Não aceito, mas compreendo, a letargia de quem governa. Compreendo o medo perante a emergência da mudança. Compreendo, para além de alguma falta de estudo e de ambição, a existência de um processo histórico que cristalizou consciências. Compreendo, por um leque variado de factores, que seja natural este posicionamento: passei pela escola autocrática, pela escola inquestionável, vivi e integrei um modelo pedagógico, atingi um objectivo académico e, agora, compete-me repeti-lo. E assim o sistema permanece, indiferente ao tempo, eternizando o círculo vicioso. Compreendo, ainda, face às circunstâncias de um sistema político centralizador, a extrema dificuldade de governantes e professores, por razões distintas, fazerem um "reset" no "aprendido" (e assumido como vaca sagrada) a caminho de uma redefinição de processos. Tal exigiria, obviamente, reiniciar o pensamento organizacional e pedagógico, partindo da configuração do mundo que estamos a viver. E isso, claro, por um lado, apavora, por outro, dá muito trabalho. Compreendo!
A dificuldade está aí, na tomada de consciência do erro primeiro. Por isso não me espanta o genérico alheamento dos professores, a ausência de pensamento reflexivo e crítico, não me surpreende a ausência de debate livre e consequente, não me causam surpresa os processos disciplinares, não fico admirado com a atitude de "maria vai com as outras", o encolher de ombros, o assobiar para o lado, pior, ainda, aquele quadro que é sensível e preocupante que se caracteriza desta forma: "o meu está feito": estive presente, preparei e dei a aula do programa, assinei o livro do ponto, marquei as faltas, compareci às reuniões, produzi as actas, atribui notas ou níveis, fiz parte dos júris de exames, corrigi, passei ou excluí, elaborei o relatório, enfim, "o meu está feito".
Só que a escola é muito mais do que isso. Não é um local de instrução, mas de aprendizagem. E apenas este pressuposto implicaria colocar tudo em causa, desde a assembleia de escola às direcções executivas, passando pelos conselhos pedagógicos, pelos departamentos até aos grupos de disciplina. Em cima da mesa deveria estar, permanentemente, como gerar uma escola que respeite os alunos, as suas origens, os seus sonhos e interesses, capaz de romper com práticas seculares, as quais, por mais importantes que tenham sido em um determinado momento histórico, apresentam-se completamente desadequadas face à quarta revolução industrial, marcada pela convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas. Esse mundo que está aí aos olhos de todos exige ruptura com a velha escola e com o velho sistema de ensino. Não são compagináveis.
Já nos primórdios dos anos 80, para não recuar ainda mais, ao "Admirável Mundo Novo", escrito em 1931, por Aldous Huxley, o romance que prognostica sérios desenvolvimentos, entre outros, na tecnologia, que revolucionaria, profundamente, a sociedade, Alvin Tofller chamava a atenção: "(...) não podemos meter à força o mundo embrionário de amanhã nos cubículos convencionais de ontem" (...) "está a emergir na nossa vida uma nova civilização e por toda a parte há cegos que tentam suprimi-la. Esta nova civilização traz consigo novos estilos de família; modos modificados de trabalhar, amar e viver; uma nova economia; novos conflitos políticos e, além de tudo isto, também uma percepção modificada".
Tofller, em uma curiosa entrevista mais tarde publicada na revista Executiv Digest, a páginas tantas, referindo-se aos estabelecimentos de aprendizagem, acabou por concretizar:
“(...) o Sistema Educativo assemelha-se a uma fábrica que produz informações obsoletas de forma obsoleta; não por não ter os manuais académicos actualizados, mas porque, simplesmente, não estão relacionados com o futuro dos estudantes. Se o modelo de produção que lhes é ensinado é a produção em linha, eles ficarão preparados para trabalhar em processos de rotina, repetitivos, que ignoram o indivíduo. Já foi moda, mas nos últimos 100 a 150 anos”. E diz mais: quando iniciou a sua actividade profissional o seu chefe “não queria o seu cérebro, mas sim os seus músculos”. Compaginado com este posicionamento, Tom Peters, um guru da gestão, mais tarde viria a sublinhar: “bem vindos ao mundo do soft e da massa cinzenta”.
No actual sistema, a escola que permanece, configura aquilo que não deveria ser. Desde há muitos anos. Ali impera, ainda, uma absurda rotina e um discurso aberrante, todos os anos pintados de fresco (leia-se, com acertos marginais) e, depois, paradoxalmente, pedem inovação a quem viveu, durante anos, castrado no pensamento. É por isso que acompanho o significado mais profundo das posições do Professor José Pacheco que, há dias, de forma séria, emotiva e provocante dizia: "(...) numa aula nada se aprende" (...) "uma prova nada prova" (...) existe "um genocídio educacional" promovido "por múmias pedagógicas" (...) "quem dá aula está fora da lei". Ora bem, o que é que isto significa? Muito.
Há que esmiuçar fugindo à leitura fácil e literal das palavras.
Há que esmiuçar fugindo à leitura fácil e literal das palavras.
Então, genericamente, perguntar-se-á, como operacionalizar a mudança de um paradigma de instrução para um outro de aprendizagem? Desde logo estudando em grupo fazendo das escolas grandes mesas de diálogo de produção de pensamento; acreditando que os professores são capazes; libertando as escolas através da descentralização e do respeito pela sua autonomia; reduzindo ao essencial aquilo que hoje constitui a paranóia burocrática; despindo-se de antigas convicções; colocando em causa o sistema organizacional de ciclos, os currículos, os programas, os manuais e os formatos pedagógicos; errando e prosseguindo, sempre no pressuposto que não existem "modelos únicos", tal como não existem duas escolas iguais, dois públicos iguais e dois grupos de professores iguais. Enfim, no quadro da Autonomia, lutando pela existência de "um país três sistemas". Sempre com rigor, porque não se deve brincar com a Educação.
Se assim não acontecer, politicamente, no caso específico da Região Autónoma da Madeira, estará em causa a própria Autonomia. Para que serviu a regionalização? Apenas para criar edifícios? Essa é a parte mais fácil, convenhamos. Ora, o sistema não precisa de uma pesada e complexa secretaria regional que funcione, por um lado, como "caixa de correio" do ministério, por outro, como fonte de peitos cheios de ar viciado. Tenham presente que a Educação não é gerível através de um piloto automático. Mas é isso que, anualmente, está a acontecer, com chefias cegas relativamente ao que já está a acontecer um pouco por todo o país, onde estão a emergir escolas sem turmas, sem aulas, nem "fatinhos à medida". Existe aprendizagem de sucesso.
Publicado no blogue:
www.gnose.eu
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Ilustração: Google Imagens.
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