quinta-feira, 8 de abril de 2021

Debate (?) sobre a Educação

  

Resumo: mais do mesmo. Pandemia, vacinação, poncha, comunismo, ensino presencial vs a distância, famílias ricas e famílias pobres, "Pai Natal", trincheiras, transportes, estacionamentos, Continente, Madeira e Venezuela, agricultura, ambiente, elogios, bocas desagradáveis, números, discurso fofinho e, no final, "tudo como dantes... quartel-general na Avenida Arriaga". Novas ideias? Zero. Qual o caminho que estão a percorrer para atingir um objectivo? Zero. Qual é o objectivo? Zero. O que dizem os investigadores e autores face à necessidade de desenhar um novo sistema mesmo no quadro constitucional? Zero. Se alguém estava à espera de uma resposta, mesmo que ténue, por exemplo, sobre o que disse, em recente entrevista, o Matemático Salman Khan, que "(...) a escola tradicional não responde ao funcionamento do cérebro, porque as redes neuronais funcionam com a associação de ideias, não com temas estanques" e que "esse é outro dos problemas da sala de aula actual, onde persiste a mentalidade de que é preciso seguir o programa e respeitar o calendário (...)", ora, se alguém estava à espera de uma resposta, repito, obviamente que não a obteve. Um "debate" que valeu zero!



Se ali estivessem a assistir alguns dos grandes pensadores, os que investigam, compaginam, experimentam, que vivem dentro da realidade científica, social e publicam, certamente que abandonariam a sessão. 

O conhecimento "andou quilómetros", porém, a escola, diriam, permanece no cruzamento sem denunciar interesse em seguir um caminho. Não é preciso sequer falar Salman Klan, mas ter presente o Professor Joaquim Azevedo, investigador da Universidade Católica que, em um outro momento, já aqui referi: "A escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito". Ou, então, ter presente o recente artigo de opinião (Dnotícias) da aluna madeirense, estudante de Medicina na Universidade da Madeira que, se dirigindo à classe política assumiu: "ousem criar a escola que a sociedade vos exige". Ela pediu que dissessem "não à passividade, à inércia e à continuidade". Ninguém leu? Ninguém interpretou a profundidade das palavras escritas? Obviamente que leram. O problema é que é mais fácil a opção pela rotina, mesmo que doentia, a qualquer rasgo inteligente, inovador e portador de futuro. 

Não sinto frustração enquanto professor que fui. Mas sinto que não fiz o esforço necessário na ajuda na mudança de mentalidade. Em algumas circunstâncias sinto que fui "padre" em uma freguesia de "ateus". Jamais desejei tornar a minha como a única "verdade". Isso nunca. Tenho presente as turmas de 4º ano na Universidade da Madeira onde, invariavelmente, começava a primeira aula do ano dizendo-lhes que estava ali para contrariar alguns conhecimentos transmitidos e avaliados, face a outros que entendia como consistentes em função do mundo que estava a desabrochar. Que não desejava que, conceptualmente, seguissem o que lhes transmitia, mas que estudassem e construíssem o seu próprio caminho. Uns estudaram...

A sessão de hoje na Assembleia foi, tal como outras, para esquecer. Amanhã tudo continuará igual. No próximo ano, idem. Foi tempo perdido. Ora, o problema da Educação não é consequência da pandemia; o problema não reside em dois anos que dizem ter sido "perturbados" pelo ensino a distância (então não foi dito que tinha sido um sucesso?); o problema não reside em recuperar as tais ditas "aprendizagens" que não foram concretizadas à luz dos programas (porventura sabem outras e importantes); o problema não se situa no que consideram ser o drama da avaliação; o problema não está na gratuitidade dos manuais (está tudo na net); o problema não é de taxas e de percentagens disto e daquilo; o grave problema organizacional e pedagógico não tem nada a ver com a Constituição da República; o problema do número de alunos por estabelecimento de aprendizagem não tem nada a ver com a Constituição; o problema não reside na criação de um "plano de saúde mental escolar" e o problema não está, exclusivamente, nas desigualdades sociais, porque elas sempre existiram. Apenas há que combatê-las com políticas integradas e transversais; o problema não está na necessidade de mais psicólogos ou de mais auxiliares de acção educativa. Centrar o debate nesse campo pode significar a falência do sistema. O problema é muito mais profundo, isto é, quando as escolas matam o potencial de cada um, peneirando e excluindo, através de uma orientação que torna os espaços escolares em "gaiolas", na feliz expressão do pedagogo Rubem Alves. E os "pássaros em gaiolas não aprendem a voar". E isso tem a ver, aí sim, com a organização das escolas e com a sua autonomia. O problema, como expressou o Professor António Nóvoa, é a escola que não consegue romper com o passado para apresentar-se, adequadamente, prospectiva (...) Precisamos de vistas largas, de um pensamento que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito", salientou. 


Ainda recentemente publiquei aqui um texto onde trouxe à colação Amélia Veiga, que falou de Richard Feynman, Nobel da Física, em 1965, figura que destacou dois tipos de conhecimento: o que se foca em conhecer o nome que se dá à ‘coisa’ e o conhecimento sobre a 'coisa'. O nome que se dá à 'coisa', em uma leitura sistémica, portanto, mais alargada e abrangente, significa o enciclopedismo da escola, onde fazem crer que tudo é importante. Daí a repetição até à exaustão da 'coisa', para que ela seja objecto de avaliação e atribuição de um nível ou de uma nota. O conhecimento da 'coisa', paradoxalmente, torna-se irrelevante. E ele é, indubitavelmente, fundamental. Ele transforma, molda, liberta e torna melhores os seres humanos e, na esteira de Eduardo Lourenço, mais sábios. O problema reside, portanto, em dois tipos de escola: uma, embora dizendo que não, que se fecha ao mundo e outra que se abre tal como uma espiral que cresce do centro (aluno) para fora e jamais tem fim. É essa a escola e a aprendizagem libertadora.

O escritor António Lobo Antunes, em artigo, referiu-se à pergunta de Dumas: 
"Porque é que há tantas crianças inteligentes e tantos adultos estúpidos? A minha resposta a esta questão, diz Lobo Antunes, é outra. Há muitas crianças inteligentes e muitos adultos estúpidos, porque perdemos muitas crianças quando elas começaram a crescer. Por inveja, claro. Mas, sobretudo, por medo." A questão é esta, "porque a sociedade precisa de medíocres".

Como se depreende, se quisessem, o debate poderia ter sido elucidativo e promissor. De resto, enunciar dados e ou percentagens que, aliás, são públicos, de pouco interesse se reveste, esgrimindo argumentos assentes na preocupação de ludibriar e de parecer ter uma razão insofismável. Preferível seria trazer para o centro do debate as grandes preocupações na construção de uma escola de verdadeira aprendizagem. Isso equivaleria à preocupação de romper, eu diria mesmo destruir, o actual sistema e, paulatinamente, sair do cruzamento, deixar o ar apalermado e optar por um caminho. Só que não desejam. Preferem comparações anquilosadas... que, em 2015, o quadro era este e em 2021 é outro. Pois, dir-se-á, que no tempo do Afonso Henriques estavamos bem piores, quando não é isso que está em causa.

Razão tem António Lobo Antunes: "Gostamos dos idiotas porque não nos colocam em causa". Sair do convencional torna-se perigoso; discutir o actual conceito de escola é doloroso; discutir o actual conceito de turma, causa sofrimento; discutir o conceito de aula, para alguns, é aflitivo; discutir uma autêntica autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem é pernicioso porque se perde a rédia; discutir a burocracia levada ao extremo é angustiante; discutir que o professor deve falar menos, para alguns, é colocar em causa o saber e a autoridade. Enfim, sirvo-me das palavras de Merli Bergeron: "Há qualquer coisa de podre na Educação" e não há ninguém que ponha ordem no sector de uma região autónoma política e administrativamente. Há qualquer coisa de podre quando, deliberadamente, se mente dizendo que existe "um ensino à medida de cada um". Mais. Parafraseando, eu diria que há qualquer coisa de podre na sociedade, quando os políticos falam da escola e ignoram a taxa de pobreza infantil que tem estado sempre acima da taxa de pobreza geral. Portanto, se a sociedade está errada, a escola não pode estar melhor. Discutam isso. A própria pandemia, tenham isto presente, poderia ser uma oportunidade e não uma ameaça. Mas para isso, inteligência e coragem, dão-se alvísseras! Hoje, pasme-se, até restou tempo regimental para discutir os temas da Educação. E o "debate" foi dado por encerrado.

Ilustração: Google Imagens.

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