segunda-feira, 24 de maio de 2021

Desigualdades

 

Três pilares fundamentais no equilíbrio, inclusão e desenvolvimento de uma sociedade: a saúde, a educação e a segurança social. Junta-se, naturalmente, o direito ao trabalho. Quando este entra em derrapagem persistente e falha a segurança social, então aí, o caldo entorna-se. Multiplicam-se os estados de pobreza e o círculo vicioso tende a eternizar-se. Para contrabalançar este estado vegetativo social surgem os discursos políticos emaranhados, aguerridos e, por vezes, ofensivos, mas também envoltos em cores esperançosas, dando sempre a entender que se vive em estabilidade e paz social. Invariavelmente, pioneiros nisto e naquilo e, mor das vezes, abafam o descontentamento com promessas de dinheiro a fundo perdido.



Vive-se em um "cocktail" explosivo limitador da construção de uma sociedade democrática, menos assimétrica, estável e livre. Por maior que seja o controlo, directo e indirecto, sobre o funcionamento global da sociedade, creio que chegará o momento do insuportável, por incompatibilidade entre os direitos de uns e os deveres de outros. 

Leio: "nunca houve tanta espera no SESARAM", isto para dizer que, em 2020, 117.691 pessoas (mais 9,6% que no ano anterior) aguardavam resposta para as necessidades detectadas na saúde. Números assustadores e só tornados públicos depois de um partido (JPP) os ter solicitado pela via judicial. Manter o silêncio parece  constituir lei! Leio, também, que 20.188 pessoas procuravam emprego e que destes apenas 7.454 (37%) recebiam apoio da segurança social. Com outras particularidades à mistura: duas em cada três empresas não sobrevivem mais de cinco anos e que seis mil subsistem com o Rendimento Social de Inserção. Portanto, dados sumários que levam a predizer que este é um terreno fértil para o crescimento da pobreza, que já vai em 32,9% (cerca de 80.000) que sobrevivem, sabe-se lá como, na vida difícil que enfrentam. De que vivem, perguntar-se-á. Do biscate, do trabalho pontual não facturado, da agricultura de subsistência, da caridade das instituições e de alguns expedientes que uma sociedade equilibrada não deveria tolerar. 

Lanço um olhar sobre o outro pilar, o da Educação. É um completo desastre. Escrever sobre as taxas de abandono e de insucesso tornou-se recorrente, tal como relativamente às baixas qualificações profissionais. Preocupante é ter presente que cerca de 30% não conclui o ensino secundário e que cerca de 46% dos cidadãos sem emprego possuem habilitações inferiores ao 3º ciclo do ensino básico. Mais, ainda, quando se constata que mais de 13%, entre os 15 e 34 anos não estão empregados nem frequentam a escola, em formação ou estágio, o drama é, então, arrepiante. E perante isto que, aos poucos, se acentua, ninguém desperta para a realidade e não apresenta adequadas soluções estruturantes.

O sistema vive do folclore da propaganda pensada e alimentada, que começa no titular da pasta, passa pelo coro da Assembleia e acaba na comunicação social. Pensar um sistema com pontes articuladas entre os diversos sectores (a montante e a jusante da escola), desenvolver um pensamento estratégico de antecipação do futuro, libertar o sistema dando aos estabelecimentos de aprendizagem a autonomia necessária na criação de organizações diversificadas, colocar em causa, provocando o debate, os currículos e os programas em função da vida real, alterar, substancialmente, a agulha da burocratização que fere e mata, isto e muito, muito mais, não pertence ao universo das preocupações dos políticos de turno. Por esta via, o sistema não tem possibilidades de regeneração, pelo que os factos, consubstanciados nas evidências, tenderão a agravar-se. Falta pensamento, conhecimento, coragem, humildade e determinação. 

Ainda hoje, a edição do Dnotícias escreve sobre os manuais escolares em versão digital, os quais, diz o governo, são motivo de "estudo internacional" no que concerne à segurança. Quem fica pelas gordas do título dirá que o sistema está na vanguarda, e isso não é verdade. Ora, à Samsung, obviamente, o que lhe interessa é vender. Certo? Não falam do conteúdo, não têm em conta o que T. Bates (Microsoft) sublinhou: que "(...) o bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, pelo que a tecnologia nunca salvará o mau ensino". Falam de salas de aula do futuro, quando o futuro começou há muito. Desprezam o âmago de como aprender e deixam-se enlear pela futilidade, pelas aparências, pelas insignificâncias, preferindo propagandear o irrelevante em detrimento de um pensamento estruturado.

Decorre de tudo isto que acresce a necessidade de uma redobrada atenção de todos sobre os pilares de uma sociedade decente onde não existam mais direitos do que justiça social. Pelo futuro da escola e de uma sociedade portadora de futuro.

Ilustração: Google Imagens.

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