Tenho muita dificuldade em decifrar as intervenções políticas do secretário da Educação do governo regional da Madeira. Normalmente fala, eu diria, sem nexo causal, com ausência de noção do que realmente deve ser o sistema educativo. No seu discurso utiliza uma mescla de palavras que ficam a meio caminho, com contradições e das quais nada resulta. Voltou a acontecer no quadro de um encontro sobre "Partilha de boas práticas em autoavaliação de escolas". No cumprimento desse número político, o secretário considerou que as boas práticas são "um fator de grande economia porque, se elas são boas, à partida, se as fizermos, estaremos a fazê-las bem", aproveitando experiências anteriores com vista á melhoria do sistema. - Fonte JM.
E fez questão de sublinhar o que o Governo Regional pretende: "que acima de tudo a Região possa ter um contexto favorável para o ensino e para a aprendizagem. Isso só será possível se nós estivermos todos envolvidos, se caminharmos todos com os mesmos incentivos e imperativos, mas, acima de tudo, se conhecermos bem a nossa realidade". Vou por partes, embora de forma muito breve.
Perante estas declarações coloco, desde logo, a pergunta: o que são "boas práticas" no sistema educativo? Ora, se o sistema, genericamente, mantém-se inalterável, porque não existe uma única ideia inovadora, logo, se as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, as tais "boas práticas" não passam de um discurso vazio de significado no quadro do sucesso da aprendizagem. Complementarmente, o que são "boas práticas" quando não existem dois estabelecimentos de aprendizagem iguais, dois públicos iguais, duas populações iguais, dois núcleos de professores iguais? Sendo assim, parece-me óbvio, que as tais "boas práticas" são uma mistificação, pelo que não são nem devem ser generalizadas. Se entrarem será pela pancada do martelo com a subserviência dos órgãos dos estabelecimentos!
Primeira conclusão: existe naquele discurso um erro grosseiro de avaliação de processo, quando ignora a autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem, a dinâmica pedagógica que deverá nascer da sua específica comunidade educativa e um indisfarçável desejo de querer generalizar o que, nem em teoria, é defensável. É a política do "acho que...". Aliás, a língua do governante acabou por traí-lo quando sublinhou a ideia de "caminharmos todos com os mesmos incentivos e imperativos". (imperativo significa autoritário, arrogante, prepotente e expressa uma ordem). Em síntese, todos juntos por um sistema "by the book".
Mas existe uma segunda conclusão: o problema da centralização dos processos (um princípio da Sociedade Industrial), isto é, a defesa subliminar da teoria que desemboca em um princípio político: por razões várias, como não devo impôr, associo-me, faço de conta, generalizo, mas sempre com os cordelinhos na mão. Cai, assim, por terra a declaração que li: "(...) só através de um projeto educativo que corresponda aos diferentes contextos, poderemos atingir efetivamente o percurso de sucesso". Ora, esta frase é a contradição do que antes tinha afirmado, isto é, por um lado, manifestou o desejo em difundir as "boas práticas", generalizando-as, por outro, porque fica bem no plano político, dissertou sobre o respeito pelos "diferentes contextos". Em que ficamos? A plateia deve ter-se apercebido, porque é óbvio que não se pode generalizar e ao mesmo tempo falar de diferentes contextos.
Finalmente, o governante ainda não entendeu (ou já percebeu mas não quer), que, para que o sucesso aconteça, necessário se tornará alterar, substancialmente, as traves-mestras do sistema, através de um novo paradigma que respeite a autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem (organização diferenciada), o que implica fugir ao permanente desejo de controlar e esmagar tudo e todos. Isto passa por entusiasmar as direcções e todo o quadro docente no sentido de sonharem e criarem a escola que corresponda à actualidade do conhecimento, passa pela vivificação da formação que as mudanças implicam, passa pela desburocratização da função docente, passa pelos meios necessários à implementação dos projectos de cada escola e passa pela ideia maior que "não é a criança que tem de se adaptar à escola, mas a escola que tem de se adaptar a cada criança" - ver filme de Pierre François Didek, Sonhar o Futuro - A Escola do Futuro/RTP2.
Ah, e passa, também, por fazer um trabalho sério, a montante do sistema educativo, nas famílias e na sociedade em geral. Porque a escola recebe todas as assimetrias sociais, económicas e culturais.
Ah, e passa, também, por fazer um trabalho sério, a montante do sistema educativo, nas famílias e na sociedade em geral. Porque a escola recebe todas as assimetrias sociais, económicas e culturais.
Tudo o resto é fantasia, é discurso político pobre e inconsequente, é marcar a agenda mesmo que a imagem que fique seja a de um sistema "engatado em marcha-atrás".
Ilustração: Google Imagens.
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