Aproxima-se o início do ano escolar. Mais um com a marca da letargia de sempre. Em uma só palavra: rotina. A doentia rotina está de regresso. Aulas, muitas aulas, currículos, extensos programas, reuniões do conselho pedagógico (!), reuniões de departamento, de turma e de grupo, toques de entrada e de saída, muitos manuais, avaliações às dúzias, muita burocracia e, apesar de toda essa azáfama, na generalidade, o continuado e progressivo desinteresse pela escola. Sejamos claros: cansaço que envolve alunos e também professores. Basta perguntar aos alunos e basta ler, repito ler, os investigadores e autores que se debruçam sobre a escola do século XXI. Um chega ao ponto de designá-la, em contraponto ao que deveria ser, por “catedral do tédio”. Para Ilídia Cabral, docente universitária e investigadora, não subsistem dúvidas sobre o desfecho: “As escolas têm de aprender a ensinar no século XXI, sob pena de se tornarem dispensáveis.”
Há um estudo, recente, que envolveu seis mil estudantes portugueses adolescentes, que coloca Portugal na 33ª posição entre 42 países e regiões sujeitas ao estudo. Disse, Daniela Guilherme, hoje com 20 anos, "(...) Não temos voz nas aulas e devíamos ter. É uma das formas de expressão mais importantes". Escreveu a jornalista Clara Viana no trabalho publicado no Público (2016), estudo que agora recupero, que "(…) nem sempre foi assim. Em 1997/98 o país ocupava a segunda posição neste indicador, mas em 2014/2015, ano do último estudo, apenas 25% dos alunos portugueses com 15 anos disseram que gostavam muito da escola. Mais concretamente, põem em causa as aulas, que consideram aborrecidas pela matéria que ali é dada (…)". Isto significa que estamos piores, provavelmente porque, ao contrário de outros, continuamos com uma estrutura de escola assente na linha de montagem do Século XIX. Sublinha a citada docente: permanece o "modelo de organização escolar padronizado, de inspiração fabril, do tipo linha de montagem, que permitiu às escolas darem o mesmo a todos". Porém, prossegue aquela investigadora, os alunos de hoje são bem diferentes do que eram há dois séculos. "São alunos cada vez mais heterogéneos, com acesso quase imediato a inúmeras fontes de informação, nativos digitais para quem as metodologias de ensino tendencialmente expositivas e fragmentadoras do conhecimento se revelam, muitas vezes, totalmente desadequadas e muito pouco apelativas". E é assim que o tempo escolar se "torna, em muitos casos, um tempo vazio de significado para os alunos, por se encontrar completamente afastado da sua realidade, dos seus interesses e das suas necessidades". Retorno a este trabalho jornalístico, porque, entretanto, passaram-se mais dois anos, e a rotina permanece.
"para a maioria dos jovens a escola não tem nada para oferecer neste momento"
É neste quadro que se dá o regresso à escola. Objectivo primeiro: cumprir o manual, debitando muito, mantendo, em simultâneo uma obsessão pela avaliação. Dir-se-á que, em conclusão, é o aluno que se tem de adaptar à escola e não a escola ao aluno! Daí o desencontro entre os interesses e talentos dos alunos e a mentalidade que permanece no sistema educativo. Pior é que não há quem veja isto. Não há, no governo, quem tenha o bom senso de dizer não, dando sinais de uma predisposição para a mudança. Não existe discurso político sobre esta matéria. Tenhamos presente o ridículo: todos os anos, jornais, rádios e televisões falam do peso excessivo das mochilas, os médicos mandam ter cuidado com a coluna das crianças, mas em vão. Continuam a transportar toda aquela tralha dos manuais, absolutamente dispensável se for utilizada, por exemplo, a tecnologia através dos tablets e smartphones. Impossível? Não, é bem possível e desejável. Foi público que, entre outros, o Agrupamento de escolas de Carcavelos, já este ano, dispensou a existência de manuais. Para bem da aprendizagem e para bem dos bolsos dos pais.
Não há coragem para assumir que esta escola está doente, ferida de morte, porque se dedica ao ensino (estabelecimento de ensino), porém, a maioria não aprende, porque a escola ainda não assumiu que é um estabelecimento de aprendizagem. Basta ter presente os aflitivos números do insucesso, do abandono e as qualificações profissionais. Há medo em alterar o sistema. E o medo é de alto-a-baixo: desde o governo, claramente, instalado na sua torre de marfim, incapaz de se deixar fecundar pelo desenvolvimento, até às escolas sem voz nem poder para desenhar a escola onde se aprende. Não é de estranhar que uma aluna, Marta Martins, naquele trabalho a que me referi, tivesse salientado, notem bem: ser "importante reconhecer que mais não é necessariamente melhor" (...) "Passar mais tempo na escola, assimilar maior quantidade de informação, permanecer na escola mais anos, não é sinónimo de garantir a aprendizagem, a motivação ou o sucesso futuro, pelo menos para muitos alunos", alertou. Aliás, acrescentou, ainda: "para a maioria dos jovens a escola não tem nada para oferecer neste momento". Para ela, é esta a questão de fundo que hoje se coloca."
Ora, os alunos sentem este problema, apenas o governo não tem noção da realidade. E assim irá (re)começar a rotina, a persistência no erro, esquecendo-se os mentores desta tragédia que quem repete o passado não pode, no futuro, obter resultados diferentes desse passado. Na Madeira Autónoma, esta Legislatura fica marcada pela ausência de uma qualquer tentativa de inovação. Pior, ainda, a Escola do Curral das Freiras atreveu-se a inovar e o que lhe fizeram foi drástico: fundiram-na com outra. Estou convencido que tal não aconteceu por razões do foro administrativo, mas por razões de organização pedagógica inovadora, porque há quem entenda que, nas palavras de Herman José, é o “presidente da Junta” e, portanto, não pode existir “desrespeito pela hierarquia”. Ora, se esta anda obcecada pela escola do passado, porque vive atulhada em papéis, porque entende que deve ter mão firme sobre tudo e sobre todos, porque, politicamente, pavonear-se é mais importante que a aprendizagem, nada mais lógico do que fechar-se ao mundo, atirando os alunos do centro para a periferia das preocupações.
Ilustração: Google Imagens.
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