sexta-feira, 30 de abril de 2021

Limitação de mandatos nos órgãos dos estabelecimentos de aprendizagem


A Escola não constitui uma instituição à margem da sociedade. Ela emerge da sociedade, logo deve enquadrar-se no regime democrático que escolhemos viver. Ora, assim sendo, não faz qualquer sentido que, por exemplo, o próprio Presidente da República esteja limitado a dois mandatos e que os órgãos de uma escola não tenham qualquer limitação. O chumbo que a maioria parlamentar impôs à proposta de decreto legislativo regional, apresentado pelo JPP, obviamente que, do ponto de vista político, não é inocente. Qualquer pessoa percebe as razões de tal atitude.



Não vou aqui tecer considerações que seriam sempre subjectivas e até abusivas face ao trabalho sério e empenhado que muitos professores realizam nas direcções das escolas. Pois bem, apesar de eu ter uma leitura política sobre os motivos que estão na origem do chumbo à proposta do JPP, intencionalmente, não quero entrar por aí. Seria misturar situações de exclusiva paixão pelo trabalho, com outras que podem suscitar a ideia de correias de transmissão de uma determinada vontade política do poder. 

A questão essencial é outra. É que a democracia exige o interesse pela alternância para que as instituições respirem, se mobilizem e se tornem criativas e inovadoras. Mesmo no sistema empresarial privado, os designados CEO (chief executive officer) são mudados pela necessidade de gerar novas dinâmicas. O pensamento sustentado e divergente só traz benefícios às organizações. O que está em causa não é ser contra, mas ver e actuar de forma diferente. As mudanças trazem consigo vontade em operacionalizar e autonomizar relativamente aos poderes instituídos, com evidente em pleno respeito bilateral. É a diferença entre ter um mandato e ser mandado. Significa isto, em oposição, que a rotina e a submissão conduzem à morte organizacional, perdendo-se a finalidade e a missão. A rotina mata a existência de novos e promissores projectos, limita a comunicação interna e externa, e a ausência de autonomia, sinónima de submissão à vontade de outros, não promove a coesão interna entre as diversas áreas da organização, por isso mesmo, mata uma desejável cultura de princípios e de valores da escola. 

Por outro lado, o chumbo à proposta do JPP denuncia, claramente, uma proximidade a um pensamento de ontem, retrógrado e inadequado aos tempos que vivemos e ao conhecimento existente. Isto é, ontem, hierarquicamente, a responsabilidade era determinada entre os definem as grandes linhas estratégicas (governo) e os executores (professores). Hoje, isso não é inteligível. Caso para trazer, uma vez mais, à colação o Professor Licínio Lima quando tão bem situou esta questão. O poder, dizendo não dizendo, com as suas atitudes, acaba por sublinhar: "sejam autónomos nas decisões que já tomámos por vós". Há, portanto, uma questão de intencional centralização das orientações, de cega obediência por medo, tal como na fábrica da Sociedade Industrial, (a escola não é uma fábrica) quando hoje não devem existir compartimentos estanques. Até porque, por um lado, os estabelecimentos de aprendizagem são entidades complexas e vivas a todos os níveis de análise, por outro, porque são diferentes uns dos outros, desde os territórios onde actuam, aos  públicos que servem e aos professores que os compõem. 

Se são dois mandatos ou três não discuto. O limite de anos, idem. O princípio que deve ser assumido é que ninguém se deve eternizar, por dez, quinze, vinte e quase trinta anos nos órgãos de uma escola. Estou aqui a escrever e na memória trago as palavras de D. Manuel Martins, Bispo Emérito de Setúbal. Em 2011 transcrevi as suas palavras: "(...) as alternâncias são sempre boas. Por muito boa que seja a pessoa que está, a partir de determinada altura alternar é bom. Já tive essa experiência na minha vida. Fui professor, saí, entrou outro, foi óptimo; fui vigário-geral, saí, entrou outro, foi óptimo; fui bispo em Setúbal, saí, entrou outro, foi óptimo. A alternância é magnífica a todos os níveis e em todos os sectores porque traz novidade, dá esperança, imprime outro ritmo de vida". Concordo, em absoluto.

Limitar a rotina, fazer apelo à imaginação e ao sonho, provocar a meditação sobre o futuro, reformar profundamente os hábitos do dia-a-dia, ser capaz de ousar e de, entre outros, estimular e motivar as equipas, não é compaginável com a submissão a hierarquias amantes, como dizia A. Tofller, dos "cubículos convencionais de ontem". Os estabelecimentos de aprendizagem precisam de autonomia (não a de papel) e necessitam de alargada participação, para que sejam entidades desiguais, vivas e consequentes.

A talho de foice, tenhamos presente o que se passou na Escola do Curral, onde um professor (e uma equipa), que ganhou as eleições com 78% da vontade da comunidade escolar, mas porque dele o poder político não gostava, viu a sua escola, no dia seguinte, perder a sua autonomia. Foi fundida com outra. Os poderes gostam de ter a rédea muito curta e de saber quem não lhes faz ou faz vénia. Por isso, não acho estranho o chumbo da maioria política no Parlamento da Madeira ao essencial da proposta do JPP. Da parte do PSD foi sempre o seu posicionamento; já da parte do CDS que bom seria terem presente as palavras ditas em legislaturas anteriores, sempre que se discutiram aspectos relacionados com a autonomia das escolas e com a intervenção abusiva do governo! Mas isso é outra história, não é verdade?

Ilustração: Google Imagens. 

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