sábado, 30 de outubro de 2021

Entre a Escola que oferecem e a Escola que deveriam desfrutar


Ontem regressei a um filme notável: "Sociedade dos Poetas Mortos". Duas horas onde o espectador é confrontado com a realidade de um colégio que tem como lema: "Tradição, Honra, Disciplina e Mérito" e a de um professor que provoca os seus alunos a seguirem os seus sonhos e aproveitarem cada dia ("Carpe diem quam minimum credula postero", em tradução literal aproveita o dia e confia o mínimo possível no amanhã) - Ode de Horácio, 65 a.C. - 8 a.C.



O filme é de 1989 e reflecte a atitude de professor (magistralmente interpretado pelo actor Robin Williams) ex-aluno que, em 1959, estudou na Welton Academy. Ele, agora professor de Literatura, põe em causa a "Tradição, Honra, Disciplina e Mérito" e incentiva os alunos a pensarem por si mesmos, o que gera, naturalmente, "um choque com a ortodoxa direcção do colégio".

Para mim que continuo a viver, digo-o, sinceramente, uma enorme paixão pela Educação e, obviamente, pelo sistema educativo, este filme trouxe-me, uma vez mais, emoção, em certos momentos a lágrima e a tristeza pelo sentimento de, passadas quase cinco décadas, tudo ou quase tudo continuar como ontem.

Ao contrário de tantas formações para professores, repetitivas e ineficazes, melhor seria que passassem este filme e debatessem o que dele se pode extrair de pensamento. Melhor seria que acompanhassem tantas e extraordinárias intervenções disponíveis no youtube e que as debatessem em todas as particularidades. E que, depois, exigissem um novo paradigma resultante da escola que oferecem e a escola que os alunos deveveriam desfrutar.

Ontem li, também, um texto do professor Rui Correia, docente de História e vencedor do Global Teacher Prize Portugal 2019. Aqui deixo excertos para uma reflexão de fim-de-semana alargado:

“A escola é conforto, alegria e esperança no futuro". Mas a escola também "serve, apenas, como um cobertor de infelicidades caladas". (...) Chegar aos dezoito anos sem perspectivas de carreira converteu-se numa pandemia do nosso tempo. A precariedade laboral ajuda muito. (...) Seria talvez melhor começar a pensar que a escola pode, e ainda não sabe, gerar os estímulos cruciais que auxiliam os nossos miúdos a tomar decisões pequenas e a imaginar objectivos grandes. Desenhar currículos apertadamente conciliados com os interesses pessoais de cada rapaz ou rapariga. A escola como uma alfaiataria educativa. O professor convertido numa espécie de costureiro de futuros à medida. Um sistema corajoso que escutasse mais do que fala. Que pedisse mais perguntas do que as que faz". Porque, todos os dias eles "(...) mordem uma maçã envenenada".

Foi, para mim, um dia em cheio: o filme e este artigo.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A escola como uma gigantesca perda de tempo


Opinião
27.10.2021




Pode ser Eva. Fez um teste de Geografia e foi a única da turma a ter negativa. Dos seus olhos formosos e inexpressivos, num rosto negro como o touro do Herberto Helder, ruíram-lhe duas lágrimas. Mas daquelas que represam tanta água - tanta mágoa - que deixam cicatrizes aquosas. 43%. Não estava a chorar, quando a encontrei. Fui eu que a fiz chorar, quando depois da aula, num corredor, me aproximei, interrompendo aquele presídio íntimo onde ela se confinara e quis recordar-lhe que nada está perdido e que havemos de dar a volta à coisa. Que ainda agora estamos no início e que, no ano passado, aconteceu o mesmo e conseguimos, e que este ano também havemos de conseguir. Em completo silêncio, abanou-me que sim com a cabeça, empurrando outra lágrima para longe. Nem eu, nem ela acreditámos em nenhuma das verdades que ali arenguei.



"A ESCOLA, QUALQUER ESCOLA, NÃO LHE SERVE PARA NADA"

O facto é que a escola não lhe serve para nada. E não é “esta” escola, como que pressupondo a ideia pela qual, se mexêssemos aqui e ali em algumas coisas, tudo iria ao sítio, com tempo e paciência. Nada disso. Mexa-se e faça-se o que se quiser, a escola é, para a Eva, pouco mais do que um pecado original. A escola, qualquer escola, não lhe serve para nada. É um lugar sem espírito. Um claustro de desalento.

Imigrante de um país lusófono chamado desgosto, a Eva é o pesadelo de qualquer professor. Uma alma viva, encerrada, errante. Que erra. 43%. A tristeza que lhe causou esta prova, concebida e executada com recurso às mais avançadas e modernas tecnologias educativas, não se cura com a melhor retórica motivacional. E não, a miúda não é depressiva por natureza, nem tem sequer uma visão negativa dos outros e muito menos da escola. A escola é-lhe, apenas, inteiramente indiferente. Nada contesta nela. Nada a indigna nela. Por mais que a escola se esforce, nada a surpreende. Nada a interessa. Não é uma amiga. É uma conhecida.

Na realidade, a escola representa somente um pedacinho mínimo daquilo que cada pessoa é. E é assim que deve ser. Excedemo-nos muitas vezes quanto à importância da escola. De nada serve a escola se não servir para que se sinta aventura, hospitalidade, risco, contrariedade e provocação. Nenhuma aprendizagem acontece sem estes elementos. Tudo o mais é patranha. E estas gentes, estas Evas, sentem-no com uma sensibilidade e uma realidade ainda mais imediatas.

EXEMPLOS COMO A EVA, SÃO PRECIOSOS PARA UM PROFESSOR

Pessoas e exemplos como a Eva, são preciosos para um professor. Em mim, devolvem-me sempre ao lugar da minha insuficiência. Ao mais recôndito e carrancudo dos lugarejos. Não ser, notoriamente, capaz de ajudar uma aluna. Como lhe chego? Para que lhe sirvo? Como posso ser-lhe útil?

Enquanto muitos se referem à escola como o lugar de práticas ancestrais e enquadramento institucional ultrapassado, que não prepara ninguém, tendo em conta as escolhas pessoais de carreira. Uma escola que vive exclusivamente de preferências curriculares e metodológicas inabaláveis, que de nada adianta importunar.

Enquanto outros acham que os seus filhos devem ser educados em casa, onde educadores minuciosos conhecem bem as suas necessidades e ritmos e que o Estado deve sustentar essa opção, tal como sustenta o aluno do sistema público, porventura com poupanças substanciais.

Enquanto outros referem que o número de horas passadas dentro de salas é excessivo e que a criatividade, o pensamento crítico, o trabalho de equipa, a empatia e a disciplina de grupo devem constituir premências educativas que a escola teima em não privilegiar. Reclamam um regresso à Natureza e aos elementos, à brincadeira e à exposição ao risco e à adversidade, como mecanismos poderosos para a resolução de desafios significantes, materiais e intelectuais, do mundo real.

Enquanto outros ainda defendem com unhas e dentes o autodidactismo – Educação on demand ou Uber learning – emulando a educação de adultos, como forma de garantir as oportunidades educacionais que o Estado deve acolher, celebrar e creditar – como se fez já em Portugal e que, por todo o mundo, vão fazendo o seu caminho.

Enquanto outros se indignam com a ausência de respeito pelos ritmos e modos de aprendizagem de cada pessoa e da indiferença que a escola continua a reservar a esta dissemelhança elementar, mais do que documentada cientificamente, terraplenando métodos e práticas didácticas e docimológicas, reduzindo tudo a um ou dois ou três métodos que são aplicados de forma indiferenciada.

Enquanto outros ainda sentem que a educação online pode constituir uma saída airosa para os problemas de sociabilização, na individualização modular de currículos customizados. E é indesmentível que, ao contrário do que muitos se apressam em defender, a aprendizagem a distância durante a pandemia Covid19 permitiu que muitos alunos que não se destacavam em contexto de sala de aula, o fizessem no contexto telemático, com enorme sucesso e impacto pessoal.

Enquanto outros tudo apostam nos sistemas experimentados do ensino de formato vocacional e pré-profissional, numa ligação intensa, concretizadora, com empresas e segmentos laborais da função pública.

E por aí fora.

Enquanto o mundo hesita entre escolas de pensamento e pensamentos de escola, nós vamos tendo miúdos como o Adão. O Adão tem fobia da escola. Odeia-a. Bem sei o que estão a pensar. Todos tivemos “fobia” de escola. Especialmente às Segundas de manhã ou Sextas à tarde. Não é nada disso. Gozaram tanto com o Adão quando era miúdo por ele ser como é, que agora, só de pensar em ir à escola, fica fisicamente prostrado, com acessos de febre, cefaleias fortes e diarreias. Intelectualmente vazio e muscularmente estafado, não sai do quarto e, há uns dias, chegou mesmo a empurrar a mãe. A polícia foi lá e ele morreu de medo que o mandassem para uma família de acolhimento, como ameaçaram. Voltou à escola para uns dias de absoluto pânico e não aguentou. Adoeceu e voltou para casa. A escola não sabe como lidar com isto. Exige um atestado médico que justifique as suas faltas. A pedopsiquiatria não o recomenda. Isso eterniza o problema. A escola e a psicologia amuam.

O PROFESSOR CONVERTIDO NUMA ESPÉCIE DE COSTUREIRO DE FUTUROS À MEDIDA

“A escola é conforto, alegria e esperança no futuro. Estes alunos são excepções”. É inegável. Mas, qual é o aluno que não é uma excepção? E de que modo é que a estatística dá aqui uma ajuda ao Adão? O rapaz diz que sim a tudo, desde que todos se calem e que não saia do quarto. Para ele, a escola não passa de um martírio inútil. Aprendeu isto: a escola não serve para nada de bom. E quem estiver a pensar que a escola não tem “culpa” – palavra inútil em educação – porque, no fundo, foram os “recreios” que lhe fizeram isto e não “a escola”, recordemos que “a escola” é o “recreio” também. Existe muita vida para além das salas de aula. Portanto, sim, é da inutilidade da escola que falamos. No seu melhor, a escola serve apenas como um cobertor de infelicidades caladas.

As oportunidades que a educação proporciona não são devidamente percebidas por muitos dos nossos miúdos. Não realmente. Chegar aos dezoito anos sem perspectivas de carreira converteu-se numa pandemia do nosso tempo. A precariedade laboral ajuda muito. 

Seria talvez melhor começar a pensar que a escola pode e ainda não sabe gerar os estímulos cruciais que auxiliam os nossos miúdos a tomar decisões pequenas e a imaginar objectivos grandes. Desenhar currículos apertadamente conciliados com os interesses pessoais de cada rapaz ou rapariga. A escola como uma alfaiataria educativa. O professor convertido numa espécie de costureiro de futuros à medida. Um sistema corajoso que escutasse mais do que fala. Que pedisse mais perguntas do que as que faz.


ESTAS EVAS E ADÕES MORDEM TODOS OS DIAS UMA MAÇÃ ENVENENADA

Estas Evas e Adões mordem todos os dias uma maçã envenenada. Chama-se solidão infantil. Existe, nas suas vidas, um divórcio assanhado entre a casa e a escola. Estes seres, nascidos num Paraíso original, crescem no segredo, na mudez. Não contam nada aos seus professores, aos seus amigos, porque têm vergonha do seu inferno familiar. Habitam um exílio, um purgatório postiço, feito de distância e de humilhação. Aquilo que os envergonha é que as suas vidas existam como existem. Um pai ébrio e violento é uma menina rebaixada e ofendida, de olhos postos na sua colega que todos os dias saltita para a escola, de mão dada com o pai. Como me desabafou um dia, outra destas Evas, “Eu nunca fui uma pessoa triste. Tenho é tanta vergonha da minha vida, que não quero que a minha vida exista”. Como pode a escola servir para alguma coisa, quando a vida existe assim?

*Rui Correia é professor de História, conferencista e autor de numerosos estudos de história, património e educação. Foi gestor educativo, external expert em educação para a Comissão Europeia, vereador da Câmara Municipal das Caldas da Rainha e vencedor do Global Teacher Prize Portugal 2019.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Correr, saltar, brincar. É isto que querem as crianças do pré-escolar


É a porta de entrada no sistema de ensino, ainda sem matérias para estudar. É tempo de perguntar, experimentar, descobrir o mundo. Liberdade para escolher e crescer sem pressas.

Por
Sara R. Oliveira





É uma fase de descoberta, de começar a caminhar pelos próprios pés, perguntar e perguntar vezes sem conta, satisfazer a curiosidade. Brincar, correr, saltar, jogar, experimentar, imaginar, aprender com o que se passa à volta. No pré-escolar, absorve-se o mundo com todos os sentidos em alerta. Meninos e meninas, dos três aos cinco anos, curiosos por natureza, começam a entender o que os rodeia antes do início do tradicional percurso escolar.

Querem saber tudo. Porque assim, porque assado. Mexer, tocar, experimentar, jogar, explorar. Brincar. Brincar sempre, vezes sem conta. Todos os dias. É uma etapa importante do crescimento, desenvolvem a linguagem, as emoções, a cognição. Com desafios constantes que fazem parte do desenvolvimento. Ouvir histórias, saltar à corda, observar ilustrações, usar lápis de cor, jogar à bola, ver filmes, ouvir música, cantar, dançar, brincar com diversos materiais, ora mais flexíveis, ora mais rígidos. Ampliar a curiosidade, esticar capacidades. Crescer, sobretudo crescer.

No jardim de infância não há metas curriculares, nem aquela pressão do sucesso escolar. Privilegia-se o que se vive em cada momento, cada aprendizagem. Aprende-se a aprender. Usa-se a palavra educação e não ensino, não há professores, mas sim educadores, não há aulas, há atividades. Motiva-se, facilitam-se experiências, preparam-se os mais novos para novas etapas. A educação pré-escolar facilita a entrada no 1.º Ciclo do Ensino Básico. Os mais pequenos adquirem competências de socialização essenciais para trabalhar com os outros.

Mas, atenção, muita atenção, nunca esquecer as brincadeiras e todas as suas virtudes. Brincar é um fim em si mesmo. Carlos Neto, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, um dos maiores especialistas na área da brincadeira e do jogo, tem vindo a destacar elementos importantes da infância, dos primeiros anos de vida. “Brincar é, para a criança, uma atividade de exploração do seu envolvimento físico e social, procurando sempre que possível descobrir, e repleta de curiosidade de colocar o seu corpo face a situações adversas e de risco controlado. O contacto com a Natureza e a capacidade de confronto com o risco são também experiências fundamentais na estruturação de uma cultura lúdica infantil”, escreve no seu livro “Libertem as crianças”. Brincar, em diversos contextos de vida, é, sublinha, “essencial para o desenvolvimento da capacidade adaptativa, criativa e de resiliência.”

Na educação pré-escolar, desenvolvem-se expressões, o pensamento crítico, a comunicação. Há um mundo de possibilidades. “É objetivo da educação pré-escolar preparar a criança e potencializar as suas capacidades cognitivas, emocionais e comportamentais, prevenindo o insucesso no ingresso no 1.º Ciclo”, escreve Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica infantojuvenil, no seu livro “A psicóloga dos miúdos.”

“Estas capacidades incluem os conhecimentos, ainda que muito elementares, de preparação para a aprendizagem da leitura, escrita ou cálculo, mas as fundamentais relacionam-se com o repertório necessário de preparação da criança para a aprendizagem: saber dirigir e manter a atenção, conhecer e adotar as regras necessárias em sala de aula, ser persistente, ter curiosidade pela aprendizagem, acreditar que é capaz, ser capaz de se controlar e ter a capacidade de escuta, memória, resiliência e tolerância à frustração”, acrescenta.

As crianças comunicam umas com as outras, com os adultos, com os educadores, com os pais, com o mundo ao redor. E querem saltar, correr, brincar, jogar. Na infância, principalmente nesta fase, há vontade de testar limites em relação ao corpo e ao espaço. Carlos Neto não tem dúvidas. “Através do brincar, as crianças vão ensaiando progressivamente experiências novas e mais complexas quanto ao nível de risco, de acordo com o desenvolvimento da sua maturidade motora e cognitiva”, escreve no seu livro.


As crianças querem ser crianças com tudo de bom que isso tem. Saltar, correr, cair, tropeçar, levantar, voltar a cair, esfolar os joelhos, sujar as mãos. “Os comportamentos de risco através do brincar permitem à criança ganhar maior segurança e autonomia, e estão relacionados com a sobrevivência, o confronto com a adversidade, a capacidade adaptativa, a superação e os limites de diversas formas de ação”, sublinha Carlos Neto.

Os mais pequenos sonham, sonham muito, sonham constantemente. E não gostam de estar quietos. “Valorizamos uma escola humanizada, democrática e livre, em que cada sujeito possa buscar o conhecimento por conta própria e produzir algo de novo, ‘fora da caixa’. É necessário pensar nos talentos que a escola desperdiça ao não acreditar nos sonhos, desejos e motivações mais profundos que as crianças transportam dentro de si”, escreve o professor catedrático.

Blogue: Educare

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

A grosseira mentira!



FACTO

Afirmou o secretário regional da Educação: "Acreditamos que é pela autonomia de cada escola que damos a melhor resposta aos nossos alunos". - Fonte: Dnotícias, edição de hoje.

COMENTÁRIO


A declaração é inatacável. De resto, há muitos anos que este posicionamento é assumido por tantos investigadores, autores, professores, sindicatos e por todos aqueles que pensam o sector da Educação. Mas uma coisa é o que é dito, porque fica bem, outra é a realidade.

Na prática, essa autonomia não existe. É verdade que a tal autonomia está consubstanciada na legislação, portanto, o que o secretário enalteceu corresponde a uma "chuvinha no molhado". Porém, tudo ou quase tudo tem de ter a chancela de quem, em abstracto, assume que "é pela autonomia de cada escola que damos a melhor resposta aos nossos alunos". Eu diria: "com a verdade me enganas".

Desconheço o conceito de autonomia defendido pela secretaria regional da Educação. Relembro o Professor Licínio Lima que um dia escreveu: "sejam autónomos nas decisões que já tomámos por vós". Complementarmente, sei que, por exemplo, a Escola do Curral das Freiras (Madeira), perdeu a sua autonomia, porque os seus órgãos desejaram ser inovadores, apesar de dentro deste sistema apresentarem excelentes resultados.

Sendo assim, seria interessante, porque esclarecedor, saber se a secretaria da Educação decidiu, doravante, prescindir da sua atitude arrogantemente centralizadora.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Escolaridade obrigatória aos três anos?


Nota

Escolaridade obrigatória a partir dos 3 anos de idade? Não, obrigado! Porque uma coisa é o combate à pobreza, cujas  preocupações, em síntese, podem ser lidas no texto que aqui transcrevo; outra, bem diferente, é escolarizar, numa idade extremamente precoce, quando, inclusive, estão em causa os próprios direitos da criança. É verdade que o círculo vicioso da pobreza quebra-se, a prazo, com a acessibilidade universal à aprendizagem. Mas isso tem um tempo certo, no pleno respeito pelas etapas do desenvolvimento infantil. É óbvia, tal como já hoje acontece no designado pré-escolar, uma subliminar intenção de antecipar aprendizagens, como se "mais escola conduzisse a melhor escola". Não conduz. Se a preocupação é a do combate à pobreza, melhor seria que gerassem novas políticas dirigidas às famílias (direitos e deveres) e novas políticas económicas e de direitos laborais, onde se enquadrassem os tempos de trabalho e os de protecção à família. A escolarização vem depois. A escola não deve constituir-se como “pilar de excelência de sinalização das situações de carência”. Se assim determinarem, tal significará que as outras instituições não estão a funcionar de acordo com a missão que as incumbe. Até falam no apoio através de "técnicos de referência". Depois, há qualquer coisa aqui de inexplicável: quando desejam intervir no ponto de partida (3 anos), é lógico que toda a estrutura dos 15 anos de escolaridade obrigatória deveria ser repensada, pela necessidade de interligação. Como não existe ou, pelo menos, não é perceptível essa preocupação, ressalta que esta medida, tendencialmente, transformará a escola, por um lado, em "armazém de crianças", porque tudo o resto permanecerá igual, por outro, em extemporâneo palco de orientações pedagógicas no quadro da antecipação de aprendizagens. 

Governo pretende que escolaridade obrigatória
comece aos três anos de idade



A medida está inscrita na estratégia do executivo de combate à pobreza. Outras iniciativas passam pelo reforço dos abonos de família, o alargamento do acesso ao RSI ou a facilidade no acesso à habitação para famílias com crianças. Estas medidas fazem parte da versão preliminar da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP) 2021-2030 a que o jornal Público teve acesso, sendo que a iniciativa mais ambiciosa passa pelo alargamento da escolaridade obrigatória a começar nos três anos de idade.

Atualmente situado no seis anos de idade, ou seja, a partir do 1º ano de escolaridade, o PS já fazia tenções no seu programa eleitoral de universalizar o ensino pré-escolar, mas esta medida vai um passo à frente e torna obrigatório ensino desde os três anos, perfazendo assim 15 anos de escolaridade obrigatória.

No entender do Governo, a medida passa por "reforçar os apoios à frequência de creches e pré-escolar assegurando às famílias de menores recursos um acesso tendencialmente gratuito, integrando o ensino a partir dos três anos de idade na escolaridade obrigatória no médio prazo”.

Outras medidas que constam da ENCP passam pelo alargamento do acesso ao abono de família e o reforço financeiro do mesmo e também está previsto um reforço da abrangência do Rendimento Social de Inserção, apesar de não serem adiantados detalhes.

Consta igualmente uma proposta de aumento das prestações sociais a agregados com crianças em particular a agregados monoparentais assumindo como prioridade a retirada das crianças da pobreza e a criação de um Sistema de Apoio Social para as Famílias com Crianças

O Governo pretende também que as escolas funcionem como “pilar de excelência de sinalização das situações de carência”.

A estratégia prevê o aumento da rede de psicólogos escolares, tida como essencial para “a deteção precoce de problemas psicológicos em meio escolar”, e a criação de mecanismos de acesso gratuito para crianças inseridas em famílias pobres a cuidados de saúde mental.

A existência de “técnicos de referência” que acompanharão a par e passo as situações de carência das famílias e expandir as equipas comunitárias de psiquiatria da infância e da adolescência nos serviços locais de saúde mental, são outras medidas elencadas no documento.

No campo das prestações sociais, está previsto o aumento da abrangência do Rendimento Social de Inserção (RSI) e no campo da habitação, a estratégia pensada para os próximos nove anos, passa pela existência de crianças no agregado familiar como condição prioritária de acesso.

Ainda na habitação, segundo o documento, as soluções de alojamento de emergência, por seu turno, deverão ser garantidas com a Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário, recentemente criada.

Está igualmente previsto o reforço da habitação com renda acessível com um “parque habitacional público a preços acessíveis”, a construir através da reabilitação do património imobiliário do Estado.

A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 foi aprovada na quinta-feira pelo Governo e seguiu agora para consulta pública, segundo o Conselho de Ministros.

“A estratégia constitui um elemento central do objetivo de erradicação da pobreza, enquadrado no desafio estratégico de redução das desigualdades”, tenso sido aprovada na generalidade “a fim de ser submetida a consulta pública”, refere o comunicado emitido no final da reunião do Conselho de Ministros.

Em entrevista à Lusa em julho, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social já tinha adiantado que o documento iria ter medidas especificas para diferentes públicos-alvo, como as crianças, os jovens ou os trabalhadores.

A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 terá também medidas dirigidas aos jovens, aos trabalhadores e aos públicos mais vulneráveis, além de “medidas transversais de preocupação com a coesão territorial”, garantindo uma “intervenção local cada vez mais com capacidade para respostas personalizadas, localizadas no território para garantir o combate às assimetrias, até no acesso aos serviços essenciais”, adiantou na altura.

Fonte: Sapo24 / Blogue: Incluso

domingo, 3 de outubro de 2021

Especialista apela à revalorização do desporto escolar


O professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana Carlos Neto defende à Lusa que "o desporto escolar tem de ser revalorizado dentro da escola", para o relacionar com os clubes, e alçar a importância do "corpo em movimento".


Essa revalorização deve acontecer "da creche ao secundário", defende o antigo presidente da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), e vir associada a uma nova importância "das capacidades motoras e atividades físicas na escola", levando também a um projeto de desporto escolar "mais consistente", com mais financiamento e recursos.


Carlos Neto falou à Lusa a propósito do Dia Europeu do Desporto na Escola, que se assinala esta sexta-feira, no âmbito da Semana Europeia do Desporto, pouco depois do arranque do primeiro ano letivo do Programa Estratégico do Desporto Escolar 2021-2025.


IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO ENTRE CLUBES, ESCOLA E FAMÍLIA


Essas "coisas básicas" permitem que "depois seja possível ter condições para fazer desporto de formação e desporto de alto nível", e pedem uma relação entre clubes, escola e família.

"Temos que criar aqui um modelo que consiga fazer esta rede integrada para a promoção da educação física e do desporto. [...] No Japão, as crianças têm aula de educação física todos os dias, cinco horas semanais; em Portugal, nem as previstas têm" no primeiro ciclo, devido à dificuldade que, diz, muitos professores em monodocência têm em lecionar ou em encontrar quem os ajude.

Esta falta de investimento, também de financiamento e quadros de recursos humanos, leva a maiores dificuldades no segundo ciclo, em que "a iniciação desportiva como deve ser" acontece.

Com isto, "o abandono desportivo no meio escolar e dos clubes é enorme", sobretudo "quando passam aquela fase mais de refinamento e aperfeiçoamento da sua condição desportiva".

"Há uma capacidade muito reduzida de captar talentos. Para além disso, a especialização precoce tem sido mal interpretada. Muitos revelam-se mais tarde, há inúmeros exemplos de jovens que não foram selecionados nos clubes como praticantes desportivos porque os critérios de seleção não estavam aperfeiçoados. Há atletas olímpicos, de alto nível de rendimento, que só se manifestaram muito mais tarde", alerta.

Antes, as crianças "têm de passar por uma multiplicidade de experiências lúdicas e desportivas, para selecionar aquelas" em que são mais capazes, e, por outro lado, falta um sistema mais atento "aos motivos pelos quais as crianças abandonam".

Isso vai de "falta de tempo" a falta de recursos económicos, falta de apoios, também a nível de transportes, mas também pela crónica "disfunção" na valorização de treinadores de formação.

"São salários miseráveis, os dos treinadores dos primeiros níveis de formação, e depois é preciso melhorar a formação ao nível das formações, rever esse modelo de formação", critica.


"HÁ MUITAS HABILIDADES" QUE OU SÃO APREENDIDAS OU PODEM PERDER-SE


Nestas idades, até aos seis anos, "há muitas habilidades" que ou são apreendidas ou podem perder-se. "Se não são apreendidas aí, dificilmente se consegue ser atleta de alto nível, como músico ou ator de teatro [com outras]", lamenta.

Na dinâmica entre clubes, escola e família, é preciso apoio em toda a linha, para que possa prosseguir os estudos, ter tempo lúdico e a família seja reforçada, até porque um atleta de alta competição "precisa de muitas horas de treino, muito trabalho" até chegar ao sucesso.

"Estudos científicos dizem-nos que os atletas de grande êxito são os que tiveram infâncias altamente preenchidas de experiências. Os campeões não se fazem em laboratório nem à pressa", completa.


"O CORPO EM MOVIMENTO É O ARQUITETO DO CÉREBRO, 
DAS EMOÇÕES E DOS AFETOS"


Para lá do rendimento desportivo, avisa, o desporto tem de ser visto como "uma alavanca essencial na formação de um povo saudável e um cidadão saudável".

"Isso é importante para a economia e o futuro da sociedade, que é imprevisível e incerta. A atividade física tem uma contribuição importantíssima para a mudança vertiginosa que a sociedade está a viver", comenta.

Esta atividade física "não pode ser esquecida", porque ajuda a clarear o pensamento e é importante, do nascimento até à terceira idade, e a base da existência.

"O corpo em movimento é o arquiteto do cérebro, das emoções e dos afetos", remata.

Fonte: SIC Notícias por indicação de Livresco/Blogue Incluso