quarta-feira, 9 de julho de 2025

"Inteligência artificial" ou desinteligência política?

 

Falam tanto de "transição digital"! Tal como assistimos a um tempo onde, volta e meia, lá vinha a história das "salas de aula do futuro", os "manuais digitais" (que muitos países já abandonaram) e até os projectos no âmbito da "robótica". Agora, o foco está na "inteligência artificial" (Dnotícias, 27 de Junho, página 3). Talvez porque interessa aproveitar a onda.



Ora bem, já tem muitos anos, um distinto colega de profissão, numa rotineira conversa sobre as nossas quase aflições no processo de aprendizagem, dizia-me, com a serenidade e o humor que lhe eram habituais, que o erro é viver-se de "fases masturbatórias"! De autohedonias, salientei. 

Numa aproximação ao sistema educativo, aquela metáfora trazia no seu bojo que nada parecia articulado num pensamento sobre o que se desejava no quadro de uma aprendizagem consistente e portadora de futuro. Eu diria, correspondente às tais três perguntas essenciais de todos os processos: onde estamos, onde queremos chegar e o que fazer para lá chegar? Quando isto não acontece, porque não se sabe ou, então, porque repetir é sempre mais fácil, ao jeito de um "funcionário-sinaleiro" dos papéis que chegam alinhados na pastinha de despacho, obviamente que o futuro de um sector fica, irremediavelmente, comprometido. Ser prospectivo é muito mais difícil. Isso obriga a olhar o mundo para além dos muros da escola ou do governo de turno. E só se antecipa o futuro quando se transporta um sonho e uma visão sustentadas no conhecimento científico. Quando a formação é débil e se associa ao desinteresse, nada a fazer, instala-se a rotina doentia e o marcar passo que faz desesperar quem deseje uma adequada resposta ao ritmo do mundo.

Há políticos que desenvolvem esta característica que mata o conhecimento e o desenvolvimento. Vivem de circunstâncias, de leituras e convicções superficiais, vivem dos casos do dia, o que os impele a falar, por dever de ofício, do que não sabem, sendo até aplaudidos, pasme-se, pelas banalidades disparadas perante plateias amorfas que também sabem como devem comportar-se. Não transportam mundo, porque tampouco o exercício da política os move para um diário questionamento sobre o que fazem ou determinam que se faça. Apenas lhes interessa ter nas mãos essa espécie de "controlo remoto" político, isto é, a "inteligente" manipulação sobre os demais. E aí, tendencialmente, esta subespécie da verdadeira política, sob a ilusória capa da democracia e da autonomia das escolas, subtilmente, persegue, gera o medo e até castiga quem lhes pareça dissonante. É sempre bom ter presente o caso do professor do Curral das Freiras...

O curioso, ou talvez não, é que este tipo de políticos que nos rodeia e inferniza, porque os interesses assim determinam, é colocada no altar com ladainhas que contrariam aquilo que, politicamente, foram ou são. Passaram-se dez anos na liderança de uma pasta determinante para o futuro colectivo e, perante o vazio de ideias, leio e ouço as vozes do costume, com línguas encostadas aos joelhos, tecerem rasgados louvores como se fosse a Madeira um território exemplo para o mundo. Nem estudam nem se dignam visitar outros espaços de referência para perceber como se prepara o futuro. E isso é arreliador.

Tanto que me apetece discorrer sobre este tema. Ficará para um outro momento. Mas sempre adianto que o problema do sistema educativo não se centra na "inteligência artificial", nas "salas do futuro", nos "manuais digitais" ou na "robótica". O problema do sistema reside em não definirem para onde desejam caminhar. O problema tem, assim, uma outra profundidade: é organizacional de sistema e de estabelecimento de educação, é de verdadeira e diferenciada autonomia, é curricular, é programático, é pedagógico e é social em função do que se esconde a montante da escola. Aspectos, entre outros, que determinam a urgência de colocar em debate aberto, distante de "achismos" e de convicções pessoais, a rede escolar, os conceitos de aula, turma, avaliação, a tipologia dos espaços de aprendizagem, o papel do professor que não deve ensinar, mas que tem o dever de fazer aprender, a também infernal burocracia de controlo, que bloqueia o tempo de aprendizagem, no essencial, compromete a existência de uma escola cultural que respeite os talentos e os sonhos que cada um transporta. É essencialmente isto que está em causa. O resto vem sequencial e naturalmente, o que exigirá a utilização das novas ferramentas colocadas ao dispor pela comunidade científica. Aliás, se a preocupação manifestada se relaciona com o crescimento, o desenvolvimento e, obviamente, com a economia, seria bom terem presente uma larga maioria de autores, pensadores, de grandes empregadores e até a OCDE entre outras instituições. Portanto, parece-me um logro desenhar o futuro a partir de impulsos.    

Mas, compreendo: se a sociedade está errada, a escola não pode estar melhor. Se o exercício da política é aquilo que é, não se pode esperar políticos com rasgo, eu diria com visão em função do mundo que está aí ao virar da esquina. É, por estas e muitas outras razões que, levianamente, se apregoam todas aquelas "preocupações" de natureza circunstancial, quando elas, à vista desarmada, percebe-se, que não se integram num projecto de pensamento mais vasto, sustentado, integrado, articulado e credível. Correspondem a ímpetos, às tais "fases masturbatórias" que, rapidamente, passam! Neste caso, nem fica o prazer pela escola! Que o digam os alunos e as estatísticas. Enfim, tenhamos presente que a Escola não existe para satisfação dos políticos, mas dos seus alunos e professores. Consequentemente, ela existe como combate à pobreza e para o desenvolvimento das regiões e do país.

Ilustração: Google Imagens.