sábado, 30 de junho de 2018

ESCOLA DO CURRAL vs ESCOLA DE S. ANTÓNIO - PROFESSORES, LEMBREM-SE QUE ESTÃO EM CAUSA QUESTÕES ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS


Nos últimos dias tenho andado a pensar sobre a posição dos professores da Escola de S. António, no Funchal, de aceitarem ou não, a anexação da Escola do Curral das Freiras. Já não falo das outras fusões, uma vez que não conheço os contextos. Sei que os sindicatos consideram que se trata de um processo muito mal gerido e ditatorial,  ignorando que há comunidades para além dos "cérebros" da secretaria. Estranho a generalidade das fusões, mas não comento. A do Curral das Freiras, uma escola com resultados e reconhecimento nacional, face ao número de alunos (253), à perseguição a uma direcção legitima e recentemente eleita, aí apetece-me tecer mais algumas considerações. O assunto está escalpelizado de onde resulta uma atitude de VINGANÇA, apenas porque aquele estabelecimento de aprendizagem tenta não seguir os cânones normais, sobretudo organizacionais e pedagógicos, impostos pela hierarquia. Por outro lado, parecem-me notórios três aspectos: primeiro, por parte do secretário, a ausência de um estado emocional que permita saber gerir os processos com tranquilidade, bom senso e equilíbrio. Pressinto a existência do medo de perder a mão sobre tudo quanto depende da sua esfera de influência e a confiança de quem fez o "casting"; segundo, naquela secretaria, todos se agacharem e ninguém lhe fazer a frente necessária, alertando-o e dizendo-lhe NÃO aos erros. Há um terceiro aspecto, o chefe do governo, ao deixar o marfim correr, ou anda distraído ou ainda não percebeu que o desprestígio político está frente aos seus olhos. 


Não domino as razões mais substantivas! Tenho alguns sinais que, talvez, me permitam dizer que percebo o alheamento. Desde logo tem tido um mandato muito atribulado e inconsequente. Substituiu dois secretários da Saúde; arriscou e perdeu na Inclusão e Assuntos Sociais; mandou embora o secretário dos Equipamentos e Infraestruturas; o secretário regional da Economia, Turismo e Cultura foi substituído por uma figura que ele próprio tinha dito, de forma pouco elegante, que andava a "dormir na forma", quando era presidente do Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato; vários foram os directores regionais substituídos, enfim, de instabilidade governativa estamos conversados. Substituir mais um secretário seria complicado, embora todos os outros tenham menos "pecados políticos" que o da Educação. Por isso, para ele, presidente do governo, seja melhor manter a Educação ao ritmo de uma "morna".

A questão que agora se coloca, já não é tanto no plano político, mas no profissional. Interessante será perceber se os professores da escola de S. António aceitarão de bom grado a anexação da escola do Curral das Freiras. Se vão ou não na história de uma fusão que traz, inequivocamente, traços muito claros de vingança. Eu diria que até estão em causa questões éticas e deontológicas. 

Falo por mim. Se fosse membro na direcção da escola de S. António nunca aceitaria, demitia-me se insistissem, por respeito aos colegas do Curral. Não me demitia por questões de aumento do trabalho, mas, fundamentalmente, analisado o contexto, por dever e obrigação, circunscrever-me-ia à função da docência. Porque o dinheiro, as gratificações pelos lugares que se ocupa, não podem, não devem, subverter os princípios e os valores da conduta. Immanuel Kant dividiu o significado da palavra deontologia em dois conceitos: razão prática e liberdade. Ora, exactamente por razões de ordem prática, no sentido genérico, e por liberdade de pensamento, também em sentido genérico, diria um rotundo não, inequívoco e irreversível. Portanto, aguardo, sentado na bancada outonal da vida, depois de muitas experiências vividas, pelo comportamento dos Colegas. 
Há momentos na vida extremamente singulares. Um deles é a capacidade, perante determinadas situações, de saber dizer NÃO. O não, tantas vezes, em função de determinados contextos, pode exprimir  assertividade e controlo sobre a nossa própria vida, ao contrário do sim que pode significar medo de decepcionar, medo do conflito, medo de perder oportunidades futuras(?), conivência com o notoriamente errado, violentando a consciência para gerar a simpatia de outros à sua própria custa. É isto que está em causa. Não mais do que isto. Daí a expectativa na verificação da autoestima dos professores da escola de S. António perante um quadro de todo muito nebuloso, que implica uma resposta serena, honesta e respeitosa para ambos os lados. Inocentemente, aguardo!
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 29 de junho de 2018

NO MÍNIMO DEVERIA SER INVESTIGADO. JÁ AGORA, A INSPECÇÃO DE EDUCAÇÃO QUE ACTUE...


Sei que se trata de uma situação "normal" enraizada entre alguns profissionais da política. Normal, não! Absolutamente, anormal. Agora, consta que terão existido influências externas no processo de eleição do órgão directivo da escola do Curral das Freiras. Não constitui novidade. Há, sempre existiu, uma rede de influências a tentar jogar tudo no sentido do ganho de posições. Quando o tiro sai pela culatra arranjam uma solução: ou acabam, no caso do Curral (exemplo mais recente) com a direcção da escola, ou cortam, nos subsídios, no caso do associativismo. Os exemplos são muitos, desde escolas às casas do povo, até aos clubes e associações de todo o género, passando pelas autarquias de cor política diferente. Porém, a situação é hoje diferente, é menos rebuscada, menos ofensiva, é mais subtil, não precisa da existência de uma declaração, como em 1933, no Estado Novo, no tempo de Oliveira Salazar (Dec-Lei 27.003): "(...) Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida (...) com activo repúdio (...) de todas as ideias subversivas". Tal diploma visava, inclusive, no plano do ensino, "os candidatos  ao estágio pedagógico de qualquer espécie ou grau de ensino (...)".  Na cabecinha de alguns continua a imperar a ideia que a escola pode ser "subversiva" e, portanto, tratam de cortar, pela raiz, aquilo que consideram ser um mal. E fizeram-no, descaradamente! 



Conheço o sistema por dentro e muitas histórias que sempre geraram em mim um sentimento de pena relativamente aos decisores. São demonstrativas de um conceito muito estrábico da vida e da vivência democráticas. Até para um Conselho Executivo de uma escola, pasme-se, na tentativa de tudo controlar, para que a política partidária de subserviência, estrangule todas as outras possibilidades no quadro dos direitos de cidadania. É, por isso, que há escolas há dez, quinze, vinte e mais anos sempre com os mesmos professores na liderança. É uma constatação. É assim, há gente sem emenda e sobretudo, sem a clarividência que há um tempo para tudo. Um tempo para estar e um tempo para dar lugar aos outros. Vivem obcecados pelo poder, não pelo serviço público à comunidade. Não é apenas, de todo, por causa de uma retribuição mensal! Existem outros interesses para além do que se apresenta na montra.
Lembro-me, quando pela Assembleia Legislativa passei, das "visitas de estudo" de crianças ao edifício do primeiro órgão de governo próprio, onde distribuíam às crianças um livrinho sobre o partido do poder, no qual constavam todas as fotos dos deputados da maioria. Seria natural e pedagógico que a Assembleia distribuísse um documento sobre o principal órgão da Autonomia, mas não, distribuíam as carinhas dos deputados impressos em papel laranja. Não esqueço, também, o que escutei de um deputado que manifestou o desejo de criar uma célula do seu partido em cada turma escolar. 
Mas regressando à questão que aqui me traz, muito embora não sendo da sua exclusiva competência, questiono, que tal essa INÚTIL Inspecção Regional da Educação, ao invés de se preocupar com tonteiras, averiguasse a pouca-vergonha de intromissão externa nos actos electivos que deveriam ser completamente livres? Consta na página dessa Direcção Regional, liderado por um profissional do Direito (ao que isto chegou!), que um dos seus objectivos é o de "(...) Conceber, planear e executar ações inspetivas, em qualquer âmbito do funcionamento do sistema educativo regional" (...) no quadro dos "riscos de corrupção". Talvez não fosse mau e constituiria um bom exemplo (pedagógico) de como vivenciar o sistema educativo pelo prisma da verdadeira DEMOCRACIA. Quando os políticos não demonstram respeito pelos outros, nem por si próprios acabam por ter.
Ora, no caso da Escola do Curral das Freiras, concelho de Câmara de Lobos, organizada e distinguida no plano Nacional pelos seus resultados, ficar sob a orientação de uma escola do Funchal (S. António), dias depois de um acto eleitoral interno, só pode ser por VINGANÇA. Não é pela historieta de ter poucos alunos (253) ou por causa da natalidade. É por VINGANÇA, com todas as letras.
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

ESCÂNDALO NA EDUCAÇÃO - AO PRESIDENTE DO GOVERNO RESTA-LHE UMA SOLUÇÃO: DEMITIR O SECRETÁRIO


FACTO

Depois de muita perseguição à Escola do Curral das Freiras, ao Professor Joaquim José Sousa e à sua equipa, tendo a secretaria da Educação, depois de muitas pressões externas, ter "perdido" as eleições para a direcção da Escola, chegou-me ao conhecimento que resolveu acabar com a mesma. A Escola perdeu a sua autonomia e passa a ser gerida, segundo julgo saber, pela direcção da escola de S. António - Funchal.

COMENTÁRIO


Se se confirmar, só há uma palavra para caracterizar esta situação: ESCÂNDALO. A comunidade educativa votou de acordo com a lei, deu uma expressiva vitória ao Professor Joaquim Sousa, e a secretaria, como não gostou, colocou um ponto final na gestão e administração da escola do Curral. Ditadura em estado puro!
Resta saber se os professores da Escola de S. António aceitarão esta pouca-vergonha. O Dr. Jorge Carvalho e a sua equipa, decididamente, não têm condições políticas para estar à frente do Sistema Educativo, daí que só reste uma saída possível ao presidente do governo: reverter a situação e demitir o secretário.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

ESCOLA DO CURRAL DAS FREIRAS, A PERSEGUIÇÃO E A VITÓRIA DO PROFESSOR JOAQUIM JOSÉ SOUSA


FACTO 

O Dr. Joaquim José Sousa, da Escola 123/pe do Curral das Freiras, venceu as eleições onde já era líder de uma equipa. Ganhou através da vontade expressa de 78,3% dos eleitores.

COMENTÁRIO 


Nada mau para uma figura que anda a ser claramente perseguida pelo Secretário Regional da Educação e por essa maquiavélica e INÚTIL Inspecção Regional de Educação. Afinal, a comunidade educativa entende que o Professor Joaquim Sousa, para já, é a pessoa certa no lugar certo. Portanto, senhoras e senhores da "cúpula" do Sistema Educativo, deixem-se de tonteiras burocráticas, de tentar farejar alegados erros e ajudem a construir o novo. Porque o futuro não se constrói com receitas do passado e com absurdas e anquilosadas mentalidades. Constrói-se de mãos dadas, com entreajuda, com visão e com HUMILDADE. Só é grande quem for humilde. Se gostam de papel, se adoram resmas de relatórios para justificarem os seus lugares, ajudem, mas não destruam o que de importante está a ser realizado naquela escola, nos planos organizacional e pedagógico. Uma escola, tenho seguido com atenção, que abraça o futuro, a cultura madeirense, a escola sem toques, a escola sem trabalhos de casa, a gestão democrática e participativa dos jovens, o ensino personalizado, a inovação tecnológica, a escola que luta por 0% de abandono escolar e pelo sucesso. Ora, quando um estabelecimento de aprendizagem assume como lema: "Com excelência formamos homens e mulheres para e com a sociedade", que mais podem desejar os políticos do sistema? Quando um estabelecimento de aprendizagem é enaltecido pelas instituições nacionais, com vários prémios, como uma referência de mudança, que razões levam a que a mudança seja travada? Por "dores de cotovelo", sinónimas de tristeza, decepção ou frustração por alguém introduzir a diferença na letargia de uma secretaria cheia de vícios organizacionais e de pensamento, que não ajudam a desejada mudança de paradigma?
Erros, senhoras e senhores, todos têm. Até uma inspectora do sistema, quando apenas era professora, também teve de enfrentar um processo disciplinar, por alegados erros. Curiosamente, hoje, é a inspectora de que se fala! Uma única palavra: parem! Repensem o que andam a fazer a um sistema educativo que está exaurido. Façam um exame de consciência, não apenas política, mas sobretudo científica. Seria bom que colocassem em prática o que ouvem em seminários, jornadas pedagógicas, encontros, eu sei lá, em tantas iniciativas que acontecem. Deixem as escolas RESPIRAR e deixem os professores construírem os estabelecimentos de aprendizagem que, definitivamente, se coadunam com os interesses do nosso futuro colectivo. Deixem de governamentalizar e partidarizar as escolas. O que se exige é conhecimento, dedicação, perseverança, qualidade, rigor, liberdade, e respeito, aspectos que a secretaria de Educação não sabe nem tem conseguido emprestar.
Enquanto ex-professor permitam-me que abrace todos os professores daquela escola. Dentro das limitações fazem um trabalho extraordinário. Parabéns Professor Joaquim.
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 26 de junho de 2018

CRIANÇAS EM TEMPO DE FÉRIAS


CARLOS NETO foi meu colega de turma. Tenho por ele uma enorme consideração e estima pelo seu trabalho de investigação. E pela sua luta no quadro do respeito pelo desenvolvimento infantil. Seria bom que todos os políticos o lessem e todos os educadores seguissem as suas palavras. Li esta importante entrevista no Jornal I, conduzida pela jornalista Marta Reis. 

Carlos Neto. "Não se pode aprisionar as crianças em férias. É preciso libertá-las para que possam viver tudo"


Começaram as férias grandes para quem não tem exames. Para o especialista em desenvolvimento infantil, são uma oportunidade para fazer reset a uma cultura de superproteção. E para os pais abrandarem.
“Não podemos aprisionar as crianças e os adolescentes em casa em tempo de férias”. O conselho é de Carlos Neto, professor na Faculdade de Motricidade Humana que há mais de 30 anos se dedica à área da educação física e motora e ao papel do jogo no desenvolvimento das crianças. Com mais um período de férias grandes à porta, o investigador acredita que tentar cultivar um pouco mais de autonomia e liberdade na relação com os mais novos será benéfico para eles mas também para os pais. O objetivo é que as férias sejam um momento de prazer e descoberta e não uma “batalha campal”, a realidade de muitas famílias, lamenta. As dicas são práticas: mais contacto com a natureza e deixá-los experimentar e até fazer coisas um pouco mais arriscadas do que o costume, seja trepar às árvores, andar de skate, correr na praia com um papagaio... ou porque não acampar todos juntos este ano? A saúde física e mental de todos agradece.
É há muito tempo uma pessoa preocupada com o espaço que as crianças não têm para brincar ao longo do ano e o impacto que isso tem no seu desenvolvimento motor e psicológico. Este tempo das férias grandes pode ser usado pelos pais para as estimular?
De facto os pais deveriam encontrar soluções para reinventar o tempo de férias para os filhos. Não pode continuar a acontecer as férias serem um tormento quer para os filhos quer para os pais, que é o que muitas vezes acontece. Muitas vezes os pais até têm quase medo que chegue este tempo - durante o ano as crianças passam muito tempo nas escolas, os pais no trabalho e passam muito pouco tempo juntos e depois, quando chegam as férias, é um verdadeiro drama. Há soluções como pôr as crianças em colónias de férias que de certa forma os liberta de estarem com os filhos, mas fazer só isso por sistema não é bom. 
E nem todas as famílias têm posses para isso.
Claro que isto dependerá sempre do nível sociocultural e há muitos tipos de famílias e de crianças, por isso as oportunidades serão sempre diferentes. O ponto de partida é que as crianças que agora terminam o ano escolar têm a expectativa que o tempo de férias seja agradável, prazeroso e que seja diferente do ano escolar. Sobretudo que consigam finalmente ter um tempo sem regras muito rígidas e usufruir da possibilidade de fazer coisas novas.
Tem a perceção de que hoje os miúdos chegam ao fim do ano letivo mais sedentos de férias?
Não tenho dúvidas disso. Há 30 ou 40 anos, e falo até da minha geração, temos boas memórias das férias mas o período escolar não tinha nada a ver: havia liberdade, andávamos na rua. Isto hoje não acontece, o que faz com que as crianças tenham uma expectativa maior de que o período de férias seja diferente, desafiante, misterioso. Mas também que traga um contacto mais afetivo e emocional com os pais, que haja uma vinculação afetiva emocional maior. E por isso era bom que os pais pudessem partir para férias com essa consciência e tentar corresponder a essas expectativas. 
Pais cada vez mais absorvidos pelo trabalho. 
Esse é o grande problema, a falta de harmonização entre o tempo passado no trabalho e em família. As férias devem ser uma oportunidade para tentar dar um pouco mais de qualidade a esta relação.
Mas há um desfasamento prático: as férias escolares duram dois meses e meio e o período normal de férias por ano de um trabalhador são 22 dias úteis.
Claro, pressupõe uma organização diferente das famílias e certamente que haverá muitas coisas em jogo até de natureza política mas, antes de irmos aí, penso que importa perceber também que é preciso respeitar a necessidade que as crianças têm de ter um tempo de intervalo da rotina para brincarem mais livremente. Diria que deve haver quatro ou cinco preocupações dos pais em tempo de férias: proporcionar situações de liberdade que sejam uma alternativa ao tempo organizado. O segundo conselho que daria aos pais é tentarem proporcionar tempos mais ativos, de relação com a natureza, e por outro lado que não seja algo muito previsível e estruturado. Os pais tentarem levar as crianças a sítios novos, conhecer o interior do país. Por exemplo acampar: o contacto com a natureza é essencial.
O campismo no passado era um clássico do verão de muitas famílias.
Sim, se calhar hoje nem tanto mas é uma forma de as crianças estarem fora do seu contexto habitual e da identidade do espaço onde vivem e basta isso para se libertarem. Também diria que há necessidade de haver atividades desafiantes e isto tanto pode ser ir a um parque aquático, uma ida à serra. Ser mais desafiante significa permitir às crianças correrem mais riscos.
Fala-se por vezes dos “pais-helicóptero”, que tentam controlar e gerir todas as experiências para que as crianças não tenham de enfrentar obstáculos. Um estudo publicado há dias concluía que este estilo de parentalidade acabava por ter um impacto negativo no rendimento escolar e nas relações sociais. É contrariar essa tendência?
Sim e isso de certa forma implica que os pais consigam reconhecer que os filhos podem ter mais autonomia do que aquela que eles pensam que têm.
Os pais tendem a menosprezar as capacidades dos filhos?
Penso que tendem a ter uma perceção diferente e o desafio está em perceber como é que as férias podem ajudar a desconstruir os medos que os pais têm em relação aos filhos. Estou a falar sobretudo nas idades mais baixas, dos 3 aos 5 e dos 5 aos oito.
Que medos são mais comuns?
Coisas tão simples como deixá-los nadar, subir às árvores, trepar.
Há pais com medo que os filhos subam às árvores?
É uma força de expressão mas é um bom exemplo daquilo que é necessário para as crianças melhorarem a sua literacia motora e as férias devem ser uma oportunidade para que isso aconteça, promovendo jogos e brincadeiras ativas. Isto pode acontecer dentro de casa mas devem poder ter uma atividade física mais intensa e ao ar livre e com a participação dos próprios pais, porque isso é importante. Neste sentido, os filhos deviam ajudar os pais a libertarem-se do peso que foi o ano de trabalho. A sociedade portuguesa anda a viver muito à pressa, há uma excitação no quotidiano que está a criar gravíssimos problemas de saúde mental e física nos adultos e nas crianças.
A neurologista Teresa Paiva, especialista em problemas de sono, já tem alertado, por exemplo, para a tendência de ter debates e programas televisivos muito acesos noite dentro, como se o dia não acabasse. É um sintoma dessa excitação?
Sim, é um bombardeamento completo e, no geral, temos uma organização do tempo cada vez mais stressante. E, portanto, o tempo de férias é uma oportunidade para proporcionar novas atividades aos mais novos mas também deve ser uma oportunidade para as pessoas aprenderem a viver mais devagar, a aproveitar o silêncio do corpo, fazerem mais reflexão e contemplação do que é a família. Este conceito de aprender a viver mais devagar é dar mais tempo para a interiorização de cada um e de consciência do que é a vinculação afetiva entre filhos e pais. 
É investigador no campo do desenvolvimento infantil, sobretudo motor. Recentemente os resultados nacionais das provas de aferição revelaram que as crianças de sete anos têm dificuldades em saltar à corda e dar cambalhotas. Quão preocupantes são estes indicadores?
São preocupantes mas não podemos dramatizar.

Quer o saltar à corda quer a cambalhota [provas em que muitos alunos falharam] são duas habilidades motoras complexas que só atingem o seu nível maduro por volta dos oito/nove anos. Creio que não devemos ter uma visão sensacionalista sobre os resultados porque uma criança de sete anos não terá ainda as condições para ter um êxito absoluto nestas atividades, sobretudo quando se pede algo muito estandardizado como acontece nessas provas. Disto isto, os indicadores de fundo dados pelas provas de aferição é que podem ser considerados mais preocupantes: temos um sedentarismo implantado nas nossas crianças, principalmente nas primeiras idades. Digo-o há mais de 20 anos: temos tido um progressivo declínio do jogo e da atividade física.

Em Portugal em particular?
É um problema dos países mais desenvolvidos. E, ao mesmo tempo, o que vimos nas últimas décadas foi um aumento das desordens do foro mental: ansiedade, depressão, hiperatividade, défice de atenção e até da taxa de suicídio na passagem da adolescência para a idade adulta. Estas transições de ciclo de vida são sempre difíceis, mas a cultura do tudo dado e tudo pronto na hora para as crianças não favorece a sua capacidade de adaptação motora, cognitiva, social e emocional.
Acaba por ser um ciclo vicioso.
Sim. Temos uma superproteção patológica que não cria condições para que as crianças possam ter uma capacidade criativa e de adaptação, que leva os pais a protegerem-nas mais. E isso é o grande problema da sociedade atual em relação às culturas de infância. Só há uma solução: no período escolar e sobretudo nos períodos de férias, proporcionarem-lhes atividades para que essas competências motoras, sociais e emocionais possam ser valorizadas. É dar mais tempo de informalidade e imprevisibilidade e deixar que as crianças possam encontrar o seu caminho. Deixe-me usar este termo: é deixar as crianças fazerem coisas ‘malucas’, deixar os miúdos ter o skate, os patins, a bola, o papagaio, e deixá-los enriquecer o seu vocabulário motor e social à vontade.
Em Portugal há uma percentagem elevada de criança em risco de pobreza e exclusão social, mais de um quarto. Estão particularmente vulneráveis?
Sim, mas às vezes as crianças que vivem em meios empobrecidos têm mais oportunidades de brincar de forma livre do que as que vivem em meios socioeconómicas mais elevados mas estão sujeitos a uma superproteção inaceitável. E aos medos dos pais. Temos de desconstruir os medos dos pais, é algo absolutamente urgente na sociedade portuguesa, as famílias andam cheias de medos e isso leva a que as crianças não tenham autonomia, mobilidade e, por fim, participação.
Como é que os pais devem gerir as tecnologias nesta altura do ano? Mais liberdade também pode significar mais tempo para usar tablets e afins...
Penso que deve haver um decréscimo durante o tempo de férias de tudo o que sejam equipamentos digitais, telemóveis, tablets, televisão. Não diria impor: se dizemos que é um tempo de liberdade, não podemos impor, mas podemos negociar. Vamos negociar com os filhos reduzir o tempo dedicado a estes aparelhos, passar de ter o tempo todo ativo na ponta dos dedos para o tempo ativo nos pés.
Mas há algum limite adequado?
Diria que até aos cinco, seis anos não devem usar mas a partir dos sete já todos os miúdos têm telemóvel. A questão dos limites tem sobretudo a ver com o exemplo dos pais. 
Se passarem os tempos livres agarrados aos telemóveis, os miúdos vão copiar. 
Sim. É toda a gente perceber que as férias saudáveis incluem menos tempo só agarrado aos equipamentos digitais. Não quer dizer que não se usem: um GPS pode ajudar a criar um desafio na natureza.
Há professores que partilham que, por vezes, há pais que não querem que a escola feche num feriado ou numa ponte, insistem em ter onde deixar as crianças mesmo que até estejam de folga.
Sim, querem ter os filhos ocupados.
Imagina que, continuando assim, vamos chegar a uma altura em que se tornará incontornável reduzir a duração das férias grandes?
Penso que tudo vai depender da evolução da lei laboral. Hoje existe uma assimetria muito grande entre os países do norte da Europa e os do sul em relação à organização do tempo de trabalho e já seria tempo de Portugal alinhar pelas políticas públicas que dão valor à qualidade de tempo familiar, sobretudo às famílias que têm filhos. Não iria por mais tempo de férias, o que é preciso mudar é o tempo que os pais têm disponível para os filhos e isso passa sobretudo por uma flexibilização dos horários de trabalho, poder sair-se às 16h, 16h30. Nos países do norte da Europa os pais saem do trabalho para ir buscar os miúdos à escola com toda a naturalidade. Aqui agora até se está a pensar na escola a tempo inteiro para o 2.º ciclo, o que para mim é um escândalo. Ter crianças dos 10 aos 12 anos na escola todo o dia não faz sentido.
O que diz é que mesmo estando a trabalhar, se os pais saíssem mais cedo podiam dar outro acompanhamento aos filhos no período de férias.
Sim, mesmo que pudesse haver mais ou menos dias de férias, seriam um fardo menor. Tenho a sensação de que hoje em dia as crianças chegam ao fim de férias com uma certa frustração: não fizeram o que estava nas suas expectativas. E era bom que quando chegassem ao novo período escolar em setembro pudessem ir com a sensação de que viveram um período de férias de forma tão intensa que então vale a pena voltar à escola para aprender. Isso não acontece na maior parte dos casos. As férias devem ser uma oportunidade para os pais conhecerem melhor os seus filhos, aprender a controlar o medo, incentivando as brincadeiras mais arriscadas fora de casa, percursos de autonomia fora de casa, não têm de os acompanhar sempre, mas estar presentes. Não estou a dizer coisas extraordinárias, às vezes é simplesmente passear. Há crianças que nunca saíram de casa à noite com os pais para dar uma volta, descobrir a cidade, a aldeia, a vila. Deve ser um tempo também para os pais gostarem mais de serem pais.
Essas experiências de brincadeira e autonomia vão refletir-se mais tarde no desempenho escolar?
E não só. Hoje não há dúvidas sobre isto: quase todos os indivíduos que tiveram sucesso, foram felizes e empreendedores, tiveram infâncias felizes.
Há aquela ideia de que, por vezes, depois das férias até há mais separações: as pessoas não estão habituadas a tanto tempo juntos.
Não tenho dúvidas: há pais e crianças que vêm das férias completamente exaustos e temos de conseguir inverter isto. Mas isso tem a ver com os pais não estarem habituados por um lado mas também não conseguirem perceber que as férias podem ser tempo de liberdade, de autonomia, de descoberta.
E os primeiros excessos? Nas festas da aldeia, por exemplo, começa-se a beber muito cedo, aos 13, 14 anos
É uma outra realidade, mas hoje muitas dessas diferenças que existiam entre a infância no meio rural e no meio urbano estão esbatidas. Hoje os jovens fazem exatamente a mesma coisa e até há estudos que indicam que as crianças de meios rurais têm maior exposição à televisão do que nos meios urbanos. 
Os namoros de verão são outro clássico. É outro campo em que os pais não devem coartar demasiado a liberdade dos jovens?
Deve haver com certeza responsabilidade e regras, mas deve haver oportunidade para isso. Costuma-se dizer que a adolescência é a idade esquecida. Hoje temos políticas para a infância, até para os idosos mas não há nada para os adolescentes, que é uma fase central no desenvolvimento. Os adolescentes precisam de experimentar desafios que não são só físicos mas também de natureza emocional. Ninguém esquece os seus amores de verão e os pais também não os devem esquecer e é natural dar mais liberdade aos adolescentes nas ferias. Deve haver algum controlo mas nada de muito sofrido ou patológico: não se pode aprisionar as crianças e os adolescentes em férias, é preciso libertá-los para que possam viver tudo, inclusive o seu corpo.
Os mais cautelosos argumentarão que o mundo mudou nas últimas décadas, que está mais perigoso.
Sim, mas por vezes há uma perceção errada dessa mudança. Portugal é um dos países mais seguros do mundo. Basta ver o turismo que temos, a forma como o país é amado por quem chega cá. Muitas vezes há uma perceção errónea na cultura portuguesa e nas famílias no geral de que somos um país com problemas de segurança quando, pelo contrario, somos um dos países mais seguros.
Não há mais perversidade?
São os tais medos que se instalaram na cabeça dos pais e, seja como for, as crianças e os jovens têm de saber como reagir às situações.
Que conselhos práticos se pode dar às famílias que agora começam a estruturar as férias? Faz sentido planear as semanas para incluir diferentes atividades, fazer um programa do verão em família?
Acho que pode ser interessante, mas com uma condição: com a participação dos filhos. Deixar que os filhos sugiram as atividades que querem fazer, dar-lhes ouvidos. É uma excelente ideia. Era o que se devia fazer mais nas escolas e não se faz, porque os professores impõem quase tudo. Temos de passar de uma cultura de imposição para uma cultura de participação. Mas, essencialmente, é tentar fazer tudo para inverter os indicadores que mais nos preocupam: cada vez há mais obesidade, mais diabetes. Temos de dedicar mais tempo ao exercício físico, comer melhor, guardar tempo para o descanso.
Guarda boas memórias das suas férias grandes?
Sim, ainda hoje. Acabávamos a escola e havia um período em que os pais ainda estavam a trabalhar, por isso passávamos a maior parte tempo na rua.
Em Lisboa?
Cresci em Leiria, uma cidade maravilhosa, com castelo, rio, tudo o que precisávamos. Mal acabava a escola era uma libertação enorme. Depois vinha a altura de ir para a praia, conhecer novos amigos. Andávamos 15 dias a um mês na praia, com dias muito intensos. Nadávamos, jogávamos à bola. Jogar à bola na praia ou mesmo andar é um desafio fabuloso em termos de educação motora, é um desafio em termos de equilíbrio e adaptação e isto para as crianças pequenas é um estímulo muito bom. Isto além do iodo e do próprio contacto com a água do mar, que é revigorante e ao mesmo tempo uma forma de acalmar. Precisamos urgentemente de estratégias para que os corpos acalmem. Mas as minhas memórias são isto: a liberdade que tínhamos, a autonomia e alegria. A melhor recordação que tenho era não gostar que chegasse a noite porque sabíamos que íamos ter de ir dormir. E ter de ir dormir era improdutivo.
Mas adormecia num instante, não?
[Risos] Verdade, quanto mais cansados melhor é para adormecer. Mas a sensação de que ir dormir é uma chatice, uma perda de tempo, significa que tivemos um dia feliz. E é uma sensação que acho que hoje as crianças não têm. Às vezes veem-se famílias em férias que mais parece uma batalha campal. Torna-se cansativo porque já ninguém está adaptado a ninguém e ao mesmo tempo há cada vez mais uma cultura egocêntrica que faz com que os pais já não tenham o hábito de estar com os filhos a tempo pleno. Costuma-se dizer que cada um de nós tem uma criança dentro de si. Não iria tão longe, mas certamente cada um de nós tem memórias da sua infância. Era preciso retomá-las para descobrir a forma como devemos passar as férias com os filhos.

domingo, 24 de junho de 2018

PORQUÊ?


Ando a viver, intensamente, o crescimento e desenvolvimento do meu neto de três anos. O André deixa-me virado do avesso com tantas perguntas. A palavra "porquê" está quase no final de todas frases. Um exemplo: esta manhã disse-lhe que ia levar o lixo aos contentores. Respondeu-me: porquê? Expliquei, sucintamente. Posso ir contigo? Claro, respondi. Pedagogicamente, apesar da idade, correspondendo ao princípio que "de pequeno se torce o pepino", levei-o, ele com o saco das embalagens tendo eu ficado com o lixo indiferenciado, com o papel e cartão. Seguiu-se um rol de porquês junto aos diversos contentores. Expliquei-lhe o que era o lixo geral e, sucessivamente, todos os outros. Mas porquê? Se aprendeu ou não, não sei. Ficou a semente do conhecimento vivido.


Regressei a casa e desafiou-me a deitar água nas plantas. E lá fui eu. Com a minha ajuda regou e cada vez queria mais água para regá-las. Expliquei-lhe que ele também só tomava um pouco de água de cada vez. Nova pergunta: porquê? Nova explicação. Cada uma delas seguida de mais um porquê. É quase o dia inteiro e sobre todas as situações. Para muitos é capaz de ser maçador, para mim, um desafio educativo, onde tento encontrar, muitas vezes é-me difícil, uma justificação tão simples que perceba.
Com tudo isto, há pouco, exclamei com um misto de entusiasmo e pena: Que extraordinária idade! A palavra porquê que o deveria acompanhar toda a vida, infelizmente, a escola, este maldito sistema educativo, encarregar-se-á de bloquear a pergunta, o questionamento de tudo, o desejo de saber, sobretudo, encarregar-se-á de matar a CURIOSIDADE. O sistema, agarrado aos currículos, aos programas, à avaliação de tudo, matará a pergunta, porque exige, apenas, a resposta do manual. Há pais que são chamados à escola, pasme-se, porque o aluno faz muitas perguntas, gerando a instabilidade na classe!
Vivo, confesso, nesta constante revolta porque quem decide olha para a criança como uma miniatura de adulto e não para o ser, em desenvolvimento, que tem a mais longa fase de maturação até à adultez e que, por isso mesmo, constitui um erro de crassa ignorância queimar etapas. E tudo pode ser aprendido, desde as formulações mais complexas e científicas até às mais comezinhas. Não se pode é, hoje, continuar a meter, por aproximação a Toffler, este mundo embrionário nos cubículos convencionais de ontem! Mas eles  acham que sim, que essa é a via correcta. Mais grave, ainda: querem, à força, como disse o Juiz Laborinho Lúcio, "meter um adulto dentro da criança" e, depois, estranham, os desajustamentos e o alheamento pela escola. A escola "é uma seca" são tantos que o dizem. Os meus netos mais velhos, que, neste sistema, face ao qual sou um profundo adversário, são "excelentes alunos" e são eles que me dizem exactamente isso. Então, que tal foi a escola? Uma seca! Basta-lhes responder nos testes ao que os professores querem e pronto, o sistema fica a espumar de contentamento. Eu chamo a isto: "serviços mínimos obrigatórios", porque a escola com menos currículo, menos programas e menos horas lá passadas pode ser melhor escola.
Oh curiosidade por onde andas? Oh cultura vivida e sentida, por onde andas? Por que raio muitas crianças que colocam em tudo o "porquê" são tidas por perturbadoras da classe? 
Agora, sou eu que pergunto: Porquê?
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

"AULAS" RECOMEÇAM A 12 DE SETEMBRO. "A MINHA ESCOLA É UMA PROSTITUTA"


Diz-se com muita frequência, aliás, frase que se adapta a muitos contextos com a necessária substituição das palavras: "mais escola não significa melhor escola". Quanto muito será mais do mesmo. Tal qual uma máquina. Mete-se o combustível, neste caso, professores, alunos, funcionários e auxiliares, toca a campainha e a fábrica começa a laborar. Sempre da mesma forma. O que produz e como produz pouco interessa. Se tem uma exímia qualidade ou não, pouco interessa, o vértice estratégico encolhe os ombros, pois o financiamento está, orçamentalmente, garantido. Mesmo fraca, "vende-se" bem! Os pais têm de trabalhar de manhã à noite e a Escola, bem, a escola tem de funcionar com as características, quantas vezes, de um armazém. Antes era a 07 de Outubro, hoje a 12 de Setembro. É, por isso, que a Escola quando começa já estão quase todos cansados. Resume Pascal Paulus em Hierarquias, rituais e tradições: "(...) Algumas ‘tradições’ parecem doenças infantis que voltam a provocar danos sempre que se abrande o plano de vacinas. Entre elas, há uma com vários nomes, que atravessa o sistema educativo. 

Mas isto a propósito das "aulas", conceito que não gosto, começarem a 12 de Setembro. Em Março de 2002, li, na Página da Educação, um extraordinário artigo do Professor José Pacheco: "A minha escola é uma prostituta". E é: "porque toda a gente a usa, todos se servem dela, ninguém quer saber dela". Melhor que qualquer texto que poderia aqui desenvolver, deixo-o aqui porque exprime a falta de cultura e de ambição dos responsáveis pelo Sistema Educativo e pela Educação. Entretanto, passaram-se dezasseis anos!

"Na Segunda, à hora do almoço, dei por mim a ver televisão. A filha de Viana de Lemos estava sendo entrevistada e citava nomes de personalidades com os quais o seu pai manteve contacto:
- "... Ferrière, Decroly, Montessori, Freinet...
- Alto! Alto! - atalhou o entrevistador - Não conheço. Nem os telespectadores, certamente, lá em casa! (nem a maioria dos professores, certamente, pensei eu...) E esse tal Freinet? Quem é?
E ela lá explicou que não é, que já era. Explicou o que era a "classe cooperativa", a "imprensa Freinet"...
- Mas isso é muito arrojado! - voltou o Goucha a interromper - Em que altura foi isso?
- O Freinet, nos anos vinte e eu nos anos quarenta - respondeu a professora aposentada, sublinhando que na sua escola de formação (que seria fechada logo após a conclusão do seu curso, em 1936) tinha adquirido conhecimentos que lhe permitiam melhorar a sua prática profissional.
- Mas é extraordinário! - enfatizava o entrevistador - Como se fazia um trabalho tão bom nesse tempo? É preciso ver que o povo estava no obscurantismo.
- Estava e está! - rematou a idosa e sábia mestra.

Ainda agora o ano começou e já estou farta, saturada, pelos cabelos! Ainda bem que vem aí mais uma "pausa pedagógica. Já marquei quarto no Algarve."
"Pausa pedagógica"? - perguntei - não quererás dizer "menopausa pedagógica"? E bem precoce!..."

No Domingo, à noite, o Carlos Cruz conversava com um "fora de série":
- "Diz-me lá: então, as notas? Vão bem?...
- Uma vezes, tenho bom grande; outras vezes, tenho um b pequeno.
- O professor escreve um b pequeno nos trabalhos... é?
- É! - confirmou o "fora de série".
- Estou a ver que as coisas não mudaram muito desde que andei na escola" - rematou o Carlos Cruz
As coisas não mudaram muito na escola?
Escreveu o meu amigo Ademar que "é nas escolas (e nas famílias) que se decide, diariamente, o futuro da humanidade". Perante esta evidência, sobressaltei-me com o desabafo de um jovem professor (que, entretanto, se envolveu na actividade sindical), aquando de uma visita à escola onde trabalhava:
- "A minha escola é uma prostituta!
- Porque dizes isso? - retorqui.
- Porque toda a gente a usa, todos se servem dela, ninguém quer saber dela".
Serão as escolas merecedoras de tão violento epíteto? 
Imaginemos que um professor se atreve a sugerir aos colegas o gasto de um tempinho suplementar para procurar solução para aquele problema do 6º F... Logo a maioria responde que tem mais que fazer; outros, que está na hora de ir buscar os filhos ao infantário; safam-se alguns com o pretexto de terem de completar o magro salário; rematam os mais cínicos que, se ao professor proponente sobra tempo, vá para missionário, que não lhe há-de faltar vocação. 
Imaginemos que uma escola procura novos e melhores caminhos de aprender. Logo a escola vizinha se lança numa cruzada contra a subversiva congénere. Gestores de escolas em part time (i. é., nas horas vagas do trabalho num gabinete de engenharia ou na actividade paroquial) aliam-se a setores a tempo parcial (i. é, o que sobra das frestas do tempo investido na acumulação no colégio ou centro de explicações), numa feroz campanha de difamação. E o tempo que dizem escassear para "dar o programa" sobra-lhes para urdir intrigas, criticar o que não conhecem ou não entendem, mas que os incomoda, por ser um perigo para o satus quo vigente. Pelo meio, a mole imensa dos que usufruem de um horário com muitos "dias livres" e nem dão pelo fenómeno, os que não se querem incomodar, os que marcam o ponto e vão à vida... Estes são os puros de que é feita a escola. 
Mas, como "as coisas não mudaram muito na escola" desde o tempo do Carlos Cruz, até os puros são afectados por sucedâneos de stress e mal-estar docente. Um dador de aulas morre, profissionalmente, aos trinta, mas só é enterrado aos sessenta. Talvez por essa razão, a escassos dias da interrupção de Novembro, era ouvi-la:
- Ainda agora o ano começou e já estou farta, saturada, pelos cabelos! Ainda bem que vem aí mais uma "pausa pedagógica. Já marquei quarto no Algarve."
- "Pausa pedagógica"? - perguntei - não quererás dizer "menopausa pedagógica"? E bem precoce!..."
Apesar das duras evidências, continuo a acreditar nas pessoas dos professores. Poderão chamar-me ingénuo, que não me importo. Que nos valham aqueles a quem a vida ainda não roubou os sonhos, que (apesar de tudo) ainda resistem nas escolas, e os vindouros que nelas hão-de resistir. Através deles, ainda poderemos aspirar a um tempo em que as escolas não possam ser mais comparadas a prostitutas (sem desrespeito por estas profissionais, claro)."
A 12 de Setembro recomeça o"servicinho"!
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

ESTAMOS MELHOR QUE NO TEMPO DE D. AFONSO HENRIQUES!


A edição de ontem do DIÁRIO apresentou dois artigos de opinião sobre política educativa. De quem seria expectável uma preocupação sensata e profunda, infelizmente, li o vazio, uma tentativa de "clarificação" oca que corre atrás dos erros há muito cometidos. Escreveu, apressada e descontextualizadamente sobre a taxa de abandono: "(...) O nosso registo em 2005 era de 48% (quando a escolaridade obrigatória ainda era o 9º ano), o que quer dizer que a RAM progrediu, entre este ano e 2016, 25 p.p.". Continhas à moda da casa! Por esse caminho, como por aí se ouve, no tempo de D. Afonso Henriques era bem pior. Certo, explicam os estudos, é que a Madeira evidencia uma taxa que a todos envergonha e deixa um rasto de frustração e sobretudo de grande preocupação relativamente ao futuro. Mas para o secretário da Educação, os resultados constituem: "(...) um feito assinalável, fundado no trabalho dos professores, no esforço das escolas, no empenho dos estudantes, no compromisso das famílias, no apoio das administrações (...)". Paleio. Um texto penoso, que constitui uma fuga à realidade, a negação de um quadro preocupante e que bastas vezes tem sido enquadrado. 

O mais interessante é que, na mesma edição, logo por baixo, li um excelente e clarividente artigo do Dr. José Júlio a que deu o título "Iliteracia". Um texto, com uma visão nacional do problema, Madeira incluída, claro, que tocou na ferida que sangra e que o governante regional, infelizmente, à defesa, não consegue ver. Ou melhor, tem uma tendência para colocar pensos rápidos onde se exige uma intervenção profunda. Deixo aqui algumas significativas passagens: "(...) só cerca de 45% dos alfabetizados são capazes de ler um texto, observar um gráfico, perceber um aviso, um comunicado e interpretá-lo devidamente. (...) O próprio sistema de ensino está construído nessa base. As famílias não têm tempo. As escolas debitam “informação” não ensinam a aprender e, muito menos, a questionar, a duvidar, a ter opinião devidamente estruturada e fundamentada. O sistema agradece. É sempre mais fácil lidar com cidadãos dóceis, não reivindicativos, fáceis de convencer e manipular. Evitemos as controvérsias sérias. Os problemas sérios. As situações graves que campeiam por todo o lado. Sejamos bons meninos. Bons alunos. Bons cidadãos. Bons trabalhadores. A injustiça social, o compadrio, o roubo descarado, a corrupção, a injustiça, existem mas... há quem vele por nós! 

(...) A escola continua a ignorar que é preciso melhorar a literacia dos agentes de ensino e dos alunos, que é urgente encontrar novos modelos educacionais, que é fundamental apoiar uma aprendizagem mais personalizada, que é crucial preparar as pessoas para aceitarem a mudança, que é imprescindível ligar as aprendizagens extracurriculares dos alunos às actividades de aprendizagem em aula, que a escola deve guiar os alunos no conhecimento do processo de aprendizagem ao invés de debitar matéria que, frequentemente, já está desactualizada no momento em que é transmitida. (...) Os hábitos de leitura, a análise factual, a dúvida metódica, a capacidade de pôr em causa tudo na procura da verdade, o pensar pela própria cabeça, a necessidade de fundamentar opiniões e certezas não se decretam, quando muito, incentivam-se. 

Se não tivermos uma estratégia para combater a iliteracia aos múltiplos níveis micro e ao nível macro, de nada nos serve a acessibilidade às mais diversas plataformas comunicacionais, às toneladas de informação que nos caem em cima diariamente. Continuaremos a sofrer de iliteracia (...)".
Tão simples, tão factual, tão contextualizado e tão verdadeiro. O secretário regional, político, não consegue ver, enredado que está na histórica, débil e anquilosada estrutura do governo. O articulista José Júlio, não sendo professor de carreira viu o que o professor de formação, investido, politicamente, na qualidade de secretário, não consegue focar. Acabou por demonstrar possuir um olhar sem nitidez. Já o meu grande Amigo Franklim Lopes, falecido com 92 anos, falava-me, com refinado humor, dos "Lentes" do "povo superior", segredando-me que sempre houve "lentes de aumentar e de diminuir". As do Dr. José Júlio são de aumentar, felizmente! Conseguem ver a realidade. Conseguem, até, visualizar a compaginação entre a actividade escolar e a extraordinária oferta educativa fora da escola que obriga a "pensar pela própria cabeça".
Ora, isto significa que se impõe um outro paradigma da aprendizagem. Falta cultura à Escola. Tudo tão claro, tudo tão evidente. Por que raio teimam em seguir o caminho errado?
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 17 de junho de 2018

SE ELES DÃO UM PASSO, NÓS DAMOS DOIS, SEM RECEIO!


Confesso a minha dificuldade em perceber e até aceitar os posicionamentos de alguns professores. Se do governo nada espero, porque não existe qualquer esboço estratégico que configure uma mudança de atitude, dos professores e daqueles que, colegialmente, presidem à administração e gestão das escolas, bem como dos respectivos órgãos, já seria tempo de, em uníssono, posicionarem-se contra este pântano que se instalou no sistema educativo. Os primeiros, os que leccionam, parecem-me mais apostados em cumprir as tarefas do que em levantar a voz das experiências vividas; os segundos, os que têm responsabilidades gestionárias, raros são os casos onde se nota a voz, trémula, mas crítica. Existe uma acomodação às determinações hierárquicas, talvez medo e, claro, para alguns, porque dá sempre jeito o justo suplemento remuneratório pelas funções que desempenham. Há dias, sobre uma greve dos professores ouvi directores, que são professores, assumirem que ali (escola), com toda a certeza reinaria a normalidade. Não assumiram que logo se analisaria a situação, antes quase deram como certa essa normalidade, sobrepondo-se à eventual vontade dos professores.


Eu que conheço o funcionamento das escolas, por lá andei quarenta anos, que faço o possível por acompanhar o sistema educativo, que continuo a falar com colegas que se lamentam e muitos, até, repudiam este estado de letargia, fico perplexo com este adormecimento, salpicado, aqui e ali, com uma ou outra manifestação de desagrado. Quando se sabe que este sistema já deu tudo quanto tinha para dar, que hoje se caracteriza, cada vez mais, por uma exorbitante burocracia de centenas de normativos, alguns que, no  essencial, se contradizem, quando são conhecidos os resultados desastrosos do insucesso e do abandono, de alunos que olham para a escola como local de obrigação e não de prazer, pergunto, como é possível o estado de apatia? Como é possível que uma fotografia ou uma mensagem, muitas vezes medíocre, inócua e sem interesse algum, obtenha mais comentários do que um tema sério e que a todos nós diz respeito? Na Saúde, na Educação, na Economia?
Há dias, passei por uma rua com algumas casas vandalizadas, cheias de grafites, algumas em reconstrução. Em uma delas li: "Eles dão um passo, nós damos dois, sem receio". Seja em que contexto for, achei interessante. Não no sentido de um combate insensato, porventura na intenção de quem a escreveu, mas de atenção permanente, clarividência e capacidade de alertar e dizer não, quando as circunstâncias obrigam. A sensação que fico é que os mais de seis mil professores dão, muitas vezes, um passo e "eles" dão dois! Os professores estão sempre a perder, os ganhos, quando existem, são milimétricos e, daí, os lamentos que vou escutando. Dizem-me: tem razão... mas! Mas, o quê, riposto!
Neste pressuposto, o sistema educativo não mudará nada, quanto muito beneficiará de alguns acertos meramente marginais, enquanto não se verificar uma tomada de consciência de dentro para fora dos estabelecimentos de aprendizagem. Compete aos professores essa revolução tranquila na esteira de Edgar Morin, encostando à parede todos quantos pautam a sua via política pelo comodismo, pela rotina e até pela ignorância. "Se eles dão um passo, nós damos dois, sem receio". Tenhamos isso presente. Não basta queixar-se pelos cantos da escola ou à mesa do café, não basta assumir o cansaço ou o síndrome de Burnout, não chega a luta pela contagem do tempo de serviço congelado, mas sobretudo uma luta, inteligente, que garanta que o professor seja feliz na escola e que seja capaz de proporcionar felicidade aos que lá vão para aprender.
O Presidente da República disse e bem: "a frágil estrutura de qualificações da sociedade portuguesa sublinha a absoluta necessidade de o país produzir compromissos em torno da educação de jovens e adultos, sob pena de perpetuarmos uma cidadania pouco exigente, uma força de trabalho pouco qualificada e uma economia pouco competitiva". "Temos de ser capazes de abandonar velhos mitos que depreciam a importância da educação e do conhecimento". Que quereria ele dizer com isto? Está nas mãos dos professores!
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

EXAMES E AFERIÇÕES NO BÁSICO, PARA QUÊ? DEPOIS DE, EM MÉDIA, 216 MOMENTOS DE AVALIAÇÃO!


O ciclo repete-se: ouvir, repetir, debitar e avaliar. Há muito que a pergunta que me assalta é sempre a mesma: este ciclo corresponderá aos desígnios de uma aprendizagem? Decididamente, julgo que não. Aprender é muito mais que qualquer quadro estático, baseado na segmentação das disciplinas curriculares e desintegradas. Aprender, sempre foi, muito mais que cumprir um currículo e um exaustivo programa. Aos que, com paciência, me estão a ler, pergunto, de quantas definições ainda trazem na ponta da língua, mas que as debitaram, no dia do exame, exactamente, como estavam no manual? E para que serviram? Em que contextos, posteriormente, aplicaram e quais foram as suas transferências para novas e complexas circunstâncias da vida? A quem pergunto, confirma esta realidade, mas, há sempre um mas, dizem-me, é assim, não há  volta a dar. Para mim e para tantos que leio, que pensam os sistemas, esta obsessiva tendência pela avaliação, onde tudo parece que começa e acaba, há alternativas só possíveis com uma ruptura de mentalidade.

Aproximam-se semanas a fio de trabalho em vão: calendarização, textos de exame (minuciosamente, já em curso, há meses), aulas suplementares visando os exames, matrizes, encargos de impressão, colocação em cofres, mobilização dos serviços de polícia para o transporte escola a escola, nomeação de professores supervisores, formação para professores classificadores e uniformização de critérios, nomeação de secretariados de exame, preparação de salas com mesas e cadeiras milimetricamente isoladas, nomeação de dois professores vigilantes por sala e suplentes, chamada com cartão de cidadão na mão, recomendações, campainha que toca para o início e finalização, recolha, sobrescritos selados, burocracia através de pormenorizados normativos e relatórios e, nos corredores, as palavras, austeras, "silêncio/exames". Depois, a delícia da comunicação social, os "ranking's", como se fosse possível comparar o que é incomparável! Tenhamos presente o ridículo: tudo isto, no 9º ano do Ensino Básico, depois de, em média, 216 testes ao longo do terceiro ciclo (7º, 8º  e  9º): 12 disciplinas curriculares x 2 testes por período x 3 períodos x 3 anos = 216 momentos). Após tanta avaliação, independentemente de muitas outras (questão aula, tpc, registo de observação sistemática em sala de aula, trabalhos de grupo, registo de comportamentos, assiduidade, atitudes, valores, por exemplo, - encontrei mais de 80 itens diferentes), traduzidas em percentagens, ainda necessário se torna avaliar e aferir, externamente, o Português e a Matemática? Afinal, estão a avaliar o quê e quem: alunos, professores ou escolas? A "Agenda do Professor" de várias editoras, é absolutamente, paranóica. Visitem uma delas AQUI.


Anda o sistema educativo enredado nisto, na perda de tempo. No final, no ensino básico, para cúmulo, os exames valem 30% do nível final. Para o sistema, uma mão cheia de nada. Só ilusoriamente servirá de aferição, não dos alunos,  talvez dos professores. 
Um sistema que não procura desenvolver a pergunta, antes requer a resposta do manual, é um sistema condenado. Apenas consome manuais, muitos manuais, muitos interesses das editoras, tempo para explicações (!) e tempo perdido que bem poderia ser aproveitado em aprendizagens consistentes. É uma cultura que vem de longe, e que por melhores que sejam os exemplos externos, nem os políticos nem os professores são capazes de provocar um corte radical com esta mentalidade doentia e ultrapassada. 
Recupero aqui um texto que escrevi já tem uns anos: "(...) precisamos de uma "Revolução Integrada do sistema educativo” e não a “manutenção saudosista da escola do passado". A OCDE apresenta vários cenários, um deles a necessidade de RE-ESCOLARIZAÇÃO que, em síntese, passa por uma maior autonomia das escolas, maior descentralização e valorização do corpo docente. Passa por uma escola sem o permanente “big brother” de quem centraliza a educação. Difícil, muito difícil, porque a cultura também não funcionou a esses níveis. Uma coisa é o discurso de circunstância, outra quando essas pessoas estão sentadas na cadeira do poder. Eu sei que há rotinas de pensamento que são difíceis de ruir. É fácil dizer não a uma perspectiva que se abre, mas saber por que motivo se diz não, convenhamos que é sempre mais difícil. As pessoas estão agarradas ao passado. E os que estudam, problematizam e abordam esta temática da Educação não falam de facilitismos e nenhum fala de ausência de rigor e de disciplina. Pelo contrário. Falam, sim, da necessidade de repensar o trabalho de ensinar e de aprender. Torna-se, assim, fundamental uma abordagem globalizante, com políticas em vários sectores e áreas de intervenção social. Não apenas na esfera da Escola, na sua organização e conteúdos, mas a montante da Escola, na cultura familiar e na organização e cultura do trabalho. Para que o abandono e o insucesso sejam residuais. 
Há um estudo, publicado na revista “Science”, elaborado por Deborah Stipek, da Faculdade de Educação de Standford. Um estudo transversal realizado ao longo de 35 anos. A editorial da revista coloca em título: “A Educação não é uma corrida”. A investigadora é clara: 

"(...) o sistema de exames produz especialistas em provas enquanto prejudica vidas que poderiam ser promissoras" (…) O sistema actual, baseado no desempenho em testes pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores" (…) "Este ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes" (…) A maneira como a Educação está estruturada faz com que potenciais vencedores do Prémio Nobel sejam perdidos antes mesmo do final da educação básica". Complementa o Professor José Pacheco acerca de Deborh Stipek: entre milhares ou milhões de homens e mulheres, "Ghandi, Picasso, Einstein, deixaram-nos um legado valiosíssimo, seguindo caminhos muito diferentes". 

Isto quer dizer que a Educação, na escola, não constitui a única forma de aprender. E se a Escola é importante, e é, o seu pensamento estratégico não pode quedar-se pelo pensamento de ontem. Andam a trabalhar nas consequências e não nas causas, simplesmente porque predomina uma atitude política redutora que muitas vezes desconstrói alguns bons passos que são dados. 
Urge uma nova concepção de Escola. Os ditos "estabelecimentos de ensino" devem passar a designar-se por "estabelecimentos de aprendizagem". Alexandre Quintanilha é um doutorado em Física. Um cientista. Tem uma frase espantosa: “EU VIVO PORQUE SOU CURIOSO”. O problema, digo eu, é que andam a matar a curiosidade nas crianças. Neste sistema, uma criança que coloque muitas perguntas, genericamente, perturba o planeamento da aula! E não deveria ser assim. Há outras formas de organização pedagógica. Li em “Professores para quê”, de Georges Gusdorf: “O mais alto ensinamento do Mestre não está no que diz, mas no que não diz”. Já no meu relatório de estágio pedagógico, em 1971, escrevi no preâmbulo, uma frase de Bernard Shaw. Lembro-me como se fosse hoje: “Quem pode cria, quem não pode ensina”. Uma escola de receptores e de não participantes é uma escola condenada. E Bernard Shaw nasceu em 1856. Portanto, despertar essa curiosidade só é possível com uma ampla autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem e com um outro enquadramento pedagógico. Não é com exames. Não há volta a dar. É nesta esteira que Ariana Cosme e Rui Trindade questionam: “Uma Escola que define a qualidade do seu ensino por uma visão enciclopédica de um conhecimento cuja utilidade se esgota nos testes, serve, afinal, para quê? (...)".
Jaana Palojärvi foi diretora do Ministério da Educação da Finlândia. Retive esta frase tão simples quão profunda: "Os professores planeiam as aulas e escolhem os métodos. Não há prova nacional, não acreditamos em testes, estamos mais interessados na aprendizagem". 
Este tema da formação básica encontra-se estudado há muitos anos. Não é uma questão recente. Que falta faz a Professora Ana Benavente que foi Secretária de Estado da Educação e bem lutou por uma avaliação contínua numa escola portadora de futuro!
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 12 de junho de 2018

"INTERESSES DOS PROFESSORES NÃO COINCIDEM COM A AGENDA SINDICAL" OU SERÁ QUE A AGENDA DO SECRETÁRIO NÃO CORRESPONDE AOS INTERESSES DO SISTEMA EDUCATIVO?


Homessa, senhor secretário! Confesso que fico triste por ver, sistematicamente, um professor, contra os professores. Fico com alguma revolta quando assisto a professores que desempenham funções de direcção de escola, apadrinharem os ataques por parte de quem  governa. Mas vou ao que interessa. Com orgulho sou sindicalista (presidente da Assembleia de Sócios do Sindicato de Professores da Madeira) e nunca,  mas nunca pressenti a existência de uma agenda de natureza política. Aliás, na Madeira, nunca tive a percepção que, no caso concreto do SPM, os seus dirigentes estivessem ao serviço de uma qualquer ideologia partidária. Porque mandatados, estiveram sempre ao serviço dos professores. Qualquer sindicato tem uma óbvia natureza POLÍTICA, jamais partidária. Se assim não fosse há muito teria saído. Pura e simplesmente essa putativa agenda não existe. Ou só existe na cabeça do governante.

Confusão. Emaranhado de fios e promessas, mas luz, NADA!

É histórico que ao longo de 40 anos de sindicalismo, todos os seus quadros dirigentes, dos pioneiros aos mais recentes, sempre viram os interesses do sistema educativo primeiro que os seus próprios interesses de classe. Pelos principais sindicatos, um deles desde sempre muito próximo do PSD, passaram professores que lutaram, sim, pela dignidade da função docente e nunca pressenti, repito, que tivessem confundido interesses pessoais ou de grupo com direitos profissionais. E são esses direitos que estão em causa. Que os seus dirigentes tenham, obviamente que têm, as suas convicções político-partidárias, claro que sim, pois fazem parte da sociedade e são eleitores. Porém, no desempenho das suas funções, enquanto parceiros, nunca, mas nunca, assisti a qualquer atitude concertada no sentido do favorecimento de uma determinada linha ideológica de pensamento. No SPM, nem o facto de estar ligado à Fenprof (CGTP-IN), pois os sócios respeitam a sua própria autonomia. Outros estão ligados à UGT! Que mal existe nisso? É a democracia... 

Desvalorização, conversa para entreter, falta de respeito, perseguição, burocracia, controlo absoluto sobre as escolas, desonestidade na relação e que conduz ao medo, precariedade, encerramento de estabelecimentos, legislação avulso e não totalmente negociada, ausência de projecto educativo sustentável e portador de futuro, horários agravados e incompatível com a vida, em média superior a 46 horas semanais, política de centralização e de padronização ao invés de autonomia e liberdade de acção, gravíssimo abandono e insucesso escolar (negado, claro), insolência, indisciplina e má educação, políticos na cúpula do próprio sistema completamente desencantados e, com razão, a zurzirem como nunca, o topo da carreira transformado em uma miragem, ora bem, que mais elementos caracterizadores do sistema necessita o governante, responsável primeiro que é por tudo isto? São aqueles os interesses dos professores, que deveriam ser, aliás, os interesses de quem governa. Neste caso, porque também é professor. Eu sentiria vergonha se desempenhasse um cargo e, passados quatro anos, o deixasse no mesmo ponto que o recebi. 

Por outro lado, os governantes deveriam interiorizar que o exercício da política constitui um serviço à comunidade, até porque a vida dá muita volta, não existindo lugares definitivos nas responsabilidades públicas. Em apenas doze horas, tempo de abertura e encerramento das urnas de voto, o povo muda e manda abaixo qualquer pedestal. Portanto, o secretário regional apesar de não apreciar a luta dos professores, tê-la-á sempre, de forma frontal, com bom senso e respeito. A recente proposta da secretaria de contagem de todo o tempo de serviço, prestado e não pago, tem muito que se lhe diga.  Pelo que li, o documento tem muitas pontas soltas e manhosas, muito manhosas. E porque não existe qualquer agenda política, existindo sim questões de seriedade, respeito, honestidade e justiça, prepare-se porque terá, penso eu, contestação pela frente, mesmo que a greve seja levantada. A negociação é fundamental. O tempo do quero, posso e mando está a esfumar-se.
Finalmente, hoje remeteram-me uma série de frases interessantes de Carl Gustav Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço. Seleccionei uma: "Os erros são, no final das contas, fundamentos da verdade. Se um homem não sabe o que uma coisa é, já é um avanço saber o que ela não é". Deixei aqui o que ela não é... refiro-me ao sindicalismo!

NOTA
Isto significa que, na carreira virtual, um docente, com 29 anos de serviço, deveria estar no 8º escalão. Na carreira real está no 5º com um perda de 21,4% no salário, isto é, menos € 581,99 por mês. E um secretário?
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 9 de junho de 2018

DRAMÁTICO


FACTO

"65% da população da Madeira, com 15 ou mais anos, tem apenas até o 9º ano de escolaridade. O valor está acima da taxa nacional que, no ano passado, ficou pelos 61%. A Madeira continua a estar pior do que a média nacional, naquela que é a taxa de abandono precoce de educação e formação (jovens dos 18 aos 24 anos que estão fora do sistema de ensino e sem o secundário): 23% na Região e 14% no País". Fonte - DN-Madeira/Pordata/Jornalista Ana Luísa Correia.


COMENTÁRIO

Quarenta e quatro anos depois de Abril são estes os resultados da política educativa regional autónoma. Dados que já eram conhecidos, não com a precisão agora divulgada. Pelas consequências futuras que estas percentagens denunciam, só há uma palavra que caracterize a situação: DRAMÁTICO. Entre os desempregados são cerca de dois terços que apresentam habilitações iguais ou inferiores ao 9º ano. O futuro está comprometido. Ora bem, esta, repito, dramática situação, é explicada, fundamentalmente, por quatro vectores:

Pelo estado de pobreza. Se existem, segundo os estudos, 30% de pobres, 15% destes em pobreza persistente, é óbvio que esta significativa fragilidade social se reflecte no quadro do insucesso e abandono escolar. Tenhamos presente que uma família pobre não pensa a educação a vinte anos. Pensa a sua vidinha ao mês, à semana e ao dia, porque as prioridades básicas imediatas são outras. E é assim pela necessidade de juntar dinheiro que corresponda às necessidades. As questões de política social estão, assim, na primeira linha do insucesso e do abandono. Junta-se a isto a mentalidade, consequência de uma menoridade cultural em sentido genérico. Resta saber, através de estudo, se essa política foi ou não intencional. Pode ser perverso, mas é uma hipótese.

Pela resposta do sistema educativo. O sistema só é aparentemente inclusivo. O facto da escola pública estar aberta a todos, não significa que o sistema não traga consigo o gérmen da exclusão pelas razões sociais. Não é inclusivo, por múltiplos factores: de ordem organizacional, curricular, programática e, sobretudo, pedagógica. Há uma substancial diferença entre o que designam por estabelecimentos de ensino e o que deveria se designar por estabelecimentos de aprendizagem. Aquelas percentagens acabam por ser como o algodão, não enganam. A escola, desde há muito que parou no tempo, estando a sua resposta descontextualizada da vida, da ciência e da espantosa evolução tecnológica. A escola não é apelativa, pois segue, teimosamente, os caminhos do passado. Funciona "by the book". Por alguma razão, a síntese do Prof. José Pacheco é repetida por tantos: o sistema destina-se a "alunos do século XXI, porém com professores do século XX, que utilizam as metodologias do século XIX". Em linguagem informática só podia dar erro. Ademais, o sistema vive de aparências, das olimpíadas disto e daquilo, da gabarolice da minha escola ser melhor que a tua, dos ranking´s, dos prémios no quadro de uma balofa meritocracia, dos momentos de espectáculo, portanto, vive muito do superficial com reduzidas preocupações sobre aquilo que é estruturalmente essencial.

Pela centralização e padronização. Não é possível nos dias que correm a manutenção de uma "política de interruptor". No seu gabinete, o político determina e todos cumprem do Porto Santo à Ponta do Pargo. O interruptor, a avaliar pelos resultados, tem produzido uma "luz de candeeiro a petróleo. E o retorno é também verdadeiro, para isso, a burocracia, com a elaboração de muitos relatórios de acompanhamento e muito, muito controlo dissimulado. Não satisfeitos com a centralização, continuam a padronizar tudo. Não têm consciência que não existem duas escolas iguais, pois os públicos são diferentes, os grupos de professores idem e as suas dinâmicas distintas. Entretêm-se na produção de um "fatinho igual para todos", quando o desejável seria um corte por medida. Continuam a basear-se na lógica da Sociedade Industrial (fábrica) e não em um tempo que exige atenção a diversidade e ao mundo que não para de surpreender. Ter os cordelinhos na mão continua a ser o objectivo primeiro do governo.

Pela negação da regionalização e da Autonomia. A Madeira conquistou a sua Autonomia e regionalizou a Educação. Porém, não deu um passo no sentido de caminhar no sentido de um sistema próprio. Não legislou no âmbito das suas competências, porque, genericamente, a Assembleia optou por ser mais adaptativa que legislativa. Todas as iniciativas com outra visão foram sempre literalmente chumbadas. Isto, quando a Constituição da República permitia ter ambição. A Lei Fundamental nunca impediu uma organização própria do sistema, englobando os estabelecimentos de aprendizagem; não impediu que o próprio parque escolar fosse construído de acordo com uma moderna concepção de escola; nunca impediu uma organização pedagógica própria; nunca impediu estabelecimentos com menos alunos e "turmas" com menos estudantes; nunca impediu que os políticos pensassem a escola como bem público; nunca impediu, na esteira do Professor Sampaio da Nóvoa, a existência de "vistas largas, um pensamento que não se fechasse nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito" (...), nunca impediu "(...) a defesa de uma escola centrada na aprendizagem que procurasse inverter a deriva transbordante de uma escola a quem a sociedade vai, progressivamente, atribuindo todas as missões". Portanto, houve, claramente, uma negação da regionalização e da Autonomia. E tanto assim é que, hoje, desejam que seja a República a pagar o sistema, sendo certo que quem paga tem tendência a "mandar".

CONCLUSÃO

E agora, senhores governantes? É que nem há possibilidades de repartir culpas, uma vez que foram sempre os mesmos a governar. Ridiculamente, falam de projectos no âmbito da robotização, quando o estado da Região é aquele que as percentagens apontam. Na Educação como em tudo não é conveniente subir os degraus de quatro em quatro! O pior, é que tudo isto foi aplaudido nas urnas pelos que passam necessidades, por uma sociedade não da inclusão, não da transmissão de valores humanos, mas uma sociedade que a todo o momento está a ser passada pelo ferro triturador que atenta, desumanamente, contra os próprios direitos do Homem.
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

SENHOR PRESIDENTE, O ESTADO NÃO TEM O "MONOPÓLIO DA EDUCAÇÃO"


O presidente do governo regional da Madeira declarou no decorrer de uma visita a uma escola "particular": "(...) Acho que o Estado não deve ter o monopólio da Educação. O Estado deve dar condições para as famílias e para os cidadãos escolherem qual a escola que querem estar e obviamente essa decisão cabe num princípio que é a liberdade de cidadania". Senhor Presidente, repita lá isso outra vez!


Desde logo, o Dr. Miguel Albuquerque sabe ou deveria saber que o Estado não tem o monopólio da Educação. Tanto assim é que, no plano Constitucional, é permitida a existência de dois sectores: o público e o privado. Só assim se justifica que o governo da Madeira, anualmente, entregue vinte e cinco milhões de euros ao sector privado. A declaração política do presidente não tem, neste quadro, qualquer fundamento. O Estado tampouco impõe às famílias o estabelecimento e o sector onde desejam colocar os filhos. Existe uma total liberdade. Liberdade até para optar pelo ensino doméstico. O que o Estado está obrigado, no plano da Constituição da República, é o de garantir o ensino universal até ao 12º ano. Se uma criança é inscrita em uma escola privada que disponha desde a creche ao 12º  ano e os pais podem suportar os encargos, pois bem, ao estabelecimento só é exigido o cumprimento dos planos curriculares e programáticos. O Estado nada tem a ver com os aspectos internos de natureza organizacional e pedagógica. Conclui-se, assim, que o Estado não tem o monopólio da Educação. 
Outra coisa é um governo que tem a obrigação de cumprir a Constituição, retirar o financiamento à escola pública para entregar aos estabelecimentos privados. Isto designa-se por demissão das obrigações constitucionais e tendencial privatização do sistema educativo. É o que acontece na Madeira, onde, anualmente, o governo injecta, no sector privado, milhões que acabam por fazer falta ao sector público. Quer o governo da República quer os das Regiões Autónomas tem uma responsabilidade e essa é a da garantia de uma oferta pública universal, inclusiva e com qualidade. Nas designadas falhas na oferta pública, pois aí, então, devem os governos garantir que ninguém seja prejudicado, apoiando estabelecimentos privados que cubram essas falhas na oferta. Só nestas circunstâncias. E sendo assim, no que concerne ao financiamento, primeiro, o sector público e, depois, o sector privado, apenas no caso de necessidade. 
Estando garantida a liberdade de escolha, deduz-se que, no privado, devem estar matriculados os que podem suportar os encargos. Ressalvo que nada, rigorosamente nada, tenho contra a existência do sector privado. Pelo contrário, no pleno respeito pela liberdade das famílias, o sector privado, complementar, faz todo o sentido. Não pode é ser privado e suportado, financeiramente, pelo sector público. Tão simples quanto isto. E há um outro aspecto que, aliás, já aqui equacionei. O sector privado tem as suas próprias dinâmicas, mas não significa que apenas ali exista competência transformada em resultados. Intencionalmente ou não essa ideia foi criada. Atentemos nestes dados: "(...) Enquanto as escolas privadas preparam melhor os alunos para os EXAMES, a formação no ensino público potencia o SUCESSO dos estudantes no ensino superior. As conclusões são de um estudo da Universidade do Porto, que acompanhou o percurso académico de 4.280 alunos. O estudo da Universidade do Porto debruçou-se sobre esses estudantes admitidos no ano letivo de 2008/09. Destes, 2.226 concluíram 75% das disciplinas nos primeiros três anos da universidade. Aqueles que tiveram melhores resultados eram provenientes de ESCOLAS PÚBLICAS. José Sarsfield Cabral, pró-reitor da Universidade do Porto, disse ao Público que “as escolas privadas têm grande capacidade para preparar os alunos para entrar (no ensino superior), mas o que se verificou foi que, passados três anos, estes alunos mostraram estar mais mal preparados para a universidade do que os que vieram da escola pública”. Estas conclusões vêm assim combater a ideia de fracasso do ensino público. “O desempenho dos estudantes no superior requer habilidades e capacidades que não são aquelas que decorrem de o aluno saber muito bem a matéria dos exames”, referiu.
Finalmente, fica claro que a posição do Senhor presidente do governo da Madeira não tem qualquer fundamento. Não existe monopólio. O que existe é um problema de base ideológica, elitista e de preconceito que o sector público é fraco. Não é. Notam-se naturais debilidades por falta de financiamento e porque, ali, convergem todos, desde ricos a pobres, enquanto que no outro sector, maioritariamente, estão lá porque, ou foram seleccionados ou a capacidade financeira é substancialmente diferente.
Ilustração: Google Imagens.