segunda-feira, 26 de novembro de 2018

"AMBIENTES INOVADORES DE APRENDIZAGEM"


Julgo que para qualquer professor, sensibilizado para as grandes questões da Educação, a paciência esgota-se sempre que o governo da Madeira aborda este sector. Ontem, li um texto que me fez situar na meia-noite de 31 de Dezembro: o fogo que ilumina o anfiteatro do Funchal e que logo se apaga, continuando tudo na mesma, apesar dos bem intencionados votos. O secretário resolveu fazer mais um disparo, através de uma iniciativa denominada por "Ambientes Inovadores de Aprendizagem". Sublinhou coisinhas que todos dominam: os alunos "já nascem com a tecnologia, pertencem à população digital e terão trabalhos altamente tecnológicos (...) temos de "prepará-los para esses desafios profissionais" (...) "muito diferentes dos padrões a que estávamos habituados". Só não falou do projecto que implicará colocar tudo em causa... simplesmente, porque não existe projecto.

Esta parte essencial da sua intervenção na Escola Secundária Jaime Moniz é desesperante. É mais um tirinho, quando o sector da Educação não subsiste com paleio pontual, em um constante faz-que-anda-mas-não-anda. Decididamente, tenha o governante consciência disto, o problema não está em dotar as escolas de algumas centenas de computadores, para substituir muitos velhíssimos e outros inoperacionais. Tampouco o sistema não se altera apenas por falar de robótica. O problema está, fundamentalmente, na criação de um PROJECTO global para a Região e não em decisões e acções meramente pontuais, desfazadas desse tal "ambiente inovador de aprendizagem". Esse projecto global não existe. Se existisse, há muito que seria tema de debate político e público, para não falar da ânsia de "mostrar serviço". Não existe pensamento político sobre esta matéria e a prova está, passados três anos de mandato (fora os outros) é a rotina, a crescente privatização do sector e o controlo absoluto sobre as escolas e os professores que dominam. Não existe, repito, qualquer "projecto inovador". Aliás, em um à parte, só seria "inovador" se nunca tivesse sido realizado antes, o que não é verdade. Existem projectos em muitos países, relatórios, dissertações e posições muito claras oriundas de vários autores, pensadores e instituições. Portanto, na lógica da Alice na "Região das Maravilhas", quando não se sabe para onde se caminha, qualquer caminho serve. É o que, desde há muito, acontece. Daí ter falado, também, das "salas de aula do futuro". Tratou-se de um outro tirinho porque, a propósito, seria importante conhecer se os projectos dos novos estabelecimentos do Porto Santo e da Ribeira Brava tiveram em conta a arquitectura das tais "salas de aula do futuro". Adiante.
Li, vai para dois anos, uma importante entrevista a Pepe Menéndez, diretor adjunto da Fundació Jesuïtes Educació, da Catalunha. Entre muitas outras, arquivei-a e dela já me socorri algumas vezes. Tenham os leitores em consideração esta parte que aqui deixo, apenas a título de exemplo (existem muitos outros):

"(...) O provincial dos jesuítas pediu-nos há sete anos que fizéssemos a Ratio Studiorum do século XXI: se os jesuítas foram o motor de um modelo educativo, então agora mudem-no em profundidade. Pareceu-nos um desafio muito motivador. Pode parecer um pouco naïf, mas o modelo é mudar o olhar. Em vez de ver as coisas de perto, abrir os olhos e tentar ver o que no século XXI pode fazer crescer uma pessoa num ambiente de globalização, tecnologia, com tanta incerteza. O filósofo [Zygmunt] Bauman fala de um mundo líquido. Neste contexto, como posso ligar-me ao coração dos alunos, à sua motivação?

Como chegaram a este modelo e porquê escolher este e não outro?

É uma tradição dos jesuítas. O nosso delegado mundial de educação disse: nós vamos ao supermercado da pedagogia, apanhamos o que nos agrada e com isso fazemos um modelo. O nosso modelo é sincrético. A Ratio Studiorum já foi assim, um pouco daqui, um pouco dali. Fomos conhecendo modelos diferentes, vimos escolas e fomos agarrando o que nos agradou. Fomos construindo um puzzle, mas as peças têm de encaixar, não podem ser...

... incompatíveis?

Exato. Aplicamos uma parte da [Teoria] das Inteligências Múltiplas (Howard Gardner, 1985, Harvard), uma parte da aprendizagem baseada em problemas, uma parte do trabalho colaborativo, e fazemos um ecossistema. O nosso modelo baseia-se muito no trabalho interdisciplinar por projetos.

Como escolhem os projetos?

Primeiro houve uma fase de pegar na tesoura e no currículo e começar a cortar. O currículo é excessivo, demasiado grande, mas não podes perder os elementos essenciais, tens de garantir que o aluno os aprende. Juntámos um grupo de professores e dissemos: têm de estabelecer prioridades nos conteúdos do currículo. Esse trabalho durou dois anos. Não foram dois meses, foram dois anos. Porque começam a priorizar e só cortam uma parte, e é preciso reduzir mais. O mais importante é garantir que os alunos aprendem os conteúdos. Precisamos de mais tempo, porque precisamos de uma metodologia muito mais construtivista. (...)"

Exemplo de uma antiga sala face aos novos espaços.
Sublinho, levaram alguns anos para dar forma a um novo paradigma, no quadro de uma educação transformadora. Reflectiram, escutaram, visitaram e produziram um novo paradigma de aprendizagem. "Nas actividades propostas, o grupo foi incitado a refletir sobre três questões fundamentais: que escola queremos? Que futuro desejamos? Como deve ser a escola em 2020? (...) Ao todo, foram apresentadas 56 mil ideias. Dessas, 17 propostas foram selecionadas para servir de base para a formulação do modelo sincrético (...)". Deitaram abaixo paredes de salas tradicionais, transformando-as em espaços de conhecimento através de projectos conjuntos, eliminaram a ideia de disciplinas separadas, testes, horários e trabalhos de casa. Tiveram a coragem de "romper com a ideia tradicional de que o professor dá o ensinamento. Definiram que, agora, ele é companheiro e o aluno é protagonista da aprendizagem". 
E assim, "(...) no que sobra do horário, há projectos para concretizar. Os alunos conhecem os objectivos, sejam semanais ou mensais. Eles sabem onde têm de chegar, mas cada um é livre de escolher o caminho para chegar à meta. Esta é a mais-valia deste modelo", defende Jordi López. Daqui se conclui que a definição de um novo paradigma leva, seguramente, alguns anos e, naturalmente, muito investimento desde a transformação dos espaços de aprendizagem até à própria mentalidade vigente. O grande trabalho na Educação é para o aluno, jamais deve ter os governantes como protagonistas. 
Depois, do que li, emerge um outro erro, quanto a mim grave porque desadequado, o de querer controlar tudo até o processo de formação. Li a preocupação de formar "(...) professores para que se familiarizem com este conceito e possam ajudar os alunos" (...) isto é, há que "saber como funcionar, como actuar com essa componente que não fez parte da nossa experiência enquanto estudantes, para nos enquadrarmos, usufruirmos e tirarmos o máximo proveito das tecnologias". Ficou-me claro que, uma vez mais, o processo não nasce de baixo para cima, mas ao contrário. Simplesmente porque os cordelinhos têm de estar nas mãos do governante. Melhor seria que descentralizassem e deixassem os professores organizarem a sua escola. Porque eles não são mentecaptos, uma esmagadora maioria sabe o que quer, apenas está amarrada à portaria, à circular, ao despacho, a uma intencional parafernália burocrática limitadora de qualquer projecto proveniente do debate interno. Amarrada, também, à ausência de investimento. O resto, convenhamos, está tudo ou quase tudo em qualquer motor de busca da Internet e no youtube. Mas é esta mania do medo da descentralização (eles não são capazes sozinhos) que prevalece, cujo exemplo mais recente ficou demonstrado na fusão da Escola do Curral das Freiras, quando esta apenas desejava fazer diferente. E fez! Porém, em vez de potenciarem, destruíram-na! Em vez de a utilizarem como experiência piloto, bloquearam a sua autonomia pedagógica.
Finalmente, do tanto que me fica por escrever (não faltarão oportunidades) se eu estivesse no activo, há muito que tinha, cara-a-cara, perguntado ao secretário: diga-me lá para onde deseja seguir e que plano tem para lá chegar?
Ilustração: Google Imagens.

Nota
Esta pergunta fez-me agora lembrar um almoço que tive com uns generais e brigadeiros da Força Aérea. Um deles contou que, um dia, tinha estado em um jantar muito bem regado. De lá saiu muito confuso. O soldado motorista abriu-lhe a porta do "mercedes benz". Depois, perguntou-lhe: meu General para onde deseja que o leve? E o General respondeu-lhe: "segue a estrela".
Assim está a Educação. 

Texto publicado no blogue:
www.gnose.eu

Sem comentários:

Enviar um comentário