quinta-feira, 21 de junho de 2018

"AULAS" RECOMEÇAM A 12 DE SETEMBRO. "A MINHA ESCOLA É UMA PROSTITUTA"


Diz-se com muita frequência, aliás, frase que se adapta a muitos contextos com a necessária substituição das palavras: "mais escola não significa melhor escola". Quanto muito será mais do mesmo. Tal qual uma máquina. Mete-se o combustível, neste caso, professores, alunos, funcionários e auxiliares, toca a campainha e a fábrica começa a laborar. Sempre da mesma forma. O que produz e como produz pouco interessa. Se tem uma exímia qualidade ou não, pouco interessa, o vértice estratégico encolhe os ombros, pois o financiamento está, orçamentalmente, garantido. Mesmo fraca, "vende-se" bem! Os pais têm de trabalhar de manhã à noite e a Escola, bem, a escola tem de funcionar com as características, quantas vezes, de um armazém. Antes era a 07 de Outubro, hoje a 12 de Setembro. É, por isso, que a Escola quando começa já estão quase todos cansados. Resume Pascal Paulus em Hierarquias, rituais e tradições: "(...) Algumas ‘tradições’ parecem doenças infantis que voltam a provocar danos sempre que se abrande o plano de vacinas. Entre elas, há uma com vários nomes, que atravessa o sistema educativo. 

Mas isto a propósito das "aulas", conceito que não gosto, começarem a 12 de Setembro. Em Março de 2002, li, na Página da Educação, um extraordinário artigo do Professor José Pacheco: "A minha escola é uma prostituta". E é: "porque toda a gente a usa, todos se servem dela, ninguém quer saber dela". Melhor que qualquer texto que poderia aqui desenvolver, deixo-o aqui porque exprime a falta de cultura e de ambição dos responsáveis pelo Sistema Educativo e pela Educação. Entretanto, passaram-se dezasseis anos!

"Na Segunda, à hora do almoço, dei por mim a ver televisão. A filha de Viana de Lemos estava sendo entrevistada e citava nomes de personalidades com os quais o seu pai manteve contacto:
- "... Ferrière, Decroly, Montessori, Freinet...
- Alto! Alto! - atalhou o entrevistador - Não conheço. Nem os telespectadores, certamente, lá em casa! (nem a maioria dos professores, certamente, pensei eu...) E esse tal Freinet? Quem é?
E ela lá explicou que não é, que já era. Explicou o que era a "classe cooperativa", a "imprensa Freinet"...
- Mas isso é muito arrojado! - voltou o Goucha a interromper - Em que altura foi isso?
- O Freinet, nos anos vinte e eu nos anos quarenta - respondeu a professora aposentada, sublinhando que na sua escola de formação (que seria fechada logo após a conclusão do seu curso, em 1936) tinha adquirido conhecimentos que lhe permitiam melhorar a sua prática profissional.
- Mas é extraordinário! - enfatizava o entrevistador - Como se fazia um trabalho tão bom nesse tempo? É preciso ver que o povo estava no obscurantismo.
- Estava e está! - rematou a idosa e sábia mestra.

Ainda agora o ano começou e já estou farta, saturada, pelos cabelos! Ainda bem que vem aí mais uma "pausa pedagógica. Já marquei quarto no Algarve."
"Pausa pedagógica"? - perguntei - não quererás dizer "menopausa pedagógica"? E bem precoce!..."

No Domingo, à noite, o Carlos Cruz conversava com um "fora de série":
- "Diz-me lá: então, as notas? Vão bem?...
- Uma vezes, tenho bom grande; outras vezes, tenho um b pequeno.
- O professor escreve um b pequeno nos trabalhos... é?
- É! - confirmou o "fora de série".
- Estou a ver que as coisas não mudaram muito desde que andei na escola" - rematou o Carlos Cruz
As coisas não mudaram muito na escola?
Escreveu o meu amigo Ademar que "é nas escolas (e nas famílias) que se decide, diariamente, o futuro da humanidade". Perante esta evidência, sobressaltei-me com o desabafo de um jovem professor (que, entretanto, se envolveu na actividade sindical), aquando de uma visita à escola onde trabalhava:
- "A minha escola é uma prostituta!
- Porque dizes isso? - retorqui.
- Porque toda a gente a usa, todos se servem dela, ninguém quer saber dela".
Serão as escolas merecedoras de tão violento epíteto? 
Imaginemos que um professor se atreve a sugerir aos colegas o gasto de um tempinho suplementar para procurar solução para aquele problema do 6º F... Logo a maioria responde que tem mais que fazer; outros, que está na hora de ir buscar os filhos ao infantário; safam-se alguns com o pretexto de terem de completar o magro salário; rematam os mais cínicos que, se ao professor proponente sobra tempo, vá para missionário, que não lhe há-de faltar vocação. 
Imaginemos que uma escola procura novos e melhores caminhos de aprender. Logo a escola vizinha se lança numa cruzada contra a subversiva congénere. Gestores de escolas em part time (i. é., nas horas vagas do trabalho num gabinete de engenharia ou na actividade paroquial) aliam-se a setores a tempo parcial (i. é, o que sobra das frestas do tempo investido na acumulação no colégio ou centro de explicações), numa feroz campanha de difamação. E o tempo que dizem escassear para "dar o programa" sobra-lhes para urdir intrigas, criticar o que não conhecem ou não entendem, mas que os incomoda, por ser um perigo para o satus quo vigente. Pelo meio, a mole imensa dos que usufruem de um horário com muitos "dias livres" e nem dão pelo fenómeno, os que não se querem incomodar, os que marcam o ponto e vão à vida... Estes são os puros de que é feita a escola. 
Mas, como "as coisas não mudaram muito na escola" desde o tempo do Carlos Cruz, até os puros são afectados por sucedâneos de stress e mal-estar docente. Um dador de aulas morre, profissionalmente, aos trinta, mas só é enterrado aos sessenta. Talvez por essa razão, a escassos dias da interrupção de Novembro, era ouvi-la:
- Ainda agora o ano começou e já estou farta, saturada, pelos cabelos! Ainda bem que vem aí mais uma "pausa pedagógica. Já marquei quarto no Algarve."
- "Pausa pedagógica"? - perguntei - não quererás dizer "menopausa pedagógica"? E bem precoce!..."
Apesar das duras evidências, continuo a acreditar nas pessoas dos professores. Poderão chamar-me ingénuo, que não me importo. Que nos valham aqueles a quem a vida ainda não roubou os sonhos, que (apesar de tudo) ainda resistem nas escolas, e os vindouros que nelas hão-de resistir. Através deles, ainda poderemos aspirar a um tempo em que as escolas não possam ser mais comparadas a prostitutas (sem desrespeito por estas profissionais, claro)."
A 12 de Setembro recomeça o"servicinho"!
Ilustração: Google Imagens.

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