lhes o que os pais muito bem entendam que será protector para elas.

Sejamos prudentes: eu acho que muitas destas receitas "positivas", imaginadas para se retirar o medo às crianças, sempre que são manuseadas de forma precipitada, se tornam excelentes para trazer medo e insegurança à espontaneidade dos pais. Como se, a determinada altura, a empatia fosse uma espécie de "dieta parental", que - independentemente de não ser muito claro se os pais passam a escutar, de forma genuína, os filhos ou se dão atenção àquilo que eles consideram "politicamente correcto" - resulta sempre. Na verdade, muitas destas "receitas positivas" têm sido responsáveis por crianças inseguras, agitadas, com falta de regras, desafiadoras (e, por vezes, insolentes). E muito "cheias de si"; em vez de serem saudavelmente seguras. Por carência de boa educação.

Para mais, parece-me a mim, que continuamos, perigosamente, a confundir autoritarismo e autoridade, como se fossem sinónimos. A autoridade dos pais é tão opressiva para as crianças como o direito para a democracia. Isto é, as crianças precisam da autoridade dos pais, não tanto porque nasçam para serem subjugadas por eles, mas porque, para elas, a autoridade dos pais é sinónimo de bondade, de sabedoria e de sentido de justiça. Logo, negociar por sistema é exercer a autoridade num registo medroso. Que, em vez de as ajudar a crescer de forma saudável (com nãos, com advertências e com alguns episódios mais "imperativos" dos pais, sempre que eles entendem, de forma intuitiva, que os tenham de assumir), parece cultivar uma ideia de um presumível respeito pelas crianças que, no fim de contas, os leva a lidar, muitas vezes, com elas como se fossem "peças de porcelana". Em resumo, é estranho que o respeito pela infância pareça levar muitos pais a sentirem-se tolhidos por tantas "receitas" e a demitirem-se, mais do que seria sensato que o fizessem, de ser pais. Tudo ao contrário ao contrário daquilo que o respeito pela infância merecia.
Tenhamos, então, a ponderação de poupar os pais a meias-verdades que os levam ao equívoco. As crianças ganham se os pais as sentirem, sim. Ganham se eles, ao mesmo tempo que se recordam das suas infâncias, forem capazes de as imaginar; sem dúvida. E ganham se eles não as culpabilizarem, claro. Mas ganham, também, se, sempre que for necessário, as repreendam. Se exigirem aquilo que, em bom senso, entendam que não só não é negociável como, sobretudo, as protege. E ganham, também, se eles assumirem que o colo não as estraga. Mas que colo sem nãos é um alimento sem sal. E, sim, ganham se compreenderem as emoções dos filhos sem que isso suponha que deixem de compreender as suas. E que compreender as emoções não é domesticá-las; é entender os motivos pelos quais elas são como são. E actuar sobre elas. Se for o caso.
Por isso mesmo, tenho medo que muitas destas "receitas positivas", em nome da empatia, reprimam o "instinto maternal" e o "sexto sentido" dos pais. Que são termos de senso comum que dão a entender que somos pais em função de muitos sinais que o nosso "equipamento de base" é capaz de intuir. Que não perdemos nada se a isso juntarmos a nossa experiência de filhos e os exemplos dos nossos pais. E se, para mais, escutarmos quem, de forma fundamentada, nos traga contraditório a tudo aquilo que supúnhamos saber como pais. Sem que com isso nos tornemos tecnocratas em parentalidade, que é aquilo que os pais não podem ser. Sem que se ponha no mesmo cesto pessoas tecnicamente experimentadas, pessoas voluntariosas sem formação e, já agora, alguns blogs que, tudo junto, confundem os pais e que lhes tiram espontaneidade e autenticidade. E que lhes trazem muito medo e culpabilidade de se deixarem ir pela sua intuição. E que os põem a reproduzir conceitos que, parecendo slogans, não lhes trazem os recursos de que eles precisariam para serem melhores pais. Sempre com a salvaguarda de que reproduzir não é escolher, condescender não é entender e aceitar não é compreender.
Afinal, será "pela positiva" que os pais se tornam melhores pais? Se for de forma inconsistente, não. E será que a infância dos filhos ganha com isso? Receio que não.

Por 
Eduardo Sá
Psicólogo

Sem comentários:

Enviar um comentário