quinta-feira, 11 de abril de 2024

O sedentarismo não se combate assim



FACTO


Apenas 3% dos adultos têm registo da avaliação da atividade física no sistema informático do SNS. Crianças com menos de 15 anos também vão ser acompanhadas pelos centros de saúde. A Direção-Geral da Saúde (DGS) quer que os médicos dos centros de saúde prescrevam mais exercício físico e aumentem a avaliação do nível da atividade física e do comportamento sedentário dos utentes. A autoridade de saúde vai introduzir mudanças em normas e também as crianças serão avaliadas. - Rita Neves Costa, Jornalista, JN.


COMENTÁRIO

Li e tive de reler esta "pérola" da DGS. Presumo que ainda seja a Drª Rita Sá Machado, médica, a responsável pela DGS. Do texto resulta que a Senhora passa ao lado de, no mínimo, dois aspectos essenciais: que a prática física e desportiva pertence ao domínio cultural. A não aceitação deste princípio conduziu ao facto de Portugal, na UE, ocupe, segundo o Eurobarometer (2022 - página 10) uma posição simplesmente vergonhosa: "78% dos portugueses diz que raramente ou nunca pratica qualquer atividade física ou desportiva. Apenas 18% com alguma regularidade e 4% regularmente". Portugal está no 1º lugar dos países com menor actividade física ou desportiva. Trata-se de um problema de Educação, portanto, de formação de base, a qual, fica a dever-se a uma anacrónica e desajustada Educação Física e Desportiva, que continua sujeita a programas desmotivadores e a avaliações que não despertam para essa necessidade cultural. Não é obrigando, não é fazendo testes teóricos, avaliando e atribuindo níveis ou notas que se desperta para essa necessidade vital do ser humano.  

Depois, a Senhora Directora-Geral esquece-se que a generalidade das faculdades licenciam professores no âmbito da "Saúde e Prescrição do Exercício". Não compete aos médicos a prescrição do exercício físico. Podem aconselhar, naturalmente, como qualquer cidadão bem informado, na ausência de factores de risco, dizer ao amigo: mexe-te pela tua saúde! Não mais do que isso. O sedentarismo não se combate assim. É muito mais complexo porque é interdisciplinar. 

Na conjugação destes dois factores parece-me óbvio que é aí que tudo tem de ser repensado. É na base, na criança que chega à escola, no pensamento e na mentalidade que deve estruturar a actividade física e desportiva que se encontra uma solução portadora de futuro. Sendo assim, Senhora Directora-Geral é preciso semear para colher mais tarde. Se esse não for o caminho, aquela decisão constituirá mais um tirinho de pólvora seca! Aliás, não será pelo facto de uma qualquer área da governação "prescrever" mais teatro, ballet, pintura, música, canto, etc. que teremos um povo que passe a atribuir valor às artes e expressões culturais. 

sábado, 6 de abril de 2024

É preciso ser livre para se ser livre


A convite do autor, o Professor Universitário Carlos Oliveira Santos, assisti, na FNAC - Funchal, ao lançamento do livro "Aye - poemas escoceses". Aconteceu ao início da noite da última Sexta-feira este seu tributo à Escócia e às suas culturas. Foi um momento sereno e sublime, de poesia, música e canto e, a espaços, com intervenções do autor sobre aquilo que considera "um fio contínuo de incessante busca da identidade e da capacidade humana, na sua original afirmação romântica da liberdade - aqui, com Burns como exemplo superior (...)".





A páginas tantas, falou da ligação dos Escórcios e dos Drummond, cujos antepassados, na Madeira, vamos encontrá-los na História escocesa. A contagiante simplicidade do autor conduziu a interessantes testemunhos de vários que, na plateia, assistiam.

De todo aquele enquadramento creiam que senti, profundamente, o poema da autoria do Professor Carlos Oliveira Santos, dito de uma forma intensa e sedutora - Uma Declaração de Arbroath. Deixo-o aqui.   


é preciso ser livre para ser livre
eu não quero a liberdade p´ra venerar num al
tar a liberdade por falar
quero a liberdade de falar, de ser eu
do qual não há cópia

liberdade, liberdade, eu quero a minha liber
dade a liberdade para todos
liberdade livremente
liberdade com cor
liberdade com dor

liberdade sujeita à própria liber
dade liberdade de experimentar, de sentir
liberdade de errar, de tresvariar
de viver, de morrer
liberdade que não precise de lei
que só aceite uma lei fundada na própria liberdade

tem um preço, a liberdade, mas não se vende
tem um nome, mas não se limita a ele
tem um fim, mas desconhece-o

tenho, muitas vezes, a sensação que não existe 
liberdade, mas quero essa liber
dade        é preciso ser livre para se ser livre

No Prefácio escrito por Billy Kay, escritor, autor de televisão e rádio, poliglota, um militante indefectível da independência da Escócia: "(...) o Carlos não só tem um profundo conhecimento da cultura e da história da Escócia, mas, ao mesmo tempo, ele tem algo dentro de si que lhe dá uma visão excepcional da cultura escocesa, possibilitando-lhe divulgá-la desta maneira tão impressionante e permanente".

Estou a ler, serenamente, as páginas deste livro. Parabéns e obrigado, Caríssimo Professor.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Os primeiros 80!

 

Trabalhámos juntos, na escola e na RTP-M. Tenho por ele uma enorme admiração e estima. Há dias remeteu-me uma mensagem convidando-me para os seus "primeiros 80 anos". No meio do contentamento por se ter lembrado de mim, soltei uma sonora gargalhada em função daquela frase cheia de humor: "primeiros 80 anos". São, de facto, os primeiros, o que significa que a vida tem de continuar. Completar os segundos oitenta, digo eu, só será possível num jogo prospectivo, de plena imaginação sobre o mundo que as próximas gerações podem esperar.



Aliás, o meu Amigo João Coutinho tem uma particularidade que o distingue dos demais: a sua capacidade para produzir humor com tudo o que o rodeia. Um dia, falávamos de um político indicado para secretário de qualquer coisa e ele, de chofre, meteu ali a sua veia satírica: será secretário de(o) estado a que isto chegou. Recordo-me de uma outra passada na escola. Um aluno, com um fraquíssimo resultado num teste, disse ao Coutinho: professor, errar é humano. Pois, eu sei, respondeu-lhe. Porém, acho que estás a ser humano demais!

São tantas as histórias bem humoradas. A par desta sua particularidade face à qual eu situo-me a milhas de distância, o Coutinho pautou a sua vida de docente pela alegria contagiante junto dos alunos e pela responsabilidade no seu mister. Duvido da existência de um aluno que alguma vez o tivesse olhado de esguelha. Sempre amou o que fez, o que constituiu um passaporte para a lembrança que muitas gerações têm da sua abertura à aprendizagem com rigor, mas respeitosa da identidade de cada um.

Na televisão foi simplesmente impecável a sua colaboração. Mas o Coutinho teve uma outra faceta que destaco. O andebol. O seu andebol, a sua dedicação tornada paixão. Sinto que está por fazer a homenagem que ele merece. Os primeiros, os que com mestria desbravaram, aqueles que, sem se colocarem em bicos de pés, abriram as portas possibilitando à modalidade aquilo que hoje é, merecem o meu respeito. O Pavilhão Gimnodesportivo do Funchal, inaugurado, salvo erro, em 1971, devia encimar o nome de João Coutinho. Merece-o.

Só uma nota final. A grandeza do Coutinho está nisto: ofertas pessoais, não. O que cada um pensa gastar (com os Amigos não se gasta, investe-se), será entregue em sobrescrito, depositado num saco para, posteriormente, ser entregue à Associação ACREDITAR - Apoio a crianças e jovens com cancro. Fantástico. 

Amigo, amanhã, lá estarei, às 13 horas, antes do "toque de feriado". Faço questão de te dar um abraço de uma longa amizade, aquele abraço que mesmo não convivendo diariamente, exprime o calor de anos de trabalho e de exemplar companheirismo. E "vamilhá" para os segundos oitenta!

terça-feira, 2 de abril de 2024

Tão simples e tão profundo (II)



Não dou por perdida a luta de muitos e de há muitos anos. Aliás, as mudanças arrastam sempre uma resistência de anos, porque os hábitos enraízam-se, porque o medo do desconhecido instala-se no convencimento que se sempre foi assim, porquê mudar(?) e, também, pela comodidade a que a rotina conduz. Ah, porque a hierarquia política, amante da "tranquilidade e da normalidade", assim impõe. Ela não aprecia quem seja prospectivo, quem fuja ao itinerário traçado. Mudar exige estudo, aprofundamento do conhecimento, inconformismo, leitura do mundo, comprometimento, muito trabalho, e tudo isto apavora os apreciadores do "status quo".



Há 53 anos, transcrevi no meu "Relatório de Estágio Pedagógico" uma frase de Paul Ginisty (1855/1932) que continua com uma impressionante actualidade: "Não é possível ser pedagogo sem adoptar uma certa visão do ser humano que visa legitimar a prática". E, recentemente, li no blogue "Educrítica": "Para ensinar o latim ao João, todos sabem hoje que é indispensável conhecer o latim e o João. Mas mais ainda: é preciso saber porque é que se deseja que João aprenda latim, como é que a aprendizagem do latim o irá ajudar a situar-se no mundo de hoje - numa palavra, quais são os fins visados pela educação. E há pelo menos uma componente política em qualquer resposta que se pretenda dar."

Pois, é isso mesmo! Ao correr das palavras que vou digitando, acompanha-me o meu Amigo Padre Martins Júnior: "rezar é fácil, pensar é muito mais difícil", o que se aplica, ao fim e ao cabo, a tudo, da Igreja à Escola.

Deduz-se, então, que o sistema educativo continua, qual metáfora, a "rezar" pelo manual, "sem uma visão do ser humano que vise legitimar a prática" e, portanto, sem "saber porque é que se deseja que João aprenda latim" ou outra coisa qualquer. E sendo assim, como revela a infografia, dir-se-á que "doutrinar é fácil", mais complexo é "mostrar às pessoas como aprender".

Os que se refastelam nos desengonçados e empoeirados cadeirões do exercício da política deviam ter presente o que Agostinho da Silva nos deixou: "O que impede de saber não são nem o tempo nem a inteligência, mas somente a falta de curiosidade.”

Se tivessem isto presente mudavam tudo.

Nota
Fotografia e legenda de Noam Chomsky enviada pelo meu Amigo Dr. João Luís Aguiar, Professor de Filosofia.