sexta-feira, 31 de março de 2023

Movimento da Escola Moderna


Infelizmente, muitos políticos ainda não perceberam a importância de mudar de paradigma. Preferem a repetição dos passado à ousadia de uma Educação que nasce do aluno com a imprescindível presença do professor. O Professor Sérgio Niza anda há mais de 50 anos nesta luta. Não tem sido totalmente em vão, porque há sementes a germinar.

Vamos aprender dialogicamente? Iriamos desenvolver o gosto e o prazer de aprender construindo conhecimento ou assumiríamos o papel de: “alguém que ensina o que supostamente sabe a alguém que supostamente não sabe?” (Nóvoa, 2009)

terça-feira, 28 de março de 2023

Ontem, os professores, hoje, os alunos!

 

Detesto ditadores e "ditadorzecos". Presumo que lá no fundo sejam pessoas infelizes, porque, no meio da sua voraz atitude diária de a todos controlar ou, então, de sentirem um imaginário poder sobre os outros, julgo que são capazes de terem alguns momentos de lucidez, sobretudo quando são confrontados olhos nos olhos. Como nada percebo, no plano científico, sobre os comportamentos, tudo resumo a uma endémica infelicidade. São assim!



Quando leio que o "lugar dos alunos é na escola" e que qualquer queixa "não é argumento para validar aquilo que reivindicam", presumo que a uma pessoa que assim se comporta, na escola por onde passou não conseguiu perceber o que é isso de formação democrática no quadro de uma cidadania activa. Depois, falam, porque dá jeito, de "convivialidade". Só que de sentido único, claro! Aliás, há muito que os professores reivindicam a Escola Democrática, inclusiva e de qualidade. Ora, o que aquelas declarações envolvem é uma descarada imposição do medo. Quem manda sou eu e ponto final. Quietinhos.

Visitei escolas democráticas onde até o regulamento da escola é definido pelos alunos. Onde, num determinado dia da semana fazem uma assembleia geral de escola, onde as regras nascidas de baixo, são debatidas e alteradas. Onde há audição dos problemas da comunidade escolar. E ali não deixa de existir disciplina, rigor e muita aprendizagem. Tornam-se adultos responsáveis.

Mas esta história tem antecedentes. Em 2019 o mal-estar na Escola de Hotelaria conduziu a um grave sobressalto entre os professores. Conduzi uma Assembleia Geral de Professores, no Sindicato de Professores da Madeira, e tenho bem presente o que escutei, no meio de um indisfarçável medo. Ouvi desabafos de gente com as lágrimas nos olhos, passei o meu olhar pela assembleia e vi-os apavorados com o dia de amanhã. A minha missão foi a de acalmá-los, compreendendo-os mas também incentivando-os no pressuposto que "só perde quem deixa de lutar". 

Passados três anos, não são os professores, mas os alunos que se levantam contra alegadas prepotências. Não faço juízos de valor até porque não conheço o processo, mas insurjo-me contra declarações infelizes. O "lugar dos alunos é na escola", mas essa escola só existe porque há alunos. Certo? Então, pode deduzir-se que uns ali estão para uma aprendizagem que se deseja de qualidade, e outros, os que a dirigem, ali estão para garantir as condições básicas do seu funcionamento. No meio disto deve prevalecer o respeito bilateral. Está pois enganado quem pensa que qualquer queixa "não é argumento para validar aquilo que reivindicam". Até na Guiné, no mato, em tempo de guerra colonial, quando o "Homem-Grande" reunia os principais da aldeia, tinha o cuidado de os escutar, corrigir e propor soluções.

Não sei se se trata do Princípio de Peter ou do efeito Dunning-Kruger "que diz respeito a pessoas que acreditam cegamente que possuem uma preparação maior do que os outros para lidar com qualquer assunto. Dessa forma, o portador da síndrome de Dunning-Kruger costuma fazer escolhas ruins influenciadas pela sua arrogância. Consequentemente, o indivíduo alcança resultados insatisfatórios em tudo o que faz por insistir numa sabedoria que não possui".

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 26 de março de 2023

"Um povo consciente é o maior medo de um governo mal intencionado"

 

Não tenho formação científica para tal caracterização: se se trata de um devaneio fantasioso, de um sonho paredes meias com um pesadelo, de uma tentativa de enganar incautos, sinceramente, não sei. Guio-me por factos e por aquilo que tem sido a minha vivência profissional e sobretudo pelo que leio e vou tentando estudar e compreender o que investigadores e autores vão escrevendo. E são tantos que não os consigo acompanhar. Mas as sínteses trago-as bem presentes.



Isto a propósito das palavras do Senhor Presidente do Governo Regional da Madeira por ocasião da inauguração do "Laboratório de Indústria 4.0.": "(...) O governo regional quer dotar os alunos do melhor ensino, o mais actual e de vanguarda para estarmos na linha da frente... no melhor do país e da Europa" (...) "para garantir às novas gerações uma vantagem competitiva", através de uma "educação de excelência e de uma educação de vanguarda" (...) "A ideia é termos os melhores alunos do País (...) este ensino que estamos a dotar a Região é fundamental para o desenvolvimento da nossa economia (...)".

Entretanto, a manchete da edição do Dnotícias de ontem dita que na Madeira: "2 em 3 alunos dependem da Acção Social Educativa". Para o poder político regional esta situação assume o significado de uma protecção exemplar no que concerne ao direito constitucional à Educação e, por via disso, à excelência de que falava o presidente do governo. Ora, não são necessários muitos estudos, basta ser clarividente e dispor de algum bom-senso, para perceber que há uma relação directa entre pobreza, capacidade de aprendizagem e construção do futuro, embora alguns estereótipos devam ser quebrados face aos aspectos multifactoriais que esta relação envolve (pobreza-aprendizagem). O que me parece fulcral é a necessidade de uma análise globalmente integrada de tal forma que o desejo de estar na "linha da frente", de ter os "melhores alunos do País" e a Madeira estar na vanguarda da Europa, não soe a paleio insustentável e até matéria de algum gozo.

A Região tem 32,9% de pobres ou em risco de pobreza, não esqueçamos! Na Escola, entre 41 500 alunos, 27 394 são apoiados, o que se resume a uma palavra: carências. Nos últimos anos, com esta política educativa do tipo "duracel", centralista, organizacionalmente sem qualquer assomo de inovação, não foi possível suster a emigração de 13 000 jovens, tampouco ser capaz de mobilizar cerca de 8 000 jovens que não estudam nem trabalham. Há, portanto, por um lado, razões a montante, onde sobressaem as políticas de família, as económicas e financeiras (fraca qualificação profissional e rendimentos baixos), por outro, a jusante, onde se enquadram a desadequada organização de uma escola para os tempos que os jovens estão a viver, os currículos, os programas e as gravíssimas questões de natureza pedagógica que tornam a escola desinteressante e conduzem a uma sucessiva perda de talentos e sonhos. A pouca nata que surge acaba por projectar a sua vida para além da Ponta de S. Lourenço. Porque há mais mundo! São tantos os exemplos em todos os sectores e áreas. Vão embora ou por lá ficam! 

Os governantes deviam ter presente que a pobreza (entre outros factores) afecta o cérebro, e ao contrário do que foi dito, aquela iniciativa isolada não me parece ser o caminho de uma economia consistente e portadora de futuro. A construção do futuro não é possível, com uma escola alimentada pelas traves-mestras da I Revolução Industrial, pintada de fresco com "manuais digitais" (nos Estados Unidos esta política está a ser abandonada, porque revela falta de inteligência, grosso modo, para além de outros problemas, meter os manuais em papel no formato digital), não é possível com meia-dúzia de designadas "salas do futuro" (!) com os naturais enfeites políticos de circunstância, consegue-se, sim, analisando profundamente os sistemas e planeando o desenvolvimento de todos os sectores da sociedade, de forma integrada, definindo as prioridades estruturais, garantindo a transformação graduada, a interacção, a integração, a optimização dos meios, auto-sustentação e a participação das pessoas. Consegue-se quebrando o ciclo da pobreza e das desigualdades, lutando, em sede de uma revisão constitucional, por um país com três sistemas educativos distintos, dizendo não ao permanente desejo de tudo controlar, portanto, apontando para uma escola geradora de cidadãos livres, responsáveis, cultos, autónomos, solidários e que valorize a dimensão humana do trabalho.

Li algures, creio que uma frase atribuída a Ivan Santana, cito de cor, que "um povo consciente é o maior medo de um governo mal intencionado". Porque a ignorância torna os seres dóceis! Há ali naqueles excertos do presidente do governo, que apadrinha estas políticas, uma grande dose de uma intenção que não é verdadeira. Como pode ele desejar "dotar os alunos do melhor ensino, o mais actual e de vanguarda para estarmos na linha da frente... no melhor do país e da Europa" (...) "para garantir às novas gerações uma vantagem competitiva", quando ele, enquanto líder deste sistema regional, permite que desde as primeiras idades matem os sonhos e os talentos de tantos jovens? 

Esta matéria dava para escrever um livro. Mas já existem tantos e tantos estudos. Bastará lê-los. Viagem, por favor, vão ver o que se faz de bom lá fora, tentem, sem imitações tolas, apenas por aproximação, uma espécie de "benchmarking" dos desempenhos de sucesso. Pesquisem. Tratem de saber as razões que levam a Finlândia a ser o país mais feliz do mundo (Portugal é o 56º). Invistam junto dos professores na qualidade e mudança de paradigma. Permitam que eles mudem a escola, que mudem o "chip" e sejam autores do sucesso na aprendizagem. Invistam na cultura, no desporto, na música, nas artes em geral e valorizem o pensamento independente, os valores e o trabalho em equipa. Tornem os jovens cidadãos do mundo, que dominem línguas, culturas e religiões. Tenham a coragem de fazer de todos bons falantes da língua portuguesa. Esqueçam essa treta de andar a decorar para esquecer após um teste. Mandem borda fora a aprendizagem segmentada (por disciplinas) quando a vida não são partes sem qualquer influência recíproca. Acabem com essa obsessão pela avaliação e com uma burocracia infernizadora sem qualquer sentido. Ponham um ponto final nas leituras obrigatórias, quando o que interessa é ler, ler, ler muito. Há milhares de títulos nas livrarias à espera de serem "devorados". Tenham presente Bhagavad-Gita ("Sublime Canção"), Século V aC: "Feliz o aluno a quem o Mestre agradece" e, já agora, que a "Educação não é uma corrida" como enalteceu a investigadora Deborah Stipek.

Tudo isto dá muito trabalho e leva alguns anos, pelo que a preparação para enfrentar a IV Revolução Industrial e as seguintes, terá de colocar hoje tudo em causa. A mentirinha pode dar jeito a um qualquer político num determinado momento, mas é paga a prazo e com juros! O desenvolvimento nunca será atingido através de um paleio mofento. Alvin Tofller, em 1984, há 40 anos, avisou que era pouco inteligente meter o futuro nos cubículos convencionais de ontem. Parece que alguns ainda não entenderam e daí uma propaganda balofa que nada tem a ver com o presente e com o futuro! Tem a ver com o exercício da política num determinado momento. E ser estadista é muito diferente de ser político.

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 24 de março de 2023

Proximidades... a quanto obrigas!


Não aprecio a promiscuidade entre instituições. Uma coisa é a instituição PSD tomar a iniciativa legítima de escutar, estudar e ter opinião sobre o ensino superior na Região; outra, muito diferente, é a Universidade da Madeira permitir, de braço dado com o PSD e o seu grupo parlamentar (ou de uma outra qualquer força política) a promoção de uma conferência, onde se pretenda "olhar para o passado para construir o futuro", naturalmente o da Universidade da Madeira no quadro do ensino superior. São aspectos diferentes e com leituras políticas distintas. 



Aliás, poderei, eventualmente, perguntar se para a Universidade, outras forças políticas ou de ensino superior nada terão a dizer sobre o futuro!? E, neste caso, se a Universidade da Madeira abrirá as suas portas com idêntico objectivo, solicitando aos seus respeitáveis docentes uma dada participação.

Nada me rala que a iniciativa parta ou pertença à Senhora Vice-Reitora da Universidade e que esta tenha sido ou seja coordenadora de um dos programas do PSD. É totalmente livre de o fazer enquanto cidadã. Já é um bocadinho diferente quando a instituição universidade onde desenvolve o seu mister, certamente, com toda a competência, se deixa envolver numa iniciativa partidária com as responsabilidades que a mesma tem na própria instituição. Pode até ser legítimo, mas não fica bem, a avaliar pela infografia publicada.

Há, por aí, tantos espaços, inclusive os da universidade, para a promoção de iniciativas e vivência plena da cidadania, onde se inclui o debate sobre o ensino superior. A "colagem" da Universidade a um partido, essa parece-me muito delicada para não dizer excessiva.

Não prezo proximidades que me deixam a pensar num favor político ou, então, que "isto é tudo nosso". E a Universidade não é deste nem daquele partido político. Neste caso é autónoma e está instalada numa Região ela também autónoma. Cede os espaços que dispõe mediante um pagamento das instalações e por aí deve ficar. Sempre foi assim. Enfim, isto para dizer, repito, que não aprecio situações nebulosas, por melhores que sejam os temas, os oradores e os argumentos.
Apenas uma opinião.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Lamento a onda de ausência de respeito e cortesia


Embora seja de uma outra época, o ser educado e cortês, continuo a defender que não tem época. Não deveria ter. Há princípios e valores que, pessoalmente, não abdico. Enquadro-me na nossa cultura e dispenso as atitudes que algumas modernices estão a alastrar como cogumelos. Ainda anteontem, segui uns breves comentários sobre a guerra. Convidados da Senhora jornalista Ana Sofia, de 38 anos (CNN), estavam o Senhor Major-General na reserva Carlos Branco e o Senhor Embaixador Jubilado Dr. Seixas da Costa. E a conversa desenrolou-se ao jeito de Carlos Branco (64 anos) o que pensa disto e qual é a sua opinião Seixas da Costa (75 anos).



A jovem jornalista, aliás tornou-se comum este tipo de tratamento perante os convidados, pareceu-me que teria andado na escola com aquelas duas figuras com um curriculum invejável. Figuras que têm quase o dobro da idade da jornalista. Logo a seguir dialogou com o Dr. Rogério Alves que, na qualidade de jurista, abordou um outro qualquer tema. Era Rogério para cá, Rogério para lá. Ora, mesmo que estes comentadores ali estejam na condição de "residentes", não perdem ou não deviam perder aquilo que são ou foram nas suas vidas.

Bem audível foi um outro Major-General que, há dias, convidado do jornalista José Alberto Carvalho, respondendo a uma sua questão, disse: "como o senhor Dr. sabe (...)". Com que objectivo, não sei. Apenas, escutei.

E isto está a tornar-se transversal na comunicação social. Por despeito, também não sei. Certo é que me parece existir uma progressiva degradação na cortesia e no respeito pelos outros. Ao ponto de hoje, descendo a escala, alguém telefonar e perguntar se a senhora Maria está? Aprendi que se deveria tratar, claro, quando se desconhece a formação académica de alguém, por Senhora D. Maria. E, a propósito, há que tempos não oiço, por exemplo, "o Senhor seu pai como está? Ou a Senhora sua mãe!

E depois vem "oh chefe o que vai ser?", ou "dona o que deseja?" Pessoalmente, já não ligo, o que é errado, sublinho. No caso do "chefe" creiam-me que me irrita. Normalmente respondo: "meu caro, eu não sou chefe de coisa alguma". E a conversa fica por aí. Ou, então, quando estou numa repartição e o meu interlocutor fixa-se no ecrã do computador deixando-me a falar sozinho. Aí, também, paro de falar e espero que me olhe nos olhos. Ou, então, a figurinha, pensando os outros distraídos, sorrateiramente, coloca-se numa posição que a leva a avançar na fila para qualquer coisa. Ou, então, o sujeito que passa por deficiente ou deixa o carrito a ocupar dois lugares. Ou, então, ainda, os que utilizam uma escada rolante ocupando toda a faixa e impedindo que outros subam no seu ritmo. Enfim... uma interminável história de situações!

Não gosto do que ando por aí a ver e a sentir. Eu diria que falta escola no que concerne à formação de base. E se a família não abre esse espaço (pelo que vejo a televisão também), transversalmente, compete aos professores, pelo seu exemplo e palavra falarem destes aspectos. Eu sempre o fiz, aproveitando todas as situações. Prefiro que os alunos "saibam" menos uma série de "definições dos programas para esquecer", mas que sejam bem formados em tudo o que é essencial para a vida de relação com os outros. O resto, aprende-se.

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 14 de março de 2023

Mais de metade da população sem o Ensino Secundário


O secretário da Educação da Madeira fala de uma "evolução extraordinária" e que se encontra "extremamente agrado". Já não fico perplexo nem para rir me dá com algumas declarações políticas, porque a situação é delicada e muito grave. Há como tentar "tapar o Sol com a peneira", quando os dados do Instituto Nacional de Estatística apontam para a segunda região do país com maior percentagem de população residente sem o ensino secundário, o que significa que numa população de 253 000 pessoas, aproximadamente, 143 000 não o concluíram.



Não é estranho, por isso, que cerca de 13 000 jovens tenham saído da Região nos últimos anos, a mão-de-obra seja escassa e o futuro apresente cores tendencialmente cinzentas. Só o político de plantão, certamente comparando com o tempo do fundador da nacionalidade, fale de uma "evolução extraordinária" e que todos nós devamos estar "extremamente agrados". Isto para não falar de 8 000 jovens que não estudam nem trabalham!

E neste processo falam de "salas de aula do futuro", de "inteligência artificial", de paz social e até um empresário, recentemente, sublinhou que “as pessoas não querem trabalhar” por que “há muitos rendimentos mínimos” (DNotícias 23/2/23), ou então que os "Licenciados só estão no desemprego por opção" - presidente do governo, em 17.02.2023.

Aliás, trata-se de um drama que vem de longe. Tenho presente um estudo da investigadora Doutora Liliana Rodrigues (UMa), publicado no Dnotícias a 14 de Julho de 2008, página 8, onde foi referido que apenas 51% do total de jovens da região em idade de frequentar o ensino secundário, entre 1997/2004, apenas 58% tinham terminado o 12º ano. E os dados poderiam ser bem mais dramáticos se a referência etária fosse os 18 anos e não entre os 15 e 20 assumidos, na altura, pela secretaria regional da Educação. Perante o estudo, realizado há 14 anos, o que resultou? Nada. Ou melhor, um enxovalho público onde foi referido que qualquer criança do 1º ciclo do básico teria sabido fazer melhor as contas!

Ora, do meu ponto de vista, aquelas não são abordagens politicamente sérias. As razões estão, fundamentalmente, na organização social, no pensamento económico, na pobreza estrutural geradora de círculos viciosos, no planeamento e na mentalidade que se enraizou porque foi semeada. "As verdadeiras causas da pobreza está na organização da sociedade e não nos pobres", escutei numa conferência do Dr. Bruto da Costa (1938/2016). Está nos políticos e na sua governação. Porque não temos milhares de preguiçosos, o que temos é um conjunto de políticas completamente desadequadas. E tanto assim é que os relatos da emigração não são compagináveis com gente indolente e mandriona.
E como se isto não bastasse, confrontamo-nos com um sistema educativo cada vez mais decadente, insatisfatório, que não conhece a diferença entre estudar e aprender, rotineiro, cheio de projectos balofos, simplesmente porque existe uma falência de políticos com capacidade e inteligência para actuar hoje para os desafios de amanhã.

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 7 de março de 2023

TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRITICAS DO CURRÍCULO


A propósito do livro apresentado, na passada semana, pelas professoras universitárias Liliana Maria Rodrigues e Jesus Maria Sousa, deixo aqui as intervenções produzidas no acto de apresentação.

Alguns autores, desta fase, acusaram mesmo a Escola de estar ao serviço da diferenciação das classes sociais, desenvolvendo atitudes de submissão, no caso dos filhos das classes trabalhadoras, e de atitudes de liderança, nos filhos das classes privilegiadas.



Caros Amigos,
Boa tarde a todos. Uma palavra de reconhecimento ao Carlos Diogo, à AAUMa e à Imprensa Académica da Madeira, que se disponibilizou a editar este livro, procedendo a toda a publicidade e à organização desta sessão. Um bem-haja pelo vosso profissionalismo.

Gostaria também de agradecer ao nosso colega e amigo de longa data, Carlos Nogueira Fino, pela apresentação e pela leitura pessoal que fez do que é esta obra, pequenina, é certo, mas inversamente proporcional à provocação que ela contém. O enquadramento, com a parábola de Harold Benjamin, sobre o Currículo Dentes-de-Sabre, coloca-nos a todos no registo que este livro exige: o do questionamento. Um muito “obrigada”, também, pelas palavras generosas sobre nós (não o merecemos assim tanto; merecemos um bocadinho, mas não tanto).

A todos os que aqui estão, importa dizer que nos sentimos muito sensibilizadas com a vossa presença. Gostaríamos também que soubessem que, e sem desprestígio pelos cargos e lugares que muitos de vós ocupam, cada um que aqui está, como nosso convidado, está pelo laço afetivo com uma ou outra de nós, ou com ambas. São pessoas que, em algum momento, se cruzaram nas nossas vidas e que nos deixaram marcas de respeito, estima e consideração. Convosco, aprendemos e crescemos, como Pessoas. Por isso iniciei com “Caros Amigos”.

Se, na Introdução deste Livro, dizemos que ele é especialmente dedicado aos nossos estudantes, pois “Teorias críticas e pós-críticas do Currículo” é o nome de uma disciplina do nosso Doutoramento em Currículo e Inovação Pedagógica, também é uma oportunidade de dar a conhecer ao público em geral, o objeto da nossa investigação, desconstruindo o que parece ser algo, um tanto ou quanto exotérico.
Foram muitas as pessoas que, de facto, quiseram saber sobre o que era isso. O Carlos Fino já deu o pontapé de saída.


Comecemos, então, pelo princípio: o que é o Currículo? Será um dado adquirido, com existência própria, à espera de ser descoberto? Ou é uma construção pessoal? Como em tudo nas ciências sociais e humanas, não há definições únicas da realidade, pois a realidade não existe, no seu estado puro. A apreensão da realidade é sempre subjetiva. Existe sempre alguém, um sujeito (subjetivo) que lê a realidade, modelada pelas suas perceções, conceções, representações e sua história de vida. In extremis,
podemos dizer que a realidade (neste caso, o currículo) não existe per se. Ele ganha existência porque alguém lhe conferiu significado. E aí nasce a teoria (seja ela teoria tecnológica, teoria crítica, teoria pós-crítica, etc.), até que venha uma outra que a deite abaixo. Aí está o princípio da falsificabilidade conforme Karl Popper, que diz mais ou menos isto: “um enunciado científico só é científico quando se provar que é falso”. A ciência tem, portanto, de ser humilde e relativa. Ela não dita verdades absolutas. E o mesmo acontece com as teorias do Currículo.

Segundo a tradição positivista e racionalista, a teoria é uma representação a posteriori da realidade, a partir dos dados empíricos observados. No entanto, a evolução das correntes de pensamento nos campos da filosofia, psicologia, psicossociologia, antropologia, etnografia e comunicação (para referir alguns apenas), tem demonstrado que existe uma mediação subjetiva muito forte entre a teoria e a realidade, promovendo o sujeito, desse modo, a elemento criador do objeto.

Por isso, retomando a questão do Currículo, e depois de expurgar e diferenciar o Currículo oficial, formal e expresso em leis, estruturas curriculares, programas de disciplinas, planos de aulas, etc., com conteúdos, cargas horárias, com umas disciplinas com mais peso do que outras, umas sujeitas a avaliação e outras não, etc., etc., […].

Como dizia, depois de diferenciar esse Currículo oficial do Currículo real (daquilo que acontece efetivamente na Escola), e do Currículo oculto (todas aquelas mensagens que são veiculadas sub-repticiamente e que são do foro do inconsciente, e que nos acompanham pela vida fora), podemos sintetizar que o Currículo é afinal “tudo o que se aprende na Escola, organizado por alguma entidade política, técnica, gestionária”.

Ora, durante muitos séculos o foco do que a Escola devia transmitir às novas gerações estava concentrado nos conteúdos, na matéria. O aluno devia saber muito de… (do que constava dos programas). Ao Professor, cabia a utilização das melhores técnicas e dos melhores métodos para fazer passar esses conteúdos. Ele seria um técnico de ensino, sem nunca se importar sobre o que estava a transmitir. Isso não era da sua responsabilidade, porque o Currículo era afinal o conhecimento considerado “socialmente válido”.

Ora, começa aqui o despontar das teorias críticas do Currículo, quando começa a questionar sobre o que é, afinal, conhecimento “socialmente válido”. Quem o define? Quem o determina? Conforme um autor que nos é muito querido (Tomaz Tadeu da Silva), as teorias críticas são teorias de questionamento, de dúvida, de desconfiança e de transformação radical. Por que se ensina isto e não aquilo? Quais os fins últimos do que se está a ensinar?

As teorias críticas do Currículo, emergentes na Modernidade, por isso, contemporâneas da Revolução Industrial, e preocupadas com a exploração de mão de obra barata em fábricas, enveredaram a sua atenção para a Escola enquanto promotora de reprodução social, tendo em vista a manutenção do status quo (os filhos dos pescadores serão pescadores, enquanto os filhos dos médicos serão médicos, conforme a máxima de Bourdieu e Passeron), considerando que ela, a Escola, era afinal um “aparelho ideológico do estado” (Althusser). A escolarização de massas, nesta perspetiva, visava adequar os alunos à nova ordem industrial.

Herdeiras das análises críticas levadas a cabo pela Escola de Frankfurt, onde pontificaram, nos anos trinta do século XX, pensadores críticos como Theodor Adorno, Walter Benjamin, Erich Fromm, Max Horkheimer, Jürgen Habermas e Herbert Marcuse, as teorias críticas do Currículo procuraram interpretar as razões profundas que subjaziam aos arranjos educacionais, prestando uma atenção redobrada ao chamado Currículo oculto. Viam o Currículo como resultado de determinada seleção feita por quem detinha o poder. O facto de selecionar, de entre um universo amplo, aqueles conhecimentos que constituiriam o Currículo, seria, por si só, segundo estas teorias, uma operação de poder.

Alguns autores, desta fase, acusaram mesmo a Escola de estar ao serviço da diferenciação das classes sociais, desenvolvendo atitudes de submissão, no caso dos filhos das classes trabalhadoras, e de atitudes de liderança, nos filhos das classes privilegiadas.

Mas, enquanto as teorias críticas centraram a discussão essencialmente no papel que a Escola tinha na reprodução social, cultural e económica, numa visão marxista de divisão de classes, as teorias pós-críticas, vieram alargar o campo da desconfiança e do questionamento a um novo contexto de pós-modernidade, segundo Lyotard [chamemos-lhe de modernidade tardia (cf. Giddens), modernidade líquida (cf. Bauman) ou hipermodernidade (cf. Lipovetsky)], extravasando a abordagem clássica e determinista, diria mesmo que fatalista, de causa-efeito (o indivíduo como resultado do meio social), para conferir ao indivíduo, o direito e a capacidade de afirmação da sua identidade, quer fosse ela de género, cor, etnia, religião, cultura de origem (mundo ocidental ou não, de matriz europeia ou não, colonizador ou colonizado, etc.). Isto é, as teorias pós-críticas do Currículo vieram lançar um novo olhar para as questões de hegemonia, da assunção da superioridade, para além das diferenças socioeconómicas, do período da Modernidade.

É o que este livro pretende: instigar o espírito crítico nos nossos estudantes, de maneira a não ficarem reféns de leituras simplistas da realidade, levando-os a ver mais além, de forma a intervirem de maneira esclarecida na arena política que é a Escola.

Nesta reflexão a duas, tive o privilégio de contar, para este exercício, com a Liliana Rodrigues, uma académica de alto gabarito, como todos sabem, com uma história de vida em favor da justiça social, em prol dos marginalizados da sociedade, que não diz Ámen a tudo e que, por isso mesmo, é intelectualmente deveras estimulante a quem com ela interage. Tem sido um prazer trabalhar contigo, Liliana.
Muito obrigada a todos.
Funchal, 1 de março de 2023
Jesus Maria Sousa

E todo este mundo tem de ser desvelado. Exposto. Pensado. É aqui que este livro pode ser, também, útil: ele ajuda a compreender a direção que o mundo segue e o papel que o currículo poderá ter na construção de uma sociedade mais digna, livre e responsável.



"Boa tarde a todos.
Gostaria de começar a minha intervenção agradecendo a presença ao Senhor Reitor da UMa, ao Senhor Presidente da ALM, ao Senhor Presidente da AAUMa. À Imprensa Académica pela aposta feita neste trabalho. Ao Carlos Diogo pelo caminho que temos feito. Ao Professor Carlos Nogueira Fino pela análise e debate feitos neste e noutros momentos (aproveito para lhe agradecer a amizade leal inabalável).

Ao meu bom amigo Nicolau que me fez este desafio em 2020.

A todos os amigos que hoje tiraram um bocadinho do seu tempo para estarem aqui, connosco. Todos os que aqui estão, estão porque, por diferentes razões, são importantes nas nossas vidas. Obrigada por isso.
Mas queria fazer um agradecimento especial à minha querida amiga Jesus Maria Sousa: sem ela este projeto teria sido um percurso solitário e muito mais centrado numa única visão e todos sabemos os custos do pensamento único.

Eu tento fazer aprender as Correntes Críticas do Currículo. A Jesus Maria as Teorias Pós-Críticas. À partida parece que perspetivas que se excluem. Mas longe disso. Elas se complementam e completam. Isso não significa ausência ou permanência de acordos.

Significa, nas palavras de Allan, que “para se chegar a uma verdade são precisos dois”. Não sei bem se chegamos à Verdade. Essa ideia será a perseguição que nós, enquanto seres humanos, fazemos ora pela ciência, ora pelo Senso Comum e, em alguns momentos, pela Fé. Raramente pela Filosofia, enquanto atividade que me é particularmente querida.

A Filosofia, inclusive do Currículo, exige tempo. Tempo que desperdiçámos a matar quanto o temos. Quem não conhece a expressão “estou a matar o tempo”? Tempo como um bem maior, na vida de todos os dias, mas também na vida académica.

Pensar este tema foi olhar para quem temos à nossa frente, os nossos estudantes, e tentar desconstruir as representações sobre a educação e sobre o currículo. Este desvelamento significou, muitas vezes, o embate do pensamento com outros pensamentos. O meu. Com o teu, Jesus Maria. Com o pensamento de muitos que aqui estão hoje.

E não tivemos qualquer problema em assumir a nossa janela ideológica ao longo dos textos que escolhemos e que adaptamos para servirem de reflexão, assim esperamos, dos que nos vão ler. Esse pensamento começou por ser uma intenção de materialização numa sebenta de estudo. Progrediu para aquilo que vos apresentamos hoje. Um livro. Uma reflexão a duas. Se calhar é uma reflexão com muitos mais.

Mantenho a teimosia de ter um mundo que resiste à desigualdade. Que resiste à mentira, à miséria e ao despotismo. Mas também temos o outro lado: o conforto do senso comum. Ele é o maior que todos os saberes. E muitas vezes, a capacidade plástica do homem não lhe retira o carácter de sujeito que se sujeita às relações de poder e de saber. Num mundo em rede, em que tudo se faz e tudo se diz, não é preciso muito para se ser um labrego de beca ou um erudito esfarrapado. É tudo uma questão de tique e de feitio.

E todo este mundo tem de ser desvelado. Exposto. Pensado. É aqui que este livro pode ser, também, útil: ele ajuda a compreender a direção que o mundo segue e o papel que o currículo poderá ter na construção de uma sociedade mais digna, livre e responsável.

Se é verdade que o currículo serve para formatar, não menos verdade será que ele pode emancipar. O currículo é aquilo que eu sou. Em que me tornei. Aquilo que cada um de nós aceitou ser. Começou na infância e seguiu-nos até à universidade. O seu impacto, em nós, vai acompanhar até ao fim da vida. Ele é a nossa identidade. O nosso BI, ou CC. As crianças e adolescentes das nossas escolas não podem continuar a ser vistos como os futuros trabalhadores de mercado que respondem às necessidades das empresas numa prestação de contas ao Estado. A educação é um empreendimento ético e o conceito de pessoa não pode continuar a ser expurgado do discurso científico dos curriculistas. Se assim for, no fundo, “o mundo torna-se num vasto supermercado” (Apple, p.59). O currículo não é um terreno recortado na geografia das disciplinas. Nem é o fim da educação. Mas é caminho e meta. É caminho que liberta ou que oprime. É meta que nos torna espírito ou espectro. É, meus bons amigos, porque tem de o ser, um ato de coragem: a assunção da liberdade. “Em vez de sermos vistos como pessoas que participam na luta para construir e reconstruir as nossas relações educativas, culturais, políticas e económicas, somos definidos como consumidores (….). Trata-se de um conceito (…) extraordinário, porque vê as pessoas como estômagos ou fornalhas” (Apple, 1999c, p. 71).

Pensar o currículo é um exercício de desconcertação, desconstrução e paciência. Mas é, também, um exercício de escuta. Até para essa escuta é preciso o Outro. Obrigada, Jesus Maria por teres estado. Neste livro, há essa grande vontade de inversão do ponto de vista natural e de negação do Senso Comum. Ou, pelo menos a franca tentativa de resistência. É da condição humana esta resistência, e tal como nos diz Lars Gustafsson: Recomeçamos. Não nos renderemos!
Muito obrigada