terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A MENTIRA DO DÉFICE DE ATENÇÃO E HIPERACTIVIDADE: "TUDO ESTÁ PERFEITO. OS ÚNICOS QUE ESTÃO DESAJUSTADOS SÃO AS CRIANÇAS!"


Querem os alunos sentados, totalmente obedientes, com boa postura, com pouco direito à palavra, não questionadores, convertidos ao manual, enquanto "bíblia" indiscutível, e com a resposta na ponta da língua ou da esferográfica. Grosso modo, apesar das excepções, a mentalidade existente é essa. O professor está ali para ensinar da mesma forma como foi ensinado. Ponto final. Muitos desejam ser inovadores, é certo, buscando outros caminhos, mas o sistema, heterónomo, verticalizado e espartilhado, não lhes permite grandes veleidades. Até são, em alguns casos, olhados de esguelha. Fazem "projectos", disto e daquilo, como fuga à imposição que culmina no teste e no exame. Tudo porque o sistema esquece-se que as crianças deste novo tempo não são as crianças de ontem.


Ora, de um lado temos a espantosa revolução tecnológica, e ainda aqui vamos, a informação e a comunicação que circulam de forma estonteante pelos mais diversos canais, gerando culturas e predisposições completamente diferentes; por outro, o sentido estático do sistema educativo, incapaz de qualquer adaptação ao mundo que envolve as crianças e os jovens. Ao contrário de uma atitude pró-activa, colocando-se na dianteira, o sistema continua a preferir e a teimar na "bíblia" do passado, qual vaca sagrada imutável às transformações do mundo e das mentalidades. Como sói dizer-se, incapaz de agarrar o "touro pelos cornos" para desenhar uma escola que acompanhe os novos desafios. E tanto assim é que falam de crianças com défice de atenção e hiperactividade. Apesar de Leon Eisenberg, psiquiatra, criador dessa mentira (1968), antes da sua morte, ter sublinhado isso mesmo: "o défice de atenção e hiperactividade é um exemplo marcante para uma doença fabricada". 
Lembro-me de minha mãe, recorrentemente, dizer-me que eu tinha "bicho-de-pêssego", face à minha irrequietude. Hoje, digo-o, abertamente, bendito desassossego, pois fez-me crescer, ser curioso, no respeito pela minha personalidade (a identidade do eu) que moldou o meu carácter (enquanto característica da minha personalidade). O pior que se pode pedir a uma criança em uma idade marcada pelo naturalíssimo desejo de movimento e pelo jogo, muitas vezes excessivo aos olhos do adulto, é condicioná-la, é exigir que se mantenha quieta, quase imóvel, dando atenção àquilo que não lhe desperta interesse. Umas, obviamente contrariadas, obedecem, outras, porém, não conseguem reprimir esse desejo de expandir o que sentem. Genericamente, não por má educação, mas por inadaptação à oferta que a escola proporciona. Os adultos esquecem-se do seu tempo de criança. Assoberbados de trabalho, pouco tempo lhes resta para compreenderem o complexo mundo da infância, educando para os novos tempos, ainda por cima, quando são confrontados com o lamentável desagrado da escola, as avaliações e a possibilidade de uma retenção. Pressionados, resta-lhes a consulta médica e a fuga para a prescrição do "metilfenidato" (Ritalina), presumo, com uma tripla intenção: artificialmente sossegarem, travar a crítica da escola e por admitirem que, por essa via, a criança, "paralisada", será então capaz de desenvolver as competências exigidas. Passam ao lado, por ignorância, julgo eu, do extenso rol de consequências, do curto ao longo prazo, a que tais tomas diárias conduzem. 
Mas, como parar este crime contra a criança? É muito difícil, quando o sentimento que existe é que isto faz parte de uma enorme roda dentada, cuja máquina, ignorando as consequências do medicamento (em Portugal, sete milhões de comprimidos por ano), porque o mercado é certo, faz crescer as receitas das farmacêuticas (provavelmente, de outros agentes), atenua a "dor" dos pais e conduz os professores ao cumprimento dos obesos programas. Docentes que, também, estão sujeitos às acéfalas determinações, a uma insensata avaliação de desempenho docente e às características que enformam o sistema, totalmente impermeável a uma nova organização escolar, curricular, programática e pedagógica. Diz, com ironia, o Psicólogo Eduardo Sá, com o qual estou totalmente de acordo, "(...) Tudo está perfeito, os únicos que estão desajustados são as crianças". Será que ninguém se questiona sobre os porquês de, em Agosto, o consumo de Ritalina baixar para um terço? As crianças só apresentam tais sinais quando chegam à Escola?
Finalmente, e se colocassem em cima da mesa para debate, entre muitas outras, as quase 55 horas semanais de ocupação da criança que lhe retira o tempo necessário para ser criança, a organização social, mormente o tempo de trabalho dos pais, os gravíssimos e constrangedores défices que as famílias se confrontam, os de natureza económica, financeira e cultural, as designadas "aulas" de 90' expositivas, os recreios cronometrados ao  minuto, a luta pelos ranking's, o Português e a Matemática como exigências primeiras da formação... se discutissem isto antes de andarem por aí, pasme-se, a estabelecer, até, normas curriculares para o pré-escolar? Não é, portanto, de admirar que crianças dos 3 aos 5 anos já tomem a dose diária. Um CRIME!
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

CRIEM UM NOVO PARADIGMA PARA O SISTEMA EDUCATIVO E ACABEM COM A PRESCRIÇÃO DE RITALINA. O QUE ESTÁ ERRADO É O SISTEMA, NÃO AS CRIANÇAS!

Linha da Frente (XIX) - Episódio 9 - RTP Play - RTP


Ontem, na RTP 1,  o espaço Linha da Frente, trouxe à colação a prescrição de Ritalina junto das crianças com "diagnóstico" de "hiperactivos e défice de atenção". Segundo um estudo a que o citado programa teve acesso, em exclusivo, entre 2011 e 2015 a toma de metilfenidato pelas crianças portuguesas subiu 77,4 por cento. O consumo anual deste calmante é agora de 7 milhões de comprimidos. Para quem não teve a possibilidade de seguir o Linha da Frente, sugiro que o vejam. Entretanto, deixo aqui um excerto de um texto que publiquei neste blogue a 14 de Novembro de 2016: 

ESCOLA DOENTE
Um artigo de Luís Goucha

"(...) Há milhares de crianças – e todos os dias o número aumenta – que iniciam o seu dia a tomar um comprimido para poderem assistir às aulas, a estar sossegados nas aulas, a estar com atenção nas aulas, a estar na Escola sem reacção, apenas para puderem lá estar! Devia isto ser um sinal de alarme, mas os pais e os professores fazem orelhas moucas como bons entendedores que são. Genericamente, as crianças tomam «ritalina» (palavra curiosa e duplamente feminina: Rita e Lina), medicamento caríssimo e de consequências devastadoras, que ao deixar de ser tomado deixa reaparecer toda a sintomatologia e um conjunto de efeitos secundários daí decorrentes: medo, pânico, insónias, tensão... A «ritalina» é prescrita para uma doença inventada: a PHDA, Perturbação de Hiperactividade e «Deficit de Atenção». Deu nome a esta «doença» um famoso psiquiatra americano, Eisenberg, que acabou por se retratar antes de morrer, por todos os males que provocou sem intenção, pois imediatamente a ter enunciado o «mal», os laboratórios apressaram-se a dizer que já tinham medicina para a cura. (...) A falta de emprego, a falta de habitação, a falta de felicidade, não se resolvem com nenhum comprimido (...)"


"Além do impacto físico, há também as condições emocionais graves causadas pelo uso desta droga até mesmo quando se toma por pouco tempo. Alucinações e comportamento psicótico não são incomuns. Um pesquisador no Texas descobriu que o uso de Ritalina pode elevar o risco de cancro. Este estudo descobriu que após apenas três meses, cada uma das doze crianças tratadas com metilfenidato sofreu anormalidades genéticas associadas a um elevado risco de cancro.

EFEITOS A CURTO PRAZO

Perda de apetite
Aumento do ritmo cardíaco, da pressão sanguínea e da temperatura corporal
Dilatação das pupilas
Distúrbios do sono
Náusea
Comportamento bizarro, errático e às vezes violento
Alucinações, hiperexcitabilidade, irritabilidade
Pânico e psicose
Doses excessivas podem levar a convulsões, espasmos e à morte

EFEITOS A LONGO PRAZO

Danos permanentes nos vasos sanguíneos do coração e do cérebro, pressão sanguínea alta levando a ataques cardíacos, derrames cerebrais e à morte
Danos no fígado, rins e pulmões
Se for cheirada, ocorre a destruição dos tecidos nasais
Se for fumada, gera problemas respiratórios
Causa doenças infecciosas e abcessos se for injetada
Má nutrição, perda de peso
Desorientação, apatia, exaustão e confusão
Forte dependência psicológica
Psicose
Depressão
Danos no cérebro, incluindo derrames e possivelmente epilepsia."

Em suma, criem um novo paradigma para o sistema educativo e acabem com a prescrição de Ritalina. O que está errado é o sistema, NÃO as crianças.
Ilustração:  Google Imagens.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

HÁ MAIS MUNDO PARA ALÉM DA ESCOLA


Ver, ouvir, apreciar, perguntar, conduz a um enriquecimento que está muito para além da sala de aula e do manual. Ainda há poucos dias vi crianças, acompanhadas dos seus orientadores, no palácio de Hofburg, em Viena. Um pouco por todo o lado, assisto à aprendizagem contextualizada, vivida nas praças, nos edifícios histórico-culturais, testemunhando que há mais mundo que não termina na "sala de aula". Dificilmente esquecerão esses momentos, enquanto as muitas horas passadas na sala de pouco ou nada lhes servirão para a vida. O alicerce do conhecimento não se faz através da decomposição em disciplinas e de conteúdos desligados, mas através de um paradigma que entusiasme e desperte para a curiosidade. 

Arquivo próprio. Mosteiro de Strahov - Praga. Biblioteca barroca.
  

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

COMO PENSAR "FORA DA CAIXA" QUANDO SE ESTÁ "FORA DE JOGO"


Não gosto de frases feitas, mormente saídas da boca dos políticos. Até porque elas, bastas vezes, viram-se contra os próprios. Hoje, li uma declaração do secretário da Educação da Região da Madeira que me conduziu a um abano de cabeça sinónimo de tristeza. "A Escola tem de ter capacidade de visão" (...) ou seja, deve pensar "fora da caixa". Simultaneamente, perpassou-me o aforismo: "bem prega frei Tomás (...)", pois ao mesmo tempo que lança da boca para fora, de forma acertada, a capacidade de visão e a necessidade de criatividade e inovação, paradoxalmente, não dá um passo na inovação da administração política do sistema educativo. Ali não há nada de novo, a navegação faz-se rente à costa e pelas estrelas! Para quê a investigação e os instrumentos há muito disponíveis?


O que significa que não passam de palavras ocas, até porque é público que o sistema funciona de forma reactiva, aplaudindo o que os professores, pontualmente, vão desenvolvendo, porém, sem uma visão de conjunto portadora de futuro. O âmago do sistema educativo permanece, assim, estrangulado, bloqueado, repetindo as lógicas do padrão centralizador da Sociedade Industrial. E nós onde já vamos! Subsiste um claríssimo choque entre o que dizem e o pensamento que os conduz. Não me parece existir outra leitura. Porque, pensar "fora da caixa" implica ser utópico, caminhar para sucessivos objectivos, romper com o passado, encontrar, todos os dias, soluções adequadas para os problemas, implica fazer quebrar a rotina, ouvir os investigadores, ler muito e saber sintetizar, experimentar e corrigir, conceder liberdade organizacional e pedagógica, permitir que a diferenciação seja preferível ao rigor verticalizado, onde cada um se transforma em uma peça da extensa roda dentada. Charlie Chaplin, nos Tempos Modernos, bem caracterizou, satirizando, a máquina que funciona, mas que comprime, sufoca e não produz nem para as actuais necessidades, tampouco para o futuro. A expressão "fora da caixa", neste quadro, significa "fora de jogo".

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O QUE É UM "RESULTADO DESAFIANTE E PROMISSOR"?


O secretário regional da Educação andou de escola em escola, dizem, em um périplo para ouvir os responsáveis locais (!). Por fim, disse estar em presença de um "resultado desafiante e promissor". Motivado pelo título da peça do DN-Madeira, um tal resultado, "desafiante e promissor", fui empurrado para a leitura. Um logro, pois o resultado "desafiante e promissor", afinal, circunscreveu-se a mais funcionários, mais umas obras de manutenção e mais uns cursos "para evitar o abandono". Espantoso. Do miolo, isto é, daquilo que poderia e deveria constituir a mudança estrutural do sistema, nem uma palavra. Como se o problema do abandono, por exemplo, pudesse ser resolvido com mais cursos, com umas obras e com mais funcionários! 


Há aqui uma profunda desfocagem da realidade. Não quero ser deselegante, mas, questiono-me, sobre o porquê deste redutor "desafio promissor": será desconhecimento, ausência de ambição ou uma forma de empurrar os problemas para diante, quando existe tanta produção científica no quadro deste novo mundo e dos processos organizacionais e pedagógicos necessários.
Quando se sabe que, por melhores condições que tenham os edifícios e por melhor que seja a rácio alunos-empregados, no plano organizacional e pedagógico, se a actuação for idêntica à do passado, só se pode esperar no futuro resultados iguais aos de hoje. Então, por que insistir na mesma tecla?
Ainda há dias, um investigador da Universidade do Minho passou pela Região da Madeira e falou de um currículo com "gorduras", cada vez mais "obeso". Entre tantos outros, um assunto importante, eu diria inquietante, porém, o silêncio continua a ser a marca do governo. E assim sendo, porque há uma necessidade de "mostrar algum serviço", deduzo eu, veio o secretário mostrar-se preocupado com as obras, quando as questões da manutenção do parque infra-estrutural nem a ele deveriam chegar! Quanto a novos funcionários (há que anos tal é reclamado), embora importante, de todo, não é decisivo.
O problema do sistema educativo não está nas obras.
E diz, ainda, o governante: "(...) Não acredito em reformazinhas parcelares". Nem eu. E se, com um mínimo de bom senso e sentido prospectivo, ninguém acredita, então a aposta, nunca deverá ser em novos cursos "para evitar o abandono", mas na construção de um paradigma compaginado com outros sistemas, capaz de romper com mais de dois séculos de rotinas. Os "novos cursos" são, sempre foram, pensos rápidos em uma ferida profunda. A ferida da pobreza, em sentido lado, evidente a  montante do sistema e que não compete à escola esbater; e a ferida da decadente organização, a todos os níveis, do sistema educativo. Mas, aí, o silêncio político, uma vez mais, foi linha orientadora.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

GOVERNANTES, OIÇAM OS INVESTIGADORES!


Agradou-me, embora não trazendo nada de novo, ler a síntese da palestra proferida pelo Professor José Carlos Morgado, investigador no Instituto de Educação da Universidade do Minho, no âmbito do Ciclo de Conferências em Ciências da Educação, organizada pelo Centro de Investigação em Educação da Universidade da Madeira. Entre outros aspectos, chamou à atenção para a existência de um "currículo obeso para uma sociedade que se quer cada vez mais leve" (...) que "o currículo é o chão" e, portanto "a escola tem de adaptar-se a este conjunto de mudanças que obrigam a refazer o pensamento e a forma de estar na sociedade" (...) que há necessidade de "um currículo essencial" face ao que designou por "gorduras curriculares" e que a Escola tem de deixar "na mão dos professores aquilo que é essencial para que as crianças e jovens", até porque "muitas vezes os estudantes não conferem sentido, significado nem utilidade a muitas das aprendizagens que fazem". Totalmente de acordo. E vou mais longe...


Há muitos anos que defendo, julgo eu, de forma sustentada, a existência de um país com eventuais três sistemas educativos: Continental, Madeira e Açores. O respeito pela Autonomia assim o exige. Defendo que o currículo deve ser mínimo, os programas e a organização escolar e pedagógica da responsabilidade das escolas. Defendi esta "tese" em sede de Assembleia Legislativa da Madeira. Em síntese, não faz sentido, hoje mais que nunca, criar um fato igual para todos, quando há uma exigência de fatos personalizados, portanto, à medida de cada um. Tem faltado inteligência política e temos assistido à acomodação dos professores que não manifestam querer e crer na mudança. A própria sociedade, infelizmente, tem passado. indiferentemente, pelo padrão de aprendizagem que vem desde finais do século XVIII. O "modelo" cristalizou as consciências que deveriam assumir um outro olhar sobre as necessárias mudanças, tecnológicas e outras. Tem sido preferível e, porventura, tem dado jeito no plano político, rejeitar um novo paradigma.
O problema, de resto muito grave, é que o Professor da Universidade do Minho veio aí agitar as consciências, falou das "gorduras" curriculares, porém, amanhã, tudo continuará igual. Os "alunos" políticos e outros, incapazes de escutarem, pensarem e agirem em conformidade, paradoxalmente, aplaudem, mas continuam a preferir a rotina à mudança. Há muito que é assim... ou, melhor, sempre foi assim. É difícil entender este comportamento, porém, é a lógica estrutural do sistema que tem esmagado qualquer posicionamento científico.
Ilustração: Google Imagens. 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

BIBLIOTECA DO MOSTEIRO DE STRAHOV EM PRAGA - BIBLIOTECA BARROCA


Uns dias de paragem nas reflexões. O blogue continua, no entanto, aberto para qualquer participação. Fica a imagem da biblioteca barroca do mosteiro de Strahov.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR


Leio, estupefacto, o anúncio de um Encontro Regional de Apresentação Pública das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Segundo o DN-Madeira, tal encontro "visa fomentar o debate, com especial ênfase nas orientações curriculares para a educação pré-escolar, que constituem referenciais comuns para a acção pedagógica dos educadores de infância em creche e jardim de infância, e valorizam a prática destes profissionais". Será que li bem: "orientações curriculares?" Começam cedo!


Há qualquer coisa que não bate certo, refiro-me ao conhecimento que chega através da investigação e aquilo que os políticos vão determinando. Para o político a palavra de ordem é "curricularizar tudo", uniformizar, quanto mais cedo melhor, depois controlar tudo e proceder à avaliação; para os que pensam a EDUCAÇÃO, o conhecimento está muito para além do currículo, dos programas debitados, cumpridos e avaliados. Para mais quando se trata de crianças de tenra idade. Escrevo estas linhas trazendo em memória activa o Juiz Laborinho Lúcio que, há poucas semanas, deixou esta mensagem na Região: "qualquer dia as crianças dizem que têm um adulto dentro de si". 
Não vou aqui enunciar, ponto por ponto, o que penso sobre o citado Encontro. Porque transcrevi, em um outro blogue, uma série de posições de ilustres figuras que pensam a criança e a Educação, aqui as deixo, pela enésima vez, enquanto contraponto a esta inexplicável voragem pelo "conhecimento à pressão", queimando etapas importantes da infância. É o que faz a "Escola a Tempo Inteiro" e, paulatinamente, os currículos que escolarizam, fora de tempo, aquilo que deveria ser do domínio do jogo.
"(...) O Professor Doutor Santana Castilho, da Escola Superior de Educação de Santarém, investigador, sublinhou, recentemente, que as Escolas a Tempo Inteiro são uma “aberração pedagógica e social que nacionalizou crianças e legitimou a escravização dos pais”. Por seu turno, o Dr. Eduardo Sá, Psicólogo Clínico, salientou em uma entrevista publicada na Revista Focus: "As crianças estão em vias de extinção (...) cada vez mais as crianças estão a passar por um conjunto de situações que não são muito razoáveis (...) Cada vez mais as crianças não são crianças. As crianças têm hoje uma relação com o brincar que é cada vez mais uma relação de fim-de-semana e brincar é uma actividade muito séria para que seja feita apenas ao fim de semana. Passam cada vez mais horas na escola, o que não é adequado... aquilo que me preocupa é que mais escola, sobretudo como ela está a ser vivida, signifique menos infância e quanto menos infância, mais nos arriscamos a construir pessoas magoadas com a vida. Quanto mais longa e mais rica for a infância mais saudável será a adultez (...) os pais estão muito enganados ao pensarem que mais escola significa mais educação (...) neste momento a infância começa a ser perigosamente a escola e, de repente, há toda uma vertente tecnocrática como se o que estivesse em primeiro lugar fosse toda a formação e depois viver a vida. Isto é um absurdo".
O Dr. Daniel Sampaio, psiquiatra e estudioso das questões educativas, sublinhou em um dos artigos: “(…) não estaremos a remediar à pressa um mal-estar civilizacional, pedindo aos professores (mais uma vez) que substituam a família? Se os pais têm maus horários, não deveriam reivindicar melhores condições de trabalho, que passassem, por exemplo, pelo encurtamento da hora de almoço, de modo a poderem chegar mais cedo, a tempo de estar com os filhos? Não deveria ser esse um projecto de luta das associações de pais? (…) Gostaria, pois, que os pais se unissem para reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias para a organização de uma rede eficiente de transportes escolares, ou que sensibilizassem o mundo empresarial para horários com a necessária rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação dos filhos e com a vida em família".
O Doutor Paulo Guinote, clarifica: "(...) Por isso, a Escola a Tempo Inteiro é apenas algo que se destina a apaziguar as “famílias” que, cada vez mais, são obrigadas a trabalhar em condições mais precárias e vulneráveis. Que não podem faltar, sob pena de perda do posto de trabalho no final do contrato. Que são obrigadas a cumprir horários incompatíveis com uma vida familiar harmoniosa. Numa altura em que, cada vez mais, as famílias são menos do que nucleares. A Escola a Tempo Inteiro é um óptimo contributo para todos os empresários e empregadores que defendem a desregulação - pelo abuso - do horário de trabalho dos seus empregados. Se é isso que vai desenvolver o país? Abrindo mais umas dezenas de centros comerciais para as “famílias” tentarem desaguar as frustrações ao fim-de-semana? Quem defende as “famílias” deveria defender, em coerência com os seus princípios, que o Estado protegesse a vida das ditas “famílias” a partir da melhoria das suas condições de vida. A defesa da Escola a Tempo Inteiro é a admissão de um fracasso, de uma derrota e não o seu contrário (...)".
Finalmente, o Frei Fernando Ventura, numa entrevista à SIC, sobre a sociedade hoje, assumiu: “(…) estamos a pagar facturas altíssimas (…) estamos a criar gerações de “monstros”. Estamos a criar gerações de jovens sem memória. Estamos a criar gerações de pessoas sem história. E quando a memória e a história não se encontram, nós temos os cataclismos sociais. As nossas crianças desde os três meses estão nos berçários, nos infantários, porque têm de estar porque os pais precisam, desesperadamente, de ter dois e três empregos para sobreviverem (…) a história dos novos e dos velhos não se encontra, as crianças não têm voz, as crianças não têm sequer pais, porque têm de trabalhar “25 horas por dia” se for preciso. (…) É esta estrutura por dentro que precisa de mudar (…)”.
Ora bem, deixem as crianças em paz. Reorganizem a sociedade e os tempos de trabalho, aspectos bem mais importantes do que propor mais escola. Finalmente, deixem aos estabelecimentos de educação a capacidade de poderem aplicar aquilo que, certamente, aprenderam no plano pedagógico correspondente às idades.
Ilustração: Google Imagens.
André Escórcio

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

GOVERNOS E PROFESSORES VIVEM OBCECADOS PELA AVALIAÇÃO


Acabei de ler um artigo na revista A Página da Educação, edição de inverno, página 54, assinado pelo Professor António Magalhães. O título despertou-me a atenção: "Governar a Educação através da avaliação". Assume o autor: "(...) o movimento político de governação da educação através da avaliação padronizada está aí e é urgente que as suas consequências nos processos educativos e no próprio mandato social e político endereçado à Educação sejam estudadas. Como é que, neste contexto, os alunos aprendem? Como se organizam e governam as escolas? Como são as aulas? Como se reconfiguram as relações interpessoais nos contextos educativos? (...)".


Pois é, governos e até professores vivem obcecados pela avaliação. Uns que a impõem de uma forma tendencialmente acéfala, outros porque não têm remédio senão cumprir. Ainda ontem o título de uma peça na edição do DN-Madeira dava conta: "Pais chamados a avaliar aprendizagens das crianças", com um Licenciado em Direito, há quase trinta anos nos corredores do poder, hoje director da Inspecção Regional de Educação, a "comandar as operações" no quadro da "melhoria das práticas docentes, de como a escola planeia, implementa e avalia as aprendizagens", salienta a citada peça. Espantoso. Li e lembrei-me de um professor a quem um dia escutei: "há quem diga que tem trinta anos de experiência, mas, de facto, são capazes de possuir uma experiência repetida trinta vezes!" O problema reside aqui. Por um lado, é o poder, cego e apaixonado pelo controlo da escola (planeamento, implementação e avaliação das aprendizagens), não dando margem à sua plena autonomia pedagógica, embora digam o contrário, por outro, o sentimento da descontextualização entre a perpetuação de modelos arcaicos e a investigação já produzida. Razão tem Ricardo Vieira, Professor da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (Leiria), quando chama à atenção que "o Mundo visto a partir da Escola é muito pequenino". Esta feliz síntese dá muito que pensar.
É claro que este quadro não é exclusivo de Portugal e, particularmente, da Região da Madeira. É quase universal. Sublinha o Professor António Magalhães: "(...) os sistemas educativos sempre utilizaram processos de quantificação como forma de controlo e de regulação (...)". O que são, questiono, as avaliações nacionais padronizadas? Não corresponderão a essa ânsia de controlo, selecção e até de condução ao pensamento único convergente com os interesses da economia (OCDE)? O que são, por exemplo, o Programme for Internacional Students Assessement (PISA), o Progress in Internacional Reading Literacy Study (PIRLS) e o Trends in internacional Mathematics and Science Study (TIMSS)? Será por aí, pela via da padronização e da centralização que se democratiza o conhecimento, que se geram as dinâmicas do pensamento universal, para que a Escola seja muito mais que os manuais? Não creio que o caminho seja aquele, porque os tempos são outros. Enquanto este encantamento obstinado pela avaliação cresce, curiosamente, poucos se mostram interessados em resolver as gravíssimas assimetrias sociais que desembocam na escola. A este propósito, o Professor Miguel Santos Guerra, Catedrático na Universidade de Málaga, à pergunta de um jornalista sobre a pobreza infantil, problema com que os professores se deparam, respondeu: "(...) a Escola está separada da vida, está distante dos problemas da realidade. Eu vejo aí um problema: os livros, os conhecimentos inertes que, por vezes, não têm que ver com a realidade. A Escola não pode permanecer separada dos problemas da vida, porque a Escola é para a vida. Há um artigo que conta a história de uma professora de Biologia que pergunta a uma adolescente quantas patas tem um artrópode. E a adolescente, suspirando, diz-lhe: ai senhorita, quem me dera ter os problemas que a senhora tem...". Ora bem, o poder político ignora a realidade, foge dela a sete pés, não quer saber se a Escola deve ser integradora e conducente ao acto de PENSAR, obviamente mais importante que decorar, mas não esquece, porque é fácil, avaliar tudo quanto mexe. É uma obsessão que começa no primeiro dia de "aulas" qual espada ameaçadora que a todo o momento mata o interesse pela curiosidade. Apetece-me perguntar: e se o poder político se deixasse avaliar pelos investigadores e pelos professores? O que leram, o que estudaram, que visitas de estudo fizeram, que documentos produziram e publicaram, no essencial, o que, de facto, sabem?
Fico por aqui.
NOTAS
1. Sublinho que não se pode deduzir deste meu texto que não considere importante a avaliação. Todos os processos devem ser continuamente avaliados. Através dela compreendemos a necessidade de introduzir correcções sistémicas. O que está errado é quando a avaliação se sobrepõe à curiosidade e ao verdadeiro conhecimento; o que está manifestamente errado é não despertar interesse e pautar a aprendizagem por uma transmissão de uma dada "matéria" constante do manual, um pseudo-estudo e um teste avaliador ao qual se juntam uma infinidade de outros e grotescos parâmetros. Porque aprender é muito mais do que isto! Até pode ser aprender a desaprender. 
2. Perguntas: pais a avaliar as aprendizagens? Que aprendizagens?  
André Escórcio
Ilustração: Google Imagens.