domingo, 24 de setembro de 2023

Ano novo ou mais do mesmo


Por
José Júlio C. Fernandes
Artigo de Opinião Dnotícias / Facebook
20.09.2023

Teve início mais um ano lectivo. Governantes, pais, professores, auxiliares de educação, educadores, alunos e a sociedade em geral mostram preocupação com o estado do ensino.



Essa preocupação não é recente. Já no meu tempo de estudante aconteceram diversas crises académicas (apesar do regime repressivo) que, entre outras reivindicações, pugnavam por uma reforma do ensino. Eu próprio, nos anos 70, fiz parte de duas comissões de estudo da reforma do ensino, sem resultado aparente, e fui quadro da maior Crise Académica de sempre – “17 de Abril de 1974”.

Fui aluno de cinco universidades e professor de três. Sou formador. Gosto de dar aulas. Reconheço as dificuldades que têm os professores. Percebo as posições de luta que têm adoptado ultimamente. Também reconheço que, a qualquer governo, não é fácil fazer uma alteração radical dos vários níveis do sistema de ensino.

No entanto, estamos a deixar a situação prolongar-se no tempo, o que, inevitavelmente, trará más consequências para todos nós. Para a sociedade em geral.

Além das queixas acerca da não contagem de tempo de trabalho, das remunerações, os professores deviam pôr alguma ênfase na luta contra a burocracia que infesta o ensino.

Horas e horas perdidas em reuniões que muitas vezes não levam a nada, no preenchimento de inquéritos e documentos vários, cujo destino deve ser uma qualquer gaveta no Ministério da Educação (se é que lá chegam...). Tempos que não são úteis à sua missão de educar. Digo educar. Evito dizer “ensinar”. Porque o mais importante não é debitar matéria, não raras vezes, “requentada”, nem efectuar avaliações que deixam muito a desejar. O essencial seria ensinar a aprender. Adaptar os “curricula” e métodos à realidade em contínua mutação em que vivemos.

Em vez disso, a realidade do nosso sistema educativo poderá resumir-se aos pontos que enuncio abaixo:

1. Desigualdade de acesso à educação: a falta de equidade no sistema de ensino leva a disparidades no acesso e na qualidade da educação entre diferentes regiões e grupos socioeconómicos, resultando em desigualdades no desenvolvimento individual e nas oportunidades futuras.

2. Falta de foco nas habilidades essenciais para a vida: o sistema, muitas vezes, valoriza mais a memorização e a reprodução de informações do que o desenvolvimento de habilidades práticas, como pensamento crítico, resolução de problemas e comunicação eficaz.

3. Padronização do “curriculum”: muitos sistemas de ensino seguem um “curriculum” padronizado para todos os alunos, o que não leva em consideração as necessidades individuais e os interesses dos estudantes.

4. Aulas passivas: as aulas tradicionais muitas vezes baseiam-se em palestras e atividades passivas, onde os alunos são meros espectadores, o que limita o seu engajamento e participação activa no processo de aprendizagem.

5. Pouca valorização da criatividade: o sistema de ensino tende a privilegiar o conhecimento académico em detrimento do raciocínio, da criatividade e das habilidades artísticas. Isso pode desencorajar talentos únicos e contribuir para uma formação menos holística dos estudantes.

6. Avaliação com base em testes padronizados: a ênfase excessiva nos resultados de provas padronizadas pode incentivar um estudo com base no psitacismo (acção de quem decora alguma coisa sem pensar sobre o assunto que está sendo memorizado), ao invés de uma compreensão profunda dos conteúdos, além de gerar alta pressão sobre os alunos.

7. Desactualização dos materiais didáticos: o rápido avanço tecnológico torna muitos materiais didáticos obsoletos rapidamente, dificultando a adaptabilidade e relevância do “curriculum” às mudanças sociais e culturais.

8. Infraestruturas insuficientes: muitas escolas enfrentam problemas de infraestruturas, como salas superlotadas, falta de recursos tecnológicos e pouca manutenção das instalações, o que prejudica o ambiente de aprendizagem.

9. Falta de formação adequada dos professores: a capacitação contínua dos docentes é fundamental para garantir um ensino de qualidade, mas muitos profissionais não recebem formação adequada ou atualizada.

10. Pouca ênfase em habilidades socioemocionais: o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como empatia, colaboração e autogestão, são frequentemente negligenciadas no “curriculum”, deixando os estudantes despreparados para lidar com situações do mundo real.

Enquanto continuarmos a insistir no mesmo esquema, os resultados não podem mudar.

Ilustração: Google Imagens

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Os bons alunos não tiram sempre boas notas


Por 
Eduardo Sá
Psicólogo



Porque não gostam de todas as disciplinas por igual.

Porque não são sensibilizados para o conhecimento, em todas as áreas, com a mesma paixão.

Porque não aprendem a gostar de todas as disciplinas de forma semelhante e ao mesmo tempo.

Porque há boas aulas e aulas assim-assim.

Porque, entretanto, acumularam algumas dificuldades numa área ou noutra e, por isso, muito naturalmente, vão imaginando que são maus numa matérias e bons noutras, o que faz com se dediquem a elas de forma muito diferente.

Porque nem sempre têm professores que destrincem os porquês das suas dificuldades e os ajudem a decifrá-las e a aprenderem a gostar daquilo que não entendiam.

Porque nem sempre os critérios de avaliação dos diferentes professores se casam com a forma como um aluno intui, discorre e comunica aquilo que sabe.

Porque nem sempre são ajudados a pensar as disciplinas e a estudar para elas, sendo-lhes pedido mais facilmente boas notas do que boas dúvidas, sobre as quais se pronunciem e pensem.

Porque há professores e há escolas que põem pó de arroz nas notas. Outros que são austeros e severos. E outros, ainda, que são, simplesmente, justos.

Porque há pais que entendem que eles devem ser autónomos na forma como estudam e aprendem e os responsabilizam pelos seus desempenhos e pais que estudam por eles ou que estudam com eles.

Porque há alunos que têm equipas de explicadores a trabalhar com eles e alunos que se bastam a si próprios na forma como aprendem.

Porque há momentos, numa família, que não são nem amenos nem arejados, e isso repercute-se na forma como um aluno tem cabeça ou não para ter alguma disciplina, método e autonomia.

Porque “há dias”, e nem sempre se tem “cabeça” e segurança quando se trata de responder a uma questão ou a expressar-se aquilo que se sabe, de forma expedita e clara.

É por isso que nem todos os alunos têm sempre boas notas. E é, também por isso, que nem sempre as notas correspondem a uma leitura irrefutável daquilo que se vale. Nem é razoável que se afunile uma avaliação nas notas e se perca de vista que, em muitos momentos, um “falhanço” traz mais oportunidades de crescimento que muitas boas notas juntas.

Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Educando para o fracasso e a derrota, um belo texto de Pier Paolo Pasolini


Por
Sílvia Garcia

Pier Paolo Pasolini foi um artista prolífico e multidisciplinar que conseguiu canalizar os episódios trágicos que marcaram sua vida desde cedo e capturá-los com genialidade em suas obras. Sem dúvida, o cineasta italiano mais reverenciado do século XX com um legado que perdura.


Vivemos em um mundo competitivo em que perder não se enquadra nos parâmetros desejáveis na sociedade. Você tem que ser alguém, se destacar, ter sucesso e deixar de lado o fracasso, a derrota e a derrota. Há mentes brilhantes que exaltam a honestidade do ser e não a grandeza de aparecer. Como é o caso deste texto atribuído ao grande Pasolini. Uma reflexão necessária que nos vem do passado para este presente em que tudo parece ser permitido e em que a falta de respeito pelos outros e o lema de ambos que têm tantos vouchers parece ser a moeda da maioria.



"Acho que é preciso educar as novas gerações no valor da derrota.

Em lidar com ela mesmo. Na humanidade que dela emerge.

Na construção de uma identidade capaz de perceber uma comunidade de destino, na qual se pode falhar e recomeçar sem afetar o valor e a dignidade.

Em não ser um alpinista social, em não passar por cima do corpo dos outros para conseguir o primeiro. Diante desse mundo de vencedores vulgares e desonestos, de prevaricadores falsos e oportunistas, de pessoas importantes, que ocupam o poder, que escondem o presente, quanto mais o futuro, de todos os neuróticos do sucesso, da figuração, do devir.

Diante dessa antropologia do vencedor de longe, prefiro aquele que perde. É um exercício que eu acho bom e que me reconcilia comigo mesmo. Sou um homem que prefere perder a ganhar de forma injusta e cruel. Culpa minha, eu sei. O melhor é que tenho a insolência de defender essa culpa e considerá-la quase uma virtude."

Pier Paolo Pasolini

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

A Escola é muito mais que o ecrã


Li, com "paciência de Jó", a fuga para a frente do secretário regional da Educação, relativamente à implementação dos "manuais digitais" - Dnotícias / pág. 4 / 17.09.23. Ao Domingo, lá vem a encomenda sobre o que dá jeito abordar. É o dia que as pessoas mais tempo têm para ler, não é? Mas o contraponto não existe. Fala a solo, como se fosse o centro do conhecimento, habilidosamente fugindo às questões de fundo, aos contextos e sobretudo martelando estatísticas susceptíveis de conduzirem os incautos à admissão da sua verdade.



Ao longo da vida habituei-me a corrigir a minha opinião sobre diversos assuntos. Basta ser humilde perante a grandeza do conhecimento, partir do pressuposto que pouco se sabe, ler, ser curioso, estudar e compreender através do cruzamento do que os autores e investigadores trazem sobre um determinado assunto. Se juntarmos a isso uma dose de bom-senso e logo é possível colocar em causa o que antes se admitia como convicção absoluta.

De resto a condução da sociedade não pode ser norteada por "achismos". Se, na escola, é fundamental transmitir o princípio de que é preciso "aprender a desaprender para voltar a aprender", então, no exercício da política, muito mais.

É-me difícil aceitar que assim não seja e, por isso, coloco fora do processo aqueles que se fecham na sua torre de marfim, fugindo ao conhecimento, ao confronto das ideias e tornando a sua verdade numa verdade absoluta. Coitados dos que não admitem o "erro primeiro". Deviam ter presente, entre outros, Gaston Bachellard (1968): "A ciência é um discurso verdadeiro sob fundo de erro" (...) "as construções passadas devem ceder lugar às novas construções". Simples.

Nem de propósito, Francisco Laranjo, numa opinião publicada no Jornal Público (19.06.2023), sintetizou: 

"Numa altura em que as escolas adotam medidas de transição digital sem base científica que as valide, é fundamental recentrar a discussão na educação que queremos, e não nos dispositivos a usar".

Portanto, a questão não está sequer, como enalteceu o secretário regional, na não utilização dos "manuais digitais" no pré-escolar e no primeiro ciclo, mas em saber que educação queremos que seja portadora de futuro. O secretário já provou que NÃO SABE. Não sabe, porque a ela nunca se referiu, concretamente, sobre o projecto educativo a oito, doze ou dezasseis anos. Não se lhe conhece uma ideia para o sistema educativo. O que se constata é que as peças do edifício da educação são colocadas, desajeitadamente, sem uma ordem de precedência em função de um objectivo. Adiante.

Na utilização da tecnologia, o que hoje está a acontecer em função de muitos estudos é um "(...) processo que procura reparar os danos causados pela precipitada transição, na forma de investimento nas novas gerações". Não tem nada a ver com a Covid 19, como li. E este assunto, porque é complexo, deve ser debatido e nunca deixado nas mãos de uma só cabeça política e dos vendedores de tecnologia.


Adriaan Van der Weel, Professor emérito da Universidade de Leiden (Países Baixos), que há mais de uma década estuda a revolução digital, sintetizou: 

"(...) a tecnologia não é necessariamente equivalente a progresso. Temos tecnologias fabulosas, que fazem coisas espantosas e estamos viciados nelas, mas entre tecnologia e progresso nem sempre a relação é de um para um. Por isso, temos de ter alguma cautela quanto aos danos em certas áreas, nomeadamente em áreas tão sensíveis como a educação." (...) “O efeito do tempo passado em frente a um ecrã reforça a clivagem digital secundária (que é cognitiva)". 

Por outro lado, para Andreas Schleicher, director de Educação e Competências da OCDE, "quanto maior e mais frequente for a utilização da tecnologia digital na sala de aula, pior será o desempenho dos alunos no teste de leitura digital", referiu na sua apresentação Van der Weel. Se antigamente se acreditava que era preciso levar os ecrãs para as salas de aulas, para que as crianças socialmente mais desfavorecidas tivessem também acesso a estas ferramentas, essa percepção mudou. (Jornal Público)

Ora bem, o que a síntese de tudo isto quer dizer, é que ao invés de encher umas páginas com palavrinhas distantes da ciência, preferível seria que estudassem, visitassem e abrissem o debate no sentido de colher um melhor entendimento sobre esta matéria. Não basta colocar os manuais em papel dentro do digital, enfeitando-os, mas mantendo, grosso modo, o actual pensamento pedagógico. Julgo poder concluir que, teimosamente, o secretário quer entrar quando outros já estão a sair. Não é apenas a Suécia, mas dos Estados Unidos à Europa que as perspectivas estão a mudar. É claro que não está em causa a utilização da tecnologia no espaço escolar, mas o que se faz com ela. Já se fala num sistema hibrido, até porque, repito, estamos rodeados de tecnologia e seria um grosseiro erro ignorá-la. Mas fazer dos recursos tecnológicos uma panaceia para os males da Educação é que não me parece minimamente acertado. 

O ministro da Educação já recuou, mas, por aqui, segue-se em frente... sem medos!

O problema da Educação não se resume a ecrãs, há a questão curricular, a questão programática, a não segmentação das disciplinas, a existência ou não de turmas e de aulas, a arquitectura dos espaços de aprendizagem, a própria organização e autonomia de cada estabelecimento de aprendizagem, a excessiva burocracia que só inferniza e rouba tempo, a mudança de mentalidade, a adequada formação de professores, rigor, disciplina, eu sei lá o tanto que tem de ser mudado. Mas, para isso, são precisas humildade e coragem. 

Afinal, há medo em debater estas questões? 

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 17 de setembro de 2023

Podemos falar sobre “sucesso escolar”?


É a escola dos trabalhos de casa, do caderno de actividades, dos programas, da ficha, do teste, do exame e do “caladinho/a”, “direitinho/a”, “quietinho/a”.


Por
Autor, dramaturgo. 
Público / 16.09.2023 



Há comissões, grupos de estudo e instituições que debatem este e outros temas conexos. A premissa está quase sempre errada porque se assume que o aluno precisa de se submeter a um processo mais ou menos truncado, no qual o indivíduo é o único convidado à mudança para se poder encaixar num padrão — o do "sucesso escolar". O que é isso do "sucesso escolar"?


Este conceito é algo mais ou menos abstracto, mas que obedece aos ditames de um sistema tão pesado que já não se sabe onde começa ou onde acaba. É uma ponte que casa conhecimento com repetição, numa fórmula muito salazarenta de perceber virtudes e aptidões, deixando muito de fora.

Neste "sucesso escolar", crianças e jovens são dados adquiridos, tratados como tal, sem vontade ou capacidade de perceber o que querem, desejam ou podem. É a escola dos trabalhos de casa, do caderno de actividades, dos programas, da ficha, do teste, do exame e do "caladinho/a", "direitinho/a", "quietinho/a".

O "sucesso escolar" é abdicar do "ser", ficando pelo "existir". É acreditar que há áreas de primeira, de segunda e de terceira e até algumas que não interessam para nada. É normalizar o sacrifício, o stress e a ansiedade, fazendo acreditar que quem não consegue é porque não se esforça, ou não se esforça o suficiente.


Mas esforçar-se para quê, se são corridas que nos escolhem, com as coordenadas fechadas sobre si mesmas?

O "sucesso escolar" resume-se a um emaranhado de números e estatísticas ao qual emprestamos os nossos filhos (enquanto cobaias de uma espécie de darwinismo social), impelidos a subir uma ilusória escada de validação de conhecimento, tendo por ideal roto, e vão ficar à frente ou ultrapassar, num jogo de memória a curto prazo, colegas, amigos e amigas, companheiros e companheiras de turma, escola, etc.

Esta é a raiz de muitos dos males que assolam o mundo, como preconizou Maria Montessori. Não é nada de novo. Está é cada vez pior. Não vivemos uns com os outros: vivemos uns contra os outros, enquanto deixarmos os nossos decisores falarem, à vontade, de "competitividade", "retenção de talentos" e outros termos tão caros a uma certa elite. Pasmo como a esquerda entra nesta cantiga, frequentemente.

Tudo acaba por servir os mesmos de sempre, porque não se aprende verdadeiramente: selecciona-se. Perpetua-se, geracionalmente, o poder e o poiso dele. O que se "inventou" foi uma máquina de normalização, de produção de súbditos, através da incitação e acatamento. Sem grande necessidade de explicações porque a própria roda e os dentes bem oleados oferecem, em circuito fechado, justificativa para os trâmites.
"O que se 'inventou' foi uma máquina de normalização, de produção de súbditos, através da incitação e acatamento."

Há em tudo isto um exponencial abdicar da vontade, essa força animadora do ser humano. A vontade ou é controlada, ou é capturada, em nome de um interesse que passa a ser o do corpo que a habitava, num exercício de dependência forçada.

"Sucesso escolar", com este modelo? Normalização. Abdicar da individualidade (não individualismo), do espírito crítico, da criatividade (a maior arma boa do universo) e da nossa "uniqueness".

sábado, 16 de setembro de 2023

A perda de alunos e a ausência de debate

 

"Escolas públicas e privadas perdem mais de 300 mil alunos em 11 anos" - Jornal Público, 1ª pág. de 11 de Setembro de 2023.



Entretanto, acentuam-se as lutas dos professores, as greves, milhares de alunos sem docente pelo menos numa disciplina curricular, sindicatos em polvorosa, insatisfação dos pais, enfim, um quadro que não é nada satisfatório.

Evidentemente que este é um problema acumulado de muitos anos, onde não houve a sensatez de debater o sistema educativo em todas as suas variáveis. Aos níveis nacional e regional. É uma ilusão admitir que o sistema está melhor nas regiões autónomas. Não está. O sistema é igual do Minho ao Corvo e não é pelos professores terem "garantido" a contagem do tempo de serviço, que se poderá concluir que a Região é um oásis nos desequilíbrios do país. Globalmente, o pensamento estrutural que preside à condução do processo regional não tem qualquer diferença em todas áreas e domínios que possamos analisar.

Na Madeira assistiu-se, também, a uma significativa quebra na natalidade. E este momento, apesar de preocupante, podia ter servido para transformar essa fragilidade numa óptima oportunidade de mudança do sistema em toda a sua complexidade. Não houve essa preocupação. Simplesmente porque não se debate. Há uma sistemática preferência pelo silêncio e pelo controlo dos estabelecimentos de aprendizagem e siga a festa!

Ao ponto de, também por ausência de estudo e debate, quando outros países do topo estão a abandonar os manuais digitais, porque estudaram e debateram as consequências, sublinho, andam, por aqui, em contraciclo, a distribuí-los como uma grande opção enquadrada na tal "escola do futuro". O governo deve explicações.

Nutro o maior respeito pela minha classe profissional. Sei que tem sido, durante anos, desconsiderada, por culpas próprias (é preciso assumir os erros cometidos por omissões e sucessivo "agachamento" ao poder político), que conduziram ao ponto que nos encontramos. A menorização dos docentes vem desde o tempo que nem nas férias recebiam! Só que, daí a minha preocupação, não aceito que, simultaneamente, com algumas lutas pela recuperação da dignidade da função docente, os professores continuem alheados do debate sobre o sistema educativo. A Escola tem de ser debatida, na sua organização e, sobretudo, o seu processo (pensamento) pedagógico. A todos os níveis de análise, no essencial, que escola queremos e que sociedade desejamos construir? Porque esta escola e esta sociedade estão em falência. Esse debate está ausente das preocupações da generalidade dos professores. 

A recuperação do tempo de serviço prestado, a colocação em estabelecimentos próximos da área de residência, os níveis remuneratórios, o flagelo da burocracia inconsequente, a perversa avaliação de desempenho, tudo isto e muito mais constitui uma parte do problema. A outra, mais complexa, é a de determinar o que aprender, como aprender, quando aprender, se o professor é um debitador de matéria ou antes uma espécie de "catalisador" do conhecimento e se é ou não importante rever currículos, programas, conceito de aula, de turma e de ano. Os professores são importantes neste processo; negam o futuro quando se distanciam destas matérias. Aliás, um dos princípios do desenvolvimento é o da "participação", isto é, ou as pessoas participam ou os processos morrem.

Por tudo isto, a diminuição do número de alunos devia constituir uma grande oportunidade para desenhar uma escola para o presente com os olhos colocados no futuro. Se revissem o sistema, estou em crer que não seriam necessários os professores que dizem estar em falta! 

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Deus não dará a bênção!

 

Saiba, Padre Silvano Gonçalves, que nutro o maior respeito por si. Não nos conhecemos no plano pessoal, mas leio e tenho algumas referências dos sete anos que passei no Lombo do Atouguia (Calheta). Portanto, não considere deselegante da minha parte trazer aqui um comentário sobre uma frase que deixou na sua página de facebook. Escreveu: "Peço a bênção de Deus para o ano escolar que se inicia. Vinde Espírito Santo!"



Eu percebo a sua intenção. O Senhor é um Homem da Igreja e, portanto, por mera rotina ou não, as suas palavras, nesse quadro, podem fazer algum sentido. Respeito-as. Porém, entendo que Deus não deve ser para aqui chamado. E porquê?

Não estou a dizer-lhe que "invocou o nome de Deus em vão". Não é isso. O que me parece claro é que se deseja, tal como eu, uma escola verdadeiramente inclusiva, curricular, programática, pedagógica e organizacionalmente autónoma, de excelência e ajustada ao tempo que nos coube viver; se quer, tal como eu, uma escola com menos dependentes da acção social educativa; se deseja jovens e professores felizes no processo de aprendizagem para a vida, obviamente que tudo isto não depende da mão de Deus, mas dos Homens. E, nesta, como em todas as outas situações, não existem intermediários. Tal como a paz no mundo, as gravíssimas questões ambientais (vide a Encíclica Laudato si), as diversas formas de violência, os desequilíbrios e dependências mundiais, a fome, as migrações, a selvajaria económico-financeira mundial, a precariedade no trabalho, os direitos básicos constantes na Constituição da República, os baixos salários vs altos impostos, enfim, tudo o que nos preocupa, não depende de Deus, mas de nós, Homens e Mulheres. Se assim não fosse, parece-me óbvio que, há muito, com tantas bênçãos, pedidos, terços e procissões os nossos desassossegos estariam resolvidos!

Uma melhor escola, Padre Silvano, depende dos políticos e não de Deus. Uma melhor aprendizagem não depende do Espírito Santo. Depende da capacidade dos políticos serem ou não inovadores. E eles, creia, não têm sido. Depende, também, dos professores quererem erguer uma escola de e com futuro, que tenha o aluno e a vida como centro da sua acção. Depende da cultura dos pais e da informação que disponham sobre o que deve ser a escola. Depende de uma sociedade menos assimétrica que, aliás, está assustadoramente reflectida na escola. Portanto, jamais dependerá de Deus, mas dos Homens. Compreenderá, por isso, ilustre Padre que, em aproximação ao Evangelho (da Igreja interessa-me, sobretudo, a Palavra contextualizada com a vida), temos a obrigação de não sermos vazios, não transferindo para Ele preocupações e pedidos de ajuda que não lhe compete "dar despacho". Nem o Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo (Deus Triúno) podem ser responsabilizados pela ausência de projecto político sério e responsável.

Eu Cristão, baptizado, professor durante 40 anos, entendo que Deus não dará a sua bênção ao ano escolar, tampouco o Espírito Santo concederá a inspiração no sentido da concretização das urgentes mudanças que o sector educativo necessita. Essas mudanças dependem da cultura dos Homens, depende da sua vontade, depende da sua inteligência e concomitante capacidade para ver o sistema de uma forma alargada, visionária e integrada no conjunto de todos os outros sistemas. Depende dos políticos não desejarem ser "donos disto tudo", egoístas, centralizadores e castradores do pensamento livre. É por aí que devemos lutar e exigir (o Senhor Padre Silvano devia exigir nos vários púlpitos que dispõe), nunca pela solicitação de uma bênção para um processo que está errado na raiz. Pelo que sei da Palavra, Deus, certamente, não aprova os disparates dos Homens.  

Não me leve a mal o desabafo. Compreendo-o, mas não estou de acordo com a "solicitada" bênção. Mas, quando, até ao momento, mais de 800 pessoas concordaram consigo, inclusive, professores, provavelmente eu é que estou errado.

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

EDUCAÇÃO - O monopólio do poder de governação

 

Quando só 15% das raparigas e 11% dos rapazes dizem, assumidamente, gostar da escola e 84% dos professores manifestam-se cansados da sua profissão e declaram o desejo, se pudessem, de procurar outras soluções de vida, aquelas percentagens tornam-se preocupantes, pelo que deviam fazer soar as campainhas de alarme relativamente ao sistema educativo. Mas não, para quem governa o sistema, tudo continua bem e recomenda-se! São páginas e páginas de auto-elogio. Para os cérebros do sistema, a rotina deve sobrepor-se à inovação. Compreendo que é muito mais fácil, mas, à luz do conhecimento e da vida, a factura virá pesada. Pior que a do passado. Aliás, já existem sinais.



A Região Autónoma da Madeira podia constituir um exemplo. Infelizmente, não é. Com cerca de 40 000 alunos, tem menos 15 000 alunos que o concelho de Sintra. Isto dado significa que, para além de desfrutar de Autonomia Político-Administrativa, reorganizar o sistema afigura-se-me que seria muito mais desafiante e fácil que gizar uma reforma para dois milhões de estudantes matriculados em Portugal. 

Ora, vejo-os a falar tanto de Autonomia e, afinal, num sector vital para o desenvolvimento, não mexer uma palha prospectivando o futuro constitui a primeira opção dos decisores. Talvez, por isso mesmo, se diga que a Madeira dispõe de uma Assembleia adaptativa e raramente legislativa.

Mesmo considerando as limitações constitucionais impostas pelo Artigo 164º, não é a República que define o paradigma organizacional dos estabelecimentos de aprendizagem, a tipologia das infraestruturas, as características da rede escolar, tampouco o paradigma pedagógico. O artigo 164º (Reserva absoluta de competência legislativa - alínea i / Bases do sistema de ensino) tem essencialmente a ver com a estrutura curricular e programática. E apesar de constituir uma notável incoerência com o verdadeiro e desejável estatuto de uma região autónoma, a Constituição não é impeditiva de uma alteração do pensamento estrutural que devia presidir ao processo de mudança organizacional da escola e da aprendizagem. Aliás, não se assiste a um qualquer movimento no sentido de propor as necessárias e clarificadoras alterações constitucionais.

O problema está no monopólio do poder de governação. É esta concentração da decisão que mata os estabelecimentos de aprendizagem, afasta os alunos e os professores e, por conseguinte, todos os actos inovadores, ao fim e ao cabo, a tradução na prática do que tantos pensadores, investigadores sociais, professores, autores e até empresários assumem como determinante para hoje e para o futuro. Tudo tem de passar pela "central" de comando, restando à escola o cumprimento do estipulado. No actual contexto, falar de autonomia dos estabelecimentos escolares constitui uma grosseira mentira.

A comprovar, passados alguns anos, o exemplo da Escola do Curral das Freiras continua a ser paradigmático. De rigorosamente nada valeram os resultados apresentados, dentro das regras-limite do próprio sistema, isto é, respeitando a Constituição e outros normativos. O êxito foi literalmente "castigado". Deram um primeiro passo contra a dinâmica de aprendizagem, impuseram um processo disciplinar e, logo de seguida, "acabaram" com a escola. E agora, os alunos do Curral estão enquadrados num estabelecimento de S. António/Funchal, com a falácia, repito, falácia, do número de alunos ser limitado para a constituição de turmas. Ignoraram que, hoje, existem outros formatos de aprendizagem que substituem (para melhor) o conceito tradicional de turma, de ano e de segmentação das disciplinas.

Aliás, aquele estabelecimento podia ter sido o embrião, a escola piloto de um sistema a dinamizar por toda a Região. Bastaria que predominasse a inteligência e o desejo de "dar gás" ao processo. Porque ali surgiram dinâmicas pedagógicas tendencialmente distintivas. Apesar de situada numa freguesia muito pobre, a escola, que se encontrava, salvo erro, no lugar 1 207 do ranking nacional, saltou, em 2016, para as da frente, com a melhor média entre os estabelecimentos públicos no exame nacional de 9.º ano. Uma peça jornalística divulgada pelo Público, caracterizou desta forma a dinâmica escolar: "O interessante é que tem 300 alunos, não tem campainha, nem trabalhos de casa e os horários das aulas batem certo com os do autocarro". Esta uma síntese compaginada com muitas outras que tornaram possível um melhor conhecimento, "apesar 92% dos alunos terem Acção Social Educativa (pobreza) e a internet não fazer parte das prioridades da maioria das famílias". Sublinho, não tinham tablets, manuais digitais e salas do futuro. E os alunos aprendiam. Não é que não existissem insuficiências ou caminhos alegadamente discutíveis, mas tudo isso fazia parte, também, do processo de aprendizagem dos professores da escola. O decisor político só tinha que aprender e não boicotar.

Este é o exemplo de maior significado do que designo por monopólio do poder de governação. Num processo destes, os professores são apenas meros executores de uma política e os alunos números. Não se lhes pede que coloquem a sua inteligência e o seu conhecimento ao serviço da comunidade educativa, apenas que cumpram o acto político decisor, a norma, o ofício, a circular, enfim, o processo burocrático em toda a sua extensão.

Como na altura escrevi, naquele processo, qual paradoxo, acabaram por matar a escola por "ciúme, traição, jogo duplo, perseguição, intriga, assassinato de carácter, difamação pública, linchamento profissional, medo, eu sei lá, tudo o que um bom argumentista e um realizador, estou certo, precisam para contar uma história subordinada ao título: "como matar, não matando".

Por vezes chego a pensar que não vale a pena continuar com textos que abordem o sistema educativo. Poucos se interessam pelo debate das questões educativas. Desde que os "pequenos" estejam na escola, está tudo bem! Mas vale. Embora o sistema peque por ausência de informação credível, debate público qualificado, inúmeros receios por parte dos professores, reflectindo-se no desinteresse que os estudantes nutrem pela escola que lhes oferecem, continua a ser premente dizer a plenos pulmões que "o rei vai nu".

E assim, esta semana, toma lugar no mais alto patamar do pódio, sua excelência a ROTINA.

Ilustração: Google Imagens.

domingo, 3 de setembro de 2023

Aulas de 90'!


Por
Ana Catarina Mesquita
Professora e Investigadora na área da Língua e Educação
Revista Visão


Excerto do artigo:

"Há vários elementos que não se compreendem na educação de Portugal, ideias obsoletas, que não fazem qualquer sentido para quem tem dois dedos de testa e que só ignora quem não quer saber do assunto, quem não se esforça por saber mais sobre ele, ou quem, de certa forma, pode sair beneficiado dessa situação, certamente não os alunos nem os professores.

Uma destas coisas do arco da velha são as aulas de 90 minutos, que prevalecem em tantas escolas do nosso país. 90 minutos já são pesados para estudantes universitários, fará para alunos de faixas etárias abaixo. O facto é que não podemos exigir aos nossos alunos que fiquem 90 minutos a ouvir o professor com concentração. Quem é que consegue acreditar que tal é possível?

As aulas devem centrar-se sempre no aluno e não no professor. (...)"