quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Carência de boa educação


Entro no supermercado, dirijo-me à peixaria e, enquanto escamam o peixe, oiço uma discussão sobre folgas de serviço (!). Passo por um "cash & cary", vou à frente e faço marcha atrás para colocar o automóvel dentro do espaço correcto. Entra um sujeito e estaciona exactamente o carro a meio de dois espaços de estacionamento. Em silêncio, fiquei a olhar, e o sujeito lá foi à sua vida. Desço uma escada rolante, com duas pessoas a ocuparem todo o espaço, peço licença para passar e oiço: "não tenho culpa disto andar devagar". Há tempos, estava entretido a pescar, aproximou-se um sujeito e, no cais, lá vai isto: dois sacos de plástico, cheios de restos, tudo para o mar. Vou na estrada e assisto a  velocidades desadequadas, gestos e palavrões de arrepiar. Vou a um serviço, aguardo, e quando chega a minha vez o funcionário(a) fica a olhar para o computador como se eu fosse transparente. Calo-me, até que me olhe nos olhos e perceba ao que vou. Até em um simples cumprimento, a muito custo somos correspondidos.


Há excepções, muitas, obviamente que sim. Não tomo o todo pela parte. O que quero dizer é que a Educação já teve melhores dias. E isto tem pouco a ver com a origem social, mas tão-somente com regras básicas que se aprendem. Cumprir horários, tarefas definidas, prazos de execução, ser rigoroso e responsável, não ser corrupto, eu sei lá, tudo o que tem a ver com a vivência em sociedade, tem por base os princípios orientadores de uma boa educação. 
E porque é que isto acontece, bastas vezes me questiono.  
Ora bem, nunca aceitei que empurrassem para a escola tudo o que as famílias não assumem como deveres. Muitos erros comportamentais têm origem exactamente aí, na ausência de consistentes, sensibilizadoras e punitivas políticas de família. E com o passar dos anos, a liberdade com responsabilidade foi, paulatinamente, resvalando para uma certa libertinagem, para uma ausência de subordinação a regras, desde as mais elementares àquelas que chocam. Quase tudo é possível e quase tudo é tolerado, não vão os meninos ficarem complexados ou revoltados! E o círculo vicioso fecha-se, agora, com adultos que se comportam em função das suas próprias vivências e tolerâncias intuí durante muitos anos.
Mas isto não significa que a escola, enquanto estabelecimento de aprendizagem não tenha responsabilidades. Tem e muitas. Escrevi, se bem repararam, "estabelecimento de aprendizagem" e não "estabelecimento de ensino", daí que a aprendizagem não deva se quedar pela simples ou complexa transmissão de conhecimentos programáticos. Há um ambiente e uma mentalidade que  lá deveria nascer, e que está muito para além do sentido enciclopédico a que subordinam os alunos. Está muito para além dos níveis e notas atribuídos, muito para além de exaustivas grelhas de avaliação, com percentagens para tudo, mas, paradoxalmente, sem que essa aprendizagem tivesse sido transversalmente vivida e sentida no dia-a-dia. Portanto, em suma, há responsabilidades de ambas as partes, da família e da escola e, naturalmente, por extensão, dos que desempenham cargos de natureza política, também eles culpados por este constante deslizar, entre o que deveria ser assumido como luta por uma população educada, culta e distante de lacunas que não ajudam uma saudável vida de relação social. A percepção que existe é que andam, mor das vezes, atrás do prejuízo e raramente na dianteira da prevenção.

Os casos "Maregas" que nos deixam com um sentimento de profunda tristeza e revolta, não são mais do que a falência de uma humanista aprendizagem para a aceitação dos outros. A aprendizagem tem estado mais focada em um enciclopedismo bacoco do que naquilo que é prioritário e estrutural. E o que é estrutural suporta todos os posteriores conhecimentos relevantes.  Prepara-se para um exame, repetindo até à exaustão, mas não se prepara para a vida que é muito mais complexa do que uma série de matérias, muitas vezes desconexas, desligadas do sentido vocacional, dos múltiplos caminhos que cada um deseja seguir e, daí, destinadas ao esquecimento depois de uma dada prova de "avaliação". A educação é muito mais do que isto!

Nesta escola, melhor, neste sistema dito educativo, não há tempo para a aprendizagem, apenas subsiste o tempo para o "ensino"; não existe tempo para a reflexão, mas para a repetição, a memorização e para a luta de uns contra os outros, raramente, o trabalho com os outros; nesta escola, grosso modo, aprende-se a violência, não a tolerância; nesta escola que deveria funcionar de braço dado com as famílias e com as instituições em geral, não há margem para o crescimento de uma mentalidade diferente daquela que nos arrelia, mas sim para a recorrência do erro que acaba por se multiplicar em actos desprezíveis. É, por isso, que crescem como cogumelos programas televisivos e de rádio, sobretudo desportivos e políticos, indescritíveis, de permanente ofensa, com pessoas que não aprenderam e que trazem consigo a matriz da má educação e, quantas vezes, do ódio. Os "Maregas" são vítimas de uma escola que "ensina" as regras das modalidades desportivas, promove, até, testes de avaliação sobre essas regras, mas não promove a aprendizagem dos princípios e dos valores que contrariem, entre outras, as rivalidades doentias. De que estávamos à espera? 
Há uma profunda necessidade de rever tudo e de tudo questionar. A lei não resolve a questão central: a da educação. Temos de procurar as causas, a montante e a jusante, não no pressuposto de tudo resolver, mas de caminhar em um sentido de celebração do ser humano. Essa é a grande obra que está por edificar e "inaugurar".
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Artigo publicado no blogue:
www.gnose.eu

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