quinta-feira, 29 de junho de 2023

A disparidade entre o sentimento da sociedade e o dos políticos


Da responsabilidade do Jornalista Miguel Fernandes Luís segui, na edição de ontem do Dnotícias, o resumo de uma conferência-debate no quadro de um designado "Fórum de Emprego". O jornalista conseguiu resumir em breves depoimentos e de uma forma muito acutilante as "lições" que se colocam ao emprego do (no) futuro. Uma síntese que dá "pano para muitas mangas"!



Sigamos os subtítulos dos vários depoimentos: 

"Atenção à evolução do mercado"; "Seguir o sonho e a felicidade"; "Inovar"; "Não ter medo de falhar"; "Ser activo na procura de emprego"; "Horários amigos das famílias"; "Dar formação"; "Aumentar salários"; "Bom ambiente de trabalho"; "Regras claras"; "Contar com a opinião do trabalhador"; "Procura do talento"; "Alterar o sistema de ensino: apelos a uma "ruptura cultural no sistema de ensino" (...) "As escolas deviam conseguir perceber quais são os talentos de cada criança e desenvolvê-los. Eu tenho um filho de 14 anos e olho para o sistema de ensino e é muito parecido com o da minha altura".

Parabéns ao Jornalista e às diversas figuras que produziram tão excelentes sínteses. Tudo aquilo é o que, directa ou indirectamente, a Escola não promove e que aqui, ao longo de anos, tenho feito eco, divulgando o que tantos têm evidenciado sobre o tema da aprendizagem com vida e para a vida. Encontramos naquelas posições o busílis do problema. Vou ponto por ponto: 

1. Evolução do mercado. A escola está fechada no interior dos seus muros e não consegue sequer colocar um escadote para espreitar e perceber o que se está a passar nos vários sistemas; 2. Seguir o sonho. A escola, talvez melhor dizendo, o sistema, produz(iu) um fato igual para todos quando devia ter presente que todos são diferentes e todos são portadores de sonhos; 3. Inovar. Pergunto, como? Se o sistema está centralizado e rigidamente hierarquizado, onde os professores e os alunos apenas funcionam como peças que alimentam o centro operacional, cumprindo o rigor dos manuais e dos exames; 4. Não ter medo de falhar. O sistema não possibilita o erro, pois baseia-se na transmissão vertical do "conhecimento" e, na ausência de investigação/experimentação própria, impõe uma avaliação permanente perante o que é considerado certo. 5. Ser activo. Impossível ou dificilmente concretizável, quando, durante anos, o sistema limita(ou) através da submissão a uma lógica de obediência cega a currículos, programas, notas e à sobrevivência; 6. Horários compatíveis com as famílias. Desde cedo, o sistema, tendencialmente, transporta para dentro da escola as lógicas nocivas do funcionamento da sociedade: a competição entre alunos (e também entre professores na ascensão na carreira), constituindo um sinal claro o facto de, em média, os estudantes, na compaginação das suas actividades semanais, dedicarem cerca de 56 horas de ocupação, face às cerca de 36/40 horas dos pais. Há estabelecimentos de educação abertos até às 23 horas. 7. Dar formação. Qual? Isto, quando os políticos não discutem os factores geradores de uma formação portadora de futuro, para a vida, e apenas se circunscrevem à rotina! 8. Bom ambiente de trabalho. A manter-se neste sistema, genericamente, a escola nunca beneficiará de um bom ambiente. Por um lado, porque tudo está previamente definido, tal como na fábrica, os horários, o processo de "fabrico", as estações de funcionamento e a avaliação do produto; por outro, porque as imposições colocadas aos professores na carreira docente e a falsa ideia que o aluno está no centro das políticas educativas, mostram-se incompatíveis com um ambiente favorecedor da aprendizagem; 9. Regras claras. Pois. repito, está tudo definido e quando falam de autonomia escolar aplica-se o que o Professor Licínio Lima disse: "sejam autónomos nas decisões que já tomámos por vós". Está tudo clarinho como água! Se se aprende assim, como alterar a mentalidade ziguezagueante? 10. Contar com a opinião do trabalhador. Exactamente isso. A escola, salvo raras excepções, porque é heterónoma, o aluno está ali para cumprir, não para ter opinião. As recentes declarações políticas sobre a posição dos alunos na Escola de Hotelaria constituem um exemplo claro. 11. Procura do talento. Houve um tempo que se viveu a histeria dos "sobredotados". Isso morreu. Hoje, o que a escola faz é esmagar o talento através da padronização. A confirmar está a declaração de um interveniente: "As escolas deviam conseguir perceber quais são os talentos de cada criança e desenvolvê-los. 12. "Alterar o sistema de ensino". A resposta encontra-se numa declaração também de um interveniente no Fórum:  Eu tenho um filho de 14 anos e olho para o sistema de ensino e é muito parecido com o da minha altura". Para quê mais palavras?

Em todo este processo só não acertaram no alvo duas figuras, exactamente políticas. De forma simplista, o presidente da Câmara do Funchal falou que "(...) quem trabalhar recebe, quem não trabalhar não recebe e vai para a rua (alteração da legislação laboral) e a vice-presidente que falou em "baixar os impostos". E, assim, parece-me, que para estas duas figuras o problema ficaria resolvido. Esquecem-se que os alunos de hoje, amanhã, serão empresários ou colaboradores das empresas.

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Acordem!


Precisamos de rever o que se ensina, porque se ensina, o que se ensina, como se ensina  e com que instrumentos ensinamos. (...) Esta revisão tem de começar ao nível do 1º ciclo do ensino básico (...). Encontramo-nos perante uma catástrofe nacional (...) não nos iludamos, não basta fixar docentes, é fundamental que formemos novos professores, não somente em número mas também em qualidade" - Sofia Roque Ribeiro, secretária Regional da Educação dos Açores.



Já perdi a conta a quantos seminários, acções de formação científico-pedagógicas, formações de iniciativa sindical para ganho de uns créditos para juntar ao currículo profissional, enfim, todos os anos passam por aqui investigadores, autores, professores, tantos que tentam deixar uma semente que germine. Mas, não, tudo leva a crer que o "solo" não é fértil e o que hoje é aplaudido, amanhã é complemente esmagado pela rotina e pelo pensamento abstruso que dá conta de: se sempre foi assim, para quê mudar? Permitam-me que seja directo: são formações que entram a 100 e saem a 200! O curioso é que determinadas declarações são feitas na frente de políticos com responsabilidades que, à posterior, evidenciam nada quererem saber. 

Desta vez foi a secretária regional da Educação dos Açores que veio sublinhar, de forma clara, que "precisamos de rever o que se ensina, porque se ensina, o que se ensina, como se ensina  e com que instrumentos ensinamos". Trata-se de mais uma campainha de alarme que, estou certo, tocará e tocará mas que ninguém reagirá abrindo a porta ao futuro! 

Não disse nada que já não se soubesse, tantos são aqueles que assumem que este "rei vai nu", leia-se sistema. Mas teve o mérito, entre pares políticos de dizer o que, por aqui, não sabem ou não querem assumir. E isso foi importante, até pelo simples facto da mensagem ter vindo dos Açores, normalmente secundarizados. 


Mas não foi apenas a secretária. Também o meu Distinto Amigo Doutor Domingos Fernandes, hoje Presidente do Conselho Nacional de Educação, abordou, numa perspectiva ampla, o currículo que "identifica princípios, valores, conhecimentos, competências e atitudes que são consideradas fundamentais para o desenvolvimento do sistema educativo (...) por isso é um complexo empreendimento, na verdade uma construção social que envolve uma alargada diversidade de intervenientes, que vão desde as instituições de ensino superior, às associações profissionais, pedagógicas, científicas dos professores e/ou investigadores, passando por individualidades reconhecidas nos meios científicos, pedagógicos, artísticos e, em geral, culturais, até às associações do mundo empresarial".

E esta é uma questão central que se conjuga com as posições da secretária do governo açoriano. Esta posição do Professor Domingos Fernandes significa que o sistema educativo tem de passar por uma grande mesa de diálogo, onde todos possam reflectir e definir um caminho de permanente inquietação conducente ao sucesso. Fechar-se no corredor do poder, fingir que ouve ao jeito de quem tem "ouvidos de mercador", mantendo o seu rumo no pressuposto que se trata de uma "aposta" inequivocamente correcta, corresponde à manutenção do erro e do desastre. Acordem!

Ilustração: Google Imagens.

sábado, 24 de junho de 2023

Acabaram por "matar" a Escola do Curral das Freiras


Permanece actual a resposta de Zygmunt Bauman (1925/2017), Sociólogo e Filósofo, quando lhe perguntaram sobre as consequências do encerramento de escolas do interior, respondeu: "(...) o fechamento das escolas localizadas nas comunidades rurais provoca o "fechamento" da comunidade. Isto porque, as escolas nessas localidades funcionam como coração que traz vida à comunidade. Nesse sentido, quando há o fechamento das escolas, as comunidades enfraquecem-se". 



As comunidades ficam debilitadas, eu diria amputadas porque o encerramento tem custos sociais, económicos, financeiros, acentuam a desigualdade, o desenraizamento das crianças e jovens e provocam uma maior pressão sobre os estabelecimentos de aprendizagem para onde os alunos  são deslocados.


Quando bloqueiam uma escola pode significar que os políticos de turno estão a transmitir à população um sinal que aquele local não tem futuro. 


Isto vem a propósito de uma notícia da secretaria regional da Educação da Madeira que dá conta que no próximo ano escolar os alunos do 5º ao 9º ano da Escola Básica do Curral das Freiras vão transitar para a Escola Básica de S. António no Funchal. Acrescenta a notícia que o problema será solucionado pelos Horários do Funchal e com a transferência dos professores. E, provavelmente, em 2026, fechará de vez, ficando para ali um prédio que, presumo eu, tal como em S. Jorge, será transformado em lar de Idosos! Definitivamente, aquela terra não é para jovens, porque ignoram que uma escola não é um prédio... são pessoas.

Assume o governo que 39 alunos não dá para formar turmas. O que isto significa é que o governo, melhor dizendo, o secretário regional da Educação, norteia a sua actividade através de um pensamento centrado no passado e, por isso mesmo, ultrapassado. Demonstra que não evoluiu no conceito tradicional de turma e de ano. Entre muitos outros dou um exemplo: visitei, em Março de 2022, a Escola da Ponte, em Vila das Aves. Nessa altura escrevi um texto do qual saliento a seguinte passagem: 

"(...) A Margarida e o Afonso (7º ano), de forma fluente e segura explicaram-me tudo: logo à partida, que ali, as regras, os princípios e os valores da escola, os direitos e os deveres nascem dos próprios alunos e que são ratificados na assembleia de escola. São eles que determinam os compromissos. A qualquer momento retiram ou acrescentam os direitos e os deveres. A pandemia veio perturbar a nossa organização, disse a Margarida, mas aos poucos "estamos a retomar". E os currículos e os programas, questionei. Nas salas estamos por grupos, em mesas de configuração redonda, disse o Afonso, e na mesma sala podem estar alunos do 7º, 8º e 9º anos. Atalhou a Margarida, "eu estou no 7º, mas já me encontro a estudar temas do 8º. Nós decidimos por onde começar as tarefas quinzenais, os mais velhos explicam aos mais novos, nós procuramos, investigamos e, individualmente, quando sabemos, pedimos a avaliação ao professor, que pode ser escrita, oral ou através de trabalhos". Disse o Afonso em jeito complementar: "no mesmo espaço podemos aprender, cada grupo na sua tarefa, o inglês, o castelhano e o português" (...) "O mais contagiante é a serenidade como tudo acontece. Espreito os espaços de aprendizagem e ali constato e experimento o interesse em saber, a compenetração, o computador e o telemóvel como auxiliares, a transversalidade das aprendizagens que rigorosamente nada têm a ver com a imagem de um professor que debita aos alunos tornados meros receptores de uma dada matéria. E que os avalia em conjunto!"

Portanto, 39 alunos são mais do que suficientes para que a escola funcione. Deslocar alunos é péssimo para a localidade, para os professores e para todas as dinâmicas sociais que uma Escola oferece à comunidade local. Mas, para isso, quem decide tem de ser, simultaneamente, aluno humilde e assumir, tal como os mais jovens, a curiosidade como pressuposto determinante da sua acção, indo aprender onde outros paradigmas organizacionais acontecem e com resultados muito bons. Um governante, repito, tal como os alunos, têm de sair do seu espaço (a dita sala de aula ou gabinete de governo), tem de ler muito e tomar consciência que os cubículos convencionais do pensamento organizacional de ontem, de que falava Alvin Toffler, não se adequa ao tempo que estamos a viver, muito menos a preparar o futuro. Por isso, a ideia de turma e o conceito de ano escolar estão ultrapassados. Mesmo face ao que, lamentavelmente, o país ainda impõe, concretamente, os currículos e os programas, outros formatos pedagógicos são possíveis. Fechar é que nunca!

Mas o encerramento não é por acaso: primeiro, foi a retirada da autonomia através de um processo maquiavélico (2019/2020), agora o encerramento parcial (5º ao 9º ano) e lá para 2026, refere a peça jornalística, o encerramento será total. Faço um esforço para me conter, para não expressar o que me apetece. Estão mais preocupados (plano político) com essa mistificação das "salas do futuro" do que com as crianças e jovens. E a propósito, porque as palavras e os pensamentos são como as cerejas, já que aqui trouxe a Escola da Ponte (poderia de outras abordar, públicas e privadas), deixo este registo do Professor José Pacheco, quando interrogado sobre as "salas do futuro": "(...) Se o projeto se refere a salas de aula, será mais um projeto-paliativo porque, no futuro, não haverá salas de aula". A seu ver, o que é que haverá, então, perguntou o jornalista... "Certamente, a concepção e desenvolvimento de uma nova construção social de educação. Aquela que foi concebida no século XIX correspondeu às necessidades sociais do século XIX… Para uma Educação do Futuro, uma Escola de futuro. É absurdo falar em salas de aula, quando se fala de Educação do Futuro".

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Entendam: "Mais escola não significa melhor escola"


Não tenho presente quem afirmou, sei, apenas, que há muitos anos é dito: "Mais escola não significa melhor escola". Recentemente li uma entrevista com o Psicólogo e Psicanalista Eduardo Sá, no decorrer da qual foi incisivo: "(...) Escola demais faz mal às crianças. A escola é fantástica e indispensável, claro, mas há uma tendência incompreensível para que, também em Portugal, as crianças passem tempo demais na escola. Mais escola (ou, se preferir, mais tempo de escola) não significa melhor escola. Se quisermos ser didáticos para os pais, devemos dizer que a família é mais importante que a escola e que brincar é tão essencial como aprender. E mais: devemos dizer que a hierarquia das prioridades para as crianças deveria ser em primeiro lugar a família, em segundo a "escola da vida", em terceiro o brincar e, finalmente, a escola propriamente dita. Ao imaginarmos a vida diária duma criança, não devíamos nunca deixar de levar em consideração que estes compromissos com o crescimento precisam de tempo para que, em conjunto, ajudem as crianças a namorar com a vida e, ao mesmo tempo, para que elas aprendam a crescer e aprendam a pensar (...)"



Mas os políticos, atrevo-me a dizer, coitados, dificilmente entendem isto. Li, na edição de ontem do Dnotícias, que os estabelecimentos de aprendizagem da Madeira iniciam o próximo ano a 7/8 de Setembro e os 2º, 3º e secundário na semana seguinte.

Olhando para o calendário nota-se a tendência para o encurtamento daquilo que antes era considerado "as férias grandes". Lá vai o tempo que tudo se iniciava a 07 de Outubro, pelo que, por este andar, não demorará que o final de Agosto seja apontado como data desejável. Tudo contra os interesses das crianças e dos jovens. A pergunta que julgo que deve ser feita é esta: para quê? E falam dos "Direitos da Criança"!?

Ah, sei, isto tem uma resposta: paulatinamente, a escola transformou-se numa espécie de armazém, por três razões: porque constitui uma solução para a desorganização social e económica, onde subsiste também a errónea ideia que "mais trabalho significa melhor trabalho"; segundo, porque, em devido tempo, não foram acauteladas as repercussões resultantes da natural e necessária entrada da mulher no mundo laboral, que implicava ter um outro e mais assertivo olhar para a família; terceiro, porque para quem, politicamente, assim define, a sociedade tem de acompanhar a cultura "da pressa e do nanosegundo" (Peter Drucker), logo, transmitir desde muito jovem essa cultura, a competição desigual, a meritocracia e a falsa necessidade de antecipar aquilo que designam por conhecimento. Só se esqueceram que o ser humano é o animal que mais tempo tem de infância. Por que será?


Regresso ao Psicólogo Eduardo Sá: "(...) parece-me que os pais ganham se entenderem que, em primeiro lugar, as crianças devem brincar com o corpo (...) crianças mais amigas do corpo são crianças que se expressam melhor, de modo mais expressivo e mais proativo. (...) Afinal temos cada vez mais adolescentes iletrados: que sentem, que discorrem mas que, ao não conseguirem traduzir a vida mental em língua materna, transformam em angústia aquilo que seria traduzido em palavras e com isso adoecem (...)". Adoecem, sublinho.

O jubilado Catedrático Professor Carlos Neto continua a insistir na tecla de sempre: "Libertem as crianças" (...) Todos os estudos apontam que as crianças activas têm mais capacidade de aprendizagem, de concentração, além de, a longo prazo, maior probabilidade de terem sucesso (...) Estamos a criar totós, dependentes, inseguros e sem qualquer cultura motora. Vemos crianças de 3 anos que, ao fim de dez minutos de brincadeira dizem que estão cansadas, outras de 5 e 6 anos que não sabem saltar ao pé-coxinho. Já as de 7 não sabem saltar à corda e algumas de 8 anos não conseguem atar os sapatos. É o que chamo de iliteracia motora" (...) Todos os estudos têm vindo a demonstrar que na infância, até aos 10/12 anos de idade, é absolutamente essencial brincar para desenvolver a capacidade adaptativa. E hoje não é isso que estamos a fazer. Estamos a dar tudo pronto, tudo feito, e não a confrontar as crianças com problemas que elas têm de resolver. Sejam eles com a natureza; sejam eles com os outros". Acrescento: estão a matar a infância, o tempo de ser criança, a aprendizagem, a curiosidade, porque secundarizam o jogo infantil e porque impõem um pensamento à revelia do desenvolvimento motor e cognitivo. Se desejem adultos capazes, libertem as crianças, não se preocupem com conteúdos fora de tempo e, sobretudo, não as fechem em salas.

Transformar a escola num "armazém" corresponde à antítese do que é defendido pela comunidade científica. "Aprender coisas", porque existem programas ou linhas programáticas, cada vez mais cedo, constitui um absurdo. Há um tempo próprio. Temos milhares e milhares de homens e mulheres que regressavam à escola a 07 de Outubro e que foram e são brilhantes nas suas vidas académicas e profissionais. E em todos os sectores e áreas do conhecimento, acrescento. Então, para quê tanta pressa? O Senhor Secretário regional da Educação já se esqueceu do que lhe transmitiram, entre outras, nas aulas de "Desenvolvimento motor" e "Psicofisiologia do comportamento motor"?

Ilustração: Google Imagens

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Uma vez mais... os famigerados "ranking's" (2022)

 

Assumiu o secretário regional da Educação da Madeira: "(...) nós não valorizamos muito os ranking's". Pois, assumo, também eu, com uma diferença, é que o político ainda valoriza alguma coisa (não muito) enquanto eu não valorizo rigorosamente nada. Diabolizo-os porque comparam realidades económicas, sociais e culturais completamente distintas. Por outro lado, diz o ministro: eles são "uma operação comercial (...) porque ignoram o contexto sócio-económico". Aí está, é verdade. Porém, comercial ou não, os exames e os dados saem do ministério, o que me parece uma crónica hipocrisia. Por mim, tal como li, sobre os ranking's do programa PISA, numa análise de Pablo Gentili, uns e outros são "um concurso de beleza da pedagogia". E em "concursos de beleza", na escola, não estou interessado.



Mas a pergunta que agora faço presumo que tenha o seu cabimento político: teria o secretário da Educação o mesmo posicionamento, se os lugares que os estabelecimentos de aprendizagem da Madeira apresentaram se situassem no topo nacional da aprendizagem básica? Talvez não! Não valoriza porque não lhe interessa, não por razões de pensamento estrutural. Que não o tem, é a minha modesta opinião. Até conseguiu aniquilar uma escola que, mantendo-se na fronteira das suas débeis regras, atingiu o pódio nacional. Refiro-me à escola do Curral das Freiras e transcrevo o que a edição do Jornal Público de então enalteceu: 

"(...) na freguesia mais pobre da Madeira e uma das mais carenciadas do país (Curral das Freiras), onde 92% dos alunos têm Acção Social Escolar e a internet não fazer parte das prioridades da maioria das famílias, existe algo supreendente. Numa vila enterrada num vale profundo, onde a única ligação com o resto do mundo faz-se por um túnel com quase 2,5 quilómetros, existe uma escola onde cabem todos os sonhos (saltou do lugar 1207º para 3ª no ranking nacional da época)".

Talvez, porque lhe falta(ou) pensamento e humildade para escutá-la e aceitá-la, bloqueou a sua autonomia pedagógica e anexou-a a uma outra, prejudicando as dinâmicas pedagógicas criadas. Não satisfeito, puniu o líder da escola através de um processo kafkiano. Processo que perdeu em Tribunal Superior. Em 2022, a escola (S. António) onde a do Curral das Freiras foi integrada quedou-se pelo 440º lugar. Conclusão primeira: não liga muito aos "ranking's" porque, primeiro, ninguém se atreva a ser inovador e criativo!

Ora bem, por aquilo que conheço da propaganda política, se outros tivessem sido os resultados, certamente que o Senhor Secretário cantaria a plenos pulmões os êxitos espelhados nos "ranking's". Porém, uma vez mais isso não aconteceu. Disse, laconicamente, não ligar "muito", mas, deduzo, que lá com os seus botões, ligue alguma coisa, talvez se enerve, porque, de facto, no sector público do Básico (9º ano), ter as escolas situadas entre o 213º e 1012º do todo nacional, com um dado relevante: todos com uma média inferior a 3 (numa escala de 0 a 5). É caso para dizer que para o político é melhor assobiar para o lado. Daqui a dias já ninguém fala disso, não é! Não liga muito, compreendo, mas como indicador global, talvez a situação o devesse conduzir a uma séria análise da situação. Mas não o fará. Quanto muito questionará as escolas sobre o insucesso da sua própria política centralizadora. Se fará, não sei, porque este quadro talvez interesse, porque um povo que não desfrute de uma aprendizagem de qualidade, vulnerável fica à cantilena que lhe vendem no plano político. Será?

Há muito a fazer por uma escola de sucesso. Começa, a montante, por uma imprescindível actuação nos desequilíbrios sociais existentes, nas famílias e no combate à pobreza, na economia, na empregabilidade com salários decentes, na cultura e mentalidade que conduza, desde cedo, a saber desenhar o futuro, no pleno respeito pelos talentos e sonhos de cada um, nos currículos e programas disparatados porque desconexos com a vida real, pela aceitação que o professor, hoje, não pode ser um submisso face a absurdas lógicas hierárquicas ou um "magister dixit" desde logo porque "(...) o mais alto ensinamento do mestre não está no que diz, mas no que não diz" - Carl Rogers), pela aceitação que não existem duas escolas iguais, nem grupos de professores iguais, o que impõe uma total autonomia pedagógica, por uma nova estrutura da rede escolar, porque escolas com mais de 400 alunos deixam de ser escolas para se tornarem fábricas, enfim, o que está em causa não é se ficou no lugar x ou y do "ranking", é verdade, mas sobretudo o que lá se faz que seja portador de vida e para a vida. Pelo caminho seguido corre-se o risco de, todos os anos, o "chefe" da Educação assumir que não liga "muito" ao que se passa debaixo dos seus olhos de actor/espectador.

A muita propaganda mediática sobre os manuais digitais, salas do futuro, robotização, páginas e páginas de "ponto e vírgula", exposições, atribuição de prémios no quadro de uma meritocracia balofa, tudo isto conduz ao desastre, porque não há uma interligação entre todas as áreas que compõem o sector(es) e porque não são conhecidos os objectivos finais de uma dada política. Impõe-se, por isso, uma reflexão que conduza à mudança estrutural do pensamento que caracteriza o sistema.

Ilustração: Google Imagens.

sábado, 17 de junho de 2023

Tecnologia na escola


Segui um uma peça integrada no Jornal Nacional da TVI. No essencial: "A Suécia está a tirar os computadores das escolas". A diversa tecnologia que tem sido considerada o novo lápis, papel e livro dos estudantes, numa leitura superficial, sofre agora um revés, porque, disse a ministra da Educação, "(...) estamos em risco de criar uma geração de analfabetos funcionais na Suécia". "Um em cada cinco professores garante que os alunos nunca ou quase nunca escrevem à mão", escutei na referida peça.


Ora bem, esta posição, deduzi na compaginação com outras leituras, parecendo drástica não o é. Destina-se a recentrar o equilíbrio que deve existir entre a tecnologia e a aprendizagem. Não se trata de um regresso ao passado, a um "apagão digital na escola", mas tão somente corrigir pressupostos assumidos como única e irreversível via.

Ao seguir a peça lembrei-me do que deixei escrito no meu livro "A Escola é uma seca", onde transcrevi a posição de Tony Bates (Microsoft): "o bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino". Por isso, não me foi estranho que uma das figuras que abordou este tema tivesse sublinhado: "Alguns dos maiores gurus da tecnologia estão a mandar os próprios filhos para escolas sem computadores".

Portanto, a tecnologia tem de ser mais um meio, importantíssimo, ao dispor da aprendizagem. O que tem de mudar, e há políticos que não conseguem ver e aceitar isto, é tudo quanto de forma estática e ultrapassada se anda a propor às crianças e jovens: os currículos e os programas desfasados da vida real, a questão pedagógica, a posição que os professores devem assumir perante o novo mundo (de facto admirável), a obsessão por uma avaliação de sentido único, a morte do sonho e a falta de respeito pelo talento que cada um transporta, a infernal burocracia que invade os estabelecimentos de aprendizagem, as noções de aula e de turma, no fundo, o que tem de mudar é um sistema que não se centra numa aprendizagem com significado.

Isto conduz-me a assumir, uma vez mais, que não é com os "manuais digitais" ou com "salas de aula do futuro", falando de robótica ou de qualquer coisa parecida que, a prazo, a Região disporá de uma maioria de alunos felizes (professores, também) e com uma acrescentada capacidade de resposta aos novos problemas. Transportar o manual segmentado e estático para dentro de um digital, mantendo a mesma mentalidade que tem caracterizado a aprendizagem, equivale à obtenção, no futuro, dos mesmos resultados senão piores dos que hoje são públicos e notórios.

Ou por ignorância ou por ausência de responsabilidade política, a verdade é que continuam a insistir na tecla errada. Melhor dizendo, continuam a dar uma "resposta certa para um problema errado". Aliás, qualquer pessoa compreenderá que quem vende a tecnologia dos "manuais digitais", posteriormente, venha assumir, em conferência, que este é um mau produto ou mesmo desaconselhável. O produtor de conteúdos deseja vender e, por isso, faz a propaganda que mais lhe interessa. Parece-me óbvio. E é isso que está a acontecer. Paleio em que uns vendem e outros aceitam a compra como mezinha para todos os males. Aliás, explicou o Doutor Santana Castilho, em declarações à RTP-Madeira, que "(...) Estudos feitos por centros de investigação e cientistas da neurociência concluíram que o desenvolvimento cognitivo dos jovens que tiveram um grande mergulho nas tecnologias digitais aos 11 anos está similar àquele que há 30 anos as crianças tinham com 8/9 anos de idade".

Ora bem, a desconfiança está lançada. E porque os sinais deixam uma acentuada perplexidade, bom seria que o governo da Madeira (e o do país) assumisse a necessidade de provocar uma grande mesa de diálogo (debate) com cientistas, professores universitários e todos os outros, investigadores, autores, psicólogos, sociólogos, enfim, com todos os que pudessem oferecer um sustentado pensamento sobre este tema. Fechar-se, como tem sido apanágio, em uma pressuposta verdade, equivalerá seguir um caminho com consequências desastrosas no futuro.

Proponho mas, confesso, que são limitadas as minhas esperanças. Nem de propósito, esta manhã, recebi um cartoon interessante onde uma professora pergunta a um aluno: "qual é o tempo verbal na frase... "eu procuro um político que trabalhe para o povo". Resposta do aluno: "tempo perdido". 

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Provas de aferição. Para quê?

 

Podia enunciar vários quadros que me conduzem à não aceitação das designadas "provas de aferição". Fico, apenas, por duas que se me afiguram adequadas ao meu pensamento. 



Primeiro, as "provas de aferição" constituem uma profunda desconfiança sobre o trabalho que é realizado nos estabelecimentos de aprendizagem. Aliás, hoje, é factual a existência de uma obsessão pela avaliação interna, porque o sistema está desenhado não no sentido da aprendizagem consistente, mas com as respostas pressupostamente certas às questões desenvolvidas nos manuais. E sendo assim, estando os estabelecimentos pressionados com a avaliação determinada pela linha hierárquica superior, a qual estende-se em cadeia desde o Conselho Pedagógico até ao Conselho de Turma, pergunta-se, que razões justificam uma aferição externa.

Mas admitamos que o sistema português, extremamente centralizador, seja a que nível for, não nutre confiança no trabalho desenvolvido nos estabelecimentos de aprendizagem. Admitamos isso que, aliás, é o que me parece existir. Neste caso, em segundo lugar, bastaria que, aleatoriamente, definissem um quadro de alunos que se sujeitassem à tal avaliação externa. E que podia não assentar numa verificação anual. Se a amostra revestir-se de natureza científica, adequada à população, estatisticamente, os resultados, com um alto grau de segurança, podiam(em) ser extrapolados para toda a população. 

Aliás, isto não tem nada de novo. Por mera comparação, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) é divulgado de três em três anos pela OCDE. Um programa destinado a aferir, no conjunto dos países e de forma aleatória, sobretudo os níveis de aprendizagem da língua, matemática e ciências.

E anda o sistema num constante rodopio anual que envolve a complexa organização escolar, quando, por outro lado, feitas as contas, grosso modo, desde o Básico ao Secundário, o aluno submete-se a cerca de 516 avaliações no conjunto de todas as disciplinas curriculares, fora muitas outras, algumas de natureza subjectiva, questiono-me, se existe algum sentido, numa escola séria, honesta, de rigor e qualidade, fazer aferições e até exames! Presumo que a hierarquia parte do princípio que os estabelecimentos não são sérios, honestos, rigorosos e de qualidade. Mais, ainda. A prazo, com o esbatimento do secundário face ao superior, os próprios exames de acesso, deixarão de ter as características que hoje conhecemos. A acessibilidade será totalmente diferente, dizem tantos investigadores situados no estudo sobre a aprendizagem compaginada com a vida real.

Tudo isto conduz-me a sublinhar o interesse de uma profunda reavaliação do sistema educativo, no sentido de ultrapassar posicionamentos assumidos como certos, para que se possa partir em busca de uma aprendizagem que respeite os talentos e os sonhos e que não (sobre)viva dessa desadequada e  obsessiva avaliação interna e/ou externa. Torna-se importante uma ruptura com o passado trazendo, prospectivamente, o futuro ao presente. E neste campo de análise, o que pensarão os líderes da Madeira Autónoma?

Ilustração: Google Imagens

Maioria dos alunos no ensino profissional continua a vir de meios mais desfavorecidos


Por
Daniela Carmo
Foto de Manuel Roberto
Público


No secundário, 45% dos alunos estão no profissional. Portugal está no 19.º lugar da tabela da UE com mais alunos neste ensino Público.


O ensino profissional foi inicialmente construído como veículo de inclusão social. São alunos que não querem ir além do ensino secundário, com baixo desempenho escolar e muitas vezes provenientes de um meio socioeconómico desfavorecido. Este é o grupo dominante de estudantes a terminar o ensino secundário pela via profissionalizante, ou seja, no ensino secundário profissional (ESP). A caracterização do perfil dos alunos do ESP é publicada hoje no estudo Como Valorizar o Ensino Secundário Profissional? Dilemas, Desafios e Oportunidades, desenvolvido pela plataforma Edulog, uma iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo, em colaboração com a Universidade de Aveiro.

Apesar do segmento dominante de estudantes, há dois outros grupos em crescimento: são eles os alunos orientados para o mercado de trabalho e os que pretendem continuar os estudos no ensino superior. A análise do Edulog debruça-se sobre os percursos de formação no ESP em Portugal, os constrangimentos e vantagens a ele associados, assim como sobre a imagem social deste tipo de ensino.

Inicialmente construído como veículo de inclusão social e de combate ao desemprego, descreve a análise, o ensino profissional evoluiu nas últimas décadas e a abordagem actual “é mais funcional e orientada para o capital humano”.

Quase metade dos alunos do secundário (45%) frequenta o ensino profissional, o que coloca Portugal no 19.º lugar do ranking europeu de países com mais alunos a frequentar esta tipologia de ensino, de acordo com os dados agora divulgados. Nos patamares mais acima estão países como a República Checa (73%), a Finlândia (71%), a Croácia e a Áustria (70%), a Holanda e a Eslováquia (69%), a Eslovénia (67%), e a Suíça (65%), com mais alunos no profissional. O ranking internacional consta do relatório intermédio Caracterização do Ensino e Formação Profissional em Portugal, Análise de Dados Secundários — 20152019, publicado em 2020.

Ao PÚBLICO, David Justino, membro do conselho consultivo do Edulog e antigo ministro da Educação, refere que “o estudo pretende ser um contributo” para a reflexão sobre o ensino profissional no secundário em Portugal, sobre o qual persiste ainda “um défice de imagem e pouca notoriedade social”, como refere o relatório.

“Há muitas escolas com ensino profissional, públicas e privadas, que estão a trabalhar muito bem. Elas existem um pouco por todo o país. Há que as incentivar, dotá-las dos recursos indispensáveis, aprender com elas e divulgar essas experiências bem-sucedidas. Eu diria que é urgente criar uma rede de escolas de referência, seleccionadas a partir de uma avaliação rigorosa do seu desempenho e do seu contributo”, abona David Justino quanto à imagem social do ESP.

No caso português, apesar da evolução, “os estudantes do ESP continuam a ser quase exclusivamente oriundos de segmentos menos favorecidos da sociedade”. Segundo informação disponibilizada pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), de 2020, e publicada no relatório, há alguns indicadores que têm vindo a marcar o ensino profissional em comparação com os estudantes do ensino regular: nesta tipologia, os diplomados têm uma idade média mais elevada, têm notas mais baixas (em concreto a disciplinas como Matemática, Português e língua estrangeira), e pertencem a famílias menos escolarizadas.

É por isso que o antigo ministro da Educação destaca “dois contributos inestimáveis” do ensino profissional: “Ajudou a reduzir os níveis de abandono escolar, contribuindo para a concretização da escolaridade obrigatória através de níveis cada mais elevados de escolarização da população mais jovem” e, por outro lado, “é um contributo para a qualificação dos recursos humanos e para o desenvolvimento económico em vários sectores que se têm distinguido na economia portuguesa”.

Quando analisado o nível de escolaridade dos pais dos alunos que escolhem a via profissionalizante no ensino secundário conclui-se que apenas 9% fazem parte de famílias com o superior como o nível de escolaridade dominante, estando a maioria inserida em níveis de escolaridades inferiores. A análise do Edulog deixa várias recomendações para a valorização do ensino profissional. Entre elas está a clarificação do perfil dos alunos do profissional. Além do grupo dominante de alunos, há outros dois grandes segmentos a optar por esta via.

O segundo grupo que mais alunos engloba é o dos estudantes cuja escolha pelo ESP é determinada pelas saídas profissionais e pela maior ligação ao mercado de trabalho. “São estudantes com bom desempenho escolar anterior, tendo uma preferência específica por uma determinada profissão, e que pretendem aumentar o sucesso na integração no mercado de trabalho”, refere o documento. A escolha pelo ensino profissional é determinada pelas saídas profissionais e pelos níveis de empregabilidade. Já o terceiro grupo, ao contrário dos restantes, não tem intenção de entrar no mercado de trabalho uma vez terminado o ciclo de estudos, mas, antes, no ensino superior. Os alunos vêem no ensino profissional uma ferramenta capaz de aumentar a probabilidade de entrada no ensino superior, “seja por facilitar a conclusão do secundário, seja por permitir a obtenção de médias finais mais elevadas”. De acordo com o relatório, trata-se de “um grupo ainda muito reduzido de estudantes, mas que se afigura como uma tendência crescente”.

Apesar do crescimento, estes dois últimos grupos de alunos são ainda minoritários. A percentagem de jovens que se inserem no mercado de trabalho após concluir o curso profissional, a maioria, é muito maior do que nos cursos científico-humanísticos. De acordo com os dados recolhidos, em relação aos diplomados entre 2010 e 2019, 38% dos alunos que concluíram o ensino secundário profissional estavam a trabalhar nos 14 meses após a conclusão.

Cerca de 43% dos estudantes que se formaram em Ciências, Matemática e Informática estavam empregados, em Serviços eram 36% e 35% em Engenharia, indústrias transformadoras e construção. Quanto aos alunos que seguem estudos no superior, segundo dados de 2021, quase três quartos das vagas da “via verde” para alunos do profissional ficaram vazios. São números que não surpreendem o antigo ministro da Educação. “Os cursos profissionais não foram concebidos para prosseguimento de estudos no superior. Foram pensados para a formação de profissionais qualificados prontos a entrar no mercado de trabalho”, reflecte. Vê com bons olhos a existência de uma via de acesso ao superior para os alunos dos cursos profissionais, “mas essa não é a finalidade central deste ensino”.

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Ou mudam ou serão mudados!


Por 
Isabel Leiria
Jornalista
Expresso - 07.06.2023

“Se o mundo mudou, o ensino tem de mudar”: Tim Vieira queria uma escola sem turmas, salas de aula e horários. Conseguiu abrir mais de 40.



Brave Generation Academy é o nome do projeto fundado há três anos pelo empresário sul-africano para alunos entre os 11 e os 19 e que vai agora ser estendido à qualificação de adultos

A ideia já existia, mas ganhou força após uma volta ao mundo com a mulher e os três filhos. Regressado ao ponto de partida, Tim Vieira decidiu lançar mãos à obra e criar uma escola diferente, “mais relevante” para a sociedade atual, centrada nos alunos e menos na instituição. “Se o mundo mudou, o ensino tem de mudar”, explica o empresário nascido na África do Sul e radicado em Portugal, que acredita que “as crianças serão mais felizes se também lhes for dada a oportunidade de fazer o que mais gostam”, conciliando passatempos com o estudo e permitindo que se concentrem nas áreas que mais lhes interessam.

Tendo o currículo britânico por base, o primeiro hub da Brave Generation Academy (BGA) foi aberto no concelho de Cascais. Hoje são mais de 40, espalhados pelo país e frequentados por 700 alunos entre os 11 e os 19 anos. Não são escolas, mas espaços abertos, sem salas de aula numeradas, sem horários fixos, sem calendários e sem professores à espera que a turma se sente à sua frente.


Num dos dois hubs localizados na vila de Cascais, os alunos entram e saem de portátil na mão, sentam-se sozinhos ou em grupo nas diferentes divisões, à secretária ou num sofá, estudam quando querem e o que querem, ao ritmo que conseguirem, ajudando-se uns aos outros e orientados por “learning coaches” (uma espécie de treinadores de aprendizagem).

Se as dificuldades aumentam com algum conteúdo, entram em ação os “course managers”, professores que ajudam a tirar dúvidas e a seguir em frente na matéria. Não é ensino doméstico ou só presencial nem apenas online, mas um modelo híbrido que permite aos seus alunos acompanhar, através de uma plataforma digital, programas do currículo britânico segundo os horários que mais lhes são mais adequados aos ritmos de aprendizagem, explica Tim Vieira.

A BGA tem a acreditação de Cambridge como escola online e os alunos podem completar o chamado o “lower secondary” - equivalente ao 3.º ciclo português -, o International GSCE e os A-levels, correspondentes ao ensino secundário, e que são concluídos através de exames internacionais, reconhecidas instituições de ensino superior em todo o mundo e permitem equivalências para o sistema de acesso ao ensino superior português.

Entre as razões que têm levado pais portugueses e estrangeiros a residir em Portugal a escolher a BGA estão a maior flexibilidade, autonomia e capacidade de gerir o tempo, aponta o fundador da BGA.

“Todos os alunos têm de vir ao hub todos os dias, por cinco horas, entre as 8h00 e as 18h00. Mas eles escolhem a que horas querem vir. É importante terem esse sentido de responsabilidade desde cedo. Podem preferir ir fazer surf de manhã e só vir à tarde. Além disso, a escola está aberta praticamente o ano inteiro. Só para duas semanas em dezembro, pelo natal, e uma em abril, pela Páscoa”.


A mensalidade tem um custo de 485 euros por mês, mas são garantidas bolsas de estudo a estudantes que não podem pagar e mostrem ter o perfil para seguir este modelo de estudo, explica ainda o empresário, que conta abrir mais hubs em Portugal e no estrangeiro, incluindo nos Estados Unidos.
ESTUDAR NUMA UNIVERSIDADE ESTRANGEIRA EM PORTUGAL

Para já, o projeto da BGA vai ser alargado a outras idades, oferecendo formação a pessoas com mais de 18 anos em duas modalidades: cursos mais curtos que permitam reconverter e atualizar competências, em regime pós-laboral; e cursos de ensino superior em parceria com um conjunto de cerca de 150 universidades estrangeiras com quem a BGA tem parcerias.

Nesta última modalidade, a licenciatura é obtida através da frequência dos hubs da BGA em Portugal nos dois primeiros dois anos do curso e só o terceiro é feita na universidade parceira, com a vantagem de permitir às famílias poupar nos custos da deslocação, destaca Tim Vieira.

terça-feira, 6 de junho de 2023

TRÊS DIAS, TODOS OS MESES, TODA A VIDA COM A CRIANÇA...






Passaram-se os três dias ímpares e, dentro deles, a ponte que une um ao outro os meses do ano – de 29, 31 de maio a 1 de junho – e quem encheu o palco das horas ininterruptas?... A Criança, a Educação dela e a Comunidade!

Ao invés de ‘normalidade’ dos eventos que se esgotam na espuma do efémero, o acontecimento que ocorreu no último fim-de-semana em Machico (com o modesto título de ‘Seminário’ na forma, mas merecedor da genuína definição de ‘Simpósio’ em fundo) deixou um rasto luminoso que se projecta pelos meses e pelos anos fora, por toda a vida, já porque a tríade ‘Criança-Educação-Comunidade’ é indissociáveel do algoritmo existencial, já pela amplitude e proficiência com que foram tratados os seus conteúdos.

Em breves linhas tentarei sintetizar a magnitude da iniciativa que congregou uma mão-cheia (uma prestimosa dezena) de docentes e promotores da Educação, a que se juntaram os destinatários e protagonistas, as muitas dezenas de discentes, desde a mais tenra idade que, or direito próprio, ocuparam a ribalta privilegiada do palco, como que concretizando em música e dança o esforço pedagógico dos seus educadores.

Nesta escala ascendente da descoberta evolutiva da personalidade, o Pro. Doutor Mário Fortes, da Universidade da Madeira, agitou o auditório com a ‘provocatória’ interrogação – ESTAMOS A MATAR TALENTOS? - em cuja intervenção pôs em causa a didáctica expositiva do ensino tradicional, fechado nas quatro paredes da uma sala e, por isso, redutora, senão mesmo castradora, dos talentos naturais e da criatividade que toda a criança traz consigo desde o seio materno. Ao ouvir o Prof. Fortes, ocorreu-me o código ‘vanguardista’ do nosso conterrâneo Prof. André Escórcio, no seu livro “A ESCOLA É UMA SECA”, onde preconiza um outro, inovador e libertador, módulo de ensino, precisamente orientado para promover o desenvolvimento das aptidões inatas dos alunos. Neste entendimento, refere Mário Fortes, o professor deve despir a veste de ‘Magister’ para assumir a modesta, mas nobre, missão de ‘Tutor’.

A actuação de várias turmas das Escolas de Água de Pena, Machico e Sant’Ana e o desempenho do ‘Grupo Cordofones A Caçoar’, de Santo António da Serra, confirmaram o espírito criativo, a graciosidade rítmica, a leveza infantil que lhes dão ânimo e nos transmitem saúde, esperança no futuro.

A prova real da autonomia dos estabelecimentos escolares aliada à força afirmativa das populações ficou em evidência plena no testemunho vivo do Pro. Doutor Bravo Nico, da Universidade de Évora, que relatou ao ‘Seminário’ o potencial de resiliência de um restrito aglomerado populacional alentejano – São Miguel de Machede – desprovido, ambora, dos mais elementares equipamentos sócio-culturais conseguiu ultrapassar barreiras, suplantar dificuldades insuperáveis e catapultar-se até aos níveis do Ensino Superior, valorizando todos os segmentos da actividade local, desde a literacia à informação, à economia e ao trabalho - um programa totalizante que substitui o aleatório “eles” pelo personalizado “nós”, ou seja, o apelo à dinâmica endémica do local em vez da mão estendida à intervenção de terceiros alheios à comunidade.

Integrante à “Educação em Comunidade” emerge a incontornável VIA PARA A SUSTENTABILIDADE, focalizada neste concelho que o Mestre Marco Teles, da organização municipal ‘Ecos Machico’, cujo objectivo consistiu em chamar a atenção das camadas jovens para a preservação do património natural e arquitectónico do município.

E porque, como dizia Louis Pasteur, “diante de uma Criança sinto-me cheio de ternura por aquilo que ela é e cheio de respeito pelo que poderá vir a ser mais tarde” – aqui ouso adicionar, cheio de espanto e medo – o Seminário trouxe um horizonte, a um tempo, estranho e surpreendentemente inclusivo, titulado TRÉGUA: A RECLUSÃO DE OLHOS POSTOS NO FUTURO, a cargo da Mestre Catarina Claro, da ‘instituição ‘Casa Invisível’, uma entusiástica viagem pelos caminhos desviantes da Criança de ontem, hoje Recluso de hoje, onde se num condenado às prisões se descobrem talentos e anseios de uma vida nova na construção da Comunidade, expressos naquele sentido mural, à saída da cadeia da Cancela, “Nós não somos os nossos erros”..

No crescimento civilizacional das nossas gentes, a Profª. Doutora Luísa Polinelli, da Universidade da Madeira, situou-se no patamar da CRIATIVIDADE E LITERACIA MEDIÁTICA, um acurado manual de ‘Didáctica Militante’, para escapar à pseudo-cultura da ‘informação em panados’ e ganhar a ‘capacidade de não perder-se na navegação total, observando o ‘princípio da relevância, pelo qual nos tornamos interacores críticos, conscientes’.. Na sua dissertação, senti-me conduzido às fontes inspiradoras do “Prazer do Texto” ou “Pazae de Ler”, na esteira de Roland Barthes.

Quase no vértice da evolução educativa, os docentes participantes no evento foram brindados pela brilhante intervenção do Prof. Doutor José António Moreira, da Universidade Aberta, que através da EDUCAÇÃO DIGITAL PARA O EMPREENDEDORISMO provou a positividade da denominada Inteligência Artificial, explicitou, contra os opositores publicamente declarados, que a I.A. não má nem é boa, tudo ‘dependente do uso que dela se faz, bem como das múltiplas redes comunicacionais hoje existentes’.

A culminar a iniciativa do Município, a Profª Doutora Liliana Rodrigues, da Universidade da Madeira, abriu as fronteiras da etapa maior da aprendizagem global, apresentando as linhas gerais do Mestrado e Doutoramento que dirige na cátdra da EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL, uma comunicação seguida com particular atenção pelo auditório e digna de mais ampla apreciação neste blogue.

Ao Prof. Doutor Jacinto Jardim, da Universidade Aberta, líder do projecto “Piratas dos Sonho” que tem dinamizado desde o “I Seminário”, agradecem os docentes e a população de Machico o valioso contributo que tem dado ao magno Plano de construção do Futuro, a começar pelo berço da vida, as Crianças, “o melhor que o mundo tem”.

À Câmara Municipal os parabéns por ter feito a opção mais alta e segura que todos os volumes de betão, qual seja a “EDUCAÇÃO EM COMUNIDADE, POR UM NOVO COMPROMISSO EDUCATIVO”, o mais belo preâmbulo para as comemorações do Dia Mundial da Criança na Madeira, razão pela qual decidi ocupar os três dias ímpares na ponte pênsil que liga Maio a Junho.

29-31.Mai. 1.Jun. 23
Martins Júnior

domingo, 4 de junho de 2023

JOANA VASCONCELOS


Segui a entrevista a Joana Vasconcelos, conduzida por Goucha no programa "Conta-me". Conheço a sua Obra, a dimensão mundial que tem, mas esta entrevista teve o condão de a descobri naquilo que é como Mulher, como pessoa e pelo pensamento estruturado que a acompanha. Fiquei rendido. Entre muitas passagens, gostei deste seu posicionamento:

Que mundo é este que vive diariamente, perguntou Goucha.
Eu fui educada no gosto pela beleza (...) Eu vivo no mundo do sonho, do mágico onde criamos realidades que não existem, de projectos que nunca foram feitos, onde de qualquer maneira construímos todos os dias um futuro diferente."
Não há limites para a criatividade, para o sonho... retorquiu Goucha. 
Não.

O que terá isto a ver com a Escola que temos, pensei!

A sua última Obra, "A Árvore da Vida", via há duas semanas, na Saint Chapelle do castelo de Vincennes, nos arredores de Paris. Um trabalho fantástico, do qual deixo aqui um breve vídeo, embora não deixe transparecer a monumentalidade e todo o trabalho de pormenor.

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Quadros de honra “para inglês ver”










Por
Ana Catarina Mesquita
Professora e Investigadora
Jornal PÚBLICO - 30.05.2023



A diminuição da exigência a que assistimos diariamente no ensino público conduz a situações, no mínimo caricatas, em que, em algumas turmas, chegamos a ter metade dos alunos no quadro de honra. Como é isto possível, pergunto-me? Temos 15 Einsteins numa turma e os outros 10 são os falhados?

Como é do conhecimento geral, os quadros de honra, de há uns anos a esta parte, constituem uma realidade de várias escolas/agrupamentos escolares, gerando polémica. Estes quadros têm como objetivo premiar a excelência, fomentando o empenho dos alunos e um aproveitamento excelente a todas as disciplinas.

Pergunto: mas os alunos têm mesmo de ser excelentes a tudo? Parece-me difícil… Um aluno que, por exemplo, seja ótimo na disciplina de português e exímio na matemática, mas não tenha aptidão para as artes, é menos digno de pertencer a um quadro de honra? Ou o contrário! Os alunos, por natureza, revelam tendência para determinada(a) área(s), sendo que muitos deles demonstram competências brilhantes a áreas específicas. Então, imaginemos que um aluno que redige textos brilhantes, os melhores daquela escola, ou um aluno que revela competências desportivas irrepreensíveis. Estes alunos devem ser excluídos do quadro de honra, porque não tem tão boas notas às restantes disciplinas?

Tudo isto goza, na verdade, de muito pouca lógica. Ou seja, estamos a premiar, no fundo, o quê? Um concurso para ver quem tira melhores notas a tudo? Com que objetivo? O que ganham os estudantes com isso? Definitivamente, acaba por ser fomentada uma competitividade não desejável entre os alunos. A competição connosco mesmo, dentro de limites racionais, pode ser algo ótimo, que nos impele a ir mais longe na conquista dos nossos sonhos e objetivos. Isso é positivo. Mas e a competição desenfreada com colegas, como se de rivais se tratassem? Julgo que só conduz a que se perca a cooperação entre os alunos.


Por outro lado, onde fica a valorização das atitudes diárias, o respeito pelos professores, pelos colegas, por funcionários, enfim, por toda a comunidade escolar? Um aluno que luta com dificuldades para ter boas notas, mas que não consegue a excelência a todas as disciplinas, sendo, no entanto, um exemplo de conduta, deve ser excluído de um quadro de honra, como se da ovelha negra se tratasse? Parece-me que a resposta é óbvia, pelo menos na minha ótica.

Outro aspeto a ser considerado é a existência de desigualdades sociais no acesso a recursos de educação fora do espaço escolar e que estes quadros de honra só evidenciam. Efetivamente, se uma disciplina for muito exigente ou um professor for menos competente, os alunos que tiverem condições financeiras para obter apoio fora da escola terão, certamente, mais facilidade em brilhar nessa área do conhecimento, sendo que os restantes ficarão, logicamente, mais para atrás. O que quero com isto afirmar é que estes quadros de honra acabam por não avaliar conhecimentos adquiridos apenas no espaço escolar, mas envolvendo valências que ultrapassam o mesmo.

Paralelamente, fomentam algo que considero perigoso para o futuro dos alunos: a ilusão de que já fizeram o suficiente e de que não é preciso trabalhar mais para atingir objetivos mais ambiciosos. Na verdade, hoje, em dia, a diminuição da exigência a que assistimos diariamente no ensino público, em relação ao que acontecia no passado, conduz a situações, no mínimo caricatas, em que, em algumas turmas, chegamos a ter metade dos alunos no quadro de honra. Como é isto possível, pergunto-me? Temos 15 Einsteins numa turma e os outros 10 são os falhados? Parece-me muito pouco verosímil… Além de se criar uma ideia errada do que é a excelência e do que a mesmo abarca, podemos levar os 10 alunos que ficaram de fora do quadro de honra a perderem confiança nas suas capacidades, como se valessem menos do que os outros, e isto é inconcebível.

Pelas razões apontadas e por outras que poderiam ser referidas, não consigo encontrar razões sólidas que justifiquem a manutenção destes quadros de honra, que, na minha perspetiva, não apresentam critérios coerentes, apenas promovendo a competitividade e a ilusão, e não contribuindo em nada para a criação de valores realmente relevantes para a sociedade.