sábado, 21 de setembro de 2019

A escola precisa de emoções, sentimentos, alegrias, tristezas, talvez depressões... esse é o valor da educação.


José Antonio Caride é Catedrático de Pedagogia Social na Universidade de Santiago de Compostela. Doutorou-se em Filosofia e Ciências da Educação. É autor de 450 publicações entre livros e revistas especializadas em Ciências Sociais e da Educação. Foi distinguido com a Ordem ao Mérito Institucional do Conselho Mundial da Educação. Na edição de Verão da extraordinária revista "A Página da Educação", o Professor concedeu uma entrevista absolutamente genial. Não existe ali palavra ou frase que não derrame o sumo do conhecimento e da experiência. A entrevista, conduzida por António Baldaia e Maria João Leite, toda ela, é serena, objectiva, profunda e, por isso, desperta invulgar interesse que conduz o leitor, ao fim de dez páginas, a se questionar, por que acabou? Deixo aqui algumas partes que considero relevantes, onde muito mais fica por transcrever.


Diz o Professor: "(...) quando muitas vezes dizemos educação não formal, deveríamos dizer educação familiar, comunitária, cidadã, cívica, porque todas as educações, de um jeito ou de outro, são formais. Portanto, há que recuperar o sentido da educação como projecto e trajecto comunitário, o que requer repensar a escola, o seu sentido de instituição ao serviço da sociedade e da comunidade (...) a escola não pode ser só escola e as aprendizagens não podem ser só curriculares, se verdadeiramente estamos convencidos de que a educação deve ser um processo permanente, que se estende ao longo da vida e que todos somos participantes de educar e de educar-nos. (...) O desafio é imenso e as políticas educativas, sociais e culturais devem situar-nos nesse horizonte, não só como utopia, mas como realidade, como projecto que vale a pena construir pedagógica e socialmente (...) no fundo, falamos de uma ética pública e de uma ética cívica: como serviço público a nossa responsabilidade é para com as pessoas que se educam connosco, com as quais e para as quais desenvolvemos o nosso trabalho. Especialmente as que estão em situação de pobreza, de exclusão, de vulnerabilidade, as quais, muitas vezes, o sistema educativo etiquetou como fracassadas e que são abandonadas à sua sorte e aos azares (...)

Nós não nascemos cidadãos, construímo-nos como tal, se verdadeiramente nos situarmos numa ideia de cidadania congruente com tudo o que significam os direitos e os deveres da convivência com os demais, que se movem sempre num quadro de tensões ideológicas, éticas, morais, religiosas, económicas, etc. (...) então há que construir os valores que nos permitam caminhar para uma cidadania inclusiva, democrática, solidária, tolerante, pacífica... palavras que engrandecem a condição humana. (...) 

(...) A escola é muito mais do que ser vista apenas como um edifício. É uma arquitectura, obviamente, mas é uma arquitectura social e não só física (...) a escola não é um espaço que só deve estar à disposição de um calendário e de um horário escolar. O que significa, se entendermos que outra escola ou outra educação é possível, que nesse projecto educativo participem outros agentes sociais, além dos educadores e professores, os profissionais de animação sociocultural, da mediação familiar e intercultural, das iniciativas e práticas desportivas e culturais. (...)

Perguntam António Baldaia e Maria João Leite:  E isso não é uma utopia?

Não pode sê-lo. Se a sociedade quiser tirar consequências práticas de que a educação é o mais importante que podemos dar às novas gerações, se há dinheiro para salvar as entidades financeiras, se há dinheiro para as auto-estradas... como não deveria de haver dinheiro para as pessoas? (...) Se não houver investimento nas pessoas que sofrem dificuldades (...) no final, vamos gastar muito mais no trabalho de reparação do que no trabalho de prevenção, de cultivo (...).

Sobre os grandes desafios que se colocam à escola...

"(...) Há um que eu diria imaterial, mas possivelmente o primeiro de todos, que é repensar-se a si mesma, no sentido de participar de uma educação que tem de ser distinta, que tem de ser alternativa à que temos vindo a herdar há décadas e mesmo séculos. Isto tem a ver com posicionamentos filosóficos e teóricos da educação (...) é necessário uma mudança de mentalidade, de parâmetros educativos, de levar à prática o que está nas palavras, nos conceitos, no que dizemos que deve ser a educação, e, porém, ainda não é. 

Desafio? Ser coerente na transição para um novo modo de pensar a educação e as suas práticas nos distintos cenários em que ocorre. E a escola é um entre outros. (...) A questão não é tanto como ensinamos mas como aprendemos; não é  tanto o educar, mas como educar-nos em comum... como conseguimos que as pessoas construam autonomamente, desde si e por si, as aprendizagens? No fundo é um processo de emancipação e de libertação que depende daquele que nos ensina, de que necessitamos como mediador e facilitador (...)"

O Professor Caride aborda, depois, das mudanças fundamentais que a Educação Social e a Pedagogia Social estão a promover: 

(...) Hoje em dia tanto ou mais importante do que o tempo laboral é o tempo dos ócios e o direito ao ócio para a qual as sociedades não estão preparadas (...) o ócio começa por ser um direito (...) na contemporaneidade nasce de uma vontade inequívoca de darmos oportunidade do descanso, para satisfazer necessidades básicas; a oportunidade do divertimento, associado à cultura, às artes, enfim, às afeições pessoais; e a oportunidade do desenvolvimento pessoal (...) é um direito de 3ª geração. 

(...) dizia Paulo Freire que é uma prática que necessita de ser educada e em que devemos educar-nos porque nela está muito do que é a nossa razão de ser. Então o ócio deve ser a oportunidade de cada pessoa  dar o melhor de si e muito desse melhor de si tem a ver com a leitura, a música, o desporto... isso é ócio; o ócio não é levar-nos ao far niente. (...) De tal modo que as novas gerações, inclusive as educadas na escolaridade obrigatória, chegam à aposentação e não sabem o que fazer com as suas vidas, porque o tempo livre é visto como uma ameaça (...) Dizia um dos nossos filósofos, Luis Racionero, que o ócio é um direito que deve ser educado, numa sociedade que também nos tempos livres tem diferenças muito acentuadas entre os diferentes colectivos sociais. (...)

A escola tem de tomar opções ou tem de ser neutral?

"(...) A ideia de que a escola é neutral, no fundo, é já uma ruptura dessa neutralidade. O mesmo com o dever de ser apolítica ou estar à margem da política. Todas as pessoas que participam na educação, consciente ou inconscientemente, tomam decisões a respeito do aluno, criança ou jovem, e, no fundo, da sociedade. Não podemos separar de nós tudo o que significa ter ideias, valores, pensamentos, atitudes... porque com elas educamos, implícita ou explicitamente. O importante é fazê-lo com o máximo de coerência, congruência e transparência, clarificando quem somos, que ideia temos da educação, como queremos pôr em prática. (...) Educar com a cidadania não significa educar na uniformidade, num modelo de pessoa e de sociedade; significa educar em todas as opções em que podemos ser pessoas e sociedade, individual e colectivamente. (...)

O que implica troca. Todos aprenderem com todos...

(...) Implica troca. Algo que em termos políticos, sobretudo, mas também educativos, é difícil e muito complicado. Se eu reivindico a mudança dos demais e da sociedade, não posso negar-me a mudar eu mesmo. (...) Quando perguntamos o que é um professor, um educador, eu digo há muito tempo que é um profissional da  mudança, da troca. (...) Ser professor significa assumir tudo o que essa identidade e entidade profissional, mas também social e cívica, requer: compromisso, responsabilidade, ética. 

E aí as universidades ainda têm um caminho a percorrer (...) na formação ligada a esse código ético deontológico e profissional. (...) A educação que necessitamos é muito distinta da educação que temos, da que queremos e mais ainda da que reivindicamos.

(...) perceber que significados cada criança leva para a escola e da escola...

(...) Essa era uma ideia de Summerhill: corações, não apenas cabeças. Além do que podemos ter e construir com a informação e conhecimento, que é muito importante, necessitamos de emoções, de sentimentos, alegrias, tristezas, talvez depressões... Esse é o valor da educação. (...)

(...) A utopia é consubstancial à educação...

(...) a utopia é uma esperança. (...) Na utopia estão as ideias, está aquilo que ainda imaginamos que pode ser conseguido, ainda que entendamos que seja difícil (...) se não tivéssemos utopias, possivelmente, nem podíamos imaginar que por trás do momento que estamos a viver há um futuro. E a educação é sempre futuro. (...)"

Ilustração 
Fernando de Valenzuela

Nota
Texto também publicado no blogue
www.gnose.eu

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

LA EDUCACIÓN (no) ES (a) POLÍTICA


Acabo de ler dois artigos e uma entrevista muito interessantes. Um de José Antonio Caride (Doutor em Filosofia e Ciências da Educação - Catedrático/Santiago de Compostela), do qual destaco o título "La Educatión (no) es (a) política"; um segundo de Petronilha B. G. Silva (Doutora em Ciências Humanas - Educação: "(...) Espera-se que a escola e os seus professores participem no esforço de cada aluno para identificar, compreender, construir elos entre a sua comunidade, a sociedade nacional e internacional. Diferente do que muitas vezes ocorre, fazerem tentativas de uniformização de jeitos de pensar e conduzir a vida (...)". Finalmente, uma entrevista com o Professor José Manuel Pureza (Doutorado em Sociologia): "Para as gerações que fizeram a sua escolaridade durante o fascismo, ir à escola era aprender a ler, escrever e contar. Mas nesse minimalismo de competências funcionais, estava implícita a fixação de um objectivo social: não formar consciências inquietas. Quando a democracia mimetiza esse minimalismo, apostando no funcional, na aquisição de competências, e não assume a escola como lugar crucial da formação para a cidadania democrática (inquieta, exigente, responsabilizante de si e dos outros) é a democracia que se atraiçoa. Em democracia, a escola tem de ter a ambição de formar para esse carácter de que se fazem os democratas e não para um catálogo de bom comportamento e de sucesso individual (...)".
Logo, LA EDUCACIÓN (no) ES (a) POLÍTICA.
Para reflexão neste regresso à Escola!

terça-feira, 17 de setembro de 2019

NO REGRESSO À ESCOLA




"O pleno desenvolvimento da poesia na escola só se realizará, contudo, no limite da alteração das regras escolares, da reformulação integral da forma de conceber a Criança, o Homem e o seu papel no mundo. Por aí, supomos, se estabelecerão novos caminhos (...)" - José Miguel Lopes, in A Página da Educação, edição de Verão 2019.

Neste regresso, reflictamos sobre o significado e profundidade de duas palavras: poesia e reformulação.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Palavras leva-as o vento!


FACTO

"O presidente do Governo Regional esteve hoje na abertura do ano escolar na Escola Dr. Ângelo Augusto da Silva, onde pediu aos pais “que não tenham medo da inovação e da mudança” (...) Estamos a viver num mundo que vai mudar substancialmente nos próximos cinco a dez anos, sobretudo com a difusão das chamadas tecnologias 5G, mais conhecidas como a internet das coisas. Vai mudar o modo como trabalhamos, como convivemos, como interagimos na sociedade. E o pior que poderíamos fazer era enterrar a cabeça na areia e não ministrar aos nossos jovens, aos nossos filhos, um ensino baseado na tecnologia, na inovação digital”. - Fonte: DN-Madeira.

COMENTÁRIO BREVE

Ora bem, o problema não está na evolução tecnológica, toda a gente sabe disso. Não está nas tecnologias 5G. Nesse aspecto os alunos sabem muito mais que os governantes e até a generalidade dos professores. Tenho um neto de três anos que me dá um baile e aos outros mais velhos (13, 13, 16), dizemos em casa, que são os nossos engenheiros! As tecnologias estão aí, o problema é outro, é de sistema educatico, isto é, de organização dos estabelecimentos de aprendizagem, é de natureza curricular, é programático e pedagógico. O problema, Dr. Miguel Albuquerque, é de autonomia dos estabelecimentos, de liberdade para conceber outros processos que conduzam a uma sociedade mais bem preparada para os desafios que estão aí ao virar da esquina.
Aí, sim, tenho medo, porque o que os sucessivos governos têm feito é exactamente aquilo que afirmou: "enterrar a cabeça na areia". Porque palavras leva-as o vento! Por isso, não é pelo facto de uma editora ter lançado os tais "manuais digitais" que a revolução paradigmática irá acontecer.
Mas sobre isto e muito mais, ainda ontem deixei aqui um longo texto. É a minha posição, que vale o que vale, mas depois de um esforço sério de muito ler, ouvir e questionar.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A palavra-chave deve ser "desconstrução"


Um dos meus netos chegou a casa para o almoço. Um habitual beijinho na cabeça, como a todos faço, e disparei: então, que tal foi a primeira manhã de escola? Encolheu os ombros como se quisesse dizer: oh avô, a mesma coisa que a última do ano anterior! Continuei: pelo menos foi agradável o reencontro com os teus colegas! Respondeu-me: o primeiro que encontrei à porta, disse-me, bem-vindo ao inferno. Avô, os intervalos continuam a ser o melhor da escola. Isso não é bem assim, retorqui. Não é? Já pensaste o que é estar horas sentado a olhar para um professor que não pára de falar? Pois, compreendo. Esta manhã, avô, já ficaram marcados alguns testes!


Aí fez-se um clique na minha cabeça, que não verbalizei, mas aqui deixo: ainda não foi "despejada" a matéria constante dos extensos programas do currículo e já estão marcados momentos de avaliação. Irra! Não é a escola, espaço de aprendizagem séria, de qualidade e de plena curiosidade, onde se mete a "mão na massa" e se descobrem novos saberes que se manifesta, mas a escola instrutora que debita a enciclopédia e determina níveis e notas. É isto que, infelizmente, continuam a servir como "prato do dia", em um repetitivo toca-entra-toca-sai.
O prazer que a escola deveria irradiar continua a ceder lugar à pressão e ao medo. Para alunos e professores. Mais do mesmo e eles, os "alunos" deste sistema, configurado e determinado por adultos insensatos, para posterior gáudio deles próprios, senão veja-se a pompa e circunstância dos quadros de honra, diplomas e de todas as cerimónias meritocráticas, os alunos, dizia, ali enredados sentem que o sistema  está, claramente, em choque com o manancial de informação que transportam, os seus interesses e projectos. A escola desejo é hoje, mais do que nunca, uma escola malquista. 
E porquê? Porque continua a existir um excessivo "sinal mais" do adulto relativamente à criança ou jovem, quando o verdadeiro papel do professor deveria ser o de moderador e incentivador das múltiplas descobertas. E tudo pode ser aprendido, das ninharias aos fenómenos complexos. É o processo que está em causa, incompatível porque assente em uma visão quantitativa, em detrimento do ajustado e com uma qualidade portadora de futuro.
A propósito, há cinquenta anos li, em Georges Gusdorf que "o mais alto ensinamento do mestre não está no que ele diz, mas no que não diz". Significa isto que o mais difícil é fazer calar os professores, concedendo a primazia ao aluno. O sistema não permite. E, no entanto, há mais de dois mil anos, o grego Arquimedes (287-212 aC), embora em outro contexto, sintetizou: "dê-me uma alavanca bastante comprida e um momento de apoio bastante forte e, sozinho, moverei o Mundo". Lamentavelmente, o sistema ainda não compreendeu que terá de ser outro o formato, o sentido e a missão da escola.

A alavanca pode ser a escola e o momento de apoio o professor. Ora, sendo tão complexo, porque são muitas as variáveis, o processo de aprendizagem, melhor, o caminho para o conhecimento implica alavancas e apoios, implica, também e necessariamente, uma ruptura no sentido do surgimento de uma outra forma de o entender. Isso faz-me trazer em memória Robert Quillen que sintetizou este dilema entre a complexidade e a facilidade: "se quisermos fazer um mundo novo o material está à nossa disposição; o primeiro também nasceu do caos". O problema é que há quem tenha medo do caos, este caos entendido como momento em que tudo parece não fazer sentido. 

Significa isto que a mudança de qualquer sistema, neste caso, o educativo, não depende de outros, pois o "material", leia-se alunos, está aí à disposição. Basta para que tal aconteça que os "iluminados",  os de plantão na administração do sistema, desçam da torre de marfim e se misturem  e bebam na fonte científica, deixando-se fecundar pelo conhecimento existente. Que não tenham medo de perder o controlo. O problema reside, portanto, na teimosia em querer manter um pensamento estático, estruturalmente rotineiro e vertical, como se não existisse mundo para além dos muros da escola.

A escola virou cápsula e vegeta na bolha que os adultos construíram!

Pasmo com a discussão que por aí anda sobre as avaliações trimestrais em contraponto com as semestrais. É o mais perfeito exemplo de um "debate" sobre o nada, porque o problema não reside aí. O problema não está nos momentos de avaliação (ela deve ser contínua e bilateral), mas na preocupação pela aprendizagem, de como gerar o gosto pelo saber, a descoberta do prazer da curiosidade, a alegria de saber ler, escrever, conhecer, dominar e, permanentemente, ter capacidade para colocar tudo em causa para de novo partir. O problema é de pensamento estrutural na construção do futuro, o qual não se coaduna com afunilamentos de consciência de quem, logo à partida, mais preocupado se apresenta, de forma cega, a separar o eventual trigo do que considera joio.

É evidente que olhamos em redor e, no quadro do actual sistema educativo, existem muitos jovens de excelente qualidade em todas as áreas. A pergunta que se deve colocar é esta: em que patamar de excelência não estariam, quantos mais poderiam ter despontado e quanto insucesso e abandono poderiam ter sido evitados se outro fosse o caminho? 

Mais escola não significa melhor escola*
É sensível na estrutura política um défice de mentalidade, de estudo e conhecimento, situação que, depois, invade a consciência colectiva, tomando por certa, inevitável e sem outra saída, a actual caracterização de escola. É mais fácil manter o existente, retocando aqui e ali com cores garridas, é mais fácil mexer nas margens do que penetrar no âmago para criar o novo. Dá muito trabalho, permanentemente, questionar e colocar em causa o que se aceita como "verdade". Mas é por aí que a avenida do conhecimento deve ser criada, com utopia, e é por aí, de forma compaginada e integrada, a montante, com uma nova geração de políticas de família, que a escola se pode tornar fonte de cultura, de conhecimento e de incentivo, na perspectiva que há mais escola para além da escola. No essencial, que ela é, apenas, um ponto de partida, não de chegada.
Por tudo isto não valorizo, no quadro do actual sistema educativo, a "excelência" dos níveis e notas atingidos pelos meus netos. Desejo é que eles e todos os outros saibam olhar para o mundo, sejam capazes de desenvolver leituras muito para além das apriorísticas, ganhem consciência da importância do rigor, do trabalho, da disciplina, subordinem-se à curiosidade, sejam humildes e cultos e que estruturem uma estratégia de vida assente na permanência do aprender a desaprender no sentido de reaprender.
A construção da vida começa na solidez do alicerce do designado ensino básico. É aí, no meio da argamassa da complexidade, que se estruturam os pilares que vão possibilitar a laje e os novos pilares do ensino superior. É na idade das perguntas, fortalecendo-as, e não da exigência das respostas do manual, digital ou qualquer outro, que se ganha a capacidade para desenvolver gostos, interesses e projectos de vida. Ignorar este quadro é ir contra o racional. Bhagavad-Guita, Século V aC, sublinhou: "feliz o aluno a quem o mestre agradece". Pensem nisto, governantes, professores e pais. Pensem na criança sujeito e não objecto. Pensem, nas palavras do Juiz Laborinho Lúcio, que disse: cuidado, porque "qualquer dia as crianças dizem que têm um adulto dentro de si".

NOTA

"(...) No total, os alunos entre o primeiro e sexto ano passam um total de 1039 horas na escola, entre aulas obrigatórias (822) e não obrigatórias (217), o que põe Portugal no top dos países onde os alunos passam mais de mil horas na escola (...)" - OCDE. Perante isto, razão tem aquela criança mencionada no início do texto: "bem-vindo ao inferno".
Ilustração: Google Imagens.

Este texto foi publicado no blogue
www.gnose.eu

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Água mole em pedra dura...

FACTO

"(...) a Educação do Século XXI tem de ser estruturalmente reformulada. (...) os sistemas educativos, tal como hoje estão construídos, estão obsoletos (...) estão cheios de mais, porque se colocam mais e mais matérias, por vezes de forma pouco coerente, por outro lado, os métodos de ensino, as tecnologias, os espaços utilizados, tudo isto exige um grande repensar. (...) Eu diria que hoje as crianças e jovens, muitas vezes, desenvolvem dinâmicas de aprendizagem muito mais significativas, com maior motivação, em sistemas informais do que nos sistemas formais (...) é absolutamente necessário encontrar capacidade de criar um novo paradigma. - Jorge Barreto Xavier, ex-secretário de Estado da Cultura (XIX Governo Constitucional - PSD/CDS), gestor cultural e Professor Universitário, em entrevista publicada na edição de hoje do DN-Madeira.

COMENTÁRIO

Uma entrevista bem conseguida, com o essencial, tocando nos aspectos que são determinantes relativamente à formação global para a vida. Mas é uma entrevista que, concomitantemente, coloca em xeque a política educativa regional. Obviamente que me preocupa todo o espaço nacional, porém, mais ainda, as políticas, ou a ausência delas, na região da Madeira. Neste campo, olho para trás e para o presente e fica-me a certeza que a Autonomia e a regionalização de nada serviram. Naquelas declarações estão consubstanciados alguns aspectos que, em uma região pequena, com quarenta e poucos mil alunos, há muito deveriam estar, aqui sim, a funcionar na "normalidade". 
Ainda há dias escrevi que o sistema educativo deveria ser desenhado pelo ângulo da cultura. A cultura em sentido abrangente, portanto, de natureza inespecífica. O resto, tantos o dizem, vem agregado. Ora, a mentalidade existente não é essa e, qual paradoxo, os líderes políticos que pedem inovação e criatividade, na sua práxis política, tudo fazem para manter a estrutura e um pensamento com duzentos anos. Dedicam-se a enfeitar a velha e gasta máquina, a oleá-la, peça por peça até aos parafusos e porcas do sistema, a gerir a burocracia como forma de impedir qualquer tentativa de mudança, dedicam-se a utilizar os meios financeiros para propagandear o caminho que seguem, não dando conta dos erros que estão a ser cometidos que serão muito penalizadores do desenvolvimento. Tudo isto mantendo debaixo de olho as direcções executivas e os professores. 
Jorge Barreto Xavier é claro: não é pela existência de "uma disciplina de música, de desenho ou de dança" que mudamos de sentido (...) "mas com o repensar do sistema educativo". É a globalidade que está em causa e não a compartimentação das preocupações. Não se melhora a questão cultural com umas exposições públicas e temáticas de final de ano escolar, da mesma forma que não se melhora com uns espectáculos musicais, tampouco com uma educação fisica travestida de desporto. Se assim fosse, face ao número de anos e de iniciativas levadas a efeito, hoje, teríamos uma população mais bem preparada, culta e com residuais taxas de abandono e de insucesso. 
Não há volta a dar. Torna-se necessário alterar o pensamento paradigmático para reconstruir este sistema pobre e podre, desenquadrado da exigente realidade e distante do que anda por aí ao virar da esquina. 

Um sistema estruturado pelo ângulo da cultura, obviamente, não menospreza, antes pelo contrário, a Língua Portuguesa, a Matemática, a História ou a Geografia entre tantas áreas do conhecimento. Não deve é ter a pretensão de um enciclopedismo que, com o andar dos anos se torna desmotivantee inconsequente. A escola não deveria ser, mas ainda é, uma linha de montagem. Pensamento crítico, não, obrigado! Curiosidade, calma, o aluno deve responder de acordo com as linhas do manual. Trabalhar em grupo, como mais tarde as empresas solicitarão, nada de modernices, preferível é o trabalhinho e a avaliação individuais. Um plano curricular por aluno em função dos seus interesses, isso é utopia e até demonstra alguma demência de quem propõe. Debater, colocar em causa, apresentar outros pontos de vista sobre qualquer tema, não, isso é gerador de anarquia e de indisciplina quando existe muito "programa para dar".

Portanto, enquanto o sistema for aquilo que é, hierarquizado e centralizado, padronizado e formatado, sistema que vive e se aproveita da ignorância, com políticos que badalam que apenas estão a cumprir um tal "programa de governo" que ninguém leu, parece-me óbvio que não sairá da mediania. 
Por outro lado, um sistema que se apresenta confinado aos muros da escola, que não interage, que pouco ou nada dá e recebe, não pode estar, nem minimamente, compaginado com a formação informal. Isto quando se sabe que a formação informal, aquela adquirida fora da escola em múltiplas actividades, tem, hoje, um considerável valor e peso que não pode ser descurado. É, por isso, que o Dr. Jorge Barreto Xavier salienta a existência de uma "maior motivação em sistemas informais do que nos sistemas formais". A escola, genericamente, não entende isto e o sistema nem quer saber dessa íntima ligação entre o formal e o informal. Tanto assim é, havendo excepções, ainda hoje se diz: escolhe, ou queres o desporto ou a escola, a música ou a escola, etc.. Porque a escola não está preparada para o mundo que se desenvolve para além dos seus muros. 
E porquê? Pela existência de uma hierarquia que manda, absurdamente, mas manda, de um currículo, de um exaustivo programa por disciplina, normativos a respeitar, inspecção à procura do deslize, avaliação de professores, testes e exames às centenas e, finalmente, por uma avaliação de alunos a cumprir. No meio disto, esquecem-se que, por alguma razão, "as escolas tornaram-se, para inúmeras crianças e adolescentes, verdadeiras catedrais do tédio", como alertou Ilídia Cabral, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O abandono escolar na Europa (2000-2018) – 2ª parte


Por estatuadesal
Vítor Lima, 
29/08/2019

O abandono escolar no período 2000/2018 reduziu-se claramente, na Europa, passando de 17% para 10.6% da população jovem, mantendo-se um abandono mais pronunciado no sexo masculino. Em Portugal a quebra foi muito pronunciada passando do segundo pior indicador em 2000, para valores pouco acima da média da UE em 2018.



Sumário

1 – Abandono escolar – 2000 e 2018

2 – Abandono escolar por sexo

3 – Comparação (2000 e 2018) nas taxas de abandono escolar para homens e mulheres.





O Eurostat oferece dados sobre o abandono escolar, de jovens com 18/24 anos que, no máximo, atingiram como habilitação, os estudos secundários inferiores, à data da recolha dos dados – os anos de 2000 a 2018. É possível proceder a comparações entre os 28 países da UE e ainda para outros países europeus – Islândia, Macedónia do Norte, Montenegro, Noruega e Suíça.
À semelhança do critério utilizado na primeira parte deste trabalho utilizámos os dados para o primeiro e o último dos anos disponíveis.
1 – Abandono escolar – 2000 e 2018
Taxas de abandono escolar na Europa – 2000/2018 [1]


Da análise mais detalhada do gráfico acima sobressaem estas conclusões:
· Excepto nos casos da Eslováquia, da Rep. Checa e da Suécia – que têm indicadores bastante baixos - observa-se uma redução generalizada dos níveis de abandono escolar; as quedas mais significativas registam-se em Malta e Portugal, com -36.7 e -31.9%, respetivamente, durante o período;
· Em 2000, os maiores índices situavam-se em Malta (54.2%) e Portugal (43.7%), seguidos a alguma distância por Islândia, Itália e Espanha. Em 2018 e apesar de reduções significativas, os países com maior taxa de abandono eram; Islândia (21.5%), Espanha (17.9%), Malta (17.5%) e Roménia (16.4%);
· Por seu turno, os casos de menor relevância do abandono, em 2000 observam-se na Rep. Checa (5.7%), Eslovénia (6.4%) e Eslováquia (6.7%); em 2018, a Croácia apresentava a mais baixa taxa de abandono (3.3%), à frente da Eslovénia (4.2%) e da Suíça (4.4%);
No período em análise, transparece no gráfico acima uma distribuição mais homogénea dos indicadores em 2018, deixando de se verificar os enormes valores registados em 2000, mormente relativos a Malta e Portugal. Neste último ano, como observámos, os indicadores distribuíam-se num espaço entre 54.2% da população com 18/24 anos em Malta e, 5.% na República Checa, numa relação de 11:1. Em 2018, essa relação era muito mais estreita, entre 21.5% na Islândia e 3.3% na Croácia, revelando-se assim uma maior homogeneidade no âmbito do espaço europeu, com essa redução a conduzir um menor número de pessoas, tendencialmente condenadas a uma vida difícil, destinadas a preencher as ocupações mais penosas, mais precárias, mais mal pagas, com mais largos períodos de desemprego. 
A precariedade – no trabalho e na vida – inerente ao modelo neoliberal de predominância financeira, atinge a vida laboral e pessoal de todos os que não são patrões, mandarins de alto teor de toxicidade ou membros dos estratos corporativos do núcleo mais profundo e antigo do Estado – os aparelhos militares, judiciais e policiais. 
A elevação da escolaridade nos segmentos sociais onde aquela é mais baixa constitui uma melhoria civilizacional para os seus beneficiários diretos, bem como para as sociedades no seu conjunto – algo que, de per si, não sensibilizará particularmente o alto patronato ou a parcela da classe política ocupante dos aparelhos estatais. 
Tendo em conta o perfil muito concentrado das altas estruturas políticas e económicas do capitalismo, pensamos que a redução do abandono escolar é uma forma de aumentar o leque das aptidões disponíveis de serem recrutadas no “mercado de trabalho”, massificando-o e tornando mais aguda e generalizada a concorrência entre os assalariados, aproximando mais instruídos e menos instruídos numa vasta panóplia de gente disponível para a venda da sua força de trabalho, no âmbito de um leque de remunerações em estreitamento, por um preço que não contempla, nem regateios, nem negociações.
Nesse contexto, essa melhoria de escolaridade será um elemento para a disponibilidade de uma amálgama social mais alargada e instruída, com um padrão mais elevado e generalizado de precarização, extensivo aos segmentos populacionais mais instruídos, como aos menos habilitados, facilitando um maior nível médio de precariedade global, sem prejuízo da continuação da coexistência entre vários níveis de instrução, com remunerações distintas mas geridas de modo similar, pelo Estado e pelo patronato.
Como é sabido, os sindicatos, a nível europeu, assemelham-se mais a estruturas de garantia de (boa) vida para grupos de burocratas, participantes em negociações formais com os patrões e o mediador Estado, para mostrarem os seus (fracos) serviços a favor da multidão, iludindo a grande diferença de poder negocial para gerar na plebe a ideia de que as instituições democráticas… funcionam; porém, se funcionam de modo desigual, isso retira ab initio qualquer democraticidade ao processo. Recorde-se como a poderosa central sindical única alemã – DGB – ligada ao SPD, aceitou os acordos Hartz, elaborados para reduzir o peso dos salários em benefício da competitividade da indústria.
Na Europa, esse padrão é diversificado, no âmbito de cada formação nacional; é concorrencial, estendendo-se a mobilidade a migrantes europeus mas, também extensível a africanos, asiáticos e sul-americanos, em proporções distintas para cada país europeu; e que tanto podem abranger quadros técnicos como as funções menos valorizadas nas sociedades ocidentais – limpezas ou indústria hoteleira, por exemplo. 
Em Portugal, os regulares processos de concursos para professores, a banalização do penoso trabalho em call-centers e afins, o alargamento de períodos experimentais em qualquer lugar de início de funções laborais, a facilitação do despedimento, o cada vez mais reduzido acréscimo no preço das horas suplementares de trabalho, o recurso ao outsourcing, às empresas de trabalho temporário, tudo isso se insere nessa precariedade generalizada que, do trabalho se estende à própria vida pessoal. Um processo, historicamente, conduzido pelo partido-estado PS-PSD que tem enformado o regime pós-fascista português.
Todo esse processo de precarização e empobrecimento é acompanhado pela construção de uma pulsão consumista, paralela ao abandono gradual (quantitativo ou qualitativo) pelos Estados, de áreas tão essenciais como a saúde, a educação, a habitação, a segurança social, mormente face ao envelhecimento da sociedade, com o empurrar da idade da reforma no sentido de uma aproximação gradual da longevidade média... enquanto a carga fiscal aumenta. E, também paralela a uma cativação dos rendimentos futuros por parte do sistema financeiro, com a constituição vulgarizada e leviana de dívida pessoal e familiar, que tanto se destina a suprir necessidades que o Estado abandonou (habitação, redes de transporte…) como outras induzidas pela própria volúpia consumista (automóveis, viagens…). 

2 – Abandono escolar por sexo
Observem-se, de seguida, as taxas de abandono escolar para os dois sexos, em 2000


· Para além dos numerosos casos em que a taxa de abandono escolar para mulheres e homens é bastante aproximada, notam-se apenas seis situações em que a parcela de mulheres supera a dos homens – Macedónia do Norte (6 pontos percentuais), Malta (3 pp) e com uma pequena expressão, Luxemburgo, Áustria, Alemanha e Rep. Checa;
· As mais notórias situações de predomínio masculino no abandono escolar registam-se em Portugal (14.4 pontos percentuais), Espanha (11.8 pp), Chipre (11.1 pp) e ainda Grécia, Lituânia, Irlanda e Itália, um grupo onde se denota um forte predomínio da orla Mediterrânica no âmbito destas situações.
A observação dos dados relativos a 2018, no âmbito da comparação da situação para ambos os sexos continua a evidenciar maior abandono escolar entre os homens, ainda que com uma distância ligeiramente menor do que em 2000.


O abandono escolar entre as mulheres era, em 2000 de 14.9% e passou, dezóito anos depois para 8.9% enquanto para os homens evoluiu de 19% para 12.2%. Tudo isto, num plano de forte encurtamento das situações extremas; em 2000, como vimos atrás Malta e Portugal destacavam-se com indicadores acima dos 40% se não se distinguirem os sexos e, em 2018, o valor absoluto mais elevado fica em 27.6%, relativo aos homens, na Islândia;
· Reduzem-se em 2018 (quatro contra seis em 2000) os casos de maior abandono no sexo feminino comparativamente ao verificado para os homens, situando-se a maior diferenciação na Macedónia do Norte (2.9 ponto percentuais contra 6 pp em 2000), sendo marginal esse maior abandono feminino no Montenegro, na Eslováquia e na Bulgária.
· Os países onde, em 2018, se observam maiores distâncias no abandono escolar, entre mulheres e homens - com a situação mais gravosa para os últimos - são a Islândia (13.1 pontos percentuais), seguindo-se a Estónia (9.7 pp) e a Espanha (7.7 pp). com a Letónia e Portugal (6 pp) nos lugares imediatos.
3 – Comparação (2000 e 2018) nas taxas de abandono escolar para homens e mulheres 
No gráfico mais abaixo, denota-se que:
· Apenas três países aumentam as taxas de abandono escolar, simultaneamente, para homens e mulheres – Eslováquia, Suécia e Rep. Checa;
· A Finlândia é o único caso onde se verifica um aumento do abandono para as mulheres e uma redução para os homens;
· Para o conjunto dos países da UE há uma redução do abandono escolar (6.8 pp) ligeiramente maior para os homens do que a verificada para as mulheres (6.0 pp). Mais detalhadamente, nos países onde há uma redução do abandono, simultaneamente entre homens e mulheres, observam-se 12 situações em que a redução do abandono entre as mulheres é superior ao verificado para os homens e, 17 casos em que sucede o contrário;
· Entre as mulheres as maiores reduções no abandono escolar observam-se em Malta (40.6 pp), Portugal (27.8 pp) e Macedónia do Norte (17.4 pp); e as mais insignificantes registaram-se na Sérvia (0.5 pp) e Hungria (1.1 pp), para além dos casos da aumento, como já referido;
· Para os homens, as maiores reduções do peso do abandono escolar na população com 18-24 anos registam-se em Portugal (36.2 pp), Malta (33.1 pp) e Grécia (17.2 pp).
Variação nas taxas de abandono para homens e mulheres (2000 e 2018) 


(continua)

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

À Escola da "normalidade", contraponho a Escola anormal


Entendo que a escola tem de ser vista pelo ângulo da cultura. Ainda ontem reforcei este princípio ao seguir uma reportagem na TVI sobre o grupo DST, com sede em Braga, liderado pelo Engº José Teixeira, empresa que se dedica à construção civil, infra-estruturas, água, ambiente e energia. O grupo dispõe de 1400 colaboradores. A curiosidade desta empresa está no facto do seu líder considerar que "a variável que mais influencia a produtividade é a cultura. E sendo assim, por que não apostar nela? Por que não orçamentar uma verba para a cultura, para a inovação e para a ciência?

Na sede podem ser vistas 700 obras de arte, existe um projecto literário, bilhetes e camarotes reservados para o teatro. "Fui buscar esta sensibilidade, por volta dos 10 anos, através dos muitos livros das carrinhas itinerantes da Fundação Gulbenkian. Foi a cultura que permitiu entender que "a competência mais importante é ser boa pessoa". Aliás, as "qualidades humanas vão ser mais importantes que as competências técnicas". Daí o incentivo e a constante preocupação por dotar os colaboradores com outros olhares. 
Ao longo da reportagem escutei da voz dos que lá trabalham: "(...) é diferente das outras empresas, nós recebemos bilhetes para ir ao teatro (...) hoje, por exemplo, recebemos fruta porque é o dia da alimentação saudável (...) aprendi que a cultura é essencial para nós evoluirmos (...) pelo que dedicamo-nos à leitura, ao teatro (...) isso faz-nos perceber melhor o trabalho".

José Teixeira reforça: "um dos grandes problemas que normalmente a economia tem (...) é os líderes pensarem que sabem o que as pessoas pensam, sem lhes perguntarem (...) quando cada um é um" (...) "temos uma visão perceptível, isto é,  de construir com arte e engenho para ficarmos na história como os empreendedores “renascentistas” do séc. XXI". "(...) O ecossistema e a comunidade são a nossa prioridade. Não somos de enriquecer mas somos de criar riqueza". (...) Gostamos de imaginar, de inovar e de criar soluções imprevisíveis. Adoramos cooperação e escolhemos um modelo de desenvolvimento assente na economia comportamental".

Nesta breve síntese está quase tudo. E a pergunta que me assalta é esta: estará a escola, com todo o seu enciclopedismo, a preparar os tais empreendedores "renascentistas do Século XXI"? Do meu ponto de vista, não está. A matriz que enforma a escola é, genericamente, a de um conhecimento estático, imediatista, desarticulado e vocacionado para um elitismo bacoco, que não forma no quadro de uma "economia comportamental". Esta matriz apenas selecciona, desde início, através do teste, da nota e do exame, desenvolvendo, desde tenra idade, uma arrepiante meritocracia. Aliás, continua-se a falar de estabelecimentos de ensino e nunca de estabelecimentos de aprendizagem. Isso faz toda a diferença. 
Na escola, tenhamos presente, a cultura é uma chatice porque não existe uma mentalidade paulatinamente gerada nesse sentido. O Engº José Teixeira é uma das raras excepções ao descobrir, desde cedo, nos livros da Gulbenkian, a cultura necessária para uma nova cultura empresarial. É, por isso que diz: 

"(...) trabalhamos os trabalhadores para terem muitos momentos de paixão, de prazer e de felicidade". Ele não fala do conhecimento académico de natureza enciclopédica, fala de livros, de arte, de teatro, porque tudo o resto, depreende-se do seu discurso, vem, naturalmente, agregado. 

Revi-me na sua declaração: "(...) diz-se que o conhecimento é importante, mas depois o que é que nós fazemos? Esta postura implica ver a escola ao contrário, pelo outro lado, enquanto espaço de cultura e de construção de projectos de vida, porque, avisa, da sua vivência cultural e da experiência empresarial, "cada um é um"! Isto faz-me regressar ao notável pedagogo Sérgio Niza: "(...) Hoje, graças à investigação, sabemos que se aprende dialogando, falando e escrevendo (...) devemos contar com a inteligência, os saberes e a colaboração dos alunos e os currículos não devem ser um segredo, devem ser eles a geri-los em conjunto com os professores. Persistir neste modelo de não-comunicação equivale a continuar a encarcerar alunos e a impedir a sociedade e as pessoas de se aproximarem da escola. (...) Nenhuma outra organização humana resistiu a tanta história e a tanta mudança como a escola, que funciona do mesmo modo há séculos. Hoje temos mais consciência de que a escola, como instrumento ao serviço do desenvolvimento humano, da sociedade, da economia e da cultura, já não serve".
Entretanto, aproxima-se mais um ano escolar. Mais do mesmo, com muito paleio fútil à mistura. Todos dizem que (re)começará sob o signo da normalidade, quando a escola precisa, urgentemente, de "anormalidade". Trazendo para este contexto o Engº José Teixeira, a normalidade existe porque, neste caso, os líderes políticos "pensam que sabem o que as pessoas pensam, sem lhes perguntarem (...) quando cada um é um". Uma escola entretida a debitar matéria é uma escola que "não perde tempo a fazer aprender".

NOTA

O Papa Francisco elevou ao cardinalato o Arcebispo madeirense D. Tolentino Mendonça, actual bibliotecário e arquivista da Santa Sé. O Senhor Presidente da República destacou-o como "personalidade ímpar" da Igreja e da sociedade, de "excepcional relevância como filósofo, pensador, escritor, professor e humanista". Digo eu, chegou ali pelo lado da CULTURA.
Ilustração: Google Imagens.