quinta-feira, 11 de abril de 2024

O sedentarismo não se combate assim



FACTO


Apenas 3% dos adultos têm registo da avaliação da atividade física no sistema informático do SNS. Crianças com menos de 15 anos também vão ser acompanhadas pelos centros de saúde. A Direção-Geral da Saúde (DGS) quer que os médicos dos centros de saúde prescrevam mais exercício físico e aumentem a avaliação do nível da atividade física e do comportamento sedentário dos utentes. A autoridade de saúde vai introduzir mudanças em normas e também as crianças serão avaliadas. - Rita Neves Costa, Jornalista, JN.


COMENTÁRIO

Li e tive de reler esta "pérola" da DGS. Presumo que ainda seja a Drª Rita Sá Machado, médica, a responsável pela DGS. Do texto resulta que a Senhora passa ao lado de, no mínimo, dois aspectos essenciais: que a prática física e desportiva pertence ao domínio cultural. A não aceitação deste princípio conduziu ao facto de Portugal, na UE, ocupe, segundo o Eurobarometer (2022 - página 10) uma posição simplesmente vergonhosa: "78% dos portugueses diz que raramente ou nunca pratica qualquer atividade física ou desportiva. Apenas 18% com alguma regularidade e 4% regularmente". Portugal está no 1º lugar dos países com menor actividade física ou desportiva. Trata-se de um problema de Educação, portanto, de formação de base, a qual, fica a dever-se a uma anacrónica e desajustada Educação Física e Desportiva, que continua sujeita a programas desmotivadores e a avaliações que não despertam para essa necessidade cultural. Não é obrigando, não é fazendo testes teóricos, avaliando e atribuindo níveis ou notas que se desperta para essa necessidade vital do ser humano.  

Depois, a Senhora Directora-Geral esquece-se que a generalidade das faculdades licenciam professores no âmbito da "Saúde e Prescrição do Exercício". Não compete aos médicos a prescrição do exercício físico. Podem aconselhar, naturalmente, como qualquer cidadão bem informado, na ausência de factores de risco, dizer ao amigo: mexe-te pela tua saúde! Não mais do que isso. O sedentarismo não se combate assim. É muito mais complexo porque é interdisciplinar. 

Na conjugação destes dois factores parece-me óbvio que é aí que tudo tem de ser repensado. É na base, na criança que chega à escola, no pensamento e na mentalidade que deve estruturar a actividade física e desportiva que se encontra uma solução portadora de futuro. Sendo assim, Senhora Directora-Geral é preciso semear para colher mais tarde. Se esse não for o caminho, aquela decisão constituirá mais um tirinho de pólvora seca! Aliás, não será pelo facto de uma qualquer área da governação "prescrever" mais teatro, ballet, pintura, música, canto, etc. que teremos um povo que passe a atribuir valor às artes e expressões culturais. 

sábado, 6 de abril de 2024

É preciso ser livre para se ser livre


A convite do autor, o Professor Universitário Carlos Oliveira Santos, assisti, na FNAC - Funchal, ao lançamento do livro "Aye - poemas escoceses". Aconteceu ao início da noite da última Sexta-feira este seu tributo à Escócia e às suas culturas. Foi um momento sereno e sublime, de poesia, música e canto e, a espaços, com intervenções do autor sobre aquilo que considera "um fio contínuo de incessante busca da identidade e da capacidade humana, na sua original afirmação romântica da liberdade - aqui, com Burns como exemplo superior (...)".





A páginas tantas, falou da ligação dos Escórcios e dos Drummond, cujos antepassados, na Madeira, vamos encontrá-los na História escocesa. A contagiante simplicidade do autor conduziu a interessantes testemunhos de vários que, na plateia, assistiam.

De todo aquele enquadramento creiam que senti, profundamente, o poema da autoria do Professor Carlos Oliveira Santos, dito de uma forma intensa e sedutora - Uma Declaração de Arbroath. Deixo-o aqui.   


é preciso ser livre para ser livre
eu não quero a liberdade p´ra venerar num al
tar a liberdade por falar
quero a liberdade de falar, de ser eu
do qual não há cópia

liberdade, liberdade, eu quero a minha liber
dade a liberdade para todos
liberdade livremente
liberdade com cor
liberdade com dor

liberdade sujeita à própria liber
dade liberdade de experimentar, de sentir
liberdade de errar, de tresvariar
de viver, de morrer
liberdade que não precise de lei
que só aceite uma lei fundada na própria liberdade

tem um preço, a liberdade, mas não se vende
tem um nome, mas não se limita a ele
tem um fim, mas desconhece-o

tenho, muitas vezes, a sensação que não existe 
liberdade, mas quero essa liber
dade        é preciso ser livre para se ser livre

No Prefácio escrito por Billy Kay, escritor, autor de televisão e rádio, poliglota, um militante indefectível da independência da Escócia: "(...) o Carlos não só tem um profundo conhecimento da cultura e da história da Escócia, mas, ao mesmo tempo, ele tem algo dentro de si que lhe dá uma visão excepcional da cultura escocesa, possibilitando-lhe divulgá-la desta maneira tão impressionante e permanente".

Estou a ler, serenamente, as páginas deste livro. Parabéns e obrigado, Caríssimo Professor.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Os primeiros 80!

 

Trabalhámos juntos, na escola e na RTP-M. Tenho por ele uma enorme admiração e estima. Há dias remeteu-me uma mensagem convidando-me para os seus "primeiros 80 anos". No meio do contentamento por se ter lembrado de mim, soltei uma sonora gargalhada em função daquela frase cheia de humor: "primeiros 80 anos". São, de facto, os primeiros, o que significa que a vida tem de continuar. Completar os segundos oitenta, digo eu, só será possível num jogo prospectivo, de plena imaginação sobre o mundo que as próximas gerações podem esperar.



Aliás, o meu Amigo João Coutinho tem uma particularidade que o distingue dos demais: a sua capacidade para produzir humor com tudo o que o rodeia. Um dia, falávamos de um político indicado para secretário de qualquer coisa e ele, de chofre, meteu ali a sua veia satírica: será secretário de(o) estado a que isto chegou. Recordo-me de uma outra passada na escola. Um aluno, com um fraquíssimo resultado num teste, disse ao Coutinho: professor, errar é humano. Pois, eu sei, respondeu-lhe. Porém, acho que estás a ser humano demais!

São tantas as histórias bem humoradas. A par desta sua particularidade face à qual eu situo-me a milhas de distância, o Coutinho pautou a sua vida de docente pela alegria contagiante junto dos alunos e pela responsabilidade no seu mister. Duvido da existência de um aluno que alguma vez o tivesse olhado de esguelha. Sempre amou o que fez, o que constituiu um passaporte para a lembrança que muitas gerações têm da sua abertura à aprendizagem com rigor, mas respeitosa da identidade de cada um.

Na televisão foi simplesmente impecável a sua colaboração. Mas o Coutinho teve uma outra faceta que destaco. O andebol. O seu andebol, a sua dedicação tornada paixão. Sinto que está por fazer a homenagem que ele merece. Os primeiros, os que com mestria desbravaram, aqueles que, sem se colocarem em bicos de pés, abriram as portas possibilitando à modalidade aquilo que hoje é, merecem o meu respeito. O Pavilhão Gimnodesportivo do Funchal, inaugurado, salvo erro, em 1971, devia encimar o nome de João Coutinho. Merece-o.

Só uma nota final. A grandeza do Coutinho está nisto: ofertas pessoais, não. O que cada um pensa gastar (com os Amigos não se gasta, investe-se), será entregue em sobrescrito, depositado num saco para, posteriormente, ser entregue à Associação ACREDITAR - Apoio a crianças e jovens com cancro. Fantástico. 

Amigo, amanhã, lá estarei, às 13 horas, antes do "toque de feriado". Faço questão de te dar um abraço de uma longa amizade, aquele abraço que mesmo não convivendo diariamente, exprime o calor de anos de trabalho e de exemplar companheirismo. E "vamilhá" para os segundos oitenta!

terça-feira, 2 de abril de 2024

Tão simples e tão profundo (II)



Não dou por perdida a luta de muitos e de há muitos anos. Aliás, as mudanças arrastam sempre uma resistência de anos, porque os hábitos enraízam-se, porque o medo do desconhecido instala-se no convencimento que se sempre foi assim, porquê mudar(?) e, também, pela comodidade a que a rotina conduz. Ah, porque a hierarquia política, amante da "tranquilidade e da normalidade", assim impõe. Ela não aprecia quem seja prospectivo, quem fuja ao itinerário traçado. Mudar exige estudo, aprofundamento do conhecimento, inconformismo, leitura do mundo, comprometimento, muito trabalho, e tudo isto apavora os apreciadores do "status quo".



Há 53 anos, transcrevi no meu "Relatório de Estágio Pedagógico" uma frase de Paul Ginisty (1855/1932) que continua com uma impressionante actualidade: "Não é possível ser pedagogo sem adoptar uma certa visão do ser humano que visa legitimar a prática". E, recentemente, li no blogue "Educrítica": "Para ensinar o latim ao João, todos sabem hoje que é indispensável conhecer o latim e o João. Mas mais ainda: é preciso saber porque é que se deseja que João aprenda latim, como é que a aprendizagem do latim o irá ajudar a situar-se no mundo de hoje - numa palavra, quais são os fins visados pela educação. E há pelo menos uma componente política em qualquer resposta que se pretenda dar."

Pois, é isso mesmo! Ao correr das palavras que vou digitando, acompanha-me o meu Amigo Padre Martins Júnior: "rezar é fácil, pensar é muito mais difícil", o que se aplica, ao fim e ao cabo, a tudo, da Igreja à Escola.

Deduz-se, então, que o sistema educativo continua, qual metáfora, a "rezar" pelo manual, "sem uma visão do ser humano que vise legitimar a prática" e, portanto, sem "saber porque é que se deseja que João aprenda latim" ou outra coisa qualquer. E sendo assim, como revela a infografia, dir-se-á que "doutrinar é fácil", mais complexo é "mostrar às pessoas como aprender".

Os que se refastelam nos desengonçados e empoeirados cadeirões do exercício da política deviam ter presente o que Agostinho da Silva nos deixou: "O que impede de saber não são nem o tempo nem a inteligência, mas somente a falta de curiosidade.”

Se tivessem isto presente mudavam tudo.

Nota
Fotografia e legenda de Noam Chomsky enviada pelo meu Amigo Dr. João Luís Aguiar, Professor de Filosofia.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Educação transformadora

 

A formação, sobretudo a pós-graduada, só tem sentido quando ela é transformadora. Quando obriga à profunda reflexão de posicionamentos assumidos como certos e/ou inquestionáveis. Neste contexto, juntar pessoas porque a progressão na carreira implica um dado número de horas, associadas ao comprovativo da presença, deixa-me a olhar como para a chuva no molhado. Pior, ainda, quando a intenção é a abordagem de uma "Estratégia para uma escola transformadora", em fóruns desta natureza, pelo menos por agora, a formação devia distanciar-se da erudição académica, optando pela prioridade que se apresente como oportuna.



Não é possível falar-se de "pedagogia transformadora", quando se teoriza tanto e profundamente sobre temas que poucos dominam. Isto preocupa-me, não pelo interesse das palestras e capacidade científica dos palestrantes, mas pela oportunidade das mesmas, absolutamente desadequadas do patamar em que o sistema educativo se encontra. E a pergunta surge, com toda a naturalidade: o que restou das edições anteriores no sentido de um contributo para a reclamada mudança? Nada. O sentido único da política educativa continua, teimosamente, no seu rumo avesso ao mundo que estamos a viver.

Parece não haver consciência disto. Há alguns anos, relembro, o Filósofo francês Edgar Morin, hoje com 103 anos, questionava-se "sobre as novas fronteiras da pedagogia. No manifesto Ensinando a viver, ele imaginou uma revolução educacional do século XXI, uma “metamorfose”, diz ele, que podia reconstruir as bases do ensino, em sintonia com a nossa civilização, cada vez mais interligadas e multidisciplinares". Ele foi muito claro: "É errado privilegiar uma cultura científica, tecnocrática, sacrificando uma cultura humanista". E neste aspecto, acrescentou: "Se a autoridade dos professores está em crise é porque a escola não tem conseguido adaptar-se à nova autonomia dos jovens".

Ora, a nova realidade, sobretudo aquela que despontou nos últimos cinquenta anos, não é compaginável, numa aproximação a Tofller, por exemplo, com a tendência para meter nos cubículos conceptuais de ontem, todos os sectores e áreas do conhecimento (a segmentação das disciplinas do currículo). Não é compaginável, socorrendo-me, novamente, de Morin, com uma "escola que ensina muitas certezas, quando a vida é feita sobretudo de incertezas". Por isso, na aprendizagem, devemos educar para a incerteza, que faz parte da existência, para que sejam "capazes de reconhecer erros e ilusões. A melhor forma de fazer isso é ter uma abordagem multidisciplinar do conhecimento (...) porque "todo o erro deve ser analisado e entendido: é uma oportunidade extraordinária de progredir". 

Ora, isto conduz-nos à necessidade, entre outros, de um novo olhar para a rede escolar e a respectiva arquitectura dos espaços (estabelecimentos com mil ou dois mil alunos não são escolas, mas sim fábricas), para a dinâmica organizacional da escola e sua verdadeira autonomia, para o novo posicionamento do professor na aprendizagem, para os currículos, para os programas, para a avaliação, para a formação inicial de professores, para os conceitos de sala de aula e de turma, tudo isto em simultâneo com a necessidade de analisar e actuar a montante, no que concerne à realidade social. É aí que reside a potencialidade transformadora, que jamais se conseguirá com teorizações académicas desconectadas da realidade. Por melhores que sejam, e disso eu não duvido, mas que apenas interessam como momento de deleite de quem fala ou de quem escuta. A tal "pedagogia transformadora" tem de ser esmiuçada e substantiva, de tal forma que conduza os decisores políticos a mudarem a agulha na perspectiva do encontro com o conhecimento. Já é tempo de colocar na roda do prato a ideia que é necessário "mexer em alguma coisa para que tudo fique na mesma".

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 21 de março de 2024

Os primórdios do desporto escolar


Anos 70. 

Sequência das fotos: em Machico, na Escola Visconde Cacongo, novamente Machico e Ribeira Brava (corrida "o raio" - 50 metros).

Arquivo próprio.






quarta-feira, 13 de março de 2024

As eleições e a Escola

 

Dia 10 de Março. RDP - Madeira, informação das 16:00. A jornalista Celina Faria faz um directo à saída de uma mesa de voto em Santana. Escuto: "Votei à conta de Deus e seja o que Deus quiser". Estava esclarecida e informada sobre as candidaturas? "Para eu votar escusa-me informar, porque sei em quem voto". Conhece alguns candidatos pela Madeira? "Não, não conheço nenhum. Olhe, eu não quero saber dessas coisas, não sei e nem caminho de casa". Mas mesmo assim nunca falta a um acto eleitoral (...) "Nunca faltei um dia. Enquanto puder virei à conta de Deus". Responde outra eleitora à pergunta da jornalista sobre os candidatos pela Madeira: "Não posso dizer o melhor ou o pior. Para mim são todos iguais. Ninguém me está dando de comer". Vem sempre acompanhada da sua filha para votar: "Venho, eu já não posso"!



Desde logo parabéns à jornalista que seleccionou e divulgou aquele que pode ser um retrato da fragilidade cultural de muitos cidadãos. Não é geral, eu sei, porque são milhares os que votam em plena consciência pelos valores que transportam e até distantes de qualquer ligação partidária. Mas, julgo que devemos admitir que existe muito voto sem uma leitura política minimamente elaborada. E este aspecto não está na idade dos eleitores. Passaram-se 50 anos de Abril. Mesmo um eleitor com 90 anos, tinha 40 na altura da Revolução. 

Não está em causa em quem votar, desde que esse voto se enquadre numa permissa de conhecimento, pelo menos básico, do "menu" que o exercício da democracia oferece aos cidadãos eleitores. Inclusive, sobre as figuras que pretendem que os represente. Ora, a sensação que tenho é que a muitos falta esse conhecimento e capacidade de discernir o que os partidos escondem para além do que apresentam na montra. Votam por impulso, por zanga, protesto, pelo massacre dos media e, imagine-se, "à conta de Deus", não por uma capacidade acrescentada consequência da interligação de múltiplos factores e indicadores. E já era tempo do povo demonstrar segurança e adultez nesta e em muitas outras matérias de cidadania. De ter um afinado sentido reflexivo e crítico.

É um problema grave e que se arrasta desde os anos 70. Continuam a persistir resquícios daqueles malvados 48 anos de ditadura. Eles estão aí. E a Escola, neste aspecto, não deu a quem por lá passou, essa capacidade, não partidária, sublinho, de possibilitar a formação global para o exercício da democracia. Há um enorme défice neste espaço, porque o pensamento existente está mais no cumprimento dos extensos programas das disciplinas, com a avaliação e com os exames, e não com a realidade da vida. A Escola ainda não tomou consciência que quando se vota, estamos globalmente a decidir sobre a economia, as finanças, a educação, a saúde, as questões sociais, a cultura, a agricultura, enfim, sobre todos os sectores, áreas e domínios da governação. O voto não deve estar na cor, mas no projecto de sociedade. Referi a Escola, mas dito de uma forma mais incisiva e abrangente, todo o sistema educativo relegou para plano secundário a aprendizagem do que é isto da política e dos actos eleitorais. 

Passei pela escola 40 anos. E continuo a acompanhá-la. Sempre senti que, genericamente, entre os professores, havia medo em provocar determinadas abordagens. A opção partidária de cada um também ali estava percentualmente representada. Medo de serem conotados com este ou aquele partido político, eventualmente, com perseguições e inquéritos disciplinares. Infelizmente é assim, sublinho, quando a cultura da escola devia assumir este e outros temas de uma forma natural, transversalmente aberta e sem rótulos. Senti que havia receio por algum encarregado de educação denunciar a aprendizagem para a vida real. Portanto, há uma iliteracia política, conjugada ao longo de anos, que já não dá para esconder e que nem as tais "aulas" de Cidadania e Desenvolvimento conseguiram disfarçar. Aliás, a vida real demonstra que tais "aulas" foram e são um logro. Curiosamente, ou talvez não, no plano conceptual a intenção programática está lá: "Capacitar para múltiplas literacias que permitam analisar e questionar criticamente a realidade. Avaliar e seleccionar a informação. Formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas". Tudo no quadro do "pensamento reflexivo, crítico e criativo". No papel sim, as preocupações estão envoltas em celofane. O problema é a cultura da escola, talvez melhor dizendo, a cultura da sociedade. E se esta está doente a escola não pode estar melhor.

Ainda ontem, o Parlamento da Madeira, acolheu mais uma sessão do "Parlamento dos Jovens", sob o tema "Viver Abril na Educação - Caminhos para uma escola plural e participativa". Pergunto: há quantos anos se realizam iniciativas semelhantes? E quais os resultados? Mais: Abril na Educação? escola plural e participativa? Sejamos claros: cumprir um programa muito embelezado, ao jeito do toca e foge é uma coisa; outra, é escaqueirar mentes formatadas e reconstruí-las em liberdade de pensamento. 

E a liberdade de pensamento NÃO se avalia. É pessoal. "Os Direitos Humanos, Igualdade de Género, Interculturalidade, Desenvolvimento Sustentável, Educação Ambiental, Saúde, Sexualidade, Media, Instituições e participação democrática, Literacia financeira e educação para o consumo, Segurança rodoviária, Risco, Empreendedorismo, Mundo do Trabalho, Segurança, Defesa e Paz, Bem-estar animal e Voluntariado", repito, NÃO se avalia, antes investiga-se e debate-se profundamente em todos os momentos da vida escolar, de uma forma transversal que gere uma determinada cultura. Depois, livremente, cada um deve seguir o seu caminho e fará as opções que entender. Se assim não acontecer, uma parte da população continuará a votar "à conta de Deus e que seja o que Deus quiser".

Nos 50 anos de Abril não deixa de ser muito preocupante a sociedade que estamos a construir. 

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 6 de março de 2024

A Educação não é um negócio

 

Não tenho qualquer reserva relativamente à criação de estabelecimentos de aprendizagem de natureza privada. Quem se predisponha a criá-los que cumpra as regras e se responsabilize pelos seus encargos. Criar escolas para, depois, ser o sector público a suportar uma boa parte dos seus custos, isso não. 



Sempre defendi ser uma treta o poder político assumir que os apoios se enquadram no princípio de possibilitar às famílias a livre escolha. Uma total falácia. Todo o orçamento público para a Educação deve ser canalizado para a escola pública que constitui uma responsabilidade prevista na Constituição da República Portuguesa. Por isso, não é admissível que o privado, cobrando mensalidades, receba apoios significativos (na Madeira tem rondado os 30/35 milhões por ano - Dnotícias/ALRAM/15.11.2023), ficando, depois, condicionado às lógicas do sistema público, inclusive na colocação de professores e em muitos outros aspectos organizacionais e até de natureza pedagógica. O financiamento à escola privada só se justifica quando o sistema público não consegue dar resposta adequada às necessidades da procura. Aí sim, podem ser necessárias parcerias de interesse bilateral.

Vem isto a propósito da abertura de uma escola privada, prevista para o próximo mês de Setembro,  a Internacional Sharing School. Vamos por partes:

1. Os promotores adquiriram à Diocese o antigo edifício do Seminário da Encarnação (muito discutível a alienação deste património), estão em curso obras de recuperação e de adaptação a uma aprendizagem assente num pensamento distinto do sistema público e vão realizar uma apresentação do projecto, aberta ao público, no Centro de Congressos da Madeira. No conjunto, estarão em causa, pressuponho, muitos e muitos milhões de euros.

2. Dizem os promotores, segundo li, que a nova escola está projectada para cerca de 500 alunos.

3. Não disponho do valor das propinas, mas numa rápida consulta na internet, os encargos na Internacional Sharing School Taguspark, em Oeiras, para o ano 2024/25, os valores oscilam desde  € 10 980,00 (fora uma taxa única de € 1 200,00) para crianças de um ano e € 25 780,00 no 12º ano (encargos anuais). A publicidade que tem sido feita na Madeira admite "protocolos de propinas especiais para a comunidade local". Portanto, aqueles valores só podem ser interpretadas como valores de referência de uma dada escola. Na Madeira os encargos podem ser diferentes. Certo é que não se trata de uma escola privada acessível. Destina-se, apenas, a alguns. Para os que podem!


Não está em causa o paradigma organizacional e pedagógico seguido pela Internacional Sharing School. Nunca visitei uma escola deste grupo. Em abstracto, apenas pelo que li, trata-se de uma "escola que tem como objetivo desenvolver alunos ao longo da vida inquiridores, conhecedores e de mente aberta que aspiram a construir um futuro melhor, através de um ambiente de apoio, respeito e cuidado que promova a aprendizagem através da partilha (...) proporciona a melhor experiência educacional aos alunos, reconhecendo que cada criança é diferente e única (...)  e que os espaços de aprendizagem são flexíveis e projetados para atender às necessidades individuais de cada aluno (...) e, ainda, que mais do que ter um currículo baseado no aluno, é uma escola baseada no aluno, organicamente pensada para os  alunos, proporcionando uma experiência educacional inovadora para os alunos explorarem a aprendizagem e alimentarem a sua criatividade e imaginação (...)". Sublinha uma professora: "Com este ambiente de aprendizagem inovador, reconheço que os meus alunos são mais capazes de serem eles próprios, alunos descontraídos e de mente aberta." 

Repito, em abstracto, nada a dizer. Há muitos anos que defendo que a escola pública, como ainda a concebemos, tem de mudar radicalmente. Assino por baixo os princípios orientadores, pois, mesmo sem conhecer o processo pedagógico e as limitações impostas pelos currículos e programas, agrada-me quem assim pense, isto é, quem veja a escola como espaço de aprendizagem para a vida e não como edifício que massacra, condiciona e não concede espaço ao talento e ao sonho. 

Porém, num outro nível de análise, outras questões sugerem-me dúvidas. Desde logo:

1. A Madeira é uma região com uma altíssima taxa de pobreza, onde milhares de alunos contam com o apoio da acção social educativa.

2. Tem sido, infelizmente, negativo o saldo entre a natalidade e a mortalidade. E por aí, explicam os decisores políticos (embora discorde desta justificação), tem havido a necessidade de encerrar estabelecimentos de aprendizagem. 

3. Ora, conjugando estas duas variáveis, a pobreza e o saldo natalidade/mortalidade, com o nível médio/alto dos salários, pode-se concluir que a capacidade de recrutamento, na Madeira, de interessados na frequência daquela escola seja limitada. Porém, ressalvo, sendo uma escola internacional, provavelmente, o recrutamento ultrapassará a esfera da região. Aliás, presumo que, antes de se lançarem nesta escola, terão feito os necessários estudos de viabilidade nesta região. Ainda na edição de ontem do Dnotícias, li: "Escolas privadas sufocam e públicas com dívidas. Formadores, alunos e fornecedores sem receber".

4. Em síntese, para além dos princípios que norteiam a escola, coexistem dois aspectos que destaco: por um lado, se esta escola, pelas suas características, entrará no rol dos beneficiários de apoios públicos da região. Pessoalmente, repito, não aceito que uma fatia do Orçamento Regional seja destinado ao sector educativo privado. Que faça o seu "negócio" é uma coisa, outra, é a Região comparticipar no "negócio". Porque a missão da Região é outra. Não faz sentido que um cidadão pague impostos para que se cumpra a Constituição e volte a pagar para que uma minoria tenha acesso a uma aprendizagem assente em um paradigma distintivo; por outro, e isto para mim é de uma relevância maior, é-me incompreensível que o sistema público, paulatinamente, não caminhe no sentido de uma "escola que tenha como objetivo desenvolver alunos (...) inquiridores, conhecedores e de mente aberta que aspiram a construir um futuro melhor, através de um ambiente de apoio, respeito e cuidado que promova a aprendizagem através da partilha (...)". É preciso, senhores governantes, que o privado venha a assumir isto, quando tantos, de investigadores a autores, desde há muitos anos, já o disseram até à exaustão? Então, a escola pública não tem de ser aquilo que um privado vem dizer?

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Será que alguém estaria à espera de outro resultado?


56% dos estudantes da Universidade da Madeira "acham que o percurso académico não os preparou para o ensino superior" - edição de hoje do Dnotícias, página 3. No ano anterior a percentagem tinha sido de 60,2%.



Este novo estudo da Académica da Universidade da Madeira é muito interessante, pois as percentagens apuradas em muitos domínios permitem importantes reflexões. Fixei-me, apenas, na preparação dos estudantes nos primeiros doze anos. 

Não me foi nada surpreendente. Estimo que, numa análise mais fina e dirigida a todo o universo dos estudantes, aquela percentagem possa ser superior. Certo e sem a minha leitura subjectiva, mais de metade dos alunos são hoje peremptórios relativamente às dificuldades que experimentam na frequência universitária. 

Nada de novo. Quando lá leccionei os meus alunos diziam o mesmo. Buscando as causas, independentemente das variáveis serem muitas, a questão central está, desde logo, na ausência de compaginação entre a formação inicial e a universitária. A propósito, o Henrique, o meu neto mais velho, hoje a finalizar Economia, no dia que terminou o 12º ano, e ao meu pedido: resume-me estes primeiros doze anos de escola. Respondeu-me: "eu servi a escola; a escola não me serviu". Ora bem, a escola fê-lo cumprir currículos, extensos programas, testes de avaliação e exames; possibilitou trabalho aos professores, auxiliares e administrativos, porém, não lhe serviu enquanto lastro e asas preparatórias de abertura ao mundo do conhecimento.


Pensar, ou melhor, exercitar de forma contínua o pensamento, o acto de reflectir, raciocinar, imaginar, conceber, duvidar, comparar e transferir, sendo, desde as primeiras idades, condicionados pelo espartilho curricular e programático, só podia redundar no desajustamento sentido pelos estudantes, quando, no superior, se exigem competências de investigação científica e adequada formação técnica para a vida profissional. No superior "a papinha" não está feita! 

Se a escola dos primeiros doze anos continua a basear-se na segmentação das disciplinas curriculares e não numa visão sistémica; se a escola, infelizmente, continua a ser transmissiva (debitadora), directiva e uniformizadora, seguindo os manuais, não dando espaço ao pensamento; se a escola permanece, obcecadamente, preocupada com a "classificação" e não com a avaliação que possibilita ao aluno e ao professor aprenderem; se a escola prefere a rotina e não consegue sair do conceito de turma, de aula e horário; se a escola secundariza a formação cultural; se a escola escolhe o beco e não a avenida do conhecimento; se a escola não desafia e inspira; se a escola inicial prefere especialistas em exames e não a formação de pensadores; se a escola está apostada em vegetar na bolha que os adultos construíram, parece-me óbvio que os 56% tenderão a crescer, os tais que assumem que não foram preparados para o ensino superior. 


Os primeiros doze anos de aprendizagem (não devia ser de ensino) necessitam de uma reformulação total. Não é coarctando a cooperação, não é impedindo o acto de fazer pensar, não é sujeitando os estudantes aos traços de uma escola do passado que resolveremos os nossos problemas com o futuro. 

Deixo aqui uma passagem do meu livro "A Escola é uma seca", página 58. Tenhamos presente as palavras da Professora Maria de Assis, Promotora de Práticas Colaborativas - Arte, Cultura, Educação:

"(...) Nós só aprendemos o que queremos, porque quero ou porque sou levado por alguém que me inspire. Mas, depois, aprendo por mim mesmo. O conhecimento é uma construção própria. Não é algo que eu fixei e que não sei aplicar em diferentes contextos. Portanto, esta coisa que há um especialista que transmite conhecimento é uma falácia. É fantástico que exista o especialista (...) mas o conhecimento constrói-se por cada um".

Retorno a Merlí:

“(...) Estou fartinho de pessoas que dizem que a Filosofia não serve para nada. Parece que o sistema educativo esqueceu as perguntas: quem somos, de onde vimos e para onde vamos. O que interessa é que empresa criaremos e quanto dinheiro ganharemos. A Filosofia serve para reflectir sobre a vida e sobre o ser humano. E para questionar as coisas. A Filosofia e o poder têm uma tensão sexual não resolvida. A Filosofia é virar do avesso tudo quanto damos por sabido. (...) quero-vos acordados, com as antenas ligadas ao que se passa à vossa volta. Preparados para assumir as contradições e as dúvidas criadas pela vida e para enfrentar as adversidades e aprender com as derrotas (…)”.

Ai se escutassem os alunos, os professores e os qualificados no quadro de uma visão sistémica e de futuro! Desde logo perceberiam o tempo que andam a perder nas caraterísticas deste ensino presencial por ausência de um pensamento estruturante. O que se assiste não é "estudar com autonomia", mas matar a autonomia e o interesse pelo conhecimento.

Tão distantes que estamos dessa Escola portadora de futuro!

Ilustração: Google Imagens

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

A corrida aos € 20,00 e a realidade



FACTO

A Câmara Municipal do Funchal veio dar conta de um apoio de € 20,00 por cada atleta inscrito nos clubes cujas idades não ultrapassem os 15 anos. A autarquia calcula serem 5 000 os abrangidos o que perfaz um encargo do município de € 100 000,00. 

COMENTÁRIO 

Primeiro
Tenho, como é óbvio, o maior apreço pelos clubes e pelas suas dinâmicas realizadas através de dirigentes e treinadores que os vivem intensamente. Curvo-me perante o seu trabalho com muitos resultados nos planos nacional e internacional. Não é isso que está em causa. Em síntese, não me conformo é com as políticas de base que não têm em conta a realidade. 

Se consultarmos o Eurobarómetro, relativamente aos dados da prática física e desportiva de 2022, publicados em 2023, página 10, conclui-se que, em Portugal (incluindo as Regiões Autónomas), à pergunta: "com que frequência se exercita ou pratica desporto? Por "exercício" entende-se qualquer forma de atividade física (...)", 73% da população assumiu que "NUNCA"; 4% afirmaram praticar de "forma regular"; 18% com "alguma regularidade" e 5% "raramente". Portugal é o pior do ranking dos países europeus, seguido da Grécia (68%) e Polónia (65%). No lado oposto está a Dinamarca com 20%, a Suécia com 12% e a Finlândia com 8%, repito, os que assumem "nunca" praticarem qualquer actividade.

Nota
Entende-se por taxa de participação a relação entre o número de praticantes desportivos e uma dada população total considerada. 


Segundo
Deduz-se daqueles resultados do Eurobarómetro, que a estrutura organizacional de suporte à actividade física e desportiva está completamente errada. Não é função primeira dos clubes o crescimento do número de praticantes. É à Escola que pertence tal finalidade. A Escola deve ser a referência maior da quantidade, competindo ao clube a preocupação pela qualidade. 

Sendo assim, por princípio, não deve competir ao clube resolver o problema da formação em larga escala, ainda que a possa fazer atendendo a algumas especificidades. Genericamente, essa deve ser a responsabilidade da Escola.

A confusão desde sempre instalada, onde os vários actores se atropelam, baseia-se no facto de não existir uma assumida interface (complementaridade) entre a escola e o clube. Pagar aos clubes (como muitas autarquias fazem) para atenuarem um problema de pensamento e organização estrutural da escola, não me parece aconselhável. Os dois sistemas, o educativo e o desportivo, estão, claramente, de costas voltadas e sem norte, pela incapacidade de entendimento do que a um e a outro deve, estruturalmente, competir.

Vou mais longe. A Educação Física já teve o seu tempo (ver infografia e nota 1). Desde há muitos anos que se deveria falar, da base ao topo, de Educação Desportiva. Porém, a mentalidade que continua a prevalecer, baseada em programas curriculares e exigências completamente desfasadas do tempo que estamos a viver, só conduz(iu) à triste realidade de 73% assumirem que "nunca" desenvolvem qualquer prática. E se analisarmos ao pormenor, a taxa de participação fica-se pelos 22%, isto é, 4% regulares e 18% com alguma regularidade. Perante os dados do Eurobarómetro (e não outras estatísticas normalmente marteladas por duvidosos critérios), poderá ficar a pergunta: o que é que a Educação Física tem contribuído para uma prática física e ou desportiva portadora de futuro? Para vida quero eu dizer? Não é, seguramente, fechada na sua torre de marfim, impondo lógicas programáticas, testes, avaliações e exames que Portugal atingirá os patamares de uma excelência ao nível de uma prática entendida como bem cultural e de resultados que não necessitem da importação de estrangeiros.

Ora bem, impõe-se uma revisão completa desta mentalidade que atira dinheiro para cima de um problema, quando essa "estratégia" nada tem resolvido no plano do pensamento estrutural do funcionamento da sociedade em geral e da prática física e desportiva em particular. Diz-nos a História que não resolverá! Por outro lado é preciso ter consciência que os clubes já são apoiados pela entidade governamental (Plano Regional de Apoio ao Desporto - € 12.742.861,71 em 2023/2024). De acordo com a Demografia Federada, "na época desportiva 2021/2022 foram contabilizados 21 760 atletas federados, distribuídos por 70 modalidades desportivas, pertencentes a 143 clubes desportivos regionais​/sociedades anónimas desportivas (SAD) e a 29 associações regionais de modalidade e multidesportivas". Dos 21 760 praticantes (pressupõe-se regulares) 11 114 pertencem ao concelho do Funchal (51.1%). O resto é fazer as contas para se perceber, em média, o que significa o apoio de € 20,00 a menos de metade (5 000) dos praticantes do Funchal. Sendo assim, o que a autarquia, neste caso a do Funchal, devia assumir como responsabilidade e visão de futuro, mesmo contra a corrente de pensamento, era a da promoção da actividade física junto da população. E há tantas formas de a promover com os tais € 100 000,00 sem ter de recorrer a um ginásio em cada esquina. (Ver nota 2)

Posto isto, caro leitor, são 17:30 e está na hora de ir correr 40' (quase diários) e de complementar com mais uns minutos de musculação. Quero continuar a pertencer aos 4%, pela saúde e pelo desejo de contribuir para que essa percentagem aumente significativamente!

Nota 1
No livro Da Educação Física à Motricidade Humana (2002), editado pelo O Desporto Madeira, pode ler-se, na pág. 36, a seguinte passagem do Doutor Olímpio Bento: “(…) é, portanto, curial reconstruir esta área à luz de um lema como este: “escolarizar o desporto – desportivizar a escola e a vida”. Mas atenção, como também salienta o Doutor Manuel Sérgio, desportivizar a escola e a vida num projecto que combata uma prática que constitui “uma das grandes alienações do nosso tempo”. Isto é, “para além do desenvolvimento desportivo, é preciso criar um desporto ao serviço do desenvolvimento”. E a Escola, neste aspecto, é determinante essencialmente porque é futuro.

Nota 2
Complementarmente, em 2008, numa conferência no Funchal escutei as seguintes frases:
"Se a sociedade está errada o desporto não pode estar certo" - Doutor Manuel Sérgio.
"Um desporto ao serviço da mudança" - Doutor Gustavo Pires


Ilustração
Google Imagens e Proposta de um modelo organizacional do Professor Catedrático Jubilado Gustavo Pires, reproduzido no meu livro "Ano Europeu da Educação pelo Desporto", publicado em 2004.

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Aos governantes: leiam, pensem um pouco e definam um projecto portador de futuro


Por 
Rui Correia
SIC

A escola em Portugal atravessa uma encruzilhada de que parece não querer sair. Os alunos acham que não estão a aprender nada. Os professores acham que não estão a ensinar nada. Os pais acham que a escola não lhes pertence. A esmagadora maioria dos agentes educativos deixou de acreditar num futuro viável para o sistema de ensino.


A Rita odeia a escola e é recíproco© Canva

Não andaremos muito longe da verdade se concluirmos que, em grande medida, esta desacreditação voluntária e voluntarista do sistema (porque tornou-se um desporto nacional rebaixar a escola pública) prende-se com a crescente inadaptação da escola ao tempo e ao mundo que a rodeia.

Mais professores para menos alunos


Toda a gente concorda que os tempos mudaram. O mundo mudou. Ninguém parece discordar que os miúdos são hoje completamente diferentes dos de há vinte ou trinta anos. É discutível. Mas é um facto que a voracidade da tecnologia e da semiologia mediática transformaram completamente os formatos e as ambições de conhecimento dos nossos jovens. Dos adultos também. Todos queremos aprender outras coisas e queremos conhecê-las de um modo completamente diferente daquele a que todos nos habituámos. A miudagem mais ainda.

Uma das muitas evidências desta transformação é que não há quem não exija – e bem - uma urgente redução do número de alunos por turma. Um horizonte que se torna cada vez mais mirífico por causa dessa cegueira antipatriótica que foi proibir durante anos a admissão de novos professores na carreira.

Turmas bastante mais pequenas do que as que temos são uma imprescindibilidade óbvia para todos os que alguma coisa conhecem do universo escolar actual. Este mundo em mutação provou-nos que não é pedagogicamente sustentável acreditar no sucesso escolar sem atender mais imediatamente aos interesses de cada indivíduo que deseje aprender coisas.

Mude-se os alunos


Diz-se que os miúdos estão menos respeitadores e mais desobedientes, menos interessados e mais agitados. Diz-se também que os professores não sabem manter a disciplina nas suas salas de aula. Diz-se ainda que os pais se converteram em vassalos dos egoísmos dos seus filhos. E, saltitando de frase feita em frase feita, tudo vai valendo e nada se altera, porque não se saberia por onde começar.

Há quem diga, sem rir, que é muito difícil “mantê-los calados e quietos durante 90 minutos”. E todos anuem. Como se estar “caladinho e quietinho” fosse o propósito de uma educação que se pretende “crítica e criativa”, como agora se diz muito que a escola deve ser.

A realidade é que estes pseudo-argumentos funcionam e proliferam como álibis da mediocridade. Enquanto os culpados desta era de decadência forem os alunos ou essa bugiganga chamada “sociedade”, então os demais livram-se de todo o mal. De toda a responsabilidade. A espada de Dâmocles impende sobre outrem e isso é suficiente para que se acomode na sua poltrona todo o cinismo e toda a hipocrisia. Parafraseando o poema do velho Brecht: se os alunos são o povo das escolas, dissolva-se o povo e eleja-se outro.

O Titanic escolar


A questão é que por todo o lado salta à vista que a escola perdeu o seu pé. A escola embateu num iceberg, de cujo tamanho nem suspeita, sente-se a si mesma como náufraga em mar alto, e insiste em tocar violino. Não aceita o mundo em que vive e anseia por desistir a tempo. O último que apague a luz. É iniludível que os modos de fazer aprender têm de reencontrar-se com o mundo lá fora.

A um mundo empolgado, criativo e provocante, responde a escola com uma obstinação academista, categórica e protocolar. Existem múltiplos formatos pragmáticos e envolventes que instigam efectivamente ao apreço pelo acto voluntário de querer saber.

Há enxames de profissionais sérios a estudar e aplicar estes novos formatos. Por todo o lado se divulgam práticas objectivas, concretas de tornar o estudo apetecível e congruente. É mesmo verosímil trazer a miudagem para o mundo lógico e sensorial do conhecimento. São aos milhões os professores, os alunos, os pais que tudo fazem para que as coisas caminhem nesse sentido. Mas deparam-se com a oposição obstinada de quem nada faz, nem quer que se faça. Instalou-se nas escolas um fingimento e um pretensiosismo educativo que busca a uniformização de tudo, a inflexibilidade nos modos e nos conteúdos; há uma escola jacente e apavorada pela mudança que impõe o seu autoritarismo sobre todos e que se entregou a um impasse anímico.


Uma greve existencial


Esta inércia instituída leva muitos professores e alunos à frustração, à solidão e à resignação. Num mundo que cresce a olhos vistos, sustentado na adaptabilidade e na elasticidade de todo o conhecimento, a escola parece viver numa espécie de greve existencial, de onde só se vê aquilo que já antes foi visto. É imprescindível não comer gato por lebre – e reconheça-se que, pedagogicamente, não faltam por aí gatos escondidos com o rabo de fora. Mas a prudência, indispensável em educação, não se confunde com a mais elementar renúncia de tudo o que fuja ao instituído. Existe um activo e incansável imobilismo nas nossas escolas que amesquinha e esboroa qualquer entusiasmo, qualquer prática didáctica que tenha o mais leve aroma a mudança.

O desânimo e o faz de conta são colossais. As estatísticas, os rankings e as “boas práticas” tornaram-se a sobremesa favorita da educação. Enquanto são servidas em bandejas cintilantes, continuamos na mesma.

Nos conselhos de turma ouve-se constantemente que “A Rita tem “potencial” mas parece que não quer saber de nada”. Depois segue-se um arrazoado sobre a família da Rita. É tudo verdade. Mas, ao mesmo tempo, é tão óbvio que os miúdos não se revêem minimamente nas orientações tradicionais das metodologias de ensino que incidem ainda poderosamente na ideia de uma prática de reprodução acrítica de conteúdos definidos de modo centralizado, sincronizado e uniformizado.

Sem uma resposta clara, plural, responsável e pragmática, para os desafios que os miúdos, os seus pais e os nossos dias nos colocam a todos, não há forma profissional de trazê-los para a luz que de nós esperam. Precisamos de uma escola eclética, híbrida, elástica, dobradiça e mais ansiosa por aprender do que por ensinar.

SIC Notícias

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

DESPERTAR A PULSÃO CÍVICA NA ESCOLA


"Professor Rui Duarte
A Página da Educação / Dezembro 2023



"Só com crianças e jovens mentalmente fortes, informados, vigilantes, assertivos e solidários, poderemos aspirar a um desejado e necessário envolvimento cívico, individual e colectivo nas mais variadas causas que inquietam a humanidade (...)"


Infelizmente, a Escola não é nada disto!



sábado, 13 de janeiro de 2024

Professores a menos ou Escola a mais?

 

Não se trata, apenas, de um conceito advindo, julgo eu, do desenho arquitectónico. Ludwig Mies (1886/1969) assumiu que "menos é mais", isto é, coisas simples são melhores que as complexas, presumo eu, porque atraem, motivam, geram a curiosidade, não significando isso que não tragam no seu bojo a própria complexidade de serem simples. É um princípio que a Escola devia assumir como fundamental no processo de aprendizagem. Mas não é isso que se verifica. Desde os primeiros momentos há uma impaciente tentação para tudo complexificar, com extensos currículos e densos programas, quando o menos pode transformar a aprendizagem na essência do mais. Tudo está interligado e quando, excessivamente, se decompõe em unidades (disciplinas) corre-se o risco de perder-se a noção da complexidade do global. 



Ora, se "menos pode ser mais", desde logo, a eliminação da tralha metida, sucessivamente, a martelo, no processo de aprendizagem, devia constituir o embrião para um conhecimento mais vasto, duradouro e multiplicador em todas as situações da vida real. O enciclopedismo da escola, que em muitos casos para nada serve, não significa cultura, na perspectiva de pessoas capazes de interligar e transferir pressupostos conhecimentos.

É nesta perspectiva que se trata de uma falsa questão a reclamada "falta de professores" para enquadrar as turmas, os currículos, os programas e a lógica dos exames onde tudo acaba. Não existem professores a menos, estamos sim confrontados com escola a mais. O pensamento sobre a instituição Escola é que tem de ser (re)pensado. Com um outro sentido de escola, não segmentada por disciplinas, o menos tornar-se-á mais. Esta escola não parte de coisas simples para gerar a curiosidade que conduz à complexidade. Ela está aferrolhada, há muitas dezenas de anos, numa caixa bloqueadora que não permite desabrochar o talento, respeitar o sonho, a criatividade, a inovação, o sentido crítico e o gosto pelo saber animado por uma busca própria. De resto, o professor é um mediador, jamais deve ser a autoridade intelectual num mundo onde tudo está à mercê de instantâneas procuras. E sendo assim, esta escola deixou de fazer sentido.

Ora bem, a luta dos professores por melhores salários face à sua imprescindível responsabilidade na sociedade é, para mim, óbvia e necessária. Em simultâneo gostaria de vê-los lutar, e isso, grosso modo, não acontece, por uma aprendizagem para o nosso tempo, contra uma escola excessivamente burocratizada, contra uma escola heterónoma, ditada por políticos acéfalos sem noção da responsabilidade que lhes incumbe, uma escola que afaste a rotina de anos, uma escola que se tornou sacrifício e não prazer para alunos e profesSores. Salvo as excepções, plantadas contracorrente e sempre vigiadas, a escola é hoje uma instituição morta na sua essência. Ao correr do pensamento que vou digitando, trago em memória a pergunta do Mestre e notável Pedagogo José Pacheco: "O que uma criança em idade escolar aprende dentro do edifício da escola que não pode aprender fora dela? Não perca muito tempo pensando. Nada".

Quando assisto a um professor a lamentar-se que trabalha cem horas por semana ou inquéritos que dão conta que, em média, trabalham cinquenta e que, individualmente, são responsáveis por mais de 200 alunos, não fico a lamuriar-me, cheio de pena. Fico a pensar nas causas e nos silêncios que permitem que assim aconteça. Contrariem, pois, o pensamento atribuído a Mark Twain (1835/1910): "para quem tem apenas um martelo por instrumento, todos os problemas parecem pregos". O respeito pela função docente começa aí. Jamais pela lealdade aos loucos! Ademais, a aprendizagem deve assentar numa construção social!

Ilustração: Google Imagens/José Pacheco-FB

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Uma coisa é ser secretário, outra, sectário!


Miguel Esteves Cardoso escreveu, já tem um certo tempo, que "Aprender é ficar vazio. Para aprender, é preciso estar-se insatisfeito. É preciso estar-se à procura de mais. É preciso estar-se aborrecido. Em suma: é preciso estar-se desiludido com tudo aquilo que se aprendeu. (...) Aprender é uma coisa que és tu que fazes. Não é o que acontece quando alguém te ensina. És tu que engoles o pistacho. Não é a pessoa que te diz que o pistacho faz bem, ou que todos temos de comer. (...) Para aprender, nem sequer podes pensar que é só com as pessoas que se pode aprender. Pode-se aprender com os animais. Pode-se aprender com as árvores. Porque aprender é apanhar, aprender é aproveitar, aprender é tirar partido, aprender é transformar, aprender é estar atento, aprender é jogar com aquilo que se tem. 



(...) 
Para aprender, também não podes pensar que tudo se aprende nas aulas e nos livros. Não é só com os que sabem muito que podes aprender. (...)"

As perguntas que coloco, pela enésima vez, são estas: neste contexto, o que seria expectável esperar da Escola, enquanto centro de verdadeira aprendizagem para a vida? E dos decisores políticos? Tenho consciência que os governantes não sabem. Talvez nem queiram saber, porque instalaram-se na doentia e centralista rotina governativa. O que mais gostam é da cadeira, dos salamaleques tolos de quem os rodeia e não da construção de uma sociedade culturalmente robusta. 

O que Miguel Esteves Cardoso enuncia não constitui uma novidade, tantos são aqueles que estudaram e divulgaram a complexidade do processo de aprendizagem, mas uma lúcida chamada de atenção àqueles que pensam que "aprender é acumular", é cumprir currículos e programas, ao contrário de "preencher, trocar uma coisa aprendida, que já não presta, por outra coisa que se aprende". Neste pressuposto, a Escola está a léguas da perspectiva enunciada pelo escritor, porque, infelizmente, continua a matar a curiosidade, a preferir respostas do que perguntas, continua a ter preferência pela avaliação e não pelo conhecimento, continua cega na transmissão enciclopédica que não respeita vocações e sonhos, continua embriagada na busca do "mérito" de uns quantos para promoção pessoal, enquanto deixam milhares no vazio que o crescente desinteresse demonstra. 

Porque a sociedade o exigirá, estou em crer que os políticos amorfos e sem visão, os centralistas no pensamento e na acção, acabarão por ser substituídos por outros que transportem aquilo que Paulo Freire, pedagogo de referência mundial, um dia sublinhou: "eu tenho um gosto em respeitar a diferença que me abre ao mundo (...) jamais me sectarizei e jamais fui intolerante". Ora aí está, o respeito pela diferença no pensamento constitui a "pedra de toque" do desenvolvimento. Só por aí existe abertura ao mundo. Portanto, uma coisa é ser secretário, outra é ser sectário! Miguel Esteves Cardoso complementa: "(...) Para aprender, é preciso revelarmos a nossa ignorância (...)". Nem mais.

Por outro lado, penso ser pertinente a questão: que pensarão os professores e os sindicatos de professores de tudo isto? Pessoalmente parto do princípio que a curiosidade "é uma fome, e para ter fome aquilo que se comeu durante toda a vida já não conta, porque já foi há mais de 24 horas". É por isso que questiono os professores, porque encontro aqui uma convergência com Richard Feynman, Nobel da Física em 1965, quando destacou dois tipos de conhecimento: o que se foca em conhecer o nome que se dá à "coisa" e o conhecimento sobre a "coisa". Continuamos no lado do nome que se dá à "coisa" quando é o conhecimento da "coisa" que transforma, molda, liberta, torna melhores os seres humanos e, na esteira do Filósofo Eduardo Lourenço, faz-nos sábios. 

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

2024


Depois da "festa" a realidade. Após uma certa embriaguez que as circunstâncias, rotineiramente, a todos envolve, Janeiro fora regressamos à sequência do dia-a-dia, para a maioria, à lamúria das insuficiências que o Natal, de uma ou outra maneira, esbateu. Já aqui escrevi sobre a minha contida desilusão face ao caminho tortuoso, esburacado e minado que os senhores do mundo nos obrigam a trilhar. Vive-se um tempo de descrença e de pavor, de ausência de referências que nos embalem para as palavras "acreditar e esperança", que rejeite seres mais dados ao conflito do que ao sentimento humanista. E o conflito não está apenas nas guerras! Utopia, dir-me-ão! Só que a utopia é um caminho que se faz de sobressalto cívico, nunca de silêncios. A utopia, como dizia Pirri a Galeano, está lá, ao longe, por isso serve para caminhar. Por isso, caminhemos.



Há muitos silêncios por aí. Há muitas colunas vergadas pela obediência, muitas dependências intencionalmente criadas, muitos braços caídos e muitas silenciosas lágrimas vertidas por mil e uma razões. E o silêncio mata, lenta mas seguramente, a sociedade. A ausência de pensamento sobre tudo quanto nos rodeia, a capacidade de perceber, interpretar e de cruzar a(s) realidade(s), a insuficiência de sentido crítico joga sempre a favor daqueles que, na esteira de José Régio, vendem o seu produto:

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
(...)"

É essa consciência e esse sobressalto que desejaria assistir, paulatinamente, em 2024. Tudo menos a gritaria de comentadores travestidos de qualquer coisa e de uma comunicação social descredibilizada porque sempre atrás do anormal.

Difícil, eu sei. No ano dos 50 de Abril, onde a verdadeira Escola pouco deu na perspectiva de seres humanos conscientemente libertos através de uma superior qualidade da mente, não será demais augurar que os professores se soltem da rigidez do manual, no quadro de uma formação global, eu diria cultural, que jamais pode ser conseguida através do ciclo de verbos: debitar, fixar, responder, avaliar, passar ou chumbar. A aprendizagem da vida não está nos manuais da escola, é muito mais complexa, e repetir o passado apenas poderá conduzir à mentalidade que, genericamente, nos caracteriza e, aos poucos, à morte da Democracia. Aliás, por todo o lado, é sensível o assalto aos mais elementares direitos humanos. Sempre através da caça do descontentamento e das concomitantes palavras doces e olhares inocentes que não traduzem as intenções mais profundas.

Bom 2024!

Ilustração: Google Imagens