segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O PROBLEMA NÃO ESTÁ EM "COMO FAZER" A MUDANÇA, MAS NA CORAGEM DE ROMPER COM O SISTEMA


É preciso mudar. A palavra "mudança" está, cada vez mais, na ordem do dia do sistema educativo. O caminho no qual permanecemos está esgotadíssimo. Eu diria que a instituição escola encontra-se moribunda, ligada a uma complexa máquina que possibilita a sua "respiração" diária, porém, sem possibilidades de regresso à vida normal, de acordo com os quadros que hoje se entrecruzam. À esta escola tradicional, cujos traços fundamentais se mantêm, digo "paz à sua alma". O problema é que, com alguma regularidade, falando sobretudo com colegas, invariavelmente, a questão que é colocada gira em redor de "como fazer" essa mudança, como gerar uma escola que abandone a lógica do "toca-entra-toca sai", em um vaivém de disciplinas curriculares e de programas desintegrados e, muitas vezes, sem sentido? 


Pois é, falta-nos formação e sobretudo coragem. Talvez por acomodação, até porque um novo sentido organizacional de escola, de facto, dá muito mais trabalho. Implica destruir ideias pré-concebidas sobre a aprendizagem, deitar abaixo muitos e resistentes muros, romper com muitos anos de rotinas e de burocracias, colocar em causa o modelo único, libertar-se das amarras, afrontar o poder político, implica, em contraponto, trabalhar em equipa, co-responsabilizar-se e assumir que existe uma evidente desconformidade entre as dinâmicas deste século e as do séculos XVIII/XIX/XX.
Apesar de tudo, um pouco por todo o lado, começam a emirgir sinais de descontentamento, até porque, por um lado, a informação circula e há um maior número de iniciativas de formação que trazem no seu bojo a necessidade de rompimento com estratégias erradas, por outro, porque os professores, em maior número, interrogam-se sobre a desmotivação, a ausência de interesse e as razões da indisciplina.
O problema não está em "como fazer", mas na decisão que há um novo caminho a percorrer. Ainda há dias li a caracterização organizacional e pedagógica do agrupamento de Carcavelos. Onde não se chumba, pasme-se! Mas há outros espaços de intervenção de sucesso. Talvez o mais conhecido seja o da Escola da Ponte. Deixo aqui uma reportagem da TVI realizada em 2015. Trata-se de uma escola com pensamento diferente, que tem sido, ao longo dos anos, pressionada, negativamente, pelo poder político, mas onde os professores, como se diz, ofereceram "o peito às balas" e estão a vencer a imposição tonta de uma escola igual para todos, como se a escola fosse um "pronto-a-vestir". Para reflectir e comentar.

 

domingo, 30 de outubro de 2016

MIA COUTO, A ESCOLA E A TECNOLOGIA


"(...) Acho que é preciso repensar profundamente a escola. Esta escola não acompanhou as mudanças profundas que o mundo está a sofrer. Já no tempo em que estudava eu me interrogava o que ia mudar na minha vida se soubesse as equações de segundo grau, as derivadas, etc. Era ensinado de forma tão mecânica que não me fazia apaixonar pelo assunto". (...) 


"Não me preocupa muito que o livro surja num formato ou noutro. Não é a invasão tecnológica que me inquieta, mas sim a ausência desta presença humana e da história que é contada pela mãe, pelo pai e pela avó. Preocupa-me esta demissão dos laços familiares que entregam para uma escola, ou outra entidade qualquer, o dever de criar. O fascínio pela presença do outro está a perder-se. No fundo, não é o excesso tecnológico que me preocupa, é sim o défice do lado humano". É frequente ver jovens e menos jovens a sorrir para os telemóveis. É mais um inquietante sinal dos tempos? "Eles que peçam ao telemóvel que os abrace…"
NOTA
Ler a entrevista neste endereço.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 29 de outubro de 2016

A OBSESSÃO PELOS TPC. OU SERÁ QUE A ESCOLA (O SISTEMA) PRECISA DE RECICLAGEM E DE REORGANIZAÇÃO?


Em Abril corrente, José Soeiro escreveu, no Expresso, um texto sobre os TPC. A páginas tantas salientou: "(...) De facto, é a própria visão de educação e de infância que está em causa. O que hoje se vive é uma crescente e preocupante "alunização" de toda a experiência das crianças. Isto acontece com os TPC mas também com outras atividades, quando elas são feitas em função do seu contributo para o "sucesso" escolar: vais aprender música porque isso é bom para o teu percurso ou vais fazer uma oficina disto ou daquilo para ganhar "competências" úteis para a escola, etc. É sempre a condição de aluno a sobrepor-se à de criança e o tempo da infância visto como instrumental em relação à instituição escolar. O ofício de aluno ocupa o tempo da escola, mas prolonga-se para o espaço doméstico e coloniza todo o tempo da vida. Há algum educador que, em plena consciência, considere isto saudável?" Não sendo um tema recente, fui procurar posições sobre aquela matéria, a dos TPC. O campo de debate é extenso tantos foram aqueles que se posicionaram contra essa designada "alunização". Em 1999, há dezassete anos, a ex-secretária de Estado da Educação, Doutora Ana Benavente, no programa de Maria João Seixas, "Olhos nos Olhos", da RTP2, posicionava-se de uma forma muito clara sobre este tema. Aqui deixo essa passagem, quando hoje a Escola vive, cada vez mais, a obsessão pelos TPC, sem que ninguém se questione. Debatamos este assunto.

 

Dezassete anos depois continua actual. Eu diria actualíssimo. Os TPC só produzem, no sentido figurado, uma hemiplegia no seio da família. Ao final da tarde, depois de tantas horas na escola, segue-se, em muitos casos, o desporto, as academias, as vivências culturais, etc..., depois a correria dos pais na recolha, os banhos, o jantar e ainda os TPC! Há aqui um efeito de paralisia de um dos lados do que deveria ser a vivência e convivência familiar, o brincar e o descanso. Deixei a posição da Professora Ana Benavente. Fica, agora, a posição de um Psicólogo, Eduardo Sá.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O NOSSO MODELO ESCOLAR É DO SÉCULO XVIII E NÃO ESTÁ ADAPTADO À REALIDADE


Se há mais de 20 anos se concluiu, a nível internacional, que o modelo escolar está esgotado, por que não se faz uma reforma profunda em vez de mudar pormenores, instabilizando alunos, professores e famílias? O especialista cita os exemplos do ensino na Finlândia e nos jesuítas catalães. Entrevista com Joaquim Azevedo, investigador e professor da Universidade Católica, doutorado em Ciências da Educação.

As nossas escolas, incluindo as acabadas de construir pela Parque Escolar, onde se investiram centenas de milhões de euros, são para a educação escolar do século XVIII. Ninguém pensou em perguntar: "O futuro é este?" Estamos a construir hoje escolas que dentro de 5, 10, 15, 20 anos vão ter de ser alteradas, porque não é possível mais lecionar e organizar a escola em termos de grupos de 25 ou 30 alunos.


Tem havido discussão à volta da questão dos anos dos exames. Essa questão é central na educação?

A questão central da educação, de facto, não é essa, não passa por aí. É ser capaz de fazer que as novas gerações adquiram o conhecimento codificado que vem do passado e ajudá-las a desenvolver-se e a tomar conta do seu destino e da comunidade. Hoje, isso é feito cada vez com mais dificuldades, não cá em Portugal mas em todo o mundo. O modelo escolar vem do século XVIII - até vem de antes, mas desenvolveu-se mais a partir de então - e tem imensas dificuldades em adaptar-se à nova realidade. O mundo mudou muito.

Porque é global e todos temos acesso a informações de todos os lados?

Exatamente. E um acesso a conhecimento muito mais organizado, por causa de todo o investimento em inteligência artificial. É um mundo onde a tecnologia permite às crianças manipularem artefactos técnicos muito evoluídos, desenvolvendo uma capacidade mental diferente da das gerações anteriores. Mas quando se chega ao 1.º ano, a escola age mais ou menos como há 30 ou 40 anos. A cabeça com que as crianças vêm está moldada segundo outros modelos, já não é a mesma coisa. As dificuldades de ensino e aprendizagem são muito mais vastas do que as do passado. Há uma inadaptação da escola ao novo. Trabalho muito com escolas e no dia-a-dia. Até recentemente, os professores atribuíam o insucesso às famílias. Ainda ocorre muito essa justificação.

E é verdade?

Isso é uma premissa. O trabalho da escola tem de ser feito a partir daí, seja lá qual for o contexto. E isso é difícil, claro. Agora as queixas são sobre a desmotivação e a indisciplina, dois aspetos que estão associados. Por outro lado, revelam que a capacidade de captação da atenção que a escola antes produzia hoje é muito difícil. Os miúdos estão profundamente dispersos, com a atenção captada por realidades fora do contexto escolar que os motivam mais. A motivação, que é uma função escolar por excelência, tornou-se um pré-requisito. E isso é revelador da dificuldade da educação escolar em lidar com os tempos novos. Se esse pré-requisito existisse, a desigualdade social ainda seria maior. Se as crianças têm de chegar motivadas à escola para poderem aprender, se isso não é um trabalho escolar...

Que tipo de decisão é necessário que o Ministério da Educação tome para combater esse problema? Não estamos a falar de decisores e professores que não têm o mesmo tipo de "cabeça" que os alunos trazem?

Sim.

O que significa que é preciso intervir, primeiro, nos professores?

Sim.

É preciso fazer uma reforma a sério em vez de alterações pontuais? Rever todo o modelo?

Como, não sei, mas que o modelo precisa de revisão profunda, isso está claro. Nos anos 1990, quando representei Portugal num organismo da OCDE que trata da inovação e educação, ano após ano dávamo-nos conta de que o caminho não pode ser este. Este modelo está esgotado. Há um bloqueio, não avança. Como nós - de 31 ou 32 países - nos dedicávamos à inovação e educação, percebíamos que no mundo iam surgindo dinâmicas de mudança. Ao fim dos cinco anos em que lá estive, uma das perguntas que mais me fazia era: se toda a gente percebe, por que é que isto não muda?

E porquê?

Vivemos ambientes democráticos e é muito difícil que um partido se disponha a propor mudar o modelo escolar. Ninguém aceitaria, seria uma ótima forma de perder as eleições dizer, por exemplo, que queria mudar as disciplinas, os horários, os grupos de turma e os professores e a forma de trabalhar dos professores. Porque o que está em causa é que todo o modelo de organização pedagógica da escola tem de ser mudado. E isso não sei se vem de cima ou se vem de baixo.

É necessário um acordo de regime?

Sim. Pelo menos um entendimento entre algumas forças sociais e políticas. Aliás, o que revela esta geringonça da avaliação, por exemplo - para usar um termo na moda - é que tem muito que ver com isso. Vamos às escolas, trabalhamos com as famílias e o que mais pedem é: "Entendam-se, por favor!" O povo quer que os dirigentes políticos se entendam e os dirigentes políticos preferem fazer da educação um campo de batalha política. Isto é dramático!

É pôr pensos rápidos nos sítios onde a pessoa tem uma doença grave?

Exatamente. Há um sintoma. Mas nunca se ataca a doença.

As experiências inovadoras, na Finlândia e na Catalunha, mudam o quê?

Mudam a forma de organizar o ensino e a aprendizagem. O modelo escolar tradicional é alterado. É muito importante o passo que está a ser dado na Finlândia.

Por ser aplicado a nível nacional?

Por isso e porque é fruto de uma decisão política nacional. É a primeira vez. Há um país que dá o primeiro passo para aquilo por que há 20 anos ansiávamos.

No caso da Catalunha, não é o ensino do Estado, é particular. O Estado tem mais dificuldade, pela necessidade de um acordo entre os vários partidos?

Exatamente. Mas a Finlândia veio abrir caminho, já é possível recorrer a uma externalização para justificar. É a Finlândia, o centro do mundo neste campo, que faz a mudança, e isso faz toda a diferença.

E na Fundación Jesuitas Educación, uma rede de colégios da Catalunha?

Ainda não estão todos os colégios envolvidos, porque tiveram de fazer alterações físicas brutais. A dinâmica que está em curso na Catalunha demorou 15 anos a ser preparada. Desde a primeira reflexão, a primeira estruturação, até à questão dos recursos. Criaram um fundo entre as escolas todas para construir.

E é seguro?

É muito seguro porque já está a ser experimentado. Como o modelo é muito descentralizado e municipalizado, a cidade de Helsínquia já o tem aplicado em larga escala. Quando a decisão foi tomada já estava trabalhada e consensualizada, em termos políticos. As instâncias que refletem sobre estes temas já produziram muitos documentos. Quando, no próximo ano letivo, o modelo tiver aplicação nacional, já há muito trabalho feito e há segurança. É um passo importantíssimo. Tenho um texto sobre os casos da Catalunha e da Finlândia, que se chama Há uma brecha no dique. Essa brecha só pode alargar.

É irreversível?

Nunca mais se vai voltar para trás.

O que é diferente no novo modelo?

Na Finlândia, a mudança é ao nível da organização do trabalho escolar, que tem repercussões muito idênticas à Catalunha. O ensino passa a ser organizado por projetos... chamam-lhes fenómenos ou temas. Os professores, antes do início do ano letivo, organizam-se e estruturam uma boa parte do currículo - não é necessariamente a totalidade do currículo, porque é muito difícil fazer isso. Mas, por exemplo, 60% do currículo, é estruturado em torno de grandes temas agregadores, tendo em conta os interesses dos miúdos nas idades respetivas e a experiência que os professores têm com eles.

E que tipo de tema pode ser esse?

Por exemplo, há um problema da comunidade, uma necessidade que é preciso estudar, ou um tema que interessa aos alunos, ou um assunto em torno da natureza que mobilize conhecimentos nesses domínios. Os saberes de todos os anos letivos, organizados por pequenas unidades curriculares - de ciências, de língua materna, de matemática, de inglês - são mobilizados para os projetos. E há conteúdos que são dados em aulas tradicionais. Isto permite que os professores trabalhem interdisciplinarmente e em equipa.

Há diferenças entre os dois modelos, o finlandês e o jesuíta?

Os jesuítas da Catalunha vão mais longe porque agregam duas a três turmas. Isto obriga a deitar abaixo as paredes das escolas. As nossas escolas, incluindo as acabadas de construir pela Parque Escolar, onde se investiram centenas de milhões de euros, são para a educação escolar do século XVIII. Ninguém pensou em perguntar: "O futuro é este?" Estamos a construir hoje escolas que dentro de 5, 10, 15, 20 anos vão ter de ser alteradas, porque não é possível mais lecionar e organizar a escola em termos de grupos de 25 ou 30 alunos. Organizam-se grupos de 75, por exemplo, há dois ou três professores na sala que exploram os temas com diferentes grupos, com diferentes dinâmicas. E há uma mudança profunda na organização dos horários. Porque os alunos, numa parte importante da sua vida, vêm para a escola para continuar a pesquisa para o projeto. Até desse ponto de vista o vir à escola ganha outra...

...motivação?

Exato. E assim estamos a responder às questões de fundo: motivação, interesse, ser capaz de captar a atenção dos miúdos. Os professores queixam-se imenso, hoje, da dificuldade de ter os miúdos concentrados no que estão a fazer.

Há um grande medo da mudança. É preciso preparar um país para uma reforma destas?

Cada escola tem de ir criando condições para dar este salto. Aí temos muito a percorrer, porque pode haver também redes de escolas a fazer cooperativamente as mudanças. Em Portugal, temos uma grande experiência de trabalhar com projetos integradores, sobretudo nas escolas profissionais do ensino secundário em imensos sítios. São casos exemplares. Nós já fazemos o que a Finlândia quer fazer. Constroem mesmo um projeto integrador. Por exemplo, existe um problema para resolver na comunidade e os professores juntam-se. O ensino aí funciona por módulos. E então os professores verificam que módulos podem ser mobilizados. Desenvolvem o projeto em conjunto e aplicam--no. Na minha universidade, vamos fazer um um e-book só com exemplos destes. Trabalha-se muito bem a esse nível, em Portugal.

Portanto, é perfeitamente possível?

É possível em qualquer sítio.

Porque é que, no ensino básico, as pessoas têm medo?

Mas também têm no secundário. Isto faz-se minoritariamente. Têm medo porque este passo não é simples. Estamos a tentar fazer isso no interior norte do país, numa escola TEIP [programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária] com muitas dificuldades e está a ser muito difícil. Há muita resistência porque é uma nova metodologia que obriga os professores a trabalhar mais cooperativamente. Para uns é pacífico, para outros não. Implica, um modo de ensinar e uma forma de aprender que não são tradicionais. No contexto de algumas escolas profissionais, desde a raiz, isso conseguiu-se, mas é mais difícil passar à generalidade do sistema, porque nunca houve uma perspetiva integradora e flexível para trabalhar em projetos. A questão é passar de um sistema rígido a um sistema flexível. E não há nada na lei que diga que isso não pode ser feito.

Com a nossa legislação, seria possível começar?

Perfeitamente possível! É uma questão de organizar a escola. A principal dificuldade que encontramos, no caso que referi, é nos professores, na capacidade de formular a nova maneira de trabalhar. "Como vou integrar este saber com aquele?" Também há mil problemas com o facto de trabalharem em conjunto uns com os outros. Propomos esta dinâmica e muitos professores ficam motivados, porque sabem que isto vai motivar imenso os alunos. Mas depois: "Como avalio? Numa dinâmica de grupo, como traduzo isto em avaliação individual?" São estas as questões que emperram...

E como se faz a avaliação nesse novo modelo?

A avaliação pode ser mobilizada quer em termos individuais, quer em termos de equipa. Isso tem é de ser clarificado antes. Na formulação do projeto, têm de estar os objetivos a atingir, a maneira de lá chegar e as regras de avaliação: como é que cada um deles vai ser avaliado. E há imensas formas de fazer isso numa dinâmica formativa e não só. Para produzir a classificação, é mais simples. Mas é uma lógica de avaliação formativa: "aprendeste, não aprendeste", "se não aprendeste, porquê? Como dar a volta?" Essa dinâmica, como implica o processo de avaliação formativa, mexe mais com os professores. Diz-se muito agora: "Nós não queremos exames, queremos é avaliação formativa." Eu trabalho nas escolas, os professores classificam. Os professores sabem é classificar. O governo pode dizer que vai, sobretudo, haver avaliação formativa, mas isso não diz nada. O grande trabalho a fazer em Portugal é escola a escola, a tentar dar estes passos com consistência, com tempo. Isto demora muito a mudar. Na escola de que falei, estamos a caminhar há meses e há uma vontade enorme de fazer melhor. Os professores têm uma dedicação que, em muitos casos, é desmesuradíssima. Por vezes estão a fazer o que está provado que não resulta, mas trabalham loucamente, do ponto de vista profissional.

É preciso parar para olhar?

Pois. Refletir. Isto não pode ser assim.

As escolas superiores de educação não devem também espelhar isto tudo?

Deviam. Uma das coisas mais em causa é a formação inicial dos professores e a formação contínua, porque uma grande parte dos professores já está no sistema. Dentro de 10 ou 15 anos haverá uma grande oportunidade porque vão sair muitos milhares. Vem aí uma nova vaga que já devia chegar à esco-la com esta nova mentalidade. É também um problema político, porque está em causa o acesso à profissão. Eu tenho-me batido por isso e publicado pequenas coisas: é preciso dignificar mais a profissão docente, do ponto de vista da sociedade em geral. Tenho sugerido que a média de acesso aos cursos de formação inicial de professores tenha o mínimo de 16. E isto é uma decisão política.

Para que os melhores sejam professores?

É uma medida política! Não custa nada! É só publicar um decreto-lei, não tem interferência em coisa nenhuma a não ser nos cálculos para o acesso, que se podem colocar no computador. E pode dizer imenso. Se fizéssemos isso e revíssemos as regras de acesso à profissão docente e a formação inicial e contínua, podíamos estar a preparar os verdadeiros alicerces de uma educação diferente daqui a 20, 30 anos. Era isso que devíamos fazer. O que é que estamos a verificar? Nos últimos 20, 30 anos, acede à profissão docente um número razoável de jovens competentes mas também um número enorme de jovens que têm péssimas notas. E são professores. Entram com médias de 10, 11 ou 12... são pessoas com muitas dificuldades. A disputa que aqui se faz em torno da medicina, na Finlândia é em torno de ser professor, e o acesso à medicina fica a anos-luz do acesso à profissão docente.

Isso é estruturante?

É um trabalho que a Finlândia faz há 30 anos. Começou a investir na profissão docente, a mudar a formação inicial, a mudar as regras de funcionamento da profissão. E a pedir muito em troca. Por cada coisa que se dá, tem de se pedir muito em troca, do ponto de vista profissional e de exercício de responsabilidade: muita autonomia, mas muita responsabilidade. A realidade da Finlândia é essa. Nós temos agora essa oportunidade. Como temos um nível etário muito elevado, uma média de mais de 40 anos, dentro de 15 anos, no máximo, vamos ter a possibilidade de substituir um volume muito importante da geração dos professores.

A questão não se coloca, como dizem muitas pessoas, entre a permissividade e a disciplina?

Isso é uma conversa estafada. Essas tensões existem mas o problema não é esse. É uma mistificação, porque um sistema com exames pode ser altamente permissivo. Ficam bem os que ficam bem no exame. E os outros? Em Portugal, aumentou imenso, nos últimos anos, a retenção no 2.º ano. Porquê? Pelo efeito do exame. Mas aprende-se melhor? Temos de ir um bocadinho mais atrás, mais longe. Esse tipo de discussão cansa-me, não conduz a nada. Vivemos num mundo de faz de conta: faz de conta que escola funciona bem; faz de conta que os exames são bons para os alunos aprenderem; faz de conta que os professores ensinam bem; faz de conta que a legislação que o ministério põe cá fora é eficaz e que os professores e as escolas a seguem, faz de conta que existe avaliação formativa.

E depois trata-se o ranking das escolas como se fosse o grande objetivo?

Ou como se fosse tudo. E não é. Eu coordenei a equipa que pôs os exames em Portugal no 12.º, em 1993. Pela primeira vez, depois do 25 de Abril, criámos exames. Duvidámos e discutimos muito se se devia fazer. Porque sabemos o lado positivo e o lado negativo dos exames. Mas no caso do 12.º ano, creio que era mais ou menos inevitável. E tinha que ver também com o modelo da certificação e com a desigualdade de critérios de avaliação, porque havia escolas que davam notas inflacionadas internas. Foi preciso calibrar para ter a certificação final do percurso escolar antes do ensino superior. No 9.º ano, pode fazer sentido ter exames para avaliar o percurso de todo o ensino básico. Mas o investimento tem de ser no processo do ensino e aprendizagem. O problema está ali. Em educação, o processo é o produto, é o processo que conta. A avaliação externa e os exames são importantes, têm o seu papel. Mas isso não invalida que a questão central tenha de ser outra. Ter mais uma prova disto ou daquilo é irrelevante.

Qual é o caminho, então?

Nas escolas onde trabalho, a minha preocupação é se os professores estão a perceber os processos pedagógicos que eles próprios mobilizam. Refletem sobre isso? Sabem os que são eficazes e os que não são? Otimizam os que são eficazes? Estes é que são os núcleos. "Então sugerem-nos metodologias novas?" "Sim, com certeza. Há estas, estas, estas, vamos por este caminho, vamos por aquele". E as escolas mudam. E as pessoas, depois, agarram-se e prendem-se. Há aqui um problema de software, claramente. Hoje o problema é de software.
Ilustração: Leonardo Negrão/Global Imagens/DN

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

"A ESCOLA DO FUTURO É O FUTURO SEM ESCOLA" (...) "SEM SALA DE AULA"


Convido os governantes, professores, pais e todos quantos se interessam pela Educação, a seguirem este vídeo. Foi publicado há dois anos, mas continua actual. Da sua essência resulta a absolutíssima necessidade de mudar o modelo para que ela se constitua como motor do desenvolvimento.

 

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

AFINAL, A CULTURA DO CHUMBO NÃO AJUDA A MELHORAR


Um estudo da Universidade Nova de Lisboa, "Será a Repetição de Ano Benéfica para os Alunos?", concluiu que reprovar alunas do 4º ano com mau desempenho escolar tem um efeito positivo muito reduzido e, entre os rapazes, não traz qualquer vantagem. (aqui) Os investigadores concluíram que, afinal, "o efeito geral da retenção na progressão escolar de um aluno de baixo desempenho é negativo". E sugerem: sendo "Portugal um dos países da OCDE com a mais elevada taxa de retenção e cada chumbo representar elevados custos para o sistema de ensino, que esses recursos financeiros deveriam ser usados em políticas educacionais alternativas mais eficazes no apoio aos alunos com baixo desempenho".


É sempre importante a existência de novos estudos, mesmo a sua replicação, com protocolos iguais ou não, porque ajudam a compreender a situação e sobretudo a fazer despertar os responsáveis pela política educativa para os erros que cometem. Inclusive os professores. Este estudo tem pelo menos esse mérito, o de colocar na discussão pública aquilo que, por ignorância ou cegueira ideológica, muitos tentam fazer crer. Não estava à espera de outros resultados, simplesmente porque sou um defensor da avaliação contínua e da intervenção precoce, o que significa, por um lado, uma posição totalmente contrária à existência de exames no Ensino Básico, por outro, que pouco vale tentar recuperar aos dez anos um somatório de incapacidades cognitivas que deveriam, anos antes, ter sido diagnosticadas e merecedoras de actuação. É o que há muito assumem os investigadores em Educação. Mesmo no plano da Economia há estudos que traduzem (um deles é o de James Heckman, Nobel da Economia) o significado multiplicador no futuro de cada euro investido precocemente. São dele estas palavras: "(...) tentar sedimentar num adolescente o tipo de conhecimento que lhe deveria ter sido apresentado há dez anos sai algo como 60% mais caro". 
A propósito, li, tem já algum tempo, uma entrevista com Joaquim Azevedo, investigador e professor da Universidade Católica, doutorado em Ciências da Educação. "Se há mais de 20 anos se concluiu, a nível internacional, que o modelo escolar está esgotado, por que não se faz uma reforma profunda em vez de mudar pormenores, instabilizando alunos, professores e famílias? O especialista, nessa entrevista, cita os exemplos do ensino na Finlândia e nos jesuítas catalães. (...) O modelo escolar vem do século XVIII - até vem de antes, mas desenvolveu-se mais a partir de então - e tem imensas dificuldades em adaptar-se à nova realidade. O mundo mudou muito". Pois mudou, mas há quem prefira manter os olhos colados no passado.
Pelo interesse desta longa entrevista, um dia destes aqui publicá-la-ei. Porque tem muito a ver com este estudo, sobre o que é hoje a escola enquanto "produtora de chumbo", que se nega a acompanhar o que a ciência já desvendou.
Ilustração: Google Imagens.  

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O QUE É A EDUCAÇÃO FÍSICA CURRICULAR? PESSOALMENTE, NÃO SEI!


Sei que vou gerar controvérsia com esta minha posição. Espero, apenas, que a respeitem, tal como aceito o contraponto ao meu posicionamento. Trata-se do anúncio do regresso da "validade da nota de Educação Física para o acesso ao ensino superior, feito na passada sexta-feira, pelo secretário de Estado da Educação, João Costa". Pessoalmente discordo. Sempre discordei, à luz da História, da leccionação que exerci durante quatro décadas, do que estudei e dos debates com académicos com quem muito aprendi. Não vou aqui discorrer sobre o meu pensamento, porque não altero uma vírgula a um texto que publiquei a 15 de Junho de 2012. Daí que prefira deixar a então reflexão à reflexão de outros.

TÍTULO

"Ao contrário de procurar a igualdade com as outras disciplinas, o professor de Educação Desportiva deveria procurar a diferença. Simplesmente porque os graus académicos de formação sendo iguais (Licenciatura, Mestrado e Doutoramento) a sua prática é substancialmente diferente. De resto, não há Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo ou da Europa de Português, de Ciências ou de História. Mas eles existem no desporto, plenos de beleza estética, de festa, de superação individual e que impelem e influenciam uma prática a qualquer nível. Sendo assim, enquanto uma bola saltitar frente aos olhos de um jovem, jamais alguém precisará de, muitas vezes, "castigar" os alunos com sistemas retrógrados de avaliação, pelo facto da dita bola, volto a ironizar, por um desajeitado pontapé, não ter entrado na baliza, no quadro dos superiores objectivos definidos na complexa Unidade Didáctico-pedagógica. Pois bem, "morra" a Educação Física que hoje constitui uma monumental fraude e viva a Educação Desportiva Curricular. 


Provavelmente, a partir do próximo ano lectivo, a nota de Educação Física deixará de contar para a média do aluno no que concerne ao acesso ao ensino superior. A notícia, citando fontes do Ministério da Educação, foi hoje publicada no jornal PÚBLICO. Desde sempre entendi que tal não fazia sentido, pelo que aprovo esta medida. E vou mais longe, nem deveria contar para a média de curso. E cheguei a publicar, em livro, em 2004, no "Ano Europeu da Educação pelo Desporto", definido pela União Europeia. De qualquer forma trata-se de um assunto que levantará muita celeuma entre os profissionais de Educação Física. Deixo aqui uma parte do texto que consta do citado livro publicado.
"Joana [1] teve uma mão cheia de cincos mas, na Educação Física, o nível foi um três “muito fraquinho”; Francisco precisou que outros professores votassem o nível de Educação Física para entrar no quadro de honra da escola; José obteve nível dois porque é um “desajeitado, coitado!”; Fernando, porque é obeso e descoordenado, viu um implacável dois na pauta; Teresa, idem, porque não “não gosta” e conheço o caso da Luísa, estudante de nível cinco, de excelentes predicados nas atitudes e valores, esguia, flexível, de uma grande disponibilidade corporal, expoente no ballet que pratica quase diariamente mas, ironizo eu, certamente porque, em três meses de futebol, não conseguiu acertar com a baliza ou porque teve um teste fraco, também não foi além do três. Ao lado destes casos, entre muitos que me chegam ao conhecimento, há também o daquela turma que, recentemente, registou cerca de 80% de negativas em Educação Física. Ao fim e ao cabo, situações que dão para pensar sobre o fundamentalismo, dito pedagógico, que por aí anda, desvirtuador da vocação primeira desta disciplina curricular e provocador de um enorme rasto de frustração. 
Ora, é por estas e múltiplas outras razões que defendo, há muitos anos, a morte da Educação Física e o nascimento da área curricular denominada por Educação Desportiva que se abrigue, inclusive, num quadro científico mais vasto e sustentado. Razão tem, pois, o Doutor Manuel Sérgio, ele, um Filósofo, que melhor que ninguém neste país sabe interpretar e sintetizar as correntes filosóficas, sociais e o pensamento pedagógico ao longo dos tempos, ao assumir que: “(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência, credibilidade, respeito e admiração” (semanário O DESPORTO Madeira, 27.06.03) [2]
Trata-se, de facto, de uma luta contra um poderoso lóbi corporativista, obsoleto e medíocre, entrincheirado nas universidades e em posições estratégicas de decisão política, que não consegue entender que as respostas encontradas nos anos 30 e melhoradas a partir da década de 70 já não se adequam, por um lado, ao actual conhecimento científico, por outro, às expectativas que o desenvolvimento determinou. Daí que não me espante nem me cause qualquer embaraço que aqueles que consideram que a mudança de paradigma terá de ser operada, sejam muitas vezes visados com graves dislates os quais, penso eu, não são mais do que o estertor de quem perdeu todos os argumentos e, naturalmente, sente que os alunos, paulatinamente, os das universidades e outros de idades mais jovens, estão a lhes voltar as costas, por sentirem que há um mundo novo de possibilidades de prática que não se restringe ao espaço de uma Educação Física bafienta, repetitiva e sem futuro [3]
Não compreendem, nem fazem um esforço por compreender, que a razão da existência de professores está hoje determinada pela necessidade de educar através do desporto e que isso implica, necessariamente, a mudança organizacional dos estabelecimentos de ensino, a completa ruptura com os actuais programas, melhor e mais adequada formação universitária dos futuros docentes, formação permanente e a assunção de uma nova mentalidade pedagógica. Metaforicamente, costumo sublinhar, basta de sopa fria, igual para todos e repetidamente servida. Ofereça-se, pois, o doce mais apetecido: a prática educativa do desporto [4], no pleno respeito pelas diferenças de ambos os sexos e pela segmentação de interesses que existem no meio escolar. Não está, portanto, em causa, beliscar a importância desta área obrigatória dos diversos currículos. Pelo contrário, o que está em causa é, através da mudança, ir ao encontro dos jovens, formando-os com princípios e valores para a vida, possibilitando, inclusive, o inegável direito à excelência através do Desporto Escolar [5]. A própria União Europeia percebeu que a via portadora de futuro é esta, não sendo por acaso que 2004 constituiu o “Ano Europeu da Educação pelo Desporto”. 
Ainda sobre as notas ou níveis que se atribuem aos alunos, eu diria que um professor não se afirma (se se trata de uma afirmação no contexto das restantes disciplinas) no seu mister por essa via. Afirma-se pelo estudo, pela capacidade cultural e crítica, pelo conhecimento, pela qualidade, pela capacidade de resposta aos interesses dos educandos, pelas dinâmicas que é capaz de operar no espaço escolar e pelo gosto que desperta, neste caso, por uma prática desportiva regular. Ao contrário de procurar a igualdade com as outras disciplinas, o professor de Educação Desportiva deveria procurar a diferença. Simplesmente porque os graus académicos de formação sendo iguais (Licenciatura, Mestrado e Doutoramento) a sua prática é substancialmente diferente. De resto, não há Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo ou da Europa de Português, de Ciências ou de História. Mas eles existem no desporto, plenos de beleza estética, de festa, de superação individual e que impelem e influenciam uma prática a qualquer nível. Sendo assim, enquanto uma bola saltitar frente aos olhos de um jovem, jamais alguém precisará de, muitas vezes, “castigar” os alunos com sistemas retrógrados de avaliação, pelo facto da dita bola, volto a ironizar, por um desajeitado pontapé, não ter entrado na baliza, no quadro dos superiores objectivos definidos na complexa Unidade Didáctico-pedagógica. Pois bem, morra a Educação Física [6] que hoje constitui uma monumental fraude e viva a Educação Desportiva Curricular [7]
NOTAS DE RODAPÉ:
[1] Todos os nomes são fictícios. 
[2] É no quadro da Ciência da Motricidade Humana que o filósofo fala de “uma nova Renascença, de uma época de construção de novas ciências, que procura encontrar a teoria da prática dos professores de Educação Física. Que (…) há que compreender como Heidegger, que existir humanamente é ser tempo. De facto, tudo é tempo e a Educação Física já teve o seu” – Manuel Sérgio, Da Educação Física à Motricidade Humana (2002). 
[3] (…) Esse estado dá hoje muito que pensar. Com efeito a análise dos dados levantados por várias investigações, bem como as declarações e tomadas de posição de organizações internacionais tornam evidente que esta área disciplinar vive, desde há alguns anos, uma crise sem precedentes na sua história. Esta crise traduz-se num declínio acentuado do seu estatuto, em reduções de tempo no horário escolar, em inadequação de recursos materiais e pessoais, em erosão dos padrões de qualidade e profissionalismo (…) Mas... como configura a Educação Física as suas relações com o corpo e com o desporto? Como é possível que a Educação Física esteja em crise, se o desporto nunca viveu uma fase de tamanha expansão e crescimento e se estamos a assistir a uma conjuntura corporal, a um regresso festivo do corpo trazido pela valorização da imagem, da estética e dos estilos de vida? Como é possível tal crise, se vivemos numa sociedade que nos ensina a valorizar o corpo como nenhuma outra antes dela e se já entrámos numa era que se funda não mais no trabalho, mas antes no lazer e no ócio criativo e em que será cada vez mais nestas referências que se firmará a nova identidade do indivíduo? Estas perguntas encaminham-nos para a necessidade de reconstruir a educação física à luz de novas e actuais premissas. (…) Para manter a sua presença no sistema educativo a área da Educação Física precisa de renovar argumentos que reforcem a sua real importância. E carece de agregar forças capazes de sustentarem que ela é parte genuína e indispensável da educação. Para tanto deverá começar por lançar pontes de cooperação entre a escola e o envolvimento familiar. – Olímpio Bento, Da Educação Física ao Alto Rendimento, pág. 79 e seg.. 
[4] Salienta o Doutor Gustavo Pires no livro Desporto e Política – Paradoxos e Realidades, pág. 352 e 353: “(…) O sistema de valores, os símbolos, a estética, o espaço e a estrutura do tempo são portadores de novas ideias e pensamentos que devem originar outras soluções organizacionais quando se trata de organizar actividades lúdicas, culturais, recreativas e formativas, em ambiente escolar. (…) Defender a Educação Física não é, por isso, insistir nos modelos e nas soluções do passado. Defender a "Educação Física" é sermos capazes de encontrar soluções de acordo com as realidades do nosso tempo. Numa dinâmica de futuro. E o futuro é o ensino do desporto”. 
[5] No livro Da Educação Física à Motricidade Humana (2002), editado pelo O Desporto Madeira, pode ler-se na pág. 36 a seguinte passagem do Doutor Olímpio Bento: “(…) é, portanto, curial reconstruir esta área à luz de um lema como este: “escolarizar o desporto – desportivizar a escola e a vida”. Mas atenção, como também salienta o Doutor Manuel Sérgio, desportivizar a escola e a vida num projecto que combata uma prática que constitui “uma das grandes alienações do nosso tempo”. Isto é, “para além do desenvolvimento desportivo, é preciso criar um desporto ao serviço do desenvolvimento”. E a Escola, neste aspecto, é determinante essencialmente porque é futuro. 
[6] Do livro Motricidade Humana, do Doutor Manuel Sérgio, pág. 82, cito: “(…) O trabalho prático e teórico (há-de ser sempre as duas coisas simultâneamente) ao nível da motricidade humana, exige uma visão complexa do Homem, da Natureza, da Sociedade e da História; espírito crítico designadamente em relação à própria profissão, descomprometimento com os grandes interesses partidários e empresariais; consciência da dignidade humana; capacidade de intervenção, principalmente através das ideias, na vida política nacional; informação e formação permanentes, quer no plano da preparação científica e pedagógica quer no da articulação prática-teoria; vivacidade de espírito e curiosidade constante em relação ao processo evolutivo da sociedade e da cultura – e não é tudo isto o que se entende por intelectual?”. E adianta: “Um homem é, a meu ver, como um cristal em movimento. Mede-se, acima de tudo, pelo número de faces iluminadas. O mesmo se aplica ao profissional da motricidade humana”. 
[7] Em 1999 foi divulgado um relatório conduzido por K. Hardeman, da Universidade de Manchester, patrocinado pelo Conselho Internacional de Ciências do Desporto e Educação Física e suportado pelo Comité Internacional Olímpico, que teve por objectivo investigar a situação mundial da Educação Física. As respostas ao questionário, aplicado em 126 países, alertou para o facto da Educação Física se encontrar numa profunda crise de identidade e de credibilidade social.
NOTA
Entre outros textos publicados
http://comqueentao.blogspot.pt/search?q=Educa%C3%A7%C3%A3o+F%C3%ADsica+
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 23 de outubro de 2016

ESTE ANO VAIS SER O MELHOR GOVERNANTE! BORA LÁ?


O Professor Jorge Rio Cardoso veio apresentar à Região um livro a que deu o título: "Este ano vais ser o melhor aluno! Bora lá?". Uma apresentação que contou com a presença do presidente do governo regional e do secretário regional da Educação. Não li o livro. Por curiosidade, talvez o faça, embora entenda que o problema não está, segundo li, na organização, técnica e estratégia de estudo, mas no próprio sistema educativo. Se não for alterada a concepção organizacional e pedagógica e tudo o que se encontra visivelmente exposto a montante da Escola, as desestruturações familiares, o desemprego, a pobreza, a mentalidade, parece-me óbvio que o "Bora lá" ficará por aí. A própria experiência de vida do autor, onde se inclui alguns momentos de repetência, podem não ser generalizados ao universo das crianças e famílias. O Professor Jorge Cardoso é um caso de enaltecer, mas apenas isso, quando as variáveis do insucesso são múltiplas e extremamente complexas. Mas não é o texto em livro que aqui me traz, mas as políticas que suportam a Educação.


Estava eu a ler o texto do essencial que se terá passado na apresentação do livro e na minha cabeça baloiçava um outro título possível e porventura oportuno: "Este ano vais ser o melhor governante! Bora lá?" Os políticos que apadrinharam esta apresentação deveriam ler o título de capa substituindo a palavra aluno por governante. Porque é deles e das políticas que poderão implementar que se alcançará uma melhor sociedade e, por extensão, uma melhor escola. Ou vice-versa. É difícil, pois é, romper com muitas décadas de rotinas. Imagine-se o caso dos alunos que chegam à escola com défices significativos a vários níveis! É a "história" que se conta, com humor, do falso cientista que perante uma plateia, com uma rã sobre a mesa, apresentou uma teoria: cortou uma pata à rã e disse-lhe: salta rã. E a rã saltou. Sucessivamente foi cortando patas e com maior ou menor dificuldade a rã foi saltando. Quando cortou a quarta pata a rã não saltou. Conclusão: a rã sem patas é surda! Pois é, não basta dizer "Bora lá!", porque há muitas "patas" cortadas nas crianças e jovens que chegam à escola. É por isso que eles não ouvem. Nem o sistema lhes proporciona formatos motivadores para que oiçam. Daí que, para os políticos, o título do livro deveria motivá-los naquele sentido: "Este ano vais ser o melhor governante! Bora lá?" 
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 22 de outubro de 2016

COITADAS AS CRIANÇAS... O PESO DE UMA MOCHILA ESCOLAR PAGARIA EXCESSO DE BAGAGEM!


Estive à porta de uma escola. Eram 18 horas. Um ou outro saía com a mochila às costas ao encontro dos pais e/ou familiares, enquanto a generalidade usava um "trolley", tantos são os livros, cadernos, lanches, equipamentos de desporto e outros necessários ao "dia de aulas". Trata-se de uma escola que concentra crianças e jovens de várias idades, desde muito cedo até ao final da tarde. Pesei uma dessas "malas de viagem". Onze quilos e meio para uma criança de 5º ano, com cerca de 30 kg de peso corporal. Carrega, uns dias menos do que outros, um terço do seu peso. O peso da "mala da viagem escolar" diária, em uma companhia aérea de baixo custo, pagaria excesso de bagagem. Sem apelo!


A pergunta é esta: para quê? Será este o peso do saber? Certamente que não. O assunto não é novo, eu sei. Há anos que são desenvolvidos estudos sobre este preocupante assunto. Um desses estudos revelou que "81,1% das crianças levam peso a mais na mochila". Médicos especialistas consideram que o peso da mochila deveria se situar entre 10 a 15% do peso corporal. No caso daquela criança o peso não deveria ir além dos 4,5 kg. E assim vamos, com mais disciplinas, mais carga horária, mais horas passadas na escola e mais peso para transportar. Para quê? 
Hoje é normal vermos, por exemplo, os advogados, entrando nos Tribunais, transportando os processos em um "trolley". As crianças cedo se habituam à imagem dos adultos. Ao invés de analisarem o que está mal neste processo, o que tem sido desenvolvido e aconselhado aos pais é a distribuição dos materiais na mochila e o cuidado na sua aquisição, isto é, se são ou não almofadadas. Os problemas na coluna resolvem-se mais tarde, com custos acrescidos para o Estado.
O sistema educativo esquece-se que as "(...) dores nas costas são a causa mais frequente das visitas ao médico. As doenças que afetam a coluna representam mais de 50% das causas de incapacidade física e que se estima que 7 em cada 10 portugueses sofrem ou já sofreram de dores nas costas. Independentemente deste factor de relevante importância no plano da saúde, a questão essencial que se coloca é se a formação básica se mede por quilos? Ou será, deixo às vossas considerações, que existem outros formatos de aprendizagem que conduzem ao saber dispensando a necessidade do sacrifício?  
Ilustração: Arquivo próprio

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

OS PROFESSORES SÃO CONSTRUTORES DO CONHECIMENTO


Professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (UL) desde 1988, Manuela Esteves é membro da Assembleia de Escola e do Conselho Científico do Instituto de Educação da UL, em fase de instalação. Integra, desde 1983, o Conselho Nacional da Fenprof e faz parte da Direcção do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (Departamento de Ensino Superior). Tendo em conta a sua longa experiência na área de formação de professores e o seu passado e presente como sindicalista, a PÁGINA foi ouvir Manuela Esteves em torno da memória social e profissional dos professores –, levantando ainda outras questões sobre a prática profissional e os desafios que actualmente se lhe colocam.


Na sua opinião, os professores valorizam a memória social e profissional da classe?
É uma pergunta de resposta difícil, porque depende em grande medida do contexto temporal em que cada um se situa. Imagino que os professores mais jovens, que iniciaram o seu percurso profissional nos últimos cinco ou dez anos, não tenham presente o mesmo tipo de memória relativamente a quem está há mais tempo na profissão. E a questão que se coloca, nesse caso, é saber se quem está nessa situação, e as organizações e associações que constituíram, são ou não capazes de fazer a passagem dessa herança.
Independentemente dessa análise, acha que essa memória é valorizada?
Eu diria que sim. Em condições que, por vezes, poderão parecer um tanto ou quanto ingénuas. É habitual, em conversa com outros professores, ouvir estabelecer comparações entre o passado e o presente de uma forma muito emocional, ou pelo menos pouco racionalizada, assumindo que o grupo profissional tem determinados méritos ou determinadas responsabilidades face ao estado em que a profissão se encontra. E podendo fazê-lo de muitas maneiras, diria que o mais frequente seja em um de dois sentidos: ou mitificando o passado, do qual têm saudades (“antes é que era bom” é um comentário comum), e assumindo que o presente é sempre pior; ou num sentido alternativo, em que o que prevalece é a mudança com um registo do que de positivo também acontece, não olhando para o passado de forma mitificada. Mas, seja qual for a opinião, esta questão da memória é sempre algo de muito problemático, porque ela não é inerte e estamos permanentemente a reconstruir um passado.
Com qual dessas posições se identifica?
Antes de mais, acho conveniente situar o tempo da minha memória. Eu comecei a trabalhar ainda antes do 25 de Abril. Do ponto de vista da experiência pessoal, posso dizer que tive a sorte de trabalhar pouco tempo durante a ditadura. Mas isso ainda me permitiu vivenciar com o realismo necessário o que era ser funcionário público na área do ensino, com os constrangimentos políticos, sociais e profissionais próprios da altura. Nessa medida, eu tendo definitivamente a valorizar o progresso que se viveu de então para cá, demonstrável através de factos – o que outros professores não podem fazer, porque são mais jovens – que transferem o meu ponto de vista pessoal para um mais objectivo. Isto é, quando afirmo que houve imensos progressos na condição dos professores, na situação da profissão docente e nas mudanças operadas ao nível do sistema educativo, eu posso demonstrá-lo com factos e não com sentimentos.
Voltando ao início da conversa, e pedindo-lhe que assuma o seu passado e presente como sindicalista, qual pode ser o papel dos sindicatos na salvaguarda desse património?
Eu penso que os sindicatos terão, provavelmente, um papel insubstituível neste domínio. A par com um outro, que eu espero que também seja assumido e que é o da investigação. A profissão docente é uma categoria profissional que tem beneficiado, com alguma regularidade, de trabalhos de investigação através dos quais se procura analisar a sua evolução ao longo do tempo. Neste domínio, e podendo referir alguns trabalhos já realizados, gostaria de citar em particular o trabalho de doutoramento do professor António Nóvoa, «O Tempo dos Professores». A minha expectativa, portanto, é que a investigação continue a interessar-se pelo estudo desta profissão. Mas, a par desta, e com efeitos sociais provavelmente mais importantes, deverão estar também os sindicatos, nomeadamente os centros de estudos que eles dinamizam, as publicações – como «a Página da Educação» – que sustentam, que permitam de uma maneira mais viva, menos balizada em estudos, que os grupos de professores, em particular aqueles que vão chegando à profissão, tenham um melhor conhecimento da história da profissão. Porque perceber o presente à luz do passado ajuda-nos, sem dúvida, a perspectivar o futuro.
E considera que os sindicatos têm conseguido afirmar publicamente a profissão? Ou essa vertente pode ser reforçada?
Esse é um trabalho que deverá ser feito em permanência e do qual nunca se poderá dizer que atingiu o patamar da excelência. Não me recordo, desde que existem os sindicatos, de nenhum momento em que as suas organizações reconheçam ter atingido esse nível, de não haver mais nada a fazer. Aquilo que é normal em todas as organizações que estão vivas, é haver a noção de que se pode fazer mais e melhor e de que ainda existe muito caminho para andar. Para lá desta insatisfação, que me parece saudável, creio que os sindicatos são organizações essenciais na afirmação da profissão. E nestes últimos três anos de muita conturbação eles assumiram precisamente esse papel. Poderá ter havido outros movimentos que contribuíram para esse objectivo, e eu respeito a sua iniciativa, mas o papel dos sindicatos foi insubstituível. Se não tivéssemos sindicatos e nos limitássemos a ficar por conta de movimentos mais ou menos esporádicos, que conjunturalmente se organizam em torno deste ou daquele interesse particular, os professores não teriam, com quase toda a certeza, mantido a firmeza e o sentido colectivo no sentido de constituírem um corpo profissional que precisa de se afirmar permanentemente na sociedade. Até porque nenhum grupo social tem o seu estatuto garantido. E os professores têm de mostrar que são úteis à sociedade e que esta pode confiar neles, e que por esse motivo têm direito a lutar pelos seus direitos. E os professores mostraram tudo isto de uma forma significativa, nunca antes vista na história dos movimentos sindicais.
Outro aspecto essencial desta afirmação, que me parece ser importante referir, é que não deverá ser meramente corporativa, mas focar-se simultaneamente, como o tem feito, no trabalho desenvolvido no plano da educação. Daí a importância que os sindicatos sempre deram e continuam a dar à política educativa, num sentido mais geral do que a política em relação ao grupo profissional: a política em relação às escolas, aos currículos, aos recursos humanos, materiais e financeiros, que a todo tempo vão também configurando o trabalho que nós fazemos. E julgo que, ao contrário do que muitas vezes se diz e do que muitos professores possam pensar, a sociedade portuguesa reconhece este trabalho.
Tendo em conta a sua experiência na formação de professores, de que forma encaram os jovens esta questão da memória social e profissional?
Eu penso que essa percepção não depende tanto dos jovens que estão a formar-se para ser professores, mas, acima de tudo, dos formadores e das instituições de formação. Provavelmente não lhes ocorrerá perguntar como era ser professor há 50 anos... A questão é saber se, na formação de um professor, há algum interesse em que ele saiba como a profissão evoluiu. E daí a responsabilidade das instituições formadoras e dos profissionais que nelas trabalham, no sentido de eles compreenderem a importância desta memória e desta passagem de testemunho.
Que importância adquire essa contextualização na sua acção futura?
Julgo que quando se pode mostrar que uma profissão evoluiu no sentido de uma maior especialização e profissionalização, como é o caso da profissão docente, e se os alunos tiverem algumas referências claras sobre o que isso significa, eles estarão provavelmente mais abertos e mais capazes de investir no prosseguimento dessa especialização. Mostrar que as coisas aconteceram de determinada forma, que esta é uma linha evolutiva que parte de uma situação em que ser professor era apenas dominar a matéria que se tinha de ensinar – como foi característico durante décadas – para uma outra em que o professor é um especialista dos processos de aprendizagem e alguém que, no seu campo de trabalho, é um construtor de conhecimento. Ao mesmo tempo, mostrar como a profissão evoluiu em termos de segurança de emprego e de qualidade na remuneração, ajudará a sustentar intervenções mais esclarecidas e empenhadas.
Até que ponto a formação inicial de professores contempla essa vertente?
Depende muito de cada instituição de ensino. Será preciso dizer, talvez, que a formação inicial de professores está consagrada numa legislação que estabelece áreas de formação e o peso que essas áreas assumem no respectivo mestrado. Partindo da definição dessas grandes áreas de formação, competirá a cada instituição formadora traduzir cada uma delas em disciplinas, objectivos e conteúdos de aprendizagem. Haverá algumas escolas que, por exemplo, oferecem a disciplina de História da Educação. Mas conviria perceber de que forma organizam e orientam essa disciplina. É para o passado longínquo? É para estudar o que foi a profissão docente em Portugal no século XIX? É para estudar o passado mais próximo, a forma como evoluiu a Escola e a profissão no século XX? Aí teríamos de interrogar cada instituição para saber qual é o sentido que cada uma atribui a essa formação. Na minha perspectiva, porém, não basta que exista a disciplina para garantir esta formação. Ela depende, em grande medida, da qualidade dos programas que são organizados. Isto em termos de uma formação mais formal, tal como ela aparece nos currículos.
Existe outro tipo de formação que possa complementar a que acabou de referir?
Sim, nomeadamente a que se faz em relação com os professores mais experientes. A formação de professores inclui sempre um tempo de iniciação à prática profissional, realizada em escolas concretas, junto de profissionais experientes. E aí, eventualmente, essa relação permitirá alguma passagem de conhecimento sobre a vida profissional. Ao mesmo tempo, e de uma forma espontânea, não estruturada, haverá orientadores de prática pedagógica que sentem ser sua função socializar o professor na profissão, explicitando de que forma ela evoluiu num passado recente. Haverá, no entanto, quem não o faça, porque não está ainda muito claro, no plano da formação de professores, que esta seja uma questão relevante. É um pouco aleatório, inclusivamente ao nível dos programas. Daí que me pareça muito importante o trabalho que as associações sindicais possam fazer neste plano. Porque, na minha opinião, os sindicatos também devem assumir-se como entidades formadoras, no sentido de reconhecimento de pertença a um grupo profissional. Nomeadamente conhecendo a história recente desse grupo, de que forma ele evoluiu, o que tem sido a acção sindical, quais foram as prioridades ao longo do tempo...
É também nesse sentido que os sindicatos devem começar a cuidar organizadamente da sua memória, dos seus arquivos. Porque há documentação que, pela sua natureza específica, não estará guardada nos arquivos nacionais – cadernos, comunicações, boletins internos, entre outros, que constituem fontes extremamente importantes.
Passando a questões mais específicas: defende o recurso à investigação como estratégia fundamental na formação de professores. Até que ponto ela está presente na estrutura dos actuais cursos da formação de professores?
Por definição, está em todos. Um dos aspectos positivos da legislação de 2007 relativa às habilitações para a docência foi o facto de ter consagrado a iniciação às metodologias de investigação como uma das componentes da formação inicial dos professores, o que é algo inédito. Na Lei de Bases do Sistema Educativo, aliás, refere-se que um dos princípios a que a formação de professores deve obedecer são as competências no domínio da investigação e da inovação. Mas quando se chegava ao plano dos currículos de formação inicial, isso não aparecia claramente consagrado. Deste ponto de vista, todas as instituições de Ensino Superior, públicas e privadas, contemplam esta componente. Este é o aspecto formal. O problema que se coloca é de que forma, em concreto, ela é interpretada nos currículos. E aí há duas hipóteses: criar uma disciplina intitulada Iniciação às Metodologias da Investigação, com um carácter essencialmente transmissivo, livresco, através da qual os alunos aprendem a delinear e a descrever as diversas metodologias de investigação – o que, do meu ponto de vista, não tem interesse, porque é um saber meramente teórico, que não fará grande diferença; ou esta disciplina aposta na realização de trabalhos de investigação por parte dos estudantes. E isto, sim, faz toda a diferença, porque é fundamental a qualquer professor saber utilizar a investigação para resolver os problemas da sua prática quotidiana. Quando falo na investigação como estratégia na formação de professores, encaro-a como uma relação entre as competências investigativas e a capacidade, em primeiro lugar, de reconhecer a existência de problemas nas escolas – parece algo trivial, mas não é, porque muitos professores não identificam os problemas que estão à sua volta; em segundo lugar, ter vontade de os resolver; e, finalmente, ter a capacidade de os resolver, que não pela tradicional via da tentativa e erro.
E, hoje, as situações de trabalho dos professores são suficientemente complexas para beneficiarem da capacidade de um procedimento investigativo: identificar o problema, recolher dados que sejam apropriados para compreendê-lo e, a seguir, tomar decisões para a acção. E é aqui que o trabalho do professor diverge do do investigador, porque a este não se pede que actue, que resolva os problemas.
Mas aos professores tem sido deixado pouco tempo para actuar dessa forma...
Sim, e o trabalho dos professores deveria contemplar a realização de trabalhos de natureza investigativa, colaborativa – porque estes trabalhos ganham sentido quando são feitos por grupos de professores, e não individualmente, sendo muito difícil nestes casos manter o estímulo e o incentivo para continuar. Nas escolas deveriam existir grupos de trabalho, comunidades de professores interessados em resolver o mesmo tipo de problemas: a indisciplina, a dificuldade de aprendizagem, entre outros... Naturalmente que o tempo teria de ser retirado a outro tipo de tarefas, de natureza administrativa, com as quais os professores se encontram actualmente sobrecarregados. Nesse sentido, as nossas escolas necessitariam também de contar com técnicos especializados, que, não sendo professores, poderiam assumir o papel de auxiliares preciosos em determinados tipos de trabalho que actualmente estão entregues aos professores.
Mas, para isso, seria preciso repensar a sua organização e enriquecer o conjunto de meios humanos que se encontram à sua disposição. Só dessa forma será possível aos professores envolverem-se em projectos de investigação e de inovação.
Insistindo na questão da investigação-acção: sobre que questões deveria incidir, principalmente, a reflexão dos professores?
Acima de tudo, sobre a aprendizagem dos alunos, no seu sentido mais amplo: a aprendizagem mais formal, ligada às matérias e às competências escolares, mas também a aprendizagem em termos de cidadania e de educação global, que hoje em dia se pede às escolas, e do meu ponto de vista muito bem. Este deveria ser o enfoque dominante, se não mesmo o único. Não vejo interesse em que a reflexão se faça fora deste quadro: uma interpelação sobre o que cada escola e cada professor está a conseguir que os seus alunos aprendam, questionar sobre se isso representa o máximo da sua ambição ou se a ambição é maior. E se for maior, quais os caminhos para lá chegar.
Que critérios utilizar para distinguir o que são boas práticas educativas das que podem considerar-se menos boas?
Eu penso que as boas práticas educativas são as que levam os alunos a aprender, desde que salvaguardados determinados princípios de ordem ética que limitam a acção do professor. Ensinar é fazer o outro aprender. As boas práticas serão, portanto, as que se coadunam com os alunos concretos que o professor tem na sala de aula e que os levam a aprender, a melhorar. O caminho para lá chegar é que não será igual para todos os alunos. Uns irão mais longe, outros menos, mas o importante é que todos progridam alguma coisa através do esforço que fazem. E, ao contrário de certas pessoas, considero que há situações e momentos em que é fundamental que o professor exponha a matéria. Nunca alinhei naquelas correntes que quase defendem o desaparecimento do professor para pôr o aluno a aprender por si próprio.
Para terminar, até que ponto as deliberações dos professores devem incorporar a crítica dos contextos institucionais em que o seu trabalho se processa?
Eu creio que aquilo que se passa numa escola nunca pode ser compreendido apenas à luz dessa mesma escola. Admito que as escolas e os professores tenham um certa margem de autonomia no desempenho do seu trabalho, mas ter uma certa margem de autonomia não significa ter todas as condições para organizar a escola da forma desejável. Ao mesmo tempo que se empenham na melhoria da qualidade do seu trabalho e do trabalho da sua escola, é fundamental que os professores não percam de vista que um e outro fazem parte de um universo maior, em relação ao qual é necessário estar atento e participar. Quando falo em ter uma posição crítica relativamente aos contextos, isso significa procurar abranger tanto o contexto próximo, que é a escola em que se trabalha, como o contexto nacional. E mesmo internacional. Nós não podemos olhar para a política educativa portuguesa e não estabelecer comparações com a política educativa de outros países. É forçoso fazê-lo. Porque, provavelmente, aí encontraremos maneiras de perceber as nossas limitações e procurar ultrapassá-las.
Não acho defensável a ideia de que cada escola é uma ilha e de que todos os problemas e dificuldades que ela enfrenta são resolúveis no local. Porque a maior parte deles não são. Por outro lado, convirá também perceber com nitidez aquilo que é responsabilidade da escola e aquilo que é responsabilidade do contexto e da política nacional, porque, por vezes, existe a tendência de responsabilizar o contexto nacional por todos os problemas que existem nas escolas. E aí, a Escola desresponsabiliza-se, desinteressa-se de intervir, porque o problema vem sempre de longe. Convém, por isso, que as escolas e os professores saibam reconhecer o que é ou não da sua responsabilidade, e que aceitem a discussão.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
NOTA
Entrevista publicada  na Revista A PÁGINA da Educação, aqui transcrita com  a devida vénia.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

PRÉMIOS DE MÉRITO ESCOLAR. A HONRA DE UNS CORRESPONDE À DESONRA DOS DEMAIS.

Há muitos anos eram os "quadros de honra" que pontificavam. Felizmente, não me lembro de ter pertencido a esse grupo de eleitos. Fui mediano, graças a Deus. Algumas vezes abaixo da média. Participei, sim, em muitas outras situações que, ainda hoje, reconheço a importância que tiveram nas minhas opções de vida. Licenciei-me, fiz um Mestrado, trabalhei em diversos âmbitos e sempre fui feliz. Esse percurso de vida deu-me consistência, responsabilidade e abertura ao Mundo. Conheço tantos assim. Vem isto a propósito do que venho a assistir, sobretudo nos últimos anos, à atribuição a crianças de prémios por mérito escolar. Em alguns casos, até, prémios monetários. Tenho uma posição muito clara a este respeito: discordo. Que no final do secundário, já em uma condição de jovem-adulto, se distinga a capacidade técnica, científica, humana e cultural, aceito. Nas primeiras fases, não, obrigado. Não é da meritocracia que necessitamos. Nem entre crianças, nem entre escolas com os famigerados "ranking´s", tampouco entre professores através de um indecoroso sistema de avaliação de desempenho!


Considero errado que tragam para dentro da Escola, particularmente para o Ensino Básico, ou que dela façam o espelho das práticas correntes de natureza empresarial. Esse mundo cão da competição desenfreada deve ficar à porta, como exemplo negativo de uma sociedade desestruturada. A escola não deve assumir uma concepção mercadológica, uma valorização precoce e obsessiva quando a perspectiva que a deve nortear é a da formação global, o gosto pelo conhecimento, pelo pensamento universal que conduz à descoberta e pelo sentido da responsabilidade. Não se constrói o futuro com prémios, mas com humildade e com uma permanente pedagogia pelo saber. Não está em causa, apenas, a questão da diversidade na origem das crianças, as culturas que chegam à escola, tudo quanto se esconde a montante da escola, concretamente, as questões económicas, financeiras e sociais ou, ainda, os aspectos consequentes da diferenciação entre eleitos e os outros. A questão central está em perceber como se pode falar de uma escola integradora quando se percorre o caminho contrário. Ao mito do quadro de honra de uns opõe-se, parece-me óbvio, o quadro da desonra dos demais. Depois, entre múltiplas variáveis, o "bullying", porque uns são os dotados e outros os menos favorecidos. A honra constrói-se na aprendizagem democrática, na solidariedade, nos princípios e valores humanistas, na cidadania, na cultura, no respeito, no rigor de saber estar com e não contra. Por aí se percorre o caminho da  excelência. “Educar a mente sem educar o coração não é educação”- Aristóteles. Mas estas são considerações genéricas, não tão genéricas quanto isso, sublinho, quando o Básico constitui a etapa determinante da motivação, o alicerce sobre o qual, a prazo, paulatinamente, se edificam os pilares e as traves-mestras dos andares superiores do conhecimento. Lamentavelmente, até já destacam o mérito escolar de crianças e jovens institucionalizados. A correria pela pseudo-excelência anda desenfreada: são entidades bancárias interessadas, são governos, são autarquias, são instituições diversas e são conselhos pedagógicos que se movimentam nesse sentido. Para que servirá isso? Para as crianças nada, para o mediatismo dos adultos, certamente que sim. Vaidades que, em muitos casos, se pagam bem caro ao primeiro tropeção. Ocorre-me questionar: e quantos ditos "excelentes" se tornam em medianos profissionais, enquanto outros se afirmam pela diferença, pela criatividade e inovação? A vida é muito mais que prémios.
Relacionado com este tema, há dias, li um interessante texto no blogue "Ser mãe é tramado": "(...) O meu filho, assim como tantos outros miúdos, que até podem ter notas baixinhas, deviam estar no Quadro com Honra. Pelo esforço, pela evolução que se exigem, pela capacidade de se superarem e corrigirem os próprios erros, pela verdade, a sua verdade, pelo sentido crítico, pela imaginação. Enfim, pela capacidade de crescimento interior, social e humano. Mas isso é Honra que a escola não consegue ver, quanto mais reconhecer. Infelizmente vai-se ficando pelos quadros".
Pensemos nisto e debatamos isto.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

SÓ A MUDANÇA DE PARADIGMA POSSIBILITARÁ O SUCESSO


Nada melhor que este vídeo para, permitam-me a expressão, dar o pontapé de saída neste espaço de diálogo e de pensamento sobre política educativa no quadro da Autonomia Política e Administrativa da Região Autónoma da Madeira. Um vídeo já visualizado por cerca de 10.000 pessoas. Um vídeo que constitui um grito contra a rotina. Exactamente, o que este blogue pretende: o debate de uma questão muito séria e da qual depende o nosso futuro colectivo. Está aberto o debate.