segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

PISA visa um modelo educativo colonial


PISA (Programme for International Student Assessement) nada me diz. Na sua essência é uma fraude. Tal como assumiu o Doutor em Educação Pablo Gentili*, Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,  "las pruebas PISA son el concurso de belleza de la pedagogia" (...) "El PISA construye un mecanismo artificial, lo impone y nadie lo cuestiona, y luego compara (...)". 

A páginas tantas, enaltece o Professor: "(...) La OCDE parte de un principio equivocado, de que hay una forma de pensar el desarrollo y el mundo, que es universal, de Shanghái hasta República Dominicana, todos los jóvenes con 15 años tienen que saber un conjunto de cosas que son fundamentales para sobrevivir y progresar en la vida. El fundamento se basa en lo que piensan "un conjunto de burócratas" de una organización dedicada a la economía mundial "de los países más poderosos del mundo" y que se impuso como la visión dominante "a partir de la cual es posible pensar y presentar los objetivos de la educación". Concordo, em absoluto. E porquê? Porque não existem duas economias iguais, duas histórias e culturas iguais, taxas de pobreza iguais, graus de desenvolvimento vs desigualdade idênticos, sistemas educativos semelhantes, existência ou não de experiências educativas distintas, idênticas taxas de investimento na educação em percentagem do PIB, taxas de abandono e de insucesso iguais, por aí fora. Logo, compara-se e alinha-se em um "ranking" o que é incomparável. Trago, novamente, à colação o Doutor Gentili: "(...) Esto no es nada menos que una evaluación de los sistemas educativos nacionales a la luz de estos principios y estas competencias que nunca se ponen en duda y que establece un horizonte, un modelo educativo colonial, dominante y para nada universal ni científico" (...) las pruebas PISA son "un verdadero desastre", se imponen por la fuerza que ejerce la organización poderosa que las realiza en los medios de comunicación (...)".

Ora bem, apesar disto, lá veio o secretário da Educação da Região da Madeira falar dos méritos do sistema, das posições, embora modestas, no quadro das regiões do país, porém sem qualquer preocupação de análise ao que se esconde para além do PISA. Como se os números falassem por si. E não falam! Deveria ter explicado, entre múltiplos aspectos, o seu entendimento entre o grau de pobreza na Região e os resultados; qual a relação entre a gravidade do abandono e do insucesso e os resultados; finalmente, como é que são seleccionados os alunos que fazem os testes PISA, se a amostra é, rigorosamente, aleatória, ou se são por escolha de alguém.  

O secretário evidencia, no seu discurso, "o caminho do sucesso" mas fica a pergunta, qual caminho?  Alguém o conhece? Haverá algum caminho ou esse caminho é o da repetição de processos completamente desadequados em função do Mundo que estamos a viver e daquele que facilmente se adivinha ali ao virar da esquina?
As declarações de Pablo Gentili, ex-secretário executivo do "Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO)" são evidentes: "las pruebas PISA son el concurso de belleza de la pedagogia". A propósito, transcrevo o que escrevi há três anos: "(...) Há, por um lado, diversas realidades históricas, económicas, sociais e culturais, que não permitem, com rigor, comparar o que é incomparável, e, por outro, sabe-se que não é seguro o carácter aleatório de escolha dos alunos que se submetem aos testes. Factos que distorcem e colocam em causa o resultado final. Bastam estes dois aspectos para que se fique de pé atrás na análise dos resultados. Muito mais importante seria conhecer a estrutura dos diversos sistemas educativos, se eles estão ou não adequados ao tempo que vivemos, à própria investigação, se transportam ou não um princípio hierárquico contrário à verdadeira autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem, o grau de formação dos docentes e a sua disponibilidade para aceitar novos paradigmas pedagógicos, mais ainda, qual a relação entre o sistema educativo (a jusante) e as preocupações de natureza social (a montante). São estes aspectos que determinam se os sistemas são ou não portadores de futuro (...)".   
"(...) (PISA), repito, passando ao lado das realidades históricas, económicas, sociais e culturais, trazem no seu bojo uma intenção subliminar conducente à visão do Mundo que a teia deseja operacionalizar. OCDE é uma sigla que significa "Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico". Certo? Portanto, não sejamos inocentes e não façamos de um qualquer "ranking" a radiografia do País ou Região para esgrimir ou enaltecer, partidariamente, posicionamentos que, tarde ou cedo, rebentarão nas próprias mãos". Uma região com altas taxas de repetência, com 30% de pobres, com sérias dificuldades na qualificação profissional, com baixos salários, com altíssimas necessidades de Acção Social Educativa, do básico ao universitário, "com lacunas graves na mentalidade e usufruto dos bens culturais, é lógico que não pode ser uma região cujas crianças, globalmente, sejam felizes e com apetência pelo conhecimento". Mais. Uma região "com uma estrutura do Sistema Educativo assente no Século XIX não pode ter aspirações ao desempenho de países que ultrapassaram o analfabetismo há mais de um século e cujas economias nada têm a ver com a situação portuguesa. É comparar o incomparável. Esqueçamos, pois, os "ranking's ou olhemos para eles de forma distante e fria. Mais avisado será estudar as traves-mestras da estrutura em que assenta o sistema educativo. Porque mais escola e mais horas de Português, de Matemática ou de Ciências, não significam melhor escola e melhor futuro. PISA, por tudo isto, não prova nada. E para que fique claro, sou pelo rigor e pela exigência, só que através de um paradigma organizacional e pedagógico completamente diferente de tudo quanto enformaram os Séculos XIX e XX.
Senhor secretário, integrei, com o decorrer dos anos, duas sínteses que observei dos Mestres com quem muito aprendi e privei: primeiro, só é legítima uma opinião séria e fundamentada quando se faz, também, um esforço sério e fundamentado de estudo das variáveis de um determinado tema; segundo, complementarmente, à partida, todos têm razão, desde que a justifiquem de forma consistente e inequívoca a sua análise. É básico. 
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
A ler, complementarmente, um texto contraditório sobre as políticas da OCDE

* Pablo Gentili. Nascido na Argentina. Doutor em Educação pela Universidade de Buenos Aires. Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autor de A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo (Vozes, 1998) e organizador de Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação (Vozes, 2004).

sábado, 7 de dezembro de 2019

"Não, porque Não"


Um clássico que se mantém entre as expressões dos pais...


O "Não porque não!" de hoje e o "Não porque não!" de há uma geração têm pouco a ver. É claro que, do ponto de vista da forma, são iguais. Mas em relação aquilo que querem dizer são muito diferentes.
Há uma geração, a educação era, seguramente, mais austera. Sem dúvida, mais autoritária. Mais distante. Menos comprometida com os exemplos que os pais davam, todos os dias. E muito pouco implicada a ter, da parte duma criança, uma concordância tácita em relação aos nãos dos pais. Daí que o "Não porque não!" servia para que os pais jamais se dessem ao trabalho de explicar um “Não!”. E com isso seriam, muitas vezes, prepotentes.
Hoje, a educação é, incomparavelmente, mais democrática. Mais acolhedora. Mais desejosa de criar uma autoridade igual para todos só que uns a exercem e os outros a sufragam. Daí que o "Não porque não!" surge, muitas, depois de se terem explicado muitos "nãos", talvez vezes demais. Sendo assim, o "Não porque não!" quer dizer que os pais chegam a um limite em que, com um "Não" mais impetuoso, esperam que uma criança os compreenda. Mais do que os tema.
Há uma geração, o "Não porque não!" representava, sobretudo, uma afirmação autoritária dos pais. Mesmo quando os seus exemplos e aquilo que eles exigiam não coincidissem em nada.
Hoje, o "Não porque não!" quer dizer quase completamente o contrário. Estamos tão convictos dos nossos exemplos e tão certos da justiça das nossas exigências que entendemos não ter de explicar um não. Porque o que somos explica aquilo que exigimos.
Há uma geração atrás o "Não porque não!" gerava medo - muito medo - e a insegurança de, ao desafiá-lo, virem represálias furiosas da parte dos pais.
Hoje, o "Não porque não!" gera receio. E espaço para perguntar "Porquê?" ou para reclamar que "Não é justo!". Mesmo quando se reconhece justeza no acto de exigir.
É claro que nenhuma criança do mundo gosta de ser contrariada. E que, ontem como hoje, o "Não porque não!" nunca mereceu reacções entusiásticas por parte dum filho. Mas enquanto o “Não porque não!” era tudo aquilo que separava os pais dos filhos, o "Não porque não!" de hoje aproxima-os. Sobretudo quando põe algumas regras nalguma "anarquia" que o excesso de explicações ajuda a criar.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O Impacto da Revolução Tecnológica na Educação


Por
Arlindo Oliveira
PÚBLICO
2 de Dezembro de 2019


A profundidade do conhecimento não perdeu importância, mas tornou-se mais relevante ter a capacidade de procurar informação adicional e específica sobre determinados temas do que memorizar dados específicos, métodos ou algoritmos


O impacto da chamada quarta revolução industrial no emprego tem sido amplamente debatido e discutido, dando origem a centenas de estudos e artigos de opinião com as mais variadas conclusões. Porém estes estudos exibem bastantes divergências no que respeita ao previsível impacto da tecnologia no número de empregos que virão a estar disponíveis num futuro a médio prazo, eles são geralmente convergentes num aspecto em particular: a importância de preparar os jovens e os adultos para um futuro onde tecnologias como o digital, a robótica, a inteligência artificial, a biotecnologia, os materiais e as nanotecnologias terão um papel importante.
O moderno sistema educativo, baseado no ensino massificado, onde turmas de alunos com idades semelhantes adquirem um conjunto de competências muito semelhantes definidas por currículos padronizados evoluiu nos últimos dois séculos e é por vezes designado de “modelo fabril”, por analogia às linhas de produção em série que caracterizaram a revolução industrial. Embora o mérito desta analogia tenha sido alvo de bastante discussão, não deixa de ser verdade que o actual modelo, baseado na ideia de uniformidade (“one size fits all”) se tem vindo a revelar progressivamente mais desajustado das necessidades dos estudantes e da sociedade, enfrentando pressões com diversas origens.
Por um lado, existe cada vez mais informação disponível na Internet, que permite aos estudantes terem acesso a aulas, seminários, textos e exercícios sobre as mais diversas matérias, o que torna as aulas puramente expositivas menos atractivas. Há 40 anos, um aluno de engenharia interessado em aprender, por exemplo, cálculo diferencial e integral ou mecânica clássica apenas tinha como opções sentar-se em aulas na universidade ou aprender directamente a partir do estudo individual de livros de texto. Hoje, existem centenas de recursos publicamente acessíveis. Acresce que estas novas metodologias, baseadas em sessões de aprendizagem curtas, interactivas e apelativas, são muito mais adequadas aos jovens de hoje, cuja capacidade de concentração em aulas expositivas mais longas é, em regra, inferior à das anteriores gerações, por força da constante e permanente exposição aos novos media.

Por outro lado, a importância da memorização ou do domínio aprofundado de temas muito específicos, em determinadas áreas técnicas e científicas, caiu com a permanente disponibilidade de recursos especializados, acessíveis à distância de um telemóvel, de um computador ou de um programa que execute um determinado conjunto de cálculos. Um especialista poderá sempre aceder a informação adicional sobre uma doença ou usar um programa para calcular o dimensionamento de uma estrutura, para dar apenas dois exemplos. A profundidade do conhecimento não perdeu importância, mas tornou-se mais relevante ter a capacidade de procurar informação adicional e específica sobre determinados temas do que memorizar dados específicos, métodos ou algoritmos.

Finalmente, existe uma crescente percepção da importância da interdisciplinaridade. Cada vez mais as organizações valorizam profissionais que aliam os conhecimentos da sua especialidade (seja ela engenharia, economia, medicina ou outra área técnica) com competência de trabalho em equipa, conhecimentos de outras áreas e capacidade de comunicação. Muitos dos desafios das organizações exigem abordagens interdisciplinares, porque a adopção com sucesso de novas tecnologias requer abordagens sociais, económicas e psicológicas adequadas.

O sistema educativo, em geral, e o sistema de ensino superior, em particular, tem sido relativamente lento a reagir a estes ventos de mudança. A Academia é muito conservadora e resiste, tenazmente, a alterações no modelo de ensino. Na esmagadora maioria dos casos, a formação numa universidade portuguesa de hoje é muito semelhante à formação de há quatro décadas, embora existam relevantes e meritórias excepções. 

Não só os currículos dos cursos são semelhantes ao que eram, muitos deles rígidos e permitindo aos alunos poucas alternativas, como as aulas são, em si mesmas, muito semelhantes às que eram leccionadas quando eu andei na universidade, no princípio dos anos 80. Existem excepções, naturalmente, e o curso de estudos gerais da Universidade de Lisboa, que dá aos alunos grande flexibilidade na definição do seu currículo, é uma dessas excepções, aliás muito bem documentada num livro da autoria de António Feijó e Miguel Tamen publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Num relatório da OCDE, sobre o ensino superior português, elaborado a pedido do governo e tornado público em 2018​, pode ler-se que “Os programas têm tipicamente estruturas rígidas e são orientados para profissões específicas, permitindo aos alunos uma flexibilidade muito limitada na combinação de disciplinas. Adicionalmente, métodos centrados em aulas tradicionais, com um elevado número de horas de contacto são a norma.” A legislação criada com o Decreto-Lei n.º 65/2018, que extingue os mestrados integrados (cursos monolíticos de cinco anos), com excepção de uma minoria imposta por (muito originais) directivas europeias, veio permitir a diversas áreas, mas especialmente às engenharias, reformular os seus cursos para estarem mais de acordo com as modernas tendências e necessidades.
O Instituto Superior Técnico encarou o desafio criado pela obrigação de transformar os mestrados integrados em cursos de primeiro ciclo (três anos) e segundo ciclo (dois anos) como uma oportunidade para modernizar o ensino da engenharia. No caso do Técnico, a alteração nos currículos incluirá mais interactividade do ensino e uma maior flexibilização dos cursos, permitindo aos alunos uma muito maior liberdade na escolha de opções e áreas de especialização fora da sua área central de conhecimento, como inovação, gestão ou comunicação. Os estudantes terão também, pela primeira vez, a possibilidade de escolher disciplinas de outras faculdades da Universidade de Lisboa, tais como Economia, Direito, Medicina ou Literatura.
Abordagens análogas estão a ser seguidas por outras escolas de engenharia portuguesas, entre as quais a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, as faculdades de ciência e tecnologia da Universidade de Coimbra e da Universidade Nova, a Escola de Engenharia do Minho e a Universidade de Aveiro, que integram, com o Técnico, o Consórcio das Escolas de Engenharia, criado no passado mês de Julho para coordenar e potenciar a capacidade educativa de Portugal nesta área.