sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

DESPERTAR A PULSÃO CÍVICA NA ESCOLA


"Professor Rui Duarte
A Página da Educação / Dezembro 2023



"Só com crianças e jovens mentalmente fortes, informados, vigilantes, assertivos e solidários, poderemos aspirar a um desejado e necessário envolvimento cívico, individual e colectivo nas mais variadas causas que inquietam a humanidade (...)"


Infelizmente, a Escola não é nada disto!



sábado, 13 de janeiro de 2024

Professores a menos ou Escola a mais?

 

Não se trata, apenas, de um conceito advindo, julgo eu, do desenho arquitectónico. Ludwig Mies (1886/1969) assumiu que "menos é mais", isto é, coisas simples são melhores que as complexas, presumo eu, porque atraem, motivam, geram a curiosidade, não significando isso que não tragam no seu bojo a própria complexidade de serem simples. É um princípio que a Escola devia assumir como fundamental no processo de aprendizagem. Mas não é isso que se verifica. Desde os primeiros momentos há uma impaciente tentação para tudo complexificar, com extensos currículos e densos programas, quando o menos pode transformar a aprendizagem na essência do mais. Tudo está interligado e quando, excessivamente, se decompõe em unidades (disciplinas) corre-se o risco de perder-se a noção da complexidade do global. 



Ora, se "menos pode ser mais", desde logo, a eliminação da tralha metida, sucessivamente, a martelo, no processo de aprendizagem, devia constituir o embrião para um conhecimento mais vasto, duradouro e multiplicador em todas as situações da vida real. O enciclopedismo da escola, que em muitos casos para nada serve, não significa cultura, na perspectiva de pessoas capazes de interligar e transferir pressupostos conhecimentos.

É nesta perspectiva que se trata de uma falsa questão a reclamada "falta de professores" para enquadrar as turmas, os currículos, os programas e a lógica dos exames onde tudo acaba. Não existem professores a menos, estamos sim confrontados com escola a mais. O pensamento sobre a instituição Escola é que tem de ser (re)pensado. Com um outro sentido de escola, não segmentada por disciplinas, o menos tornar-se-á mais. Esta escola não parte de coisas simples para gerar a curiosidade que conduz à complexidade. Ela está aferrolhada, há muitas dezenas de anos, numa caixa bloqueadora que não permite desabrochar o talento, respeitar o sonho, a criatividade, a inovação, o sentido crítico e o gosto pelo saber animado por uma busca própria. De resto, o professor é um mediador, jamais deve ser a autoridade intelectual num mundo onde tudo está à mercê de instantâneas procuras. E sendo assim, esta escola deixou de fazer sentido.

Ora bem, a luta dos professores por melhores salários face à sua imprescindível responsabilidade na sociedade é, para mim, óbvia e necessária. Em simultâneo gostaria de vê-los lutar, e isso, grosso modo, não acontece, por uma aprendizagem para o nosso tempo, contra uma escola excessivamente burocratizada, contra uma escola heterónoma, ditada por políticos acéfalos sem noção da responsabilidade que lhes incumbe, uma escola que afaste a rotina de anos, uma escola que se tornou sacrifício e não prazer para alunos e profesSores. Salvo as excepções, plantadas contracorrente e sempre vigiadas, a escola é hoje uma instituição morta na sua essência. Ao correr do pensamento que vou digitando, trago em memória a pergunta do Mestre e notável Pedagogo José Pacheco: "O que uma criança em idade escolar aprende dentro do edifício da escola que não pode aprender fora dela? Não perca muito tempo pensando. Nada".

Quando assisto a um professor a lamentar-se que trabalha cem horas por semana ou inquéritos que dão conta que, em média, trabalham cinquenta e que, individualmente, são responsáveis por mais de 200 alunos, não fico a lamuriar-me, cheio de pena. Fico a pensar nas causas e nos silêncios que permitem que assim aconteça. Contrariem, pois, o pensamento atribuído a Mark Twain (1835/1910): "para quem tem apenas um martelo por instrumento, todos os problemas parecem pregos". O respeito pela função docente começa aí. Jamais pela lealdade aos loucos! Ademais, a aprendizagem deve assentar numa construção social!

Ilustração: Google Imagens/José Pacheco-FB

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Uma coisa é ser secretário, outra, sectário!


Miguel Esteves Cardoso escreveu, já tem um certo tempo, que "Aprender é ficar vazio. Para aprender, é preciso estar-se insatisfeito. É preciso estar-se à procura de mais. É preciso estar-se aborrecido. Em suma: é preciso estar-se desiludido com tudo aquilo que se aprendeu. (...) Aprender é uma coisa que és tu que fazes. Não é o que acontece quando alguém te ensina. És tu que engoles o pistacho. Não é a pessoa que te diz que o pistacho faz bem, ou que todos temos de comer. (...) Para aprender, nem sequer podes pensar que é só com as pessoas que se pode aprender. Pode-se aprender com os animais. Pode-se aprender com as árvores. Porque aprender é apanhar, aprender é aproveitar, aprender é tirar partido, aprender é transformar, aprender é estar atento, aprender é jogar com aquilo que se tem. 



(...) 
Para aprender, também não podes pensar que tudo se aprende nas aulas e nos livros. Não é só com os que sabem muito que podes aprender. (...)"

As perguntas que coloco, pela enésima vez, são estas: neste contexto, o que seria expectável esperar da Escola, enquanto centro de verdadeira aprendizagem para a vida? E dos decisores políticos? Tenho consciência que os governantes não sabem. Talvez nem queiram saber, porque instalaram-se na doentia e centralista rotina governativa. O que mais gostam é da cadeira, dos salamaleques tolos de quem os rodeia e não da construção de uma sociedade culturalmente robusta. 

O que Miguel Esteves Cardoso enuncia não constitui uma novidade, tantos são aqueles que estudaram e divulgaram a complexidade do processo de aprendizagem, mas uma lúcida chamada de atenção àqueles que pensam que "aprender é acumular", é cumprir currículos e programas, ao contrário de "preencher, trocar uma coisa aprendida, que já não presta, por outra coisa que se aprende". Neste pressuposto, a Escola está a léguas da perspectiva enunciada pelo escritor, porque, infelizmente, continua a matar a curiosidade, a preferir respostas do que perguntas, continua a ter preferência pela avaliação e não pelo conhecimento, continua cega na transmissão enciclopédica que não respeita vocações e sonhos, continua embriagada na busca do "mérito" de uns quantos para promoção pessoal, enquanto deixam milhares no vazio que o crescente desinteresse demonstra. 

Porque a sociedade o exigirá, estou em crer que os políticos amorfos e sem visão, os centralistas no pensamento e na acção, acabarão por ser substituídos por outros que transportem aquilo que Paulo Freire, pedagogo de referência mundial, um dia sublinhou: "eu tenho um gosto em respeitar a diferença que me abre ao mundo (...) jamais me sectarizei e jamais fui intolerante". Ora aí está, o respeito pela diferença no pensamento constitui a "pedra de toque" do desenvolvimento. Só por aí existe abertura ao mundo. Portanto, uma coisa é ser secretário, outra é ser sectário! Miguel Esteves Cardoso complementa: "(...) Para aprender, é preciso revelarmos a nossa ignorância (...)". Nem mais.

Por outro lado, penso ser pertinente a questão: que pensarão os professores e os sindicatos de professores de tudo isto? Pessoalmente parto do princípio que a curiosidade "é uma fome, e para ter fome aquilo que se comeu durante toda a vida já não conta, porque já foi há mais de 24 horas". É por isso que questiono os professores, porque encontro aqui uma convergência com Richard Feynman, Nobel da Física em 1965, quando destacou dois tipos de conhecimento: o que se foca em conhecer o nome que se dá à "coisa" e o conhecimento sobre a "coisa". Continuamos no lado do nome que se dá à "coisa" quando é o conhecimento da "coisa" que transforma, molda, liberta, torna melhores os seres humanos e, na esteira do Filósofo Eduardo Lourenço, faz-nos sábios. 

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

2024


Depois da "festa" a realidade. Após uma certa embriaguez que as circunstâncias, rotineiramente, a todos envolve, Janeiro fora regressamos à sequência do dia-a-dia, para a maioria, à lamúria das insuficiências que o Natal, de uma ou outra maneira, esbateu. Já aqui escrevi sobre a minha contida desilusão face ao caminho tortuoso, esburacado e minado que os senhores do mundo nos obrigam a trilhar. Vive-se um tempo de descrença e de pavor, de ausência de referências que nos embalem para as palavras "acreditar e esperança", que rejeite seres mais dados ao conflito do que ao sentimento humanista. E o conflito não está apenas nas guerras! Utopia, dir-me-ão! Só que a utopia é um caminho que se faz de sobressalto cívico, nunca de silêncios. A utopia, como dizia Pirri a Galeano, está lá, ao longe, por isso serve para caminhar. Por isso, caminhemos.



Há muitos silêncios por aí. Há muitas colunas vergadas pela obediência, muitas dependências intencionalmente criadas, muitos braços caídos e muitas silenciosas lágrimas vertidas por mil e uma razões. E o silêncio mata, lenta mas seguramente, a sociedade. A ausência de pensamento sobre tudo quanto nos rodeia, a capacidade de perceber, interpretar e de cruzar a(s) realidade(s), a insuficiência de sentido crítico joga sempre a favor daqueles que, na esteira de José Régio, vendem o seu produto:

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
(...)"

É essa consciência e esse sobressalto que desejaria assistir, paulatinamente, em 2024. Tudo menos a gritaria de comentadores travestidos de qualquer coisa e de uma comunicação social descredibilizada porque sempre atrás do anormal.

Difícil, eu sei. No ano dos 50 de Abril, onde a verdadeira Escola pouco deu na perspectiva de seres humanos conscientemente libertos através de uma superior qualidade da mente, não será demais augurar que os professores se soltem da rigidez do manual, no quadro de uma formação global, eu diria cultural, que jamais pode ser conseguida através do ciclo de verbos: debitar, fixar, responder, avaliar, passar ou chumbar. A aprendizagem da vida não está nos manuais da escola, é muito mais complexa, e repetir o passado apenas poderá conduzir à mentalidade que, genericamente, nos caracteriza e, aos poucos, à morte da Democracia. Aliás, por todo o lado, é sensível o assalto aos mais elementares direitos humanos. Sempre através da caça do descontentamento e das concomitantes palavras doces e olhares inocentes que não traduzem as intenções mais profundas.

Bom 2024!

Ilustração: Google Imagens