FACTO
COMENTÁRIO
SOB A MAIS LIVRE DAS CONSTITUIÇÕES UM POVO IGNORANTE É SEMPRE ESCRAVO Condorcet (1743/1794)
São tantas as histórias bem humoradas. A par desta sua particularidade face à qual eu situo-me a milhas de distância, o Coutinho pautou a sua vida de docente pela alegria contagiante junto dos alunos e pela responsabilidade no seu mister. Duvido da existência de um aluno que alguma vez o tivesse olhado de esguelha. Sempre amou o que fez, o que constituiu um passaporte para a lembrança que muitas gerações têm da sua abertura à aprendizagem com rigor, mas respeitosa da identidade de cada um.
Na televisão foi simplesmente impecável a sua colaboração. Mas o Coutinho teve uma outra faceta que destaco. O andebol. O seu andebol, a sua dedicação tornada paixão. Sinto que está por fazer a homenagem que ele merece. Os primeiros, os que com mestria desbravaram, aqueles que, sem se colocarem em bicos de pés, abriram as portas possibilitando à modalidade aquilo que hoje é, merecem o meu respeito. O Pavilhão Gimnodesportivo do Funchal, inaugurado, salvo erro, em 1971, devia encimar o nome de João Coutinho. Merece-o.
Só uma nota final. A grandeza do Coutinho está nisto: ofertas pessoais, não. O que cada um pensa gastar (com os Amigos não se gasta, investe-se), será entregue em sobrescrito, depositado num saco para, posteriormente, ser entregue à Associação ACREDITAR - Apoio a crianças e jovens com cancro. Fantástico.
Amigo, amanhã, lá estarei, às 13 horas, antes do "toque de feriado". Faço questão de te dar um abraço de uma longa amizade, aquele abraço que mesmo não convivendo diariamente, exprime o calor de anos de trabalho e de exemplar companheirismo. E "vamilhá" para os segundos oitenta!
Parece não haver consciência disto. Há alguns anos, relembro, o Filósofo francês Edgar Morin, hoje com 103 anos, questionava-se "sobre as novas fronteiras da pedagogia. No manifesto Ensinando a viver, ele imaginou uma revolução educacional do século XXI, uma “metamorfose”, diz ele, que podia reconstruir as bases do ensino, em sintonia com a nossa civilização, cada vez mais interligadas e multidisciplinares". Ele foi muito claro: "É errado privilegiar uma cultura científica, tecnocrática, sacrificando uma cultura humanista". E neste aspecto, acrescentou: "Se a autoridade dos professores está em crise é porque a escola não tem conseguido adaptar-se à nova autonomia dos jovens".
Ora, a nova realidade, sobretudo aquela que despontou nos últimos cinquenta anos, não é compaginável, numa aproximação a Tofller, por exemplo, com a tendência para meter nos cubículos conceptuais de ontem, todos os sectores e áreas do conhecimento (a segmentação das disciplinas do currículo). Não é compaginável, socorrendo-me, novamente, de Morin, com uma "escola que ensina muitas certezas, quando a vida é feita sobretudo de incertezas". Por isso, na aprendizagem, devemos educar para a incerteza, que faz parte da existência, para que sejam "capazes de reconhecer erros e ilusões. A melhor forma de fazer isso é ter uma abordagem multidisciplinar do conhecimento (...) porque "todo o erro deve ser analisado e entendido: é uma oportunidade extraordinária de progredir".
Ora, isto conduz-nos à necessidade, entre outros, de um novo olhar para a rede escolar e a respectiva arquitectura dos espaços (estabelecimentos com mil ou dois mil alunos não são escolas, mas sim fábricas), para a dinâmica organizacional da escola e sua verdadeira autonomia, para o novo posicionamento do professor na aprendizagem, para os currículos, para os programas, para a avaliação, para a formação inicial de professores, para os conceitos de sala de aula e de turma, tudo isto em simultâneo com a necessidade de analisar e actuar a montante, no que concerne à realidade social. É aí que reside a potencialidade transformadora, que jamais se conseguirá com teorizações académicas desconectadas da realidade. Por melhores que sejam, e disso eu não duvido, mas que apenas interessam como momento de deleite de quem fala ou de quem escuta. A tal "pedagogia transformadora" tem de ser esmiuçada e substantiva, de tal forma que conduza os decisores políticos a mudarem a agulha na perspectiva do encontro com o conhecimento. Já é tempo de colocar na roda do prato a ideia que é necessário "mexer em alguma coisa para que tudo fique na mesma".
Ilustração: Google Imagens.
Não está em causa em quem votar, desde que esse voto se enquadre numa permissa de conhecimento, pelo menos básico, do "menu" que o exercício da democracia oferece aos cidadãos eleitores. Inclusive, sobre as figuras que pretendem que os represente. Ora, a sensação que tenho é que a muitos falta esse conhecimento e capacidade de discernir o que os partidos escondem para além do que apresentam na montra. Votam por impulso, por zanga, protesto, pelo massacre dos media e, imagine-se, "à conta de Deus", não por uma capacidade acrescentada consequência da interligação de múltiplos factores e indicadores. E já era tempo do povo demonstrar segurança e adultez nesta e em muitas outras matérias de cidadania. De ter um afinado sentido reflexivo e crítico.
É um problema grave e que se arrasta desde os anos 70. Continuam a persistir resquícios daqueles malvados 48 anos de ditadura. Eles estão aí. E a Escola, neste aspecto, não deu a quem por lá passou, essa capacidade, não partidária, sublinho, de possibilitar a formação global para o exercício da democracia. Há um enorme défice neste espaço, porque o pensamento existente está mais no cumprimento dos extensos programas das disciplinas, com a avaliação e com os exames, e não com a realidade da vida. A Escola ainda não tomou consciência que quando se vota, estamos globalmente a decidir sobre a economia, as finanças, a educação, a saúde, as questões sociais, a cultura, a agricultura, enfim, sobre todos os sectores, áreas e domínios da governação. O voto não deve estar na cor, mas no projecto de sociedade. Referi a Escola, mas dito de uma forma mais incisiva e abrangente, todo o sistema educativo relegou para plano secundário a aprendizagem do que é isto da política e dos actos eleitorais.
Passei pela escola 40 anos. E continuo a acompanhá-la. Sempre senti que, genericamente, entre os professores, havia medo em provocar determinadas abordagens. A opção partidária de cada um também ali estava percentualmente representada. Medo de serem conotados com este ou aquele partido político, eventualmente, com perseguições e inquéritos disciplinares. Infelizmente é assim, sublinho, quando a cultura da escola devia assumir este e outros temas de uma forma natural, transversalmente aberta e sem rótulos. Senti que havia receio por algum encarregado de educação denunciar a aprendizagem para a vida real. Portanto, há uma iliteracia política, conjugada ao longo de anos, que já não dá para esconder e que nem as tais "aulas" de Cidadania e Desenvolvimento conseguiram disfarçar. Aliás, a vida real demonstra que tais "aulas" foram e são um logro. Curiosamente, ou talvez não, no plano conceptual a intenção programática está lá: "Capacitar para múltiplas literacias que permitam analisar e questionar criticamente a realidade. Avaliar e seleccionar a informação. Formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas". Tudo no quadro do "pensamento reflexivo, crítico e criativo". No papel sim, as preocupações estão envoltas em celofane. O problema é a cultura da escola, talvez melhor dizendo, a cultura da sociedade. E se esta está doente a escola não pode estar melhor.
Ainda ontem, o Parlamento da Madeira, acolheu mais uma sessão do "Parlamento dos Jovens", sob o tema "Viver Abril na Educação - Caminhos para uma escola plural e participativa". Pergunto: há quantos anos se realizam iniciativas semelhantes? E quais os resultados? Mais: Abril na Educação? escola plural e participativa? Sejamos claros: cumprir um programa muito embelezado, ao jeito do toca e foge é uma coisa; outra, é escaqueirar mentes formatadas e reconstruí-las em liberdade de pensamento.
E a liberdade de pensamento NÃO se avalia. É pessoal. "Os Direitos Humanos, Igualdade de Género, Interculturalidade, Desenvolvimento Sustentável, Educação Ambiental, Saúde, Sexualidade, Media, Instituições e participação democrática, Literacia financeira e educação para o consumo, Segurança rodoviária, Risco, Empreendedorismo, Mundo do Trabalho, Segurança, Defesa e Paz, Bem-estar animal e Voluntariado", repito, NÃO se avalia, antes investiga-se e debate-se profundamente em todos os momentos da vida escolar, de uma forma transversal que gere uma determinada cultura. Depois, livremente, cada um deve seguir o seu caminho e fará as opções que entender. Se assim não acontecer, uma parte da população continuará a votar "à conta de Deus e que seja o que Deus quiser".
Nos 50 anos de Abril não deixa de ser muito preocupante a sociedade que estamos a construir.
Ilustração: Google Imagens.
Vem isto a propósito da abertura de uma escola privada, prevista para o próximo mês de Setembro, a Internacional Sharing School. Vamos por partes:
1. Os promotores adquiriram à Diocese o antigo edifício do Seminário da Encarnação (muito discutível a alienação deste património), estão em curso obras de recuperação e de adaptação a uma aprendizagem assente num pensamento distinto do sistema público e vão realizar uma apresentação do projecto, aberta ao público, no Centro de Congressos da Madeira. No conjunto, estarão em causa, pressuponho, muitos e muitos milhões de euros.
2. Dizem os promotores, segundo li, que a nova escola está projectada para cerca de 500 alunos.
3. Não disponho do valor das propinas, mas numa rápida consulta na internet, os encargos na Internacional Sharing School Taguspark, em Oeiras, para o ano 2024/25, os valores oscilam desde € 10 980,00 (fora uma taxa única de € 1 200,00) para crianças de um ano e € 25 780,00 no 12º ano (encargos anuais). A publicidade que tem sido feita na Madeira admite "protocolos de propinas especiais para a comunidade local". Portanto, aqueles valores só podem ser interpretadas como valores de referência de uma dada escola. Na Madeira os encargos podem ser diferentes. Certo é que não se trata de uma escola privada acessível. Destina-se, apenas, a alguns. Para os que podem!
Repito, em abstracto, nada a dizer. Há muitos anos que defendo que a escola pública, como ainda a concebemos, tem de mudar radicalmente. Assino por baixo os princípios orientadores, pois, mesmo sem conhecer o processo pedagógico e as limitações impostas pelos currículos e programas, agrada-me quem assim pense, isto é, quem veja a escola como espaço de aprendizagem para a vida e não como edifício que massacra, condiciona e não concede espaço ao talento e ao sonho.
Porém, num outro nível de análise, outras questões sugerem-me dúvidas. Desde logo:
1. A Madeira é uma região com uma altíssima taxa de pobreza, onde milhares de alunos contam com o apoio da acção social educativa.
2. Tem sido, infelizmente, negativo o saldo entre a natalidade e a mortalidade. E por aí, explicam os decisores políticos (embora discorde desta justificação), tem havido a necessidade de encerrar estabelecimentos de aprendizagem.
3. Ora, conjugando estas duas variáveis, a pobreza e o saldo natalidade/mortalidade, com o nível médio/alto dos salários, pode-se concluir que a capacidade de recrutamento, na Madeira, de interessados na frequência daquela escola seja limitada. Porém, ressalvo, sendo uma escola internacional, provavelmente, o recrutamento ultrapassará a esfera da região. Aliás, presumo que, antes de se lançarem nesta escola, terão feito os necessários estudos de viabilidade nesta região. Ainda na edição de ontem do Dnotícias, li: "Escolas privadas sufocam e públicas com dívidas. Formadores, alunos e fornecedores sem receber".
4. Em síntese, para além dos princípios que norteiam a escola, coexistem dois aspectos que destaco: por um lado, se esta escola, pelas suas características, entrará no rol dos beneficiários de apoios públicos da região. Pessoalmente, repito, não aceito que uma fatia do Orçamento Regional seja destinado ao sector educativo privado. Que faça o seu "negócio" é uma coisa, outra, é a Região comparticipar no "negócio". Porque a missão da Região é outra. Não faz sentido que um cidadão pague impostos para que se cumpra a Constituição e volte a pagar para que uma minoria tenha acesso a uma aprendizagem assente em um paradigma distintivo; por outro, e isto para mim é de uma relevância maior, é-me incompreensível que o sistema público, paulatinamente, não caminhe no sentido de uma "escola que tenha como objetivo desenvolver alunos (...) inquiridores, conhecedores e de mente aberta que aspiram a construir um futuro melhor, através de um ambiente de apoio, respeito e cuidado que promova a aprendizagem através da partilha (...)". É preciso, senhores governantes, que o privado venha a assumir isto, quando tantos, de investigadores a autores, desde há muitos anos, já o disseram até à exaustão? Então, a escola pública não tem de ser aquilo que um privado vem dizer?
Ilustração: Google Imagens.
Quando assisto a um professor a lamentar-se que trabalha cem horas por semana ou inquéritos que dão conta que, em média, trabalham cinquenta e que, individualmente, são responsáveis por mais de 200 alunos, não fico a lamuriar-me, cheio de pena. Fico a pensar nas causas e nos silêncios que permitem que assim aconteça. Contrariem, pois, o pensamento atribuído a Mark Twain (1835/1910): "para quem tem apenas um martelo por instrumento, todos os problemas parecem pregos". O respeito pela função docente começa aí. Jamais pela lealdade aos loucos! Ademais, a aprendizagem deve assentar numa construção social!
Ilustração: Google Imagens/José Pacheco-FB