segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

QUAL DEVE SER A FUNÇÃO PRIMEIRA DO CONSELHO PEDAGÓGICO?


Pertenci a muitos Conselhos Pedagógicos. Sempre me questionei sobre a verdadeira importância do que ali fazia. E porquê? Pela substancial diferença entre as suas competências, fundamentalmente, as que se fundam na orientação pedagógica de uma escola e as determinações hierárquicas bloqueadoras de qualquer sentido de mudança. Percorrendo a legislação e a generalidade dos regulamentos internos, que desenvolvem os normativos, damos conta que a maioria salienta, em uma das alíneas, que compete ao Conselho Pedagógico "(...) aprovar o desenvolvimento de experiências de inovação pedagógica (...)". Só que, a realidade é bem diferente. A discussão da inovação por ali não passa, nunca passou, apenas são tolerados alguns acertos nas margens mantendo o âmago intocável. 


Sempre foi assim. Discute-se o óbvio, o dia-a-dia, algumas preocupações, elaboram-se pareceres, mas sempre sem qualquer rasgo de mudança. Ah, e faz-se a acta, com todos os pormenores, para que conste, embora o seu destino, tarde ou cedo, seja o arquivo morto! Mais um pormenor: todos anotam as "decisões", para transmitir na reunião de departamento e, sucessivamente, até ao grupo de disciplina. São as rodas dentadas do sistema. Tantas vezes recordo o pedagogo Rubem Alves quando disse que "para os burocratas o que interessa é o que vem no relatório, não as crianças".
Escrevo em jeito de desabafo, com conhecimento de causa, porque tais reuniões sempre me angustiaram. Quantas vezes, nas minhas reflexões, me questionei sobre o significado real de uma alínea das ditas competências do conselho pedagógico, enunciada com estas ou outras palavras: "(...) Dar orientações sobre a uniformização dos procedimentos a tomar para as planificações, critérios de avaliação, matrizes, informação-prova, e outros documentos de natureza pedagógica sob proposta dos departamentos curriculares (...)". A minha pergunta teve sempre uma resposta plausível: é a hierarquia política que determina e a escola obedece. Falam em "uniformizar procedimentos" quando desejável seria a diferenciação em relação a outros, porque aí reside o estímulo portador de futuro. O problema é que a verdadeira autonomia é para ser falada e não aplicada. Como bem definiu o Professor Licínio Lima: "sejam autónomos nas decisões que já tomámos por vós". Portanto, mudar o conceito de escola, alterar os procedimentos, romper com a velha cartilha da decomposição da aprendizagem por disciplinas, alterar o formato de "aula" que vem do Século XIX (e até um pouco antes), rasgar o velho conceito de avaliação e essa doentia sequência "transmissão da matéria constante do manual, estudo (?) e avaliação", gerar, paulatinamente, as mudanças pelas quais "gritam" as crianças, os jovens e  os investigadores, fazer corresponder a aprendizagem aos novos tempos no quadro de uma postura prospectiva, bom, isso é coisa que, genérica e definitivamente, não está nos propósitos dos conselhos pedagógicos. Quem pensa de forma diferente, dizem, é utópico. E deveria estar na agenda das reuniões, mesmo considerando a actual e muito pouco séria legislação, porque há formas de contorná-la. E qual paradoxo, à partida, ali se sentam, os professores com mais anos de serviço, os potencialmente mais experientes, certamente, os que mais leram e investigaram, aqueles que mais vezes analisaram situações e se questionaram, mas não, nada acontece, exceptuando um movimento aqui e outro ali, com resultados, porém, sempre limitados pelo olho felino do poder político! Poucos ou nenhuns se atrevem.
A rotina de anos parece ser preferível à inovação. A rotina, aliás, tem sido transmissível e deu cabo do pensamento de quem governa e que, por isso, não concede, sequer, o benefício da dúvida àqueles que consideram necessário abrir novos caminhos na sequência do que a ciência vem demonstrando. Para isso, claro, necessário se tornaria, todos os dias, ser utópico. Porém,não deixam. Professores com quem me cruzo dizem-me, abertamente, que se sentem exaustos, que a indisciplina tomou conta da escola, que é difícil "aguentá-los", que há sinais angustiantes da síndrome de Burnout, esse distúrbio psíquico de carácter depressivo absolutamente devastador, e, curiosamente, poucos se interrogam sobre as causas mais substantivas. 
Um qualquer Conselho Pedagógico poderia eliminar uma grande parte das suas atribuições (alguns regulamentos internos dão a volta ao abecedário no número de alíneas), que em nada, rigorosamente nada alteraria o figurino administrativo e gestionário, porém, não deveria demitir-se da sua função primeira: determinar o ponto de situação da escola, estudar, profundamente, todas as variáveis, mormente as causas do abandono, do insucesso, da indisciplina ou da insatisfação de professores e alunos, mergulhar no conhecimento dos sistemas de sucesso que romperam com as rotinas, para, finalmente, propor, por etapas, uma nova dinâmica pedagógica, até à sua consolidação. Mas isso, parece-me, não será atingível a curto prazo, fundamentalmente, por uma claríssima incompetência dos que se julgam detentores da verdade absoluta. Para estes, importantes são os "objectivos e as metas" ditados no topo, com a vergasta da avaliação de desempenho para quem não cumpra. Até um dia.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 28 de janeiro de 2017

DEZASSETE ANOS DEPOIS, FINALMENTE...


Era expectável que a Academia de Ciências de Lisboa se posicionasse relativamente ao famigerado Acordo Ortográfico de 1990. No essencial, a crítica que está implícita e a respectiva proposta, "propõe o regresso das consoantes mudas, do acento gráfico, em alguns vocábulos, do circunflexo, noutros, assim como do hífen". Apesar da Academia, subtilmente, em função dos múltiplos interesses, falar em "aperfeiçoamento", do meu ponto de vista este constitui mais um passo para a definitiva revogação do "acordo" que já poucos desejam. Aqui fica a peça do DN-Madeira:


O estudo propõe o regresso das consoantes mudas em palavras como “recepção” e “espectador”, ou seja, nos casos em que geram uma concordância absoluta de sons (homofonia) que podem causar “ambiguidade”.
O documento “Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” de 1990 foi aprovado em plenário na quinta-feira por 18 votos, com cinco votos contra.
Segundo a proposta apresentada, deve regressar o acento agudo em palavras com pronúncia e grafia iguais, as denominadas palavras homógrafas, referindo, entre outras, “pára”, forma do verbo parar, que se confunde com a preposição para, também “péla”, nome e forma do verbo pelar, que se confunde com a preposição “pela”, e ainda “pélo”, nome e forma do verbo pelar, que se confunde com a preposição “pelo”.
Também é recomendado o regresso do acento circunflexo em diferentes vocábulos que são homógrafos a outros, por exemplo o nome “pêlo”, para não se confundir com a preposição “pelo”, o verbo “pôr”, para evitar confundir com a preposição “por”.
Quanto às consoantes mudas, nos casos em que geram uma concordância absoluta de sons (homofonia), sugere a Academia os termos “aceção” quando usado como “sentido”, que se pode confundir com “acessão” (consentimento), “corrector”, quem corrige, que se pode confundir com “corretor” (intermediário), “óptica”, relacionado com a visão, que se confundirá com ótica, no sentido de audição, além de “receção” (recebimento) que se confundirá com recessão (retrocesso), e “espectador” (aquele que olha ou assiste), com “espetador” (o que espeta).
No texto divulgado hoje, a ACL sublinha que se trata de “um contributo que resulta de aturada reflexão em torno da aplicação da nova ortografia e sobre algumas seis particularidades e subtilezas da língua portuguesa que não podem ser ignoradas em resultado de um excesso de simplificação”.
“Convém esclarecer o que se entende por ‘aperfeiçoamento’: aperfeiçoar o Acordo Ortográfico não significa rejeitar a nova ortografia, mas antes aprimorar as novas regras ortográficas e retocar determinados pontos para fixar a nomenclatura do Vocabulário e do Dicionário da Academia”, remata a ACL.
O documento com as “Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” de 1990, aprovado pela Academia das Ciências, está disponível em http://voc.cplp.org.
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

MERITOCRACIA - FUI MEDIANO, GRAÇAS A DEUS!


A honra constrói-se na aprendizagem democrática, na solidariedade, nos princípios e valores humanistas que operam o crescimento interior, na cidadania, na cultura, no desporto, no respeito e na compreensão do saber estar com e não contra.


"Quadros de honra". Felizmente, não me lembro de ter pertencido a esse grupo de eleitos. Fui aluno mediano, graças a Deus! Algumas vezes abaixo da média. Participei, sim, em muitas outras situações informais e opcionais, as quais, hoje, reconheço a importância fulcral que tiveram na minha vida. Licenciei-me, fiz um Mestrado, trabalhei em diversos âmbitos, abracei a escola pública e sempre fui feliz. Esse percurso deu-me consistência, responsabilidade e abertura ao Mundo. Conheço tantos assim. Isto a propósito do que venho a assistir, sobretudo nos últimos anos, a essa proliferação de prémios a crianças por mérito escolar. Em alguns casos, até, pecuniários. Discordo. Que no final do secundário, já em uma condição de jovem-adulto, se distinga a capacidade técnica, científica, humana e cultural, aceito. Nas primeiras fases, em função de programas curriculares, não, obrigado. Não é da meritocracia que necessitamos. Nem entre crianças, nem entre escolas com os famigerados "ranking´s", tampouco entre professores através de um indecoroso, porque burocrático, pressionante e gerador de conflito, sistema de avaliação de desempenho!
Considero inaceitável que tragam para dentro da Escola, ou que dela façam o espelho das taras e doentias práticas empresariais. Esse mundo cão da competição desenfreada deve ficar à porta, como exemplo negativo de uma sociedade desestruturada que corre e corre não sabendo para onde. A escola não deve assumir uma concepção mercadológica, uma valorização precoce e obsessiva quando a perspectiva que a deve nortear é a da formação global, o gosto pelo conhecimento, a abertura ao pensamento universal e à descoberta. Não se constrói o futuro com prémios, mas com humildade e com uma permanente pedagogia pelo saber, rigor e responsabilidade. Está em causa a diversidade na origem das crianças, as culturas que chegam à escola, tudo quanto se esconde a montante, as questões económicas, financeiras e sociais. Portanto, a questão central está em perceber como se pode falar de uma escola integradora quando se percorre o caminho contrário. Ao mito do quadro de honra de uns opõe-se, parece-me óbvio, o quadro da desonra dos demais. Depois, queixam-se, entre múltiplas variáveis, é certo, do "bullying", porque uns são os dotados e outros os menos favorecidos. A honra constrói-se na aprendizagem democrática, na solidariedade, nos princípios e valores humanistas que operam o crescimento interior, na cidadania, na cultura, no desporto, no respeito e na compreensão do saber estar com e não contra. Por aí se percorre o caminho da excelência. 
Durante muitos anos, através da prática desportiva, cruzei-me com milhares de crianças e jovens. Nunca precisei de lhes facultar “incentivos”, quando, estando com os outros, dessem o melhor de si, respeitando-os. As internacionalizações e os Jogos Olímpicos foram atingidos com naturalidade e sem marginalizações. Esse o exemplo que incorporei e que transfiro para as etapas determinantes da motivação, o alicerce sobre o qual, a prazo, paulatinamente, se edificam os pilares e as traves-mestras dos andares superiores do conhecimento. Lamentavelmente, até já destacam o mérito escolar de crianças e jovens institucionalizados. A correria pela pseudo-excelência anda desenfreada: são entidades bancárias interessadas, são governos, são autarquias, são instituições diversas e são conselhos pedagógicos que se movimentam nesse sentido. Assisto, na competição desportiva com crianças e jovens, à reprodução de quadros contrários à educação para os mais estruturantes valores. Para que servirá essa desnorteada correria? Para as crianças nada, para o mediatismo dos adultos, certamente que sim. Vaidades que, em muitos casos, se pagam bem caro ao primeiro tropeção. Ocorre-me questionar: e quantos ditos "excelentes" se tornam em medianos profissionais, enquanto outros se afirmam pela diferença, pela criatividade e inovação? A vida, dizem-me os anos que transporto, é muito mais que currículos formatados, exaustivo cumprimento de programas, testes e prémios...

NOTA
Sou colaborador da revista A PÁGINA da Educação. Na edição de Inverno de 2016 que agora me chegou, publiquei um artigo baseado em um outro que escrevi este blogue, a 20 de Outubro, sobre os "prémios por mérito escolar". Peço desculpa aos leitores pela repetição do tema, todavia, com um novo olhar. 
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

FAZER PENSAR É A ARTE DO VERDADEIRO PROFESSOR

Quando a Escola pretende apenas respostas (avaliação) e não desperta para o pensamento, obviamente que não cumpre a sua missão.

 

No YouTube estão disponíveis outras comunicações deste professor.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

NA ESCOLA O MANUAL TEM ESTADO SEMPRE PRIMEIRO E A RESPOSTA SEMPRE ANTES DO ACTO DE PENSAR


Como nota prévia, não deduzir deste texto qualquer presunção da minha parte. Trata-se, apenas, de um desabafo consequência da constatação que por aí vou vivenciando. Li uma declaração de um autarca da zona oeste da Madeira, dita no quadro das eleições que se aproximam: que se beba "um copo de vinho seco se necessário for". Vamos a isto, porque ainda ontem "tomei quatro ginjas". É o vinho por um voto ou o voto que "cai que nem ginjas". Este tipo de declarações, compaginadas com outras, que transmitem um comportamento, e mais do que isso, uma mentalidade, conduz qualquer pessoa a interrogar-se sobre o papel da escola na mudança dessa mentalidade. Ontem aqui transcrevi uma asserção de Michel de Montaigne (1533/1592): "uma cabeça bem-feita vale mais que uma cabeça cheia".  


Uma cabeça cheia de um pseudo-conhecimento, cheia de respostas para esquecer, plena de futilidades, de total irrelevância para a vida, que passa ao lado daquilo que estrutura, forma e predispõe para a aprendizagem, seja ela de que natureza for, parece-me óbvio que transporta o significado do círculo vicioso. Velho Amigo meu, recentemente falecido, sublinho, também ele sem qualquer presunção, tantas vezes me disse: "para eu falar com algumas pessoas tenho de esquecer o que sei". Obviamente, refiro-me a um Homem que leu muito, de todos os géneros, assinou revistas e jornais de referência, amou a música, viveu o teatro, conhecia e discutia a História da Arte, que se emocionava perante uma obra, que não precisou de uma qualquer licenciatura académica para ser o que foi. Fez o seu doutoramento na incessante busca pelo conhecimento. Por isso, a escola pouco ou nada lhe deu, antes a sensibilidade despertou-o para a curiosidade. Tenho presente uma longa noite durante a qual analisámos a palavra curiosidade na formação das crianças e jovens. Ora, em síntese, a escola não tem despertado e não desperta para a ampliação do entendimento dos assuntos. O manual tem estado sempre primeiro e a resposta sempre antes do acto de pensar.
À família compete educar. Os actos mais básicos e universais do relacionamento com os outros devem partir de casa. Obviamente que sim, até porque a escola não pode ou não deveria ser o local de substituição da família. E muitas vezes é. É-me penoso assistir a inúmeras situações que demonstram que a transmissão de princípios e de valores foi secundarizada ou pura e simplesmente não existiu. E isso é dramático pelas consequências a prazo no quadro da tal cabeça "bem-feita". Mas, se a família é manifesta e genericamente incapaz, a escola, de uma forma pedagogicamente transversal, subtil e integrada, tem o dever de ir ao encontro da supressão dos vários défices, na formação do cidadão e pelo efeito multiplicador da sua acção junto dos demais. Apenas "encher a cabeça" de matéria, arrumando-a em não sei quantas gavetas que correspondem às disciplinas do currículo, para reprodução no dia do teste e, quase em acto imediato, remetendo-a para reciclagem, convenhamos que vale muito pouco ou nada. Penso ser nesta compaginação de défices, sobre os quais ninguém actua, que encontramos a eternização dos comportamentos. Beba "um copo de vinho seco se necessário for (...)". Não é o cidadão que tem o dever do domínio das traves-mestras do exercício da política, porque toda a sua vida em redor dela se faz e fará, mas o vinho, a bebida, rasca que seja, que pontifica na captação do voto. A dita "matéria" é para esquecer, todos sabem disso, porque está desarticulada e desintegrada de um processo de conhecimento sustentado e portador de futuro, e aquilo que deveria fazer parte da tão badalada formação integral dos jovens é negligenciada e colocada ao nível do "vinho seco"! E muitos tomam também para esquecer!
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 21 de janeiro de 2017

UMA FRASE PARA O FIM DE SEMANA



Quando o sistema educativo divide a vida real e multiplica aquilo que dizem se designar por "conhecimento", talvez seja de parar e reflectir entre uma "cabeça cheia" de coisas para esquecer e uma cabeça bem-feita. Michel de Montaigne (1533/1592).

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

ÉTICA NO DESPORTO - A Gestão do Desporto, segundo Gustavo Pires


Manuel Sérgio
George Steiner, no seu conhecido livro sobre Heidegger, concluiu que “precisamos de dar mais assistência ao pensamento”. Podíamos parafrasear Steiner, neste passo, e escrever: no Desporto é preciso dar mais assistência ao pensamento. E em que sentido? Para o vermos mais lúcido e sensato. Com “vontade de descoberta” e “vontade de consciência” (servindo-me das palavras de Malraux), é preciso fazer um desporto diferente, fiel ao legado ímpar que lhe tocou, proveniente, entre outros de menor relevância, de Pierre de Coubertin. E afinal de todas as consciências críticas, que procuram a raiz da dimensão humana, numa perspectiva cultural, afirmativa e criadora. Gustavo Pires, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana, é hoje, em Portugal, um cientista social e simultaneamente uma consciência crítica.


Num ponto havemos todos de convir: é o nosso primeiro especialista em Gestão do Desporto, disciplina que ergueu do nada, perante a indiferença letárgica ou a incapacidade de crer e afirmar de um ambienta adverso. Por outro lado, trata-se de um escritor que, aliando a ciência à cultura, tenta libertar-se (e libertar), com corajoso desembaraço, da cachoeira lodosa que é, grosso modo (e sem esquecer as inevitáveis excepções), o dirigismo desportivo português. No seu livro Gestão do Desporto – desenvolvimento organizacional, edição da APOGESD e do Forum Olímpico de Portugal, ele escreve: “O desporto mudou. Já não é o que era. Contudo, se o desporto mudou, os responsáveis pelo vértice estratégico do Movimento Desportivo não mudaram. Acomodaram-se aos lugares que acumulam e perpetuam-se, neles, anos a fio, em prejuízo das novas gerações”. (p. 338). Quando se escuta a linguagem da esmagadora maioria dos nossos dirigentes, logo se infere que são incapazes de qualquer lucidez investigativa e sondeadora dos grandes problemas desportivos. Não se esconde o amor clubista de praticamente todos eles. Mas dão-nos a sensação, através da sua prática (e da sua linguagem) que ainda vivemos o desporto da década de 50. 
Ora, Gustavo Pires descobre, numa correta definição de Desporto, componentes lúdicas, componentes agonísticas, componentes do movimento, componentes institucionais, componentes do projecto. E acrescenta, a este propósito: “ Uma ideia de projecto é de fundamental interesse, para uma definição de desporto, sob pena de o próprio desporto se transformar num instrumento de alienação de massas”(p. 125). Está bem à vista de toda a gente que, se não alienam as massas, estes dirigentes também não sabem fazer mais nada. Gustavo Pires exacerba, por vezes, o tom das suas críticas de verdadeiro “expert”. E há quem, recolhido na caverna platónica, apareça à luz do dia, afirmando que o Gustavo Pires injuria e ofende. De facto, o Gustavo Pires não injuria, nem ofende – ele incomoda!
Gustavo Pires
E incomoda porquê? Porque ele sabe, como poucos, que a problemática do desenvolvimento do desporto se coloca, com premência, dado que “subsistem populações com enormes carências, para as quais a justiça distributiva, em matéria de acesso à prática desportiva, ainda não lhes chegou, ou ainda não é suficiente. Por isso, o desporto, na sociedade moderna, deve ser considerado como um instrumento de políticas públicas, implementadas para melhorar a qualidade de vida das populações, sobretudo das mais desfavorecidas”(p.321). E quantos são os dirigentes desportivos que pretendem fazer do desporto um fator de desenvolvimento? Quantos são os que aceitam de boa mente que o dirigismo desportivo, hoje, exige especialização universitária, cultura desportiva e não tanto uma diligente “carolice” e um verbo empalhado, incolor e banal? Não esqueço que convivi com alguns dos pioneiros do desporto português e é evidente, para mim, que sem amor o desporto não acontece.
Recordo, entre outras comovedoras lembranças, o engenheiro Vasco Pinto de Magalhães, ainda na década de oitenta (e com os seus setenta e muitos anos), orientando treinos de râguebi, no Estádio Universitário de Lisboa. Só que, em 2015, a Gestão do Desporto é um dos aspetos em que o Desporto se desentranha e desdobra e a Gestão se enriquece e se questiona. E assim já não basta a “carolice”, a devoção acrisolada, para o dirigente desportivo. É preciso bem mais e melhor – afinal, tudo o que o Doutor Gustavo Pires ensina, no seu livro Gestão do Desporto – desenvolvimento organizacional. 
Tenho pena que a nossa republiqueta desportiva, aqui e além abrangida pelas certeiras frechadas com que ele a fulmina, não seja capaz de um exame de consciência, à luz das observações justas, fundamentadas de Gustavo Pires. Verberá-lo por uma crítica mais ou menos apressada, bem é (poder-se-á fazer o mesmo, em relação a mim próprio), conquanto se tenha presente, neste caso, donde a crítica parte: do mais qualificado e prestigiado especialista português em Gestão do Desporto. Merecer a crítica de alguém que alcançou o fastígio da sua carreira de cientista social e que almeja tão-só o progresso do desporto, parece-me honroso e motivo de reflexão. Há muitos homens superiores cuja aura pública conduziu a um autocentrismo exagerado e que fazem da sua pessoa a sua ocupação principal. Gustavo Pires, ao invés, luta por um desporto novo, como universitário distinto e como escritor; não se refugia num cómodo desdém – é um especialista que acredita no que faz e descobriu, precisamente no que faz, um poderoso fator de desenvolvimento. 
Quem lhe negará uma postura ética, para além de científica? Mas voltemos ao livro de que nos ocupamos: “De há cerca de vinte anos a esta parte, através da indústria do lazer, o desporto entrou naquilo a que podemos designar como a era económica. De facto, se o desporto dantes era um sistema integrador de uma cadeia vertical de valores sociais, hoje, cada vez mais, é um sistema integrador de uma cadeia vertical de valores económicos. Em conformidade, a concepção do posto de trabalho, nos mais diversos ambientes que caracterizam as práticas desportivas, está num processo de transformação acelerada, que acabará por definir o gestor do desporto do futuro e as suas especialidades”(p. 166). Gustavo Pires culto, pimpante, fresco, olhar aceso é, hoje, um dos mais sábios e tenazes críticos desportivos portugueses. E que ninguém pode cominar de qualquer indignidade, isto é, não pratica a baixeza da crítica pela crítica, nem a traição das ideias por subserviência ao Ter e ao Poder. A sua impermeabilidade ao oportunismo de todos os matizes significa, acima do mais, que vive o que a sua alma esclarecida lhe dita. 
No livro de Guillem Turró Ortega, El valor de superarse – deporte y humanismo (Editorial Proteus, 2013) pode ler-se: “la ideologia actualmente preponderante convierte el deporte en una actividade en la cual lo único importante es el resultado, donde la alternativa entre el éxito y el fracasso queda extraordinariamente polarizada. El deporte triunfa en una sociedad individualista e hipercompetitiva en la cual lo que más cuenta es ganar” (p. 125). Anos antes (1999), no meu livro, Algumas Teses sobre o Desporto (Nova Vega, 2014, 1 º edição, 1995) já eu escrevi: “Os clubes de maior nomeada funcionam hoje como instrumentos de conservação do poder, por parte de grupos de interesses, arredando os sócios das magnas decisões sobre a coisa desportiva. Daí, o seu carácter indiscutivelmente oligárquico. Escasseiam os combativos militantes de uma cultura desportiva, que seja cultura, isto é, humanização progressiva do Homem, da Sociedade e da História. Só como prática humanizante, movimento em direção à transcendência, o Desporto é salutar. Um desporto, físico tão-só, não é salutar, porque o Homem é corpo-alma.desejo-natureza-sociedade. Não há saúde, se à componente empírica do anátomo-fisiológico não se acrescentam outras componentes, elementos do mesmo todo (…). Enquanto o Desporto for tão-só físico, o clubismo continuará um fortim de conservadorismo e de absentismo, renitente a um clima de convivência e de tolerância. Enquanto o Desporto for tão-só físico, os clubes continuarão sacrificados à voragem do monólogo agressivo. Porque o físico, por si só, não fala uma linguagem universal de libertação” (p. 14).
Tudo isto, o Doutor Gustavo Pires sabe e defende nos seus livros, designadamente através da Gestão do Desporto, disciplina que ele criou em Portugal, com carácter científico e universitário, sem favor, notável! Orgulho-me do muito que aprendi; lastimo o pouco que ensinei, no INEF, no ISEF e na Faculdade de Motricidade Humana. O ensino não é mera informação do saber, mas sobre o mais exemplo de trabalho sério, testemunho de vida. Uma Escola que só se distinguisse pelo ensino de informações teóricas, não poderia traduzir, em diferentes registos, a experiência do encontro fraterno entre pessoas. Presunçosos auto-suficientes, invejosos, egocêntricos, sempre os encontraremos, ao longo do tempo. Mas também por lá encontrei, a iluminar-me o caminho de estudioso e de professor, alguns companheiros de jornada. Mas com sapiência ex cathedra, logo humanizada em solidário convívio, ninguém como o Gustavo Pires. Pertencemos ele e eu, o Carlos Neto, o Vítor da Fonseca, o Francisco Sobral, o Jorge Crespo, a Maria Luísa Melo Barreiros, o António Paula Brito, o Francisco Madeira, o Armando Moreno, o Francisco Carreiro da Costa e mais alguns, liderados pelo Henrique de Melo Barreiros – pertencemos, dizia eu, a uma geração de pioneiros que anunciou um modo diferente de teorizar e praticar o desporto, contra a multiplicação passional dos passadistas que a esclerose, por vezes, obnubilava. Mas este é assunto para outro dia… 
NOTA
Artigo de Manuel Sérgio, Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

POR QUE É QUE A FILOSOFIA É IMPORTANTE?


Definido pela UNESCO em 2002, celebrou-se no passado dia 17 do mês de Novembro, o “Dia Mundial da Filosofia”, momento em que nalgumas universidades a data foi comemorada, tendo tido a dianteira a Filosofia. A palavra “filosofia” tem origem nos vocábulos gregos Filia e Sofia, sendo que o primeiro pode ser traduzido como amor, devoção, e o segundo como sabedoria. Podemos então afirmar que a filosofia é o amor, a devoção, à sabedoria. Mas de modo generalista, o que é a sabedoria e como poderemos alcançá-la? Numa época como a que nos encontramos, em que se promove desmesuradamente o conhecimento e muito pouco a sabedoria, o resultado é passível de equiparação a um projecto de construção de um automóvel, que chegando ao seu final, faltam-lhes as rodas. 

Isto é, o motivo principal para o qual foi concebido, mover-se, não se verifica. É certo que a sabedoria não se ensina, é antes uma procura onde o conhecimento pode ou não, atingir a sua realização maior que é a sua metamorfose em sabedoria. Na actualidade, a esmagadora maioria das instituições que nos rodeiam não promove a verdade, mas antes a ilusão, o consumismo e tudo o que é descartável. Mas é exactamente neste quadro cinzento, sombrio e nebuloso em que vivemos, que a filosofia se torna indispensável, pois filosofar é pensar, reflectir, criticar, questionar, investigar. É costume dizer-se que a filosofia procura a pergunta certa. Percebe-se porquê, pois é na procura, isto é, no exercício da racionalidade, dissecando as possíveis variáveis, que se vão eliminando as partes desnecessárias, entretanto esclarecidas, até se chegar à verdade. A formulação da pergunta certa, encerra já uma parte da resposta, revelando assim, um vislumbre de intelecção. Sabedoria será então o saber descortinar o que não se manifesta, incluindo tudo aquilo que pode estar oculto, mas que é desvendável para aqueles, nos quais a sabedoria já se alojou. A filosofia é, neste contexto, uma aliada de excelência no percurso rumo à sabedoria, já que nos desafia a exercer o espírito crítico, para que possamos ter uma visão clara diante dos factos da vida, seja na aferição da coerência e sustentabilidade das propostas dos protagonistas políticos, seja na filtragem do que é notícia e do que não é, seja na convivência com os extremos da natureza humana como o são a vida e a morte. É assim que a Filosofia foi, e embora possa não parece-lo, é e continuará a ser, indubitavelmente, uma das ferramenta de maior utilidade para a construção do futuro.
NOTA
Artigo, da autoria do Professor Fernando Rodrigues, publicado na edição de hoje do DN-Madeira e aqui transcrito com a devida vénia.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

HÁ MUITO SILÊNCIO ENTRE OS PROFESSORES



Como é possível que não se entenda que não pode haver uma escola que ensine a todos a mesma coisa, ao mesmo tempo, da mesma maneira na uniformidade e na competição?

Pergunta formulada pela Doutora Ana Benavente, ex-Secretária de Estado da Educação, na sua página de facebook.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

MADEIRA - 25 MILHÕES PARA A ESCOLA PRIVADA

Há dias tive um diálogo muito interessante sobre a dicotomia escola pública vs escola privada. A minha posição é muito clara: sou pela escola pública, direito constitucional, mas admito a complementaridade da escola privada, no quadro  do direito, legítimo, à livre escolha. Porém, porque é privado, porque tem natureza empresarial, logo deve ser suportada pelos seus utentes. Recupero, por isso, uma intervenção de 2016 do Professor Doutor Santana Castilho, aquando do "movimento amarelo" e quando o Orçamento Regional da Madeira atribui, para 2016, nada menos de 25 milhões de euros ao ensino privado.

 

sábado, 14 de janeiro de 2017

MANIFESTO PEDE MENOS PODER PARA DIRECTORES DAS ESCOLAS


Contra lideranças “napoleónicas”, personalidades de várias áreas querem alterar modelo que substituiu conselhos executivos pela figura do director. Do documento deverá resultar petição na Assembleia da República.




O que liga a deputada Joana Mortágua ao pedagogo Sérgio Niza e aos escritores Dulce Maria Cardoso, Inês Pedrosa e Jacinto Lucas Pires? E a ex-secretária de Estado da Educação Ana Benavente, o que faz ao lado da presidente da Associação de Professores de Matemática, Maria de Lurdes Figueiral, e do sociólogo Paulo Peixoto? Integram todos um grupo de 21 personalidades que lançou um manifesto reivindicando uma gestão mais democrática das escolas. O documento, que o PÚBLICO divulga em primeira mão, vai ser debatido no dia 14 de Janeiro, na Escola Secundária Rainha D. Leonor, em Lisboa, e pretende lançar a discussão em torno das alterações tidas como necessárias ao actual modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino, do pré-escolar ao secundário. 
“Assistimos a uma crescente desvalorização da cultura democrática nas escolas e à anulação da participação colectiva dos professores, dos alunos e da comunidade educativa”, criticam os subscritores do manifesto, que, numa altura em que se comemoram os 30 anos da Lei de Bases do Sistema Educativo, apelam a “um modelo de direcção e gestão [das escolas] alternativo”. “Não podemos gerir uma escola como se se tratasse de uma empresa, com hierarquias, submissão e lógicas de poder, e achar que é nesse sentido que estamos a preparar cidadãos para viver em democracia”, concretiza a deputada do BE Joana Mortágua.


No centro da contestação está o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos do pré-escolar, básico e secundário que vigora desde 2008, estava a pasta da Educação nas mãos de Maria de Lurdes Rodrigues, e que criou a figura do director único para os diferentes agrupamentos escolares. Este modelo ditou o fim dos conselhos executivos e a pretexto de reforçar a liderança das escolas congregou o poder decisório nas mãos de uma direcção unipessoal.

Contra a "gestão unipessoal"

“O que queremos é que a pedagogia volte a estar em primeiro lugar na altura de se decidir como é que uma escola é dirigida e definida”, retoma Joana Mortágua, para quem uma escola gerida segundo “critérios economicistas, administrativos ou burocráticos” não garante o crescimento integral dos alunos. E porque o problema “não é só dos professores nem é só dos alunos", mas remete para "a forma como estamos ou não a construir democracia”, acrescenta a deputada, sublinhando que o manifesto, assinado por 20 personalidades, não formula propostas. "O mais certo é que, uma vez lançado, o documento se transforme em petição pública. O que queremos é que surjam ideias que possam transformar-se em propostas cujo caminho poderá levar ao Parlamento. Porque a base deste manifesto é que é preciso mudar alguma coisa e urgentemente”.
E mudar o quê, logo agora que o maior e mais conhecido dos estudos, o PISA, aponta melhorias significativas na literacia científica e de leitura entre os alunos portugueses? “Pois, se olharmos para o PISA com uma lente vemos que passámos a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), mas há dados que continuam a ser dramáticos: continuamos a ter um abandono escolar muito grande – só o Chipre é que está atrás de nós -, taxas de retenção muito elevadas e três milhões de portugueses entre os 25 e os 65 anos de idade sem o secundário. Portanto, estamos longe do ideal", responde João Jaime Pires, director da Escola Secundária Camões, em Lisboa.


"Basta recordarmos que, antes das mudanças de 2008, tínhamos 98% das escolas com órgãos colegiais. Nesse sentido, estamos pior, porque a lei obrigou as escolas a adoptar uma gestão unipessoal quando o importante seria que a escola desse exemplos de cidadania à comunidade e que os seus órgãos fossem democráticos e que as decisões fossem tomadas por todos e não exclusivamente pelos directores”, acrescenta, para concluir que este "é o tempo de fazer balanços e mudanças", já que, "em Março, muitos directores que assumiram o cargo em 2008 já não poderão ser reconduzidos". Desde já, deixa um contributo: “O conselho pedagógico tem que ser de novo a força da escola e não apenas o órgão consultivo do director”.

Escolas como uma "fábrica imensa"

Numa altura em que há agrupamentos que somam mais de 30 escolas e outros que congregam mais de quatro mil alunos, o pedagogo Sérgio Niza diz que as escolas estão transformadas “numa espécie de máquinas burocrático-administrativas e não pedagógicas”.
“Enquanto na Europa a média de alunos por conjunto de equipamentos é de 500, em Portugal é de 1500. E aqui perde-se toda a dimensão ecológica de relação entre as pessoas”, alerta o fundador do Movimento Escola Moderna. Feito o diagnóstico, Niza defende que é tempo de reequacionar os agrupamentos de escolas. “Os agrupamentos nasceram para resolver um problema de dimensão e para tornar mais barata a gestão das escolas. Ora, tratar uma escola como sendo uma fábrica imensa é um erro de cálculo que todos vamos pagar. E pagar com dor. A escola requer-se como um espaço extensivo do primeiro espaço de socialização que é a família, e como tal, não pode ser um lugar onde as pessoas se perdem e onde um governador longínquo manda cumprir ordens”. 
É verdade que o conselho geral, a quem compete eleger o director e definir as linhas orientadoras da escola, integra professores, funcionários, pais e encarregados de educação, alunos e autarcas, ou seja, pretende-se espelho da comunidade. O problema é que este órgão reúne esporadicamente “e muitas vezes tem dificuldades em reunir quórum”, segundo João Jaime Pires.
“Os conselhos gerais estão demasiado afastados do dia-a-dia da escola”, concorda o presidente da Pró-Inclusão, Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, David Rodrigues. Dizendo-se avesso a “lideranças napoleónicas e todo-poderosas” nas escolas, Rodrigues defende que os conselhos pedagógicos deveriam ser "verdadeiramente os órgãos de gestão das escolas e os directores os seus executores". E "criar um conselho pedagógico representativo de todas as forças da escola implicaria que nele estivessem representados também os professores contratados e de Educação Especial", conclui.
NOTA
Publicado pelo Jornal PÚBLICO a 16 de Dezembro de 2016.
Um tema para ter presente junto de todos quantos leccionam na Madeira, nos Açores ou no Continente.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

PARABÉNS À ESCOLA DO CURRAL DAS FREIRAS. E SE DISPUSESSEM DE AUTONOMIA PLENA?


Noticiou o DN-Madeira que a "Escola Básica EB123/PE do Curral das Freiras (Madeira) foi galardoada com o prémio nacional da Fundação Montepio no valor de seis mil euros. Desde logo PARABÉNS. Fico feliz quando uma escola se distingue no panorama nacional. Escrevi no meu blogue "comqueentao", em 2016: "Li um trabalho do jornalista Márcio Berenguer (Público) sobre a Escola Básica 123 do Curral das Freiras (Madeira). Apesar de eu não ser favorável à existência de ranking's não deixo de os analisar, enquanto mero indicador, no quadro, repito, do actual sistema. Aquela escola que se encontrava no lugar 1207º do ranking saltou, no último ano, para as da frente, com a melhor média entre os estabelecimentos públicos no exame nacional de 9.º ano. O interessante é que "tem 300 alunos, não tem campainha, nem trabalhos de casa e os horários das aulas batem certo com os do autocarro". Esta uma síntese, certamente, compaginada com muitas outras que tornaram possível um melhor conhecimento, apesar 92% dos alunos terem Acção Social Educativa (pobreza) e a internet não fazer parte das prioridades da maioria das famílias".


Na notícia do DN, o presidente do Conselho Executivo, Joaquim Sousa salientou: "Premiar uma escola como a escola do Curral é premiar toda uma comunidade que durante séculos esteve isolada e subaproveitada, que tem muitas competências e valor, como foi demonstrado pelos resultados alcançados pelos nossos alunos ao longo dos últimos anos, assim como vem demonstrar que os bons docentes não são de quadro ou contratados são simplesmente Responsáveis, Empenhados, Competentes, Comprometidos". O professor sublinhou, ainda que a qualidade depende: 1. Eficácia – atingimos as metas estabelecidas; 2. Eficiência – optimizámos os poucos recursos disponíveis; 3. Efectividade – cumprimos os objectivos sociais do serviço educativo; 4. Equidade - minimizámos o impacto das origens sociais no desempenho académico; 5. Satisfação – elevámos as expectativas e o grau de satisfação dos diferentes actores educativos".
Repito que estas situações me deixam feliz. É fruto do trabalho dos professores, da direcção da escola, da mentalidade existente e do desejo de ser uma escola pública ao serviço da comunidade. Não foi uma escola privada que conseguiu, quando a Região gasta vinte e cinco milhões anuais no sector privado. A questão que eu coloco é outra: até onde aquela escola (e todas as outras) poderia ir se dispusesse de autonomia plena, no plano financeiro, curricular, programático e pedagógico. Se deixassem os professores serem operadores de mudança e não sujeitos condicionados a todos aqueles níveis e bloqueados por uma infernal burocracia, onde o aluno deixou de estar no centro das preocupações educativas. Os responsáveis políticos que pensem nisto.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

PASSEIOS PELA ILHA PERPECTUANDO O PASSADO


De que valerá um responsável político, passear de concelho em concelho, visitando e reunindo com as direcções executivas das escolas? De que valerá falar com os professores? Quantos já o fizeram e quais foram os resultados? Nenhuns. E porquê? Porque quando o que anima é a perpectuação do passado, é óbvio que a mudança jamais poderá acontecer. O sistema educativo não precisa de "acertos" nas margens, de retoques de maquilhagem, mas de uma significativa mudança de paradigma a partir de um sentido prospectivo.  

 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A ESCOLA E A CULTURA QUE NÃO PROPORCIONA


Segui, com particular entusiasmo uma entrevista ao Dr. Mário Soares, conduzida pela jornalista da RTP 1 Fátima Campos Ferreira. Da longa história contada para que perpectue a memória, temas que, genericamente, com mais ou menos pormenor é profundamente conhecida por muitos, pelo menos dos cidadãos nascidos pós II Guerra Mundial, situei-me em um pormenor de relevante importância na formação de um Homem culto. Contou que o seu pai chamou Álvaro Cunhal (1913-2005), um dos seus mentores, juntamente com o filósofo Agostinho da Silva (1906-1994) e o ensaísta e crítico literário Álvaro Salema (1914-1991) e disse-lhes: "(...) eu acho que este rapaz está emperrado, era bom dar-lhe uma certa cultura, falem com ele, abram a cabeça, falem de tudo, levem-no ao cinema, ao teatro (...). Isto é, o Colégio Moderno que frequentava, o currículo e os programas das disciplinas de então não eram suficientes.


Esta passagem da entrevista, do meu ponto de vista, é notável. Entendia o pai que a formação cultural de características abrangentes e universais é que poderia servir de alicerce na construção do Homem que Mário Soares acabou por ser. Não foi à toa que o pai escolheu aquelas três figuras: um político notável, um filósofo para, certamente, obrigá-lo a pensar e um homem licenciado em História, ensaísta e crítico literário. Quando escutei aquela preocupação do seu pai, exclamei para mim próprio: tudo o que a escola de hoje continua, teimosamente, a não facultar. Uma escola entretida com o manual, com a papa feita, com o comportamento, com a avaliação de tudo, com a burocracia, mas não com a cultura enquanto motor de todo o restante conhecimento. A inflexibilidade da hierarquia não permite, o professor não pode e a mentalidade reinante é de decompor a vida em disciplinas quando ela é um todo indivisível. 
Este dia de luto Nacional pela morte física de um Homem que marca a nossa História, é o mesmo dia que, certamente, o eternizará pela sua luta em prol de um Portugal livre e DEMOCRÁTICO. Continuarei, por tudo isto, a lamentar que este Sistema Educativo, na esteira das palavras do pai de Mário Soares, continue emperrado e a emperrar a formação de homens e mulheres de cultura. Porque se esse fosse o caminho, tudo o resto viria por consequência.
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

A ESCOLA VISTA SOB O ÂNGULO DA CULTURA


A Escola já não pode ser aquilo que nos foi legado pela Sociedade Industrial. Uma Escola com uma atividade centrada em objectivos eminentemente pedagógicos, uma atividade centrada sobre si própria. A Escola, no essencial, apesar de utilizar o computador, tem vindo a passar ao lado das mudanças tecnológicas, da televisão, dos jornais, livros e revistas, das redes interpessoais planetárias e, por isso, continua sempre igual e a querer competir com a vida que é sempre diferente. Ora, entendo que a Escola tem de mudar o seu paradigma e passar a ser vista pelo ângulo da CULTURA e não apenas pelo ângulo da transmissão de conhecimentos em sala de aula.



Foto de uma aula no Museu de Belas Artes de Bruxelas.
Quanto valerá uma aula destas para o futuro destes jovens?


A 29 de Março de 2011, teci algumas considerações a propósito de uma notável entrevista que li na revista A Página da Educação. Nessa entrevista ao Professor Catedrático Miguel Guerra retorno e deixo, a propósito do que pretendo escrever, estas passagens: "(...) disse um pedagogo italiano que para ensinar Latim ao João, mais do que saber Latim, é preciso conhecer o João" (...) os alunos aprendem daqueles professores que amam e, por sua vez, quando o professor ama a sua missão e ama as pessoas, torna possível o processo educativo e o processo aprendizagem, porque o verbo aprender, tal como o verbo amar, não se podem conjugar no imperativo. Despertar o desejo de aprender, despertar o desejo de ser uma pessoa melhor, só se consegue com amor". E logo mais adiante: "(...) a educação tem a meu ver, duas componentes: a componente crítica, ser capaz de analisar e de entender o que se passa. Mas para que haja educação, tem de haver uma dimensão ética, que consiste em saber conviver, na solidariedade, em ter compaixão para com os desfavorecidos. A Educação é o principal elemento que nos afasta da selva, onde o mais forte come e destrói o mais débil (...) acho que as aprendizagens seriam melhores se os alunos participassem mais, se não fossem meros aprendizes, profissionais da obediência - vocês têm de fazer o que os outros pensaram, o que decidiram para vocês fazerem, ou seja, ver a Escola mais como um projecto partilhado. Muitos dos problemas de hoje das escolas não se resolvem com mais vigilância, com mais ameaças e com mais castigos. Acredito que se resolvem com mais participação".
Ora bem, grosso modo, é esta a concepção Escola que não temos. A Escola está cada vez mais determinista, errada na sua organização, pois continua a seguir os padrões da Sociedade Industrial que Alvin Tofller configurou na existência de um código oculto de seis princípios: os da maximização, centralização, concentração, padronização, sincronização e especialização. Se olharmos em abstrato para a Escola, na sua organização e nos objectivos que persegue, facilmente encontramos uma matriz orientadora completamente desadequada dos novos tempos. Salvo um ou outro estabelecimento que constitui a excepção, a Escola tornou-se em um espaço impessoal, por ausência de alma, pela arquitetura desadequada, pelas atividades ritualizadas, pela burocracia, pela legislação em catadupa, pelas limitações orçamentais, pela ausência de autonomia pedagógica, pela incultura e má educação e pela desresponsabilização dos pais. Nesta Escola, ensina-nos Rubem Alves, "cumpre-se o ritual e o formal. Para a burocracia o que interessa é o que vem no relatório. Não as crianças". Nesta Escola as crianças tendencialmente ficam para depois. De onde provêm? Que constrangimentos familiares, económicos, familiares, espaciais e religiosos transportam? Nada disso importa.
Ora, a Escola já não pode ser aquilo que nos foi legado pela Sociedade Industrial. Uma Escola com uma atividade centrada em objectivos eminentemente pedagógicos, uma atividade centrada sobre si própria. A Escola, no essencial, apesar de utilizar o computador, tem vindo a passar ao lado das mudanças tecnológicas, da televisão, dos jornais, livros e revistas, das redes interpessoais planetárias e, por isso, continua sempre igual e a querer competir com a vida que é sempre diferente. Ora, entendo que a Escola tem de mudar o seu paradigma e passar a ser vista pelo ângulo da cultura e não apenas pelo ângulo da transmissão de conhecimentos em sala de aula. A Escola não está só no "mercado" das ofertas e se, ontem, a sociedade foi controlada pelo tempo de trabalho, apesar dos constrangimentos, hoje, a sociedade, tendencialmente, está a ser controlada pelo tempo livre. Há um conjunto de megatendências no quadro de uma nova perspectiva do desenvolvimento e, por isso mesmo, a Escola terá de mudar de paradigma face à complexidade da organização do tempo da nova sociedade.

Em uma praça em Tournai, duas turmas ouvindo os professores
e registando apontamentos.

Tudo isto para sublinhar que a Escola que fica pelo pátio e pelas salas de aula não é uma Escola que prepare para o futuro. Nas minhas visitas por essa Europa, cada vez mais me cruzo nas praças e nos museus com turmas acompanhados dos seus professores. É esse tipo de Educação que nos faz falta, uma Educação contextualizada, vivida, que desperta, que enriquece e que constitui a base para a aprendizagem de outros conhecimentos. As rotinas horárias terão de dar lugar à flexibilidade e a vivência de situações externas não podem ficar dependentes de um sem número de autorizações. Estamos, por isso, muito distantes dessa Escola que prepara para o futuro.
Ilustração: Arquivo próprio.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

SER CRIANÇA É FIXE. A ESCOLA NÃO É FIXE!


Ontem, ao final da tarde, fui preparando os netos, individualmente, para o regresso à escola. Os avós também têm essa função de ajuda aos pais. Falei, como sempre, da escola que lhes é proporcionada e da escola que deveriam ter. Eles conhecem o meu pensamento. Mas, como sempre, adiantei que este é o sistema no qual se inserem e é com ele que terão de conviver. É para decorar coisas para esquecer, pois bem, decorem. Mantenham o nível que o sistema, no final de cada período, diz ser de excelência. A páginas tantas disse ao Baltasar, o que vive no Porto, daqui por oito semanas, com o Carnaval, tens mais uma pausa lectiva. Respondeu-me: falta tanto tempo! Disfarcei, dizendo-lhe que, no final da semana, já só faltavam sete. E complementei: aproveita o tempo para ser criança. Olha que ele jamais voltará! Respondeu-me: "avô, ser criança é fixe; a escola não é fixe". 


Desde ontem que esta frase não me sai da cabeça. Ele, à semelhança dos primos que, neste sistema, são excelentes alunos, com princípios e valores transmitidos pelos pais e avós, disparou uma frase que significa, tão só, que não encontra nesta Escola a resposta ao tempo de ser criança e à absorção do conhecimento. No essencial estão todos a viver uma escola imposta, de forma acéfala, pelos adultos, contrária ao conhecimento científico já produzido, desrespeitadora do crescimento, desenvolvimento e  da verdadeira aprendizagem, uma escola que parou no tempo, repetitiva, previsível, de papa feita para engolir, desconjuntada, sem inovação e apenas cumpridora do manual, uma escola que não exige participação activa no processo de aprendizagem, apenas atenção, quietude e estudo para "consolidar" aquilo que muitas vezes se destina a ser esquecido. 
"Ser criança é fixe; a escola não é fixe". E passam à margem desta síntese, governantes de gabinete, não sei se por incapacidade intelectual ou porque mexer no sistema dá muito trabalho. Quando existe tanta produção literária, tanta investigação, tanto sistema de sucesso, alguns, de braços penosamente cruzados, sem saber o que fazer, repetindo e repetindo até à exaustão a resposta do manual. Dizia-me, neste Natal, em um convívio de família, a Zélia: "as crianças são esponjinhas e em vez de lhes proporcionarem a água para incharem, retiram-lhes a água que desejam, secando-as". Nem mais. O que estão a fazer com estes currículos, com estes programas e com este formato pedagógico, é provocar o desinteresse, não o desenvolvimento da capacidade de pensar e de descobrir. 
Depois, aos vinte e tal anos, fazem cursos de empreendedores. É espantoso.
Na minha vida de avô, confesso, tenho aprendido muito com eles. Até com o mais novo, que ainda não anda autonomamente e não profere uma palavra, para além de papá e mamã, dou com ele, sentado no colo, frente ao computador, a agarrar no rato ou com um telemóvel colocado entre a orelha e o ombro ao mesmo tempo que bate com as mãos no teclado. Tempos completamente diferentes face a uma escola sempre igual. Quem não vê e interpreta estes sinais, de sistema educativo pouco ou nada sabe.
Ilustração: Google Imagens.