sexta-feira, 28 de junho de 2019

Ensino não é igual para todos. Alunos mais pobres ficam fora dos cursos com notas mais elevadas


O estudo intitulado "A Equidade no Acesso ao Ensino Superior", que é apresentado esta quarta-feira, analisou o corpo estudantil das universidades e dos institutos politécnicos portugueses, com base em dois indicadores: as qualificações dos pais dos alunos e o número de bolsas de ação social (destinadas aos alunos mais desfavorecidos) atribuídas.


As conclusões do Projeto EDULOG da Fundação Belmiro de Azevedo (...) revelam que os jovens com pais sem formação ao nível do ensino superior representam apenas 61% dos novos inscritos nas universidades e politécnicos. E dos 45.051 alunos que, no total, frequentam o Ensino Superior em Portugal, apenas 14.187 (31,5%) são bolseiros.
Os estudantes oriundos de famílias com menos estudos - que não têm possibilidade de pagar explicações ou frequentar colégios privados - são aqueles que, tendencialmente, mais vão estudar para os politécnicos, uma vez que não conseguem atingir as médias exigidas pelas universidades. Se nas universidades, a percentagem de alunos bolseiros é de apenas 28,1%, nos institutos politécnicos ascende aos 37,4%.
As diferenças sociais dos estudantes refletem-se não só nas instituições de educação mas também nos tipos de cursos em que ingressam. Se a Medicina e as engenharias são os cursos mais escolhidos pelos alunos das classes mais favorecidas, os alunos de famílias com menos estudos predominam nos cursos de Educação (onde 39% dos alunos têm pais com formação ao nível do ensino básico) e Ciências Empresariais (onde a percentagem é de 20%).

E dentro das mesmas áreas de estudo também há diferenças. Na Saúde, os alunos das classes mais altas vão para os cursos de Medicina das universidades - em que 73,2% dos alunos têm pais com o ensino superior e onde há um menor número de estudantes a necessitar de bolsa de ação social. Já os alunos mais desfavorecidos ingressam nos cursos de Enfermagem e Tecnologias da Saúde dos politécnicos - em que 73% dos alunos têm pais com formação abaixo do ensino superior.

O estudo conclui que estes resultados vêm contradizer o que seria esperado perante a expansão do sistema educativo: que fossem reduzidas as desigualdades de acesso dos estudantes provenientes de diferentes níveis socioeconómicos. "Isso não se verificou", constata o relatório.
Em vez disso, confirma-se que os estudantes com origens mais favorecidas têm mais hipóteses de tirar proveito das oportunidades que lhe são oferecidas. As classes mais baixas só podem tirar vantagem da expansão do sistemas de ensino depois das necessidades das classes mais altas estarem já completamente satisfeitas.
A tendência, contudo, não se verifica apenas em Portugal. Os académicos internacionais classificaram este fenómeno pela designação "maximally mantained inequality" ("desigualdade máxima mantida").
Para tentar combater o problema, o Governo decidiu que, no próximo ano letivo, os cursos com notas de acesso iguais ou superiores a 17 valores terão de aumentar o número de vagas em pelo menos 5%. O coordenador do estudo da EDULOG, Alberto Amaral, não considera, no entanto, que a medida seja suficiente para resolver a desigualdade no acesso ao ensino superior em Portugal.
Fonte: TSF por indicação de Livresco/Incluso
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

O sector educativo vive de fases orgásmicas


FACTO

"Ano lectivo com dois semestres" (...) "depois da revolução dos manuais digitais (...)" - anuncia a secretaria regional da Educação. Fonte: edição de ontem do DN-Madeira.

COMENTÁRIO

É caso para dizer... "cada cavadela sua minhoca". Não sei se será falta de jeito ou um intencional paleio de quem está na parada a marcar passo. Ou, no cruzamento, sem saber por onde seguir! Ora, a questão essencial não é (nunca foi) o ano lectivo ter três trimestres, dois semestres ou, apenas, um período. A questão central situa-se no paradigma que se pretende para uma aprendizagem que vise o conhecimento sustentado, articulado e portador de futuro. Se o "modelo", organizacional e pedagógico, assenta nos mesmos pressupostos de sempre, ter um, dois, três ou quatro períodos, obviamente que tal corresponde a uma incessante chuva no molhado. Como me dizia um ilustre professor, é "timex", não adianta nem atrasa! 
Só através de uma mudança  no pensamento estrutural que tudo o resto se deve encaixar. É uma alteração a esse nível que poderá determinar, por exemplo, que não se justificam avaliações trimestrais ou semestrais; que os exames, por enquanto, ainda podem ter alguma justificação apenas no 12º ano (no futuro duvido que seja assim); que a obsessão pela avaliação não deve estar em primeiro lugar, relativamente ao verdadeiro CONHECIMENTO; que a avaliação (dos alunos) deve assentar em uma perspectiva contínua e bi-lateral, completamente distinta do habitual decora, debita e avalia, complementado com itens de uma assustadora subjectividade; que o sistema deve caminhar no sentido de uma "escola por aluno", que respeite tempos e capacidades de aprendizagem; que os actuais conceitos de ciclo, aula e de turma não se adequam aos tempos que estamos a viver; por outro lado, poderá determinar o papel e a posição do professor face ao aluno, enquanto mediador da aprendizagem; se fazem ou não sentido ter os manuais em papel, agora em formato digital, se tivermos presente o manancial de informação disponível na internet (digitei a palavra "filosofia" e, em 0,39 segundos, surgiram-me 224.000.000 de hipóteses de consulta) e que tudo isto implica uma profunda revisão dos currículos e dos programas. Mais, determinará, certamente, a necessidade de exigentes políticas de família, a montante da escola, susceptíveis de garantirem interesse pela escola e elo respectivo sucesso. Ora, nada disto está definido, tudo é balofo e circunstancial, e sendo assim, não faz sentido que se apregoe a existência de uma REVOLUÇÃO, até porque, a secretaria da Educação, desde sempre pegando de empurrão, nada mais está a fazer do que copiar e mal o que, no próprio país, outros já avançaram. 
Fico com a certeza que não existindo um pensamento estruturado relativamente ao que pretendem criar na Região Autónoma, infelizmente, o sistema educativo na Região continuará a viver de fases orgásmicas ou picos de êxtase que logo desfalecem. 

Preferível seria que o secretário político fosse um revolucionário, no sentido de vanguardista e reformador. Isso implicaria um sentido de "reengenharia", próximo de Michael Hammer, que envolvesse quatro ideias-chave: "posicionamento para a mudança, identificação dos processos, recriação dos processos e transição para o novo sistema". Sabe-se que as instituições que criam futuro são rebeldes e subversivas, pois o sucesso só surge quando se quebram as regras tradicionais, fazendo da ousadia uma atitude. Li, em Tom Peters (2002), um guru da gestão e da excelência: "bem-vindos ao mundo do soft, da massa cinzenta, das ideias e do conhecimento". É isso que falta, quando o activo de mais valia é a imaginação humana. 
É na escola que ela deve ganhar asas. Mas é nesta escola que cortam as asas!

Torna-se, portanto, necessário um saudável choque, um rompimento com o passado e jamais determinados acertos (embelezamentos) marginais que, no essencial, a nada conduzem. É fundamental romper com ideias preconcebidas. O sistema precisa de visão e de previsão, de estudo transversal e integrado, devidamente suportado com o sentido de alguns princípios do desenvolvimento: o da prioridade estrutural, da teleologia funcional, da transformação graduada, da continuidade funcional, da interacção, da integração, da optimização dos meios e da não menos importante, participação das pessoas. Ou elas participam ou os processos morrem. Ora, semanalmente, alimentar a comunicação social com alguns tiros pretensamente sonantes e coloridos, neste caso, correspondem a disparos de fumo. Caso para dizer que o secretário, desde que tomou posse, "vende" fumo. Não consegue surpreender os políticos, os professores, os pais, os empresários, muito menos os jovens. 
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Artigo, da minha autoria, publicado no blogue
www.gnose.eu

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Professores portugueses entre os que gastam mais tempo de aula a controlar presenças e comportamento dos alunos


Tarefas administrativas, como a distribuição de formulários ou a verificação de presenças, e o controlo do comportamento dos alunos ocupam, em média, um quarto da duração total das aulas no ensino básico. Esta proporção coloca Portugal entre os países e economias da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) onde se despende menos tempo em actividades de ensino e aprendizagem (73,5%). A média da OCDE é 78,1%. Os professores que mais dizem usar o tempo de aula para esse propósito estão na Rússia, Estónia e Vietname.

Os números fazem parte do inquérito TALIS (Teaching and Learning International Survey) 2018, produzido pela OCDE. O primeiro volume da terceira edição do relatório, que dá voz a professores e diretores das escolas sobre as suas perceções e opiniões em relação ao sistema de ensino em que estão integrados, foi publicado nesta quarta-feira. O segundo volume, sobre a valorização da profissão, será conhecido em 2020.
(...) João Costa, secretário de Estado da Educação e presidente do órgão de governação do TALIS, reconhece a questão do comportamento em sala de aula (e do tempo gasto a geri-lo) é uma dimensão “preocupante”. É algo que “tem de ser cruzado” com outras questões como “o envolvimento dos estudantes, as questões de disciplina, as questões de valorização geral dos professores e a relação com encarregados de educação”.
A utilização do tempo de aula para as tarefas ditas de aprendizagem está a diminuir. Nos últimos anos, esse tempo “diminuiu em cerca de metade dos países e economias participantes no TALIS”, adianta a OCDE. Em Portugal, a redução foi de dois pontos percentuais.
E o que explica esta tendência? Em parte, o número de alunos por turma. Ao analisar os dados do TALIS, a OCDE conclui que “quando os professores têm turmas maiores, tendem a gastar menos tempo de aula nas atividades de ensino e aprendizagem”. Os professores portugueses reportam uma média de 22,2 alunos por turma, um valor próximo da média da OCDE. A redução do número de alunos por turma, primeiro nas escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) e depois nos diferentes graus de ensino, tem sido colocada em prática pelo Ministério da Educação.



Controlar o mau comportamento 

Mesmo assim, os professores portugueses (97,8%) são os que mais se dizem capazes de controlar comportamentos disruptivos na sala de aula. A média da OCDE fica-se pelos 85%. E também estão entre os que mais dizem que frequentemente acalmam alunos com esse tipo de atitudes.
O tempo gasto em atividades relacionadas com o ensino também está a mudar. “De um modo geral, os docentes tendem a ocupar mais horas em aulas do que na sua preparação”, lê-se no relatório. Mas, se na maioria dos países, o tempo despendido em aulas aumentou nos últimos cinco anos, em Portugal diminuiu. É quase menos uma hora por semana. A preparação das aulas também ocupa menos duas horas aos professores portugueses.

Quanto à avaliação dos estudantes e à comunicação dos resultados, 90% dos professores nacionais dizem que avaliam frequentemente os alunos e transmitem de imediato os seus comentários (a média da OCDE é 79%).

Mais formação para necessidades especiais

Num outro capítulo, a OCDE foca-se na formação da classe docente. Em Portugal, cerca de 33% dos professores do básico trabalham em escolas onde mais de 10% dos alunos têm necessidades educativas especiais. No secundário o número é ainda menor: 21%.




As diferenças entre o básico e o secundário têm uma explicação possível, segundo João Costa: “No ano em que os professores foram inquiridos, em 2018, estávamos a viver no secundário uma lei que empurrava os alunos [com necessidades especiais] para o profissional. Este ano [há um novo regime de educação inclusiva] estamos a reduzir o número de alunos por turma também no científico-humanístico. Pode ser por isso que há essa representação.” 
Mesmo assim, no que diz respeito à preparação para lidar com estes alunos, os professores portugueses ainda ficam aquém. E são os próprios a admiti-lo. Só 30% tiveram formação sobre como lidar com estudantes com necessidades especiais no último ano e cerca de 27% dizem que é algo que lhes faz falta.


Os diretores também o reconhecem. Metade dos inquiridos diz que a qualidade do ensino nas suas escolas é prejudicada pela falta de docentes com formação específica direcionada para crianças com necessidades especiais. Um número que está muito acima da média da OCDE: 32%.
“O TALIS é o único estudo a nível internacional que é apenas a voz dos professores e dos diretores. Não há dados fornecidos por governos. É um olhar sobre os sistemas educativos que vem dos profissionais”, refere o secretário de Estado. Por isso, a referência dos professores à necessidade de formação em necessidades especiais é importante. “Alegra-nos”, diz João Costa, porque “é um investimento que temos feito em termos de formação contínua”. 
“Estamos a creditar a formação em educação inclusiva para todos os grupos de recrutamento. O TALIS ajuda-nos a definir prioridades de investimento. Agora, com turmas a funcionar em todo o país, continuamos a perceber que é das áreas em que temos de investir mais”, esclarece. 

Classe docente envelhecida

A OCDE volta a frisar que os professores portugueses estão entre os mais envelhecidos. Têm, em média, 49 anos — mais cinco do que a idade média dos docentes dos outros países e economias que participam no TALIS.
A organização sublinha ainda que, em 2018, 47% destes profissionais tinham 50 anos ou mais. Algo que se agravou desde 2013 e 2018, quando esta proporção se ficava pelos 28%. “Significa que Portugal vai ter de renovar cerca um em cada dois membros da sua classe docente durante a próxima década”, diz a OCDE.
“O rejuvenescimento do corpo docente tem de ser um tema a inscrever nas agendas que aí vêm”, admite João Costa. Sobre a substituição dos professores reformados, o secretário de Estado da Educação avança que está a ser feito um “trabalho conjunto com o secretário de Estado do Ensino Superior e com a secretária de Estado Adjunta e da Educação no sentido de fazer uma previsão das aposentações até 2025”. O objetivo é usar a informação para iniciar “um diálogo com o Conselho Nacional de Reitores e com o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos” para passarem a mensagem de que “vai haver emprego para os professores”.
Mesmo assim, há boas notícias: 84% dos professores do básico dizem que a profissão foi a sua primeira escolha de carreira. Portugal é o quarto país onde mais docentes afirmam isto — a média da OCDE fica-se pelos 67%. Mas há diferenças quando se olha para as escolhas por género e tempo de carreira. Há mais mulheres (86%) a dizer que a escolha pela carreira docente foi a primeira opção do que homens (79%). E há mais profissionais que têm cinco ou mais anos de carreira (85%) a desempenhar a profissão que realmente desejavam do que os que têm cinco anos ou menos (71,4%). 
A análise da distribuição dos professores por género mostra que as mulheres estão em maioria: são três em cada quatro. Mas há muitas menos a assumir a liderança das escolas (só 43%).

O TALIS dá "voz aos professores"

O que é o TALIS? 
O Teaching and Learning International Survey (TALIS) é um inquérito de grande dimensão, que se foca principalmente no ensino básico (também há participantes do ensino primário e secundário), criado “para gerar informação comparável ao nível internacional relevante para o desenvolvimento e implementação de políticas focadas nos diretores, professores e ensino, com um foco nos aspetos que afetam o ensino”. João Costa, secretário de Estado da Educação, é o presidente do conselho de direção do TALIS, um órgão que, segundo o governante, “não contribui para a produção do relatório, mas tem impacto na definição dos domínios [abordados]”.

Com que frequência é realizado o inquérito?
O TALIS foi aplicado pela primeira vez em 2008, em 24 países. A segunda edição decorreu entre 2013 e 2014 e incluiu 38 países. Na edição de 2018 participaram 48 países e economias.

Qual é o tamanho da amostra?
O ponto de partida da amostra são 200 escolas por país. Respondem ao inquérito 20 professores e o diretor de cada escola. Os questionários são apresentados separadamente aos docentes e responsáveis pelas escolas. Responder a todas as questões demora entre 45 e 60 minutos. Em Portugal, 7227 professores e 395 diretores de escolas do ensino básico e secundário participaram.

Quando é que foram aplicados os questionários?
Nos países do hemisfério Norte, os professores responderam entre Março e Maio de 2018. No caso do hemisfério Sul, as respostas foram dadas entre Setembro e Dezembro de 2017.

Que tipo de informação é que o TALIS nos dá?
No relatório, a OCDE sublinha que “os resultados do TALIS se baseiam exclusivamente nos relatos de professores e diretores e, portanto, representam suas opiniões, perceções e crenças relacionadas com a sua atividade”. E acrescenta que “dar voz aos professores fornece conhecimento sobre como estes profissionais percecionam os ambientes onde trabalham e como determinadas políticas são postas em prática”. Uma vez que são dados reportados pelos próprios professores, a informação é subjetiva.

Fonte: Público por indicação de Livresco / Blogue Incluso

domingo, 16 de junho de 2019

Quanto enganado está o Presidente do Governo da Madeira!


Afirmou, recentemente, o Presidente do Governo Regional da Madeira: o que conseguimos na Educação da Madeira "é extraordinário" (...) temos “dos melhores professores e das melhores escolas do país". Eu diria, quanto enganado está. Enfim, em tempo de campanha eleitoral, vale tudo. Interessa é estar ao lado e com todas as frentes da governação. Da minha parte convidava-o a seguir a intervenção do Professor David Rodrigues (2015), porque talvez aí encontre matéria para perguntar ao seu secretário da Educação: olha lá, o que andaste a fazer nestes quatro anos?

sábado, 8 de junho de 2019

O PROFESSOR JOAQUIM JOSÉ SOUSA, A NOVA SUSPENSÃO E A CLARA PERSEGUIÇÃO DO SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO


É óbvio que está no carácter político de um certo tipo de pessoas, os comportamentos inapropriados, que causam repulsa e, pela repetição, geram pena. Gandhi, em uma simples frase, disse tudo: "O dinheiro faz homens ricos, o conhecimento faz homens sábios e a humildade faz grandes homens". Ora, só é grande quem é humilde. Sendo assim, este secretário da Educação, se é rico não sei nem me interessa saber, agora, sábio não é, e quanto à humildade está para além do horizonte. 


A não observância da humildade traz no seu bojo outras características extremamente negativas, a de sentir-se dono de qualquer coisa, a arrogância, a inveja, a perseguição e a intolerância. Isto para dizer que, segundo a edição de hoje do DN-Madeira, o Tribunal Administrativo do Funchal decidiu mandar reintegrar o Professor Joaquim José Sousa, na sequência de uma providência cautelar. O Professor apresentou-se na sua escola, porém, através de um qualquer estratagema o secretário voltou a suspendê-lo. Compete agora ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal voltar a apreciar a contestação apresentada. Entretanto, o docente, "condenado" pelo secretário a seis meses de suspensão, fica impedido de receber o seu salário.
O leitor que, eventualmente, não esteja por dentro do assunto, sugiro que leia os motivos da vergonhosa acusação no seguinte endereço:


O texto pertence à Jornalista Bárbara Reis - Jornal Público. Está lá tudo. E como se isso não bastasse, o leitor que tenha em consideração a frontalidade, sensatez, lucidez e honestidade intelectual e política da ex-Deputada do PSD-M, Drª Sara André:

"(...) Sobre o caso do professor Joaquim da escola do Curral das Freiras, tanto por dizer que se resume a isto, em “bom” madeirense: “deixem-se de p***********, já mete nojo”. Quem deve ter bom senso, acabe com esta novela que já é nacional e só nos envergonha. Para além dos editoriais, artigos de opinião, intervenções na TV ao nível nacional, até motivo de gozo somos pelos humoristas de referência, tendo em conta o ridículo da situação".

Ora, o secretário não ouve ninguém. Pouco lhe interessa que dele e da Educação façam chacota. Para ele, fundamentalmente, perigoso é que alguém brilhe, mostrando-se capaz de realizar sonhos. Mantém um desejo de estar no pódium do quero, posso e mando. Pessoas como o Professor Joaquim constituem uma ameaça. Por isso, é incapaz de entender as palavras de um outro pensador que terá dito: "seja humilde, pois, até o Sol com toda sua grandeza se põe e deixa a Lua brilhar".
No plano político este secretário fica na História pelos piores motivos. Nada de relevante pela Educação fez, não deixa uma ideia estrutural para o futuro, tendo passado quatro anos mergulhado em "pontos e vírgulas", em prémios e diplomas de uma balofa meritocracia, em perseguições, fusões, estéreis guerras sindicais e outras situações que me dispenso fazer alusão. 
O pior é que vejo uma classe profissional em silêncio. E isso tem um significado que se resume em uma palavra: mordaça.
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Provas de Aferição - Para quê?


Não encontro uma razão que justifique a realização das designadas "provas de aferição", no 2º, 5º e 8º anos. Diz o Ministro: "servem para que os professores, os alunos e as famílias saibam verdadeiramente os progressos que cada aluno está a fazer, o que já aprendeu e também aquilo em que poderá melhorar. Servem ainda para que tenhamos uma visão de conjunto sobre como estão os alunos a aprender, em cada escola e a nível nacional. (...) O que devemos querer é que os alunos aprendam verdadeiramente."


Estas justificações, e já vamos a algumas outras, partem do pressuposto que ao longo dos anos os estabelecimentos de aprendizagem, à luz dos programas (e não só), não têm qualquer projecto educativo. Dir-se-á que cada escola está, eu diria, por sua conta e risco! Inclusive, os professores. E isso não é verdade. Qualquer estabelecimento dispõe de órgãos próprios, enquanto espaços de debate, de onde surgem os projectos educativos, globais e específicos. A partir dos currículos e dos respectivos programas, os professores transmitem os conhecimentos e, na esteira deste quadro, desenvolvem avaliações regulares que culminam, no final de cada período, no preenchimento de fichas individuais, (e atribuição de níveis em determinados anos), posteriormente entregues aos pais e encarregados de educação. Isto acontece desde o infantário. Os professores de cada escola e de cada turma sabem, portanto, a todo o momento, "o que o aluno já aprendeu e aquilo em que ainda pode e deve melhorar no futuro". E complementa, ainda, o Ministro, "por isso é que, ao contrário de um exame, as provas de aferição dão origem a um relatório individual, em que se destacam os pontos positivos e os desafios colocados nas novas aprendizagens". Ora bem, das duas, uma: ou o Ministro não sabe, dentro do próprio sistema, como estão as escolas organizadas e o que fazem os professores ou, então, existe aqui um pressuposto de falta de confiança nas escolas, nos seus órgãos de orientação pedagógica e na própria acção prática dos professores.

Aliás, esta questão das aferições ou da avaliação interna e externa permanente (exames) já entrou na esfera de uma obsessão de características doentias. Ninguém pára para pensar, equacionar e definir aquilo que deve constituir um sistema consistente, de rigor, que entusiasme alunos, professores e pais e que se reflicta em gerações mais bem preparadas para o futuro. É curioso verificar que ninguém aborda a mudança estrutural do sistema. O sistema vive obcecado pela aferição e pelo exame, não com o CONHECIMENTO. 

De facto, a hierarquia política anda, claramente, desde há muitos anos, entretida em avaliar o que, de forma sistemática, já foi avaliado. No caso dos exames de 9º ano, pergunto, para que servem, quando, grosso modo, ao longo do ano, para além da observação em itens não relacionados directamente com os conteúdos programáticos, por disciplina, um aluno é avaliado, no mínimo, em seis momentos, que no conjunto das disciplinas, por ano, corresponde entre 60 a 70 avaliações. No conjunto de um ciclo, caso do 7º, 8º e 9º atinge um número superior a 200 momentos de avaliação. Para quê o exame de final de ciclo? Então a avaliação, para este sistema, repito, não tem uma característica contínua? 
Depois, pergunto, o que resultou das aferições realizadas nos anos anteriores? Genericamente, digo eu, elaboram-se relatórios que se destinaram, tarde ou cedo, ao arquivo morto. Nunca assisti a uma reunião de um Conselho de Turma onde fosse apresentado um qualquer bendito relatório que servisse de análise e de projecto de trabalho de um aluno para o ano seguinte. Até porque, registo, é falso, excluindo as naturais excepções, que existem, que a generalidade dos estabelecimentos funcionem em uma base de aprendizagem individual. O aluno, pelas características do próprio sistema, é uma peça que vive na margem das preocupações do verdadeiro conhecimento. O aluno é um número e a matéria está definida. O conhecimento, Senhor Ministro, sobretudo no Ensino Básico, não se compagina com uma atitude enciclopédica e de genérico domínio do manual, debitando-o nos testes para, logo depois, esquecer. Ter conhecimento é muito mais  do que isso. E esse está por ser definido!
Julgo, assim, que os políticos continuam a atirar para fora do alvo. Deveriam estar preocupados com a mudança de paradigma e não, como sublinhou o Ministro, no quadro da premissa de "todos ficarem com uma ideia mais específica sobre o que dominam melhor em cada disciplina". 
Ilustração: Google Imagens.
Fonte: Visão/Júnior

terça-feira, 4 de junho de 2019

‘O Papa tem uma fundação dirigida por uma pessoa que foi expulsa sete vezes do colégio’


Publicado
no semanário SOL
José Cabrita Saraiva
jose.c.saraiva@sol.pt

Hoje - apesar do seu passado de indisciplina - José María del Corral dirige a fundação Scholas Ocurrentes, que abarca escolas de todo o tipo em 70 países e que pretende ouvir os jovens para os ajudar a resolver os seus problemas. O pedagogo e amigo do Papa foi um dos oradores das Estoril Conferences.



Nascido em Buenos Aires em 1959, José María del Corral tem um longo historial de indisciplina. Com apenas cinco anos foi expulso da creche -uma situação tanto mais vergonhosa quanto o seu pai era um prestigiado médico e veterinário, professor na Universidade de Buenos Aires, e o seu irmão um aluno brilhante. Ele, o filho mais novo, foi sempre «a ovelha negra da família». Até que, aos 20 anos, uma experiência a cuidar de doentes num hospital da capital argentina o levou a trocar a faculdade de Ciências Económicas, onde estudava, pelo seminário. Fez-se teólogo, mas não padre, pois recusou assumir o celibato. Findos os oito anos de formação, começou a dedicar-se à pedagogia, lidando com jovens problemáticos, e construiu uma reputação nessa área. No final da década de 90, em plena crise argentina, o então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, convidou-o para ser o responsável pelo setor da educação do arcebispado. Tornaram-se amigos. Em 2013, quando Bergoglio foi eleito Papa, José María disse à mulher para fazer as malas porque iam apanhar um avião para Roma para assistirem à entronização do amigo. A falta de dinheiro não foi obstáculo - pediram um empréstimo e pagaram a viagem às prestações. Hoje - apesar do seu passado de indisciplina - José María del Corral dirige a fundação Scholas Ocurrentes, que abarca escolas de todo o tipo em 70 países e que pretende ouvir os jovens para os ajudar a resolver os seus problemas. O pedagogo e amigo do Papa foi um dos oradores das Estoril Conferences.
Ouço dizer muitas vezes que a educação é a solução para todos os nossos problemas. Mas fala-se como se educar fosse muito fácil, quando na verdade qualquer pessoa que tenha filhos sabe que é dificílimo...
Há um tipo de educação que é difícil, se não impossível, que é tentar mudar o outro para que ele se torne diferente do que é, como às vezes pretende o sistema educativo. Ou aplicar uma receita que compramos já feita lá fora. Quando o nosso projeto nasceu há vinte anos, com Jorge Bergoglio, no meio da crise do nosso país, ele dizia: ‘Nunca vamos resolver os problemas económicos e políticos se não começarmos pela educação’. A questão é que para cada pessoa temos de ter uma proposta diferente. O que é adequado para uma criança de dez anos não serve para uma de cinco. Por isso, para nós, a educação é uma arte - a arte de educar. Só um artista pode educar. A segunda coisa é que a nossa proposta educativa não diz às crianças o que devem aprender.

Então como fazem?

A educação começa por escutar. O principal programa educativo é este: o ouvido. Somente aquele que tem ouvido pode educar. Temos dois ouvidos, e no entanto o sistema educativo não os usa, só usa a boca para falar. Isto [aponta para a boca] não é educação. Essa é a segunda diferença entre o sistema educativo do Papa Francisco e a educação do sistema atual. Por isso estes sete dias em que consiste a primeira experiência do Scholas Ocurrentes, que se chama escolas da cidadania e que está presente aqui em Cascais, arrancou com jovens de escolas muito diversas - colégios privados, escolas públicas, escolas profissionais, confessionais, laicas, de diferentes estratos económicos. Durante uma semana, em vez de cada um ir para a sua sala de aulas, vão todos juntos para o mesmo lugar, para uma aula sem paredes. E a experiência começa escutando-se os problemas. Como participam 300 jovens, são 300 problemas. Dos 300 problemas, os próprios jovens escolhem dois. Eles são tão generosos - ao contrário de nós - que são capazes de renunciar ao seu problema a favor do problema do outro.
E esse programa de sete dias é o suficiente para mudar alguma coisa?
Os sete dias são apenas o batismo. Depois eles têm a vida toda pela frente.

Que problemas emergiram em Cascais?

Em Cascais designaram como principal problema a autoagressão até ao suicídio, um tema de que não se falava. E o segundo problema levantado foi que a educação que lhes davam não tinha que ver com as suas vidas. A vida deles estava de um lado e a educação do outro. Isso foram dois problemas que os jovens de cá diagnosticaram - não os académicos, não os professores, mas os jovens de 15, 16 anos. A terceira etapa do Scholas, depois de escutar os problemas, é ensinar a estes jovens que não têm de ficar desanimados por não se conseguir mudar nada. Se eles são suficientemente crescidos para sair à noite e voltar para casa muito tarde, também são crescidos para propor soluções. Por isso o terceiro momento das Scholas é que, depois de terem identificado os problemas, eles mesmos encontrem as soluções. E damos como exemplo uma povoação na província de Salta [uma região montanhosa no noroeste da Argentina] que tinha uma altíssima taxa de suicídio adolescente. Hoje essa taxa é zero. Inventaram uma sala de cinema onde falavam sobre o que os preocupava e, com arte, pintaram uma ponte de morte [de onde saltavam muitos dos suicidas] e transformaram-na em vida. A educação na escola começa pelo ouvido, por escutarmos os problemas. É como um médico, que sabe ouvir e diagnosticar a origem da dor do paciente e a partir daí faz-se um tratamento personalizado. Não tem nada a ver com a educação em massa, de exames, de notas, de médias, de avaliações. Não. É como recuperar o lado artesanal da educação. E apercebemo-nos de que estas soluções pontuais e locais têm um impacto global. Dou outro exemplo. Quando fomos a Jerusalém, recebemos um convite do Instituto de Tecnologia da Universidade Hebraica, uma universidade com grande prestígio. Quando chegou a Scholas, e propôs lidar com os problemas através de pinturas, etc., a diretora disse: ‘Isto é um fracasso. Está bom para África, para a América Latina. Mas aqui, com o nível intelectual e de debate que temos não funciona’. A nossa abordagem pareceu-lhe muito ingénua. Mas no final do programa escreveu uma carta que termina dizendo: ‘Desculpe, Papa Francisco, subestimámos a sua proposta. Através das artes conseguiram o que nós não conseguimos com todos os nossos debates’.

Além das artes, que outras atividades desenvolvem?

Temos três vertentes: o desporto, as artes e a tecnologia. Cada um escolhe o seu caminho. Porque o Scholas não pretende que um miúdo deixe a sua personalidade à porta do colégio. É o contrário: leva o colégio à rua, ao encontro dos miúdos. Como disse o Papa, através do desporto o miúdo descobre que o êxito não passa só pela individualidade, como Messi na Argentina - o êxito depende de toda a equipa. Só uma equipa unida consegue ganhar, por isso o desporto é uma escola de vida. E temos um programa de surf, um programa de futebol, um programa de boxe, e através de cada um destes desportos definimos uma estratégia educativa. A segunda área é a arte, porque pela arte a criança pode conectar-se com o que sente. O Papa disse que um jovem que pode exprimir o que sente através da arte, da música, da poesia, deixa de ser adicto - porque [etimologicamente] adicto é ‘aquele a quem falta a palavra’ ou a maneira de se exprimir. E terceiro, a tecnologia. Como disse também o Papa na [encíclica] ‘Laudato Sí’: ‘As coisas são para as pessoas, não são as pessoas que vivem para as coisas’. O telemóvel não é um deus ao qual eu presto culto, é algo que está ao meu serviço. Eu manipulo as redes [sociais], não deixo que as redes me manipulem a mim. Por isso é que vamos inaugurar agora o primeiro observatório mundial de ciberbullying.

Então não recusam a tecnologia, o progresso...

Não só não a recusamos como a promovemos. Encorajamos o uso do telemóvel nas aulas. Dizemos aos alunos: ‘Usem o telemóvel’.

E eles não o usam para jogar ou como distração?

Não podem estar sozinhos. Têm de ser coisas com conteúdo. Aos professores de línguas, pedi-lhes para criarem poemas usando também as palavras dos jovens, com os seus códigos, e fazer disso uma forma de encontro entre os mais velhos e os mais novos, através dos telemóveis.

Porque se dou o telemóvel a um dos meus filhos, ele fica a jogar indefinidamente...

Nesse caso, joga com ele.

Imagine que regressa aos seus tempos de estudante. 
Que problema levantaria?
Acho que nasci na época errada, porque me expulsaram sete vezes da escola quando era aluno.
Porque o expulsaram?
Por me portar mal. O Papa tem hoje uma fundação dirigida por uma pessoa que foi expulsa sete vezes do colégio. Não aguentava as aulas na minha época. Quando tinha cinco anos expulsaram-me do jardim de infância. Quando tinha sete, expulsaram-me da escola primária. Quando tinha nove, expulsaram-me do colégio. Quando tinha 12, do colégio de padres. Quando tinha 15 do colégio de monjas...
Mas porquê? Batia nos seus colegas, 
faltava ao respeito aos professores?
Porque nunca pensei que ser um bom aluno é estar sentado, quieto e sem falar. A minha avó dizia: ‘Um miúdo quieto é um miúdo que está doente’.O nosso sistema premeia os doentes. 
É por isso que temos tantos miúdos doentes 
nas escolas de todo o mundo.

Há pouco dizia-me que os jovens daqui de Cascais se queixaram de que a educação que lhes davam não tinha que ver com as suas vidas. As crianças hoje aprendem muita matemática, muita gramática. 

Faz sentido?

Tenho trinta anos de experiência como docente. As crianças, quando estão a aprender, perguntam muitas vezes: ‘Para que serve isto?’. E nós, adultos, dizemos-lhes: ‘Não importa, um dia vais acabar por perceber’. E uma menina, a quem disseram isso, respondeu à professora: ‘Quando esse dia vier, logo aprendo. Agora deixe-me continuar a brincar’. Está muito bem aprender muita matemática. Mas só enquanto a matemática tiver sentido. Está muito bem aprender História. Mas só enquanto a História fizer sentido. É excelente aprender biologia ou física ou química. Mas só enquanto tiver sentido. O que os jovens de hoje procuram é um sentido. Algo que desejem no coração. E estar nas redes sociais não nos preenche. Mudar de telemóvel todos os anos não nos preenche. Consumir bens materiais não nos preenche. Hoje o que os jovens nos pedem é para regressar ao fundamental, às origens, a onde havia sentido, aos mitos, aos ritos. Hoje o mais antigo é a maior inovação.

Qual é a ligação do Scholas Ocurrentes à Igreja?

O Scholas Ocurrentes não está aberto só à Igreja Católica. Tal como o próprio Papa Francisco propõe, convida toda a gente a participar. Fazem parte da rede escolas judaicas, escolas islâmicas, ortodoxas, há escolas públicas de 70 países, incluindo Dubai, Emirados Árabes, Israel, o Scholas está aberto a todos. No primeiro ano de vida do Scholas veio um bispo católico que perguntou: ‘Por que é que o Papa gasta tanta energia no Scholas se não é só para católicos?’. E o Papa respondeu-lhe: ‘Se um jovem estivesse a morrer no mar e tu estivesses a poucos metros, na praia, não lhe perguntavas de que religião ele era para decidires se ias salvá-lo. Atiravas-te à água, mesmo que corresses perigo de vida. É isso que o Scholas faz no mundo’.

Em Portugal há violência nas escolas, tanto de alunos contra professores como de alunos contra alunos. Com a sua experiência e o seu conhecimento, que conselho daria a um professor que se confrontasse com esse problema?

Diria que a violência é uma forma de falar. Que começasse a escutar.

Só isso?

Sim. O problema principal dos jovens no mundo é que não se sentem escutados. Não se sentem escutados nem em casa, nem na escola, nem na política. Por isso matam-se, agridem-se, põem bombas. Há grito maior do que esse? É um sintoma, tal e qual como a febre, de que têm um coração vazio de sentido. É desse sentido que eles estão à procura. Por isso uma educação que não dá um sentido, como a atual, é uma educação que gera violência. Um docente que não lhes dá sentido, que só dá aulas, vai gerar violência.

Li que é amigo íntimo de Francisco. Isso significa que conhece os defeitos dele?

E que ele também conhece os meus... [risos] Sim.

Tratam-se por tu ou por você?

Por vós [o equivalente ao ‘você’ brasileiro]. Somos ambos porteños [naturais de Buenos Aires].

Como se conheceram?

Conhecemo-nos quando ele era arcebispo de Buenos Aires e eu era teólogo e pedagogo e dedicava-me aos jovens com mais problemas de disciplina. Ele conhecia a minha história, chamou-me e pediu-me que fosse responsável da educação no arcebispado. Na Argentina somos todos amigos. Eu costumo dizer que sou empregado dele há mais de vinte anos.

Portanto continuaram amigos depois de ele ser eleito.

Claro. E até mais próximos. A Scholas é uma fundação criada diretamente por decreto do Papa. Isso mostra a importância que ele dá à educação. Muitos dizem que assim como João XIII ficou para a posteridade como o Papa da paz, Francisco vai ficar na história como o Papa que fez a revolução educativa no mundo. Muitos vaticanistas dizem isso. Não é por acaso que criou o Scholas, uma fundação pontifícia para trabalhar no terreno. As outras fundações pontifícias que existem há mais tempo são para coisas académicas, para documentos. Não para lidar com miúdos, com professores e com quem anda na rua. O Papa quis meter-se nisso para dizer que o importante é o concreto, que o importante é a educação. Nenhum país vai andar para a frente se não mudar a educação. Se querem mudar o mundo, mudem a educação. Não é fazer mais do mesmo, é fazer algo realmente diferente.

E acha que essa revolução pode começar escutando simplesmente os estudantes?

Sim. E o passo seguinte é muito fácil, é ajudá-los a realizar essa mudança. Eles têm força para isso.

Sabe quem é Frédéric Martel, o jornalista francês que escreveu o livro No Armário do Vaticano?

Sim.

Ele diz que existe uma fação conservadora na Igreja que pretende afastar o Papa. Tem acompanhado essa guerra entre o Papa e os conservadores?

Temos de ver a que é que chamamos conservador. Julgo que o Papa é muito conservador, ultraconservador. Ele costuma dar como exemplo a parábola da boa samaritana. Jesus sentou-se à beira do poço para descansar e pede água à mulher. E ela pergunta-lhe: ‘Como é que tu, um judeu, me pedes de beber a mim, uma samaritana, uma mulher da rua?’. E ele responde: ‘Se soubesses a água que eu te posso dar, tu é que me pedirias de beber, porque nunca mais precisavas de tirar água do poço’. Essa água é o que falta aos jovens, uma água que dá sentido. É isso que o Papa propõe através do Scholas: uma educação que dá sentido, e isso é do mais conservador que há.

Martel fala de gays não assumidos, no Vaticano, que montaram um cerco ao Papa...

Mas não são conservadores! Fazem isso por outros motivos. Este Papa mexeu com muitos interesses, porque reformou o Banco do Vaticano, abriu a caixa-forte, rompeu com muitos interesses económicos, varreu a corrupção e as máfias. Repito: é um Papa muito conservador.

Mas Martel comparou-o a Gorbachov, que tentou abrir a União Soviética e promoveu a transparência.

Eu compararia mais ao vicariato de Cristo na Terra.

Costumam falar sobre estas coisas?

Sim. Todos os meses estamos juntos e conversamos sobre tudo.

Ele alguma vez se queixou?

Ele não perde tempo com isso, nem cinco minutos. Essa é a diferença entre o Papa e os políticos. Os políticos vivem para os problemas internos, vivem de fantasmas. O Papa vive para as pessoas.

domingo, 2 de junho de 2019

Em tempo de exames... mais que um nível ou nota está um projecto de vida


Não me apercebi das qualificações académicas da convidada, mas o tema não me passou despercebido. Falavam, na televisão, de ansiedade nos mais jovens. Claro, a ansiedade nos momentos de avaliação e, uma vez mais, nos exames que estão aí à porta. Ansiedade que também toma conta dos pais. Olhando lá para trás, tenho a memória fresca de dois momentos: a de estudante, um quadro que não difere, substancialmente, da situação de hoje; a de docente, com grelhas e mais gelhas com uma série de itens, ao jeito de um "raioX 3D" ao aluno, mas a preto e branco. A única coisa que difere nos dois momentos da minha vida é que, agora, multiplicaram-se o número de fichas e de grelhas com múltiplas observações, algumas sem qualquer nexo.


Se ontem o processo estava errado, hoje está pior. Pior porque a investigação avançou e, paradoxalmente, manteve-se a mesma mentalidade. A preocupação continua a não centrar-se no aluno, na aprendizagem, no conhecimento, mas na subjectividade de uma exaustiva e marginal leitura sobre o aluno, tendo, por orientação primeira, a acefalia do superiormente definido. A avaliação, se antes raramente teve uma função reguladora da aprendizagem, hoje, arrasta-se no quadro das ditas competências adquiridas, de forma fria e muitas vezes cruel. E tanto assim é que se fala, amiudadas vezes, do "Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória", mas poucos estão preocupados com o "Perfil dos alunos à entrada da escolaridade obrigatória". 

Por outro lado, se o aluno é, neste sistema, uma parte frágil do processo, o professor também o é. Ele olha para a frente e vê a sua avaliação de desempenho em causa, vê os relatórios, vê os olhos enviesados de alguns colegas, vê a possibilidade de devassarem os seus dossiês, vê as aulas eventualmente assistidas e, entre outras, vê a possibilidade de uma qualquer inspecção o possa colocar em causa. E uma subida de escalão é tão importante! O professor sente, na prática, que não tem autonomia, o sistema é pesado no plano hierárquico e, portanto, mais vale seguir o caminho "by the book". Aliás, quem se atreve a inovar, por pouco que seja, não é bem visto, havendo sempre quem, na linha hierárquica, coloque o professor ou a escola nos carris. Os exemplos são muitos e vão desde os conselhos de turma, ao pedagógico e às direcções dos estabelecimentos. A burocracia tornou-se avassaladora e constrangedora. 
Tomou conta da escola, espezinhando alunos e professores. 

Já tem uns anos uma empenhada discussão que tive com uma colega. Disse-me mais ou menos isto: ao aluno x, que até é muito bom nos testes, vou penalizá-lo porque não concordou comigo relativamente a um determinado critério que utilizei na avaliação. Complementou: na parte das "atitudes e valores" vou pô-lo na ordem. Confesso que ia perdendo a cabeça. Mas, oh colega, desembainhei a espada das palavras, está a partir do princípio do come e cala-te? Afinal, a nossa função aqui é ou não a de educar para a liberdade de pensar, é ou não para o desenvolvimento da capacidade de saber argumentar e discordar, ou a nossa função é a de conduzir para o medo, subserviência e injustiça? A colega está a demonstrar com a sua posição que não tem atitudes nem defende valores, acabei por ser frontal. E disse-lhe mais: dentro deste sistema o que mais a preocupa: o conhecimento ou um debate civilizado sobre os processos de avaliação em que o aluno é a peça mais importante? Ficámos por aí. Felizmente. Se fosse hoje, ainda acrescentaria, "e se fosse consigo?".
Pois é, o aluno continua uma peça, numérica, da monumental engrenagem de uma burocracia sem sentido, sujeito de um processo normalmente sem voto na matéria, por vezes, com uma ou outra autoavaliação que não co-responsabiliza. E se há uns que engolem, outros, questionam os professores, mas são "julgados" como pessoas de "atitudes e valores", dizem, menos adequados. Porque eu, professor, sentimento que genericamente existe (há excepções, claro), tenho na mão a espada do saber absoluto e da "justiça"!

Ora, pelo menos para mim, das experiências vividas, dos professores que escutei e dos livros que li, desde logo, na formação básica, muito antes da palavra avaliação, estão duas outras absolutamente centrais no processo de aprendizagem: curiosidade e conhecimento. Palavras que não estão assumidas enquanto vectores essenciais da aprendizagem. É o sistema enciclopédico e a tradição que se impõem. A prová-lo está a preocupação que se situa na calendarização de testes muito antes do trabalho de aprendizagem. E isto subverte tudo. 


O que significa que a lógica da avaliação assenta naquilo que não deveria ser. Há quem vá à procura do que os alunos não sabem, ao contrário da percepção do que sabem; e há quem apresente uma tendência para, nos testes, incorporar as designadas "rasteiras"!  Mas há mais. Como pode um professor avaliar, em percentagem, por exemplo, o "desenvolvimento pessoal e a autonomia" (sentido de participação) ou "relacionamento interpessoal com os colegas e o próprio professor" (sendo subjectivo, para um docente pode valer x e y para outro), quando todo o sistema, desde o pré-escolar, não assenta em uma educação favorecedora de desempenhos adequados, autónomos, de criação, de liberdade, de rigor, respeito e responsabilidade? Muitas vezes com origem nas próprias famílias? 
Tudo isto merece uma reflexão muito séria. Há professores que só quando são, em simultâneo, pais e professores é que se apercebem disso. E muitas vezes são, exactamente estes, que vão à escola discordar dos próprios colegas. O que me leva a deduzir que o sistema impõe alunos que gravitem à volta da escola e não que a escola ande à volta do aluno.
A avaliação, de natureza multi-factorial, que constitui uma peça chave do conhecimento, não pode, por isso, cingir-se a uma extensa grelha com testes e percentagens onde são enormes, repito, os graus de subjectividade. Não pode resumir-se ao sabe ou não sabe a resposta às perguntas insertas no manual. A este propósito, entre outros exemplos, tenho presente a página 50 do livro “A avaliação da aprendizagem na Escola da Ponte”, da autoria de José Pacheco e Maria de Fátima Pacheco, Editora Wak, 2012, p. 50: "(...) Na Ponte [Escola da Ponte] é bem diferente esse conceito de avaliação. Não existe repetência. A avaliação não tem o objetivo de aprovar ou reprovar. Não existem séries para a criança “passar de ano”. Ela avança conforme a sua autonomia e o seu ritmo. Em um mesmo espaço convivem crianças que estão estudando objetivos diferentes, que não percorrem o mesmo caminho. É claro que existem aquelas que avançam mais rapidamente, a exemplo de um aluno que, na escola “comum”, estaria no quarto ano e que, na Ponte, já estava alcançando objetivos do sexto ou sétimo ano. Outras já precisam de um tempo maior, mas isso é visto de maneira natural. Os ritmos são respeitados. O que ela não atingiu nesse ano, pode atingir no próximo, sem precisar “repetir” muitas coisas que já foram vistas. Ela segue com aquilo que aprendeu e que ainda precisa ser alcançado (...)". Pois é, parece uma mensagem vinda de Marte!
Avaliar não é classificar, é, sobretudo, perceber de forma contínua o desenvolvimento de um processo que, por seu turno, possibilita a alteração das estratégias. Destina-se, em primeiro lugar, ao professor, depois ao aluno. A avaliação não pode quedar-se no âmbito do medo e, por extensão, no quadro do crescimento da ansiedade. Não pode ser a espada que promove os bons e negligencia os maus. Não pode ser um processo que retém ou promove. Porque mais do que um nível ou uma nota está um projecto de vida. Terá o sistema esta preocupação? Obviamente que não. Li, algures, e registei: "(...) a avaliação, como processo regulador das aprendizagens, orienta construtivamente o percurso escolar de cada aluno, permitindo-lhe em cada momento tomar consciência, pela positiva, do que já sabe e do que já é capaz (...)". Ora, estes princípios orientadores desconstroem, do meu ponto de vista, o tipo de avaliação mais comum que inferniza os alunos e os professores e, na esteira disso, faz desenvolver em muitos pais uma outra ansiedade que se repercute sob a forma de pressão sobre os filhos. Oh escola, por que não mudas?
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Publicado  no blogue
www.gnose.eu