segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

É preciso proibir tablets e telemóveis nas escolas


Por
Raquel Varela
VozProf
31/01/2020 

A ignorância, e a falta de relações sociais nas escolas deste país galopam a olhos vistos. Mas a responsabilidade é dos adultos. De todas as distopias a que mais me convence é a do colapso cultural pelo domínio tecnológico, o uso do telemóvel e tablets. O homem agarrado à máquina, dependente da máquina. Dou aulas em Associações, sindicatos, centros culturais, municípios, tenho com frequência públicos de centenas de pessoas, na sua larga maioria ou reformados ou mais velhos, todos com mais de 50 anos estão com caderno na mão a tomar notas, a escrever, a questionar, a rir-se comigo. Não sei como e quando se deu a ruptura nos hábitos de leitura das gerações mais novas. Mas ninguém se iluda – o nosso cérebro precisa de ler, descansar sobre o que leu, pensar sobre o que leu, escrever com a mão (cujo tempo e fixação na memória e reflexão é distinto do teclado), para criar mais, pensar mais e melhor.



Em Silicon Valley, onde se inventaram os telemóveis, os quadros superiores criaram escolas para os seus filhos onde não existe qualquer aparelho tecnológico, e os telemóveis estão proibidos. 
Descobriram por exemplo que quem usa telemóvel tem mais depressão, mais obesidade. E que quem constrói um cubo físico ganha noção de volume, quem o faz no tablet não. Que brincar e pular, colectivamente, é fundamental para produzir hormonas de bem estar, ter um fisico saudável, e saber relacionar-se. Precisam de horas e horas por dia destas brincadeiras. Os mesmos engenheiros que colocaram um tablet ou telemóvel na mão de milhões de crianças e jovens permanentemente hiper estimulados por um écran, cuja luz “azul”, brilho, repetição, e hiper actividade são destrutivos para o pensamento abstracto, e as emoções. Vou a escolas e nos intervalos há dezenas de miúdos ao lado uns dos outros cada um, sós, sozinhos, a olhar o telemóvel. Os psiquiatras já alertaram para uma epidemia de depressão por falta de afetos provocada pela solidão das redes sociais, que são uma aparência de relação. Não são “redes sociais” mas a destruição da sociabilidade. Não nos dão bem estar porque, embora elevem níveis de prazer cerebrais imediatos, no médio prazo têm o efeito contrário, destroem esse centros de bem estar localizados no nosso cérebro. Têm um efeito que hoje muitos médicos comparam à droga, como a cocaína – no imediato prazer, no médio prazo depressão. Sim, podemos estar à beira de uma catástrofe emocional, relacional e intelectual pelo domínio que os telemóveis têm hoje. Não sei como esta geração vai pensar, criar, sorrir, convencer ou discordar, gerir conflitos, e mesmo fazer amor, construir amizades, cuidar dos seus e ser cuidado.

Os meus filhos sempre tiveram regras apertadas no uso destas máquinas, às quais não tiveram algum acesso até aos 12 anos, a TV estava desligada de segunda a sexta. Liam 2 livros por dia para crianças. Este mês um deles, que aprendeu trompete, lê Sagan e Sachs, toca cavaquinho, é auto didacta de italiano, um desportista, e um tipo super bem disposto (não é um chato, marrão) informou-nos que tirou todas as redes sociais porque aquilo “distrai-o de pensar e porque não precisa de filmar e tirar fotos porque o melhor fica cá, na nossa cabeça”. Estuda ciências mas conseguimos convencê-lo que se for para ciências, ou medicina, precisa de ser culto, e abrir horizontes. 

Não pode só estudar biologia e matemática. Não pode não ler os clássicos. Está a tirar um curso de desenho, e ontem perguntou-nos quando vamos começar o nosso recém baptizado Clube de Cinema José Mário Branco, ao qual, sugeriu ele “podemos adicionar um clube de leitura”. Não vos digo isto para “mostrar” os meus filhos, que “geniais”. Eles são novos, educá-los tem sido um desafio, às vezes sem grandes certezas. O que vos posso garantir é que esta atitude dele vai fazê-lo mais autónomo, mais inteligente, mais critico, menos manipulável e, por isso, mais livre. Por ser ele a fazer, e não a máquina a fazer por ele.
Tenho, porém, a certeza, que esta decisão não pode ser individual, e familiar, não pode estar na mão de um tipo qualquer mais auto controlado, ou de pais mais conscientes – esta é uma questão de saúde pública. É preciso proibir a utilização de telemóveis e tablets nas escolas, seja no intervalo ou não. O Governo anunciou que vai comprar mais telemóveis e tablets para as escolas para melhorar a qualidade destas, quando as escolas para terem sucesso precisam de docentes bem pagos, turmas pequenas, intervalos maiores, redução do tempo de escola, muita brincadeira e muita ciência e pedagogia séria. Para aprender é preciso ser feliz, e para ser feliz é preciso aprender. O tablet vai ainda piorar tudo. As crianças são a nossa responsabilidade, dos adultos. Não nos podemos demitir.
Fonte: RaquelVarela

NOTA

Uma opinião que deveria ser exaustivamente debatida. Tenho a minha opinião sobre esta matéria, não coincidente com o texto da Doutora Raquel Varela, porque entendo que o que está em causa é um novo sentido organizacional da escola, um outro paradigma curricular e programático, onde a tecnologia entre de forma necessária, sem exclusão de todas as outras preocupações referidas no artigo. Está em causa uma nova MENTALIDADE no uso das tecnologias.

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