domingo, 4 de maio de 2025

Colecção Vidas (des)conhecidas - Padre José Martins Júnior


Numa edição da CADMUS (uma marca da Associação Académica da Universidade da Madeira) foi ontem apresentado o livro que espelha, naquilo que é essencial, a vida e obra do Padre José Martins Júnior. Um texto de Cristina Carvalho e ilustrações de Rafaela Rodrigues (ambas no canto superior direito da foto). Os testemunhos que ali escutei, confesso, emocionaram-me, pelas narrativas genuínas de quem foi tocado pelo Homem de cultura transversal. "(...) Serão sempre poucos os livros e documentos publicados sobre o Padre Martins. Porque a sua presença foi daquelas que não cabem bem em páginas, mas sim nas memórias, nos gestos, nas sementes que deixou em cada um de nós. Fará sempre sentido que se fale sobre ele, sobre a sua marca nas pessoas e nesta Terra que tanto amou". - Cláudia Carvalho.




Três figuras apresentaram a Obra. 
Cláudia Carvalho, Fisioterapeuta, enalteceu a sua participação na Tuna criada pelo Padre Martins Júnior: (...) É sabido por todos a importância que esta tuna teve e tem ainda hoje na nossa comunidade, por tantas razões, mas, essencialmente, pelo conhecimento musical que foi possível passar a crianças e jovens que não teriam outra forma de recebê-lo. Aprendi a tocar bandolim na tuna e sendo eu esquerdina — como mais três colegas na altura — fomos apanhados naquela encruzilhada clássica: tocamos também com o braço do instrumento para o mesmo lado, como é típico noutras tunas ou orquestras se pensarmos noutros instrumentos, ou mudamos a nosso favor? Com o Padre Martins a resposta foi simples. Em vez de nos obrigar a tocar como os restantes, ele deu-nos liberdade. Literalmente, a liberdade de inverter o bandolim e tocar à nossa maneira. E nós, quatro jovens músicos esquerdinos, lá estávamos, a tocar com a mão esquerda como se fosse a coisa mais natural do mundo — e com ele a achar imensa graça àquilo também porque já nos confidenciou: que adorava ser também esquerdino ou talvez porque, sendo um homem de convicções fortes — e, digamos, tendencialmente à esquerda —, via em nós uma espécie de revolução musical. Mas no fundo, deu-nos uma lição de pedagogia, ele via as pessoas como eram e não como "deviam" ser. O ensino musical que nos ofereceu foi isso mesmo — uma lição de inclusão, criatividade e identidade. (...) Mas não foi só na música que o Padre Martins marcou a diferença e já que hoje é sobre um livro que nos juntamos aqui, não posso deixar de lembrar um verão, tínhamos talvez entre 9 e 12 anos, e juntávamo-nos no salão paroquial com o pe. Martins, não para ensaiar nem preparar apresentações, mas simplesmente para ler, escrever e conversar sobre isso. Criámos uma espécie de clube de leitura e oficina de composições, onde escolhíamos um tema e partilhávamos ideias, como gente grande. E ele, no meio de mil responsabilidades, recebia-nos com gosto, sem pressas, só porque acreditava que merecíamos aquele espaço. (...) Hoje, percebo como esses encontros plantaram sementes. Porque ler, escrever, pensar em conjunto — tudo isso também nos foi ensinado por ele, mesmo quando não havia palco, nem microfone, nem aplausos no final. Só a presença. (...) Lembro-me, ainda de um evento muito especial: o nosso Parlamento Jovem. O Padre Martins lançou a ideia — cada um de nós, como um pequeno deputado, apresentava e defendia uma proposta. Escrevemos os nossos textos e levámos a sério o papel na defesa dos direitos da criança. Ele estava a ensinar-nos a pensar, a falar com propósito, a escutar os outros. No fundo, deu-nos ferramentas e, mais do que isso, deu-nos voz — e a certeza de que valia a pena usá-la. Ele criou um espaço onde o diálogo, a escuta e o pensamento crítico eram levados a sério, mesmo entre crianças. E isso, para muitos de nós — especialmente os que em casa não tinham tanto espaço para conversar, questionar ou discordar — foi uma verdadeira escola de cidadania. (...) 

A Professora Madalena Franco referiu-se assim:

"Com o Padre Martins despertei para a atividade cultural, para a música, para o teatro, para o exterior… para o mundo! Nas décadas de 80/90, nas atividades dos domingos culturais no palco aberto da Ribeira Seca, com teatro de improviso, simulação de programas de televisão, encenação de cenas do quotidiano, desporto, jogos de animação… muita atividade! Por essa altura houve concertos …Trovante, Júlio Pereira, Amélia Muge … era o mundo que vinha ter connosco!! Por essa altura foi formada a Tuna de Câmara de Machico e foi o despertar para os clássicos da música … para a beleza da música! Mozart, Strauss, Beethoven… Música que nos levou a atuar no hotel Atlantis e no Natal dos hospitais! Depois lançou-nos novo desafio: o teatro, teatro mais sério…Tchekhov! E encenou O pedido de casamento. Representamos em S. Roque e no Funchal. Nós, uns jovens da Ribeira Seca, a representar Tchekhov! Uma semente que mais tarde daria início ao Grupo de teatro A Lanterna! Já como presidente da Câmara de Machico, financiou uma formação em teatro com o António Plácido e foi aqui, que muitas vezes ensaiávamos, representamos e declamamos na escadaria e no átrio da escadaria da Câmara!
Relembro com carinho, que em dada altura o Senhor padre dava aulas de Português no liceu e entre ensaios da Tuna, ouvíamos excertos dos Maias, dos heterónimos de Fernando Pessoa…aí percebi que era um privilégio aprender daquela forma!...que pedagogia, que sensibilidade dava aos textos do Eça, aos poemas de Cesário Verde! A sagacidade de pensamento, a crítica e o humor, sempre presentes naquelas tardes e noites em que éramos jovens com vontade de viver, e que entre músicas, leituras e conversas, perspetivávamos o nosso mundo, pelas mãos deste senhor, o padre Martins!
Para além desta atividade cultural em que me vi envolvida, fui também contagiada pela clarividência, pelo humanismo, pela LIBERDADE de pensamento e ação que fui colhendo nestas atividades da igreja – atrevo-me a dizer que, tudo aquilo que foi novidade para a maioria das pessoas com o Papa Francisco, eu ouvi desde sempre: pensamento ecuménico dos valores da Igreja, da validade das outras religiões no contexto mundial, o valor e o sentido do perdão, esse perdão que deve ser pedido ao próximo, àquele que ofendemos, e acolher TODOS, todos, todos! Que devemos ser responsáveis pelas nossas ações… Que Cristo é amor e perdão e não um deus de medo e punição. Que Cristo também é liberdade e amor e que o reconhecemos no nosso próximo.
Mais tarde, já bem mais adulta, os ciclos temáticos das Missas do Parto eram verdadeiros seminários! Com temas atuais, desde o Ambiente, Educação, o Mundo Atual…uma pedagogia para todos! Durante as suas homílias, falou muitas vezes de educação e apelou a que os pais estivessem atentos à educação dos seus filhos e que ouvissem e respeitassem os professores.
Que este livro seja também uma inspiração para os mais novos…que sigam os vossos sonhos, que sejam criativos e que se envolvam em atividades com a comunidade!"

Finalmente, Cheila Martins, Psicóloga, disse:

"Com um olhar atento, com uma palavra firme e uma alma feita de entrega, cultivou a consciência de um povo, despertou-lhes coragem, distribuiu o saber onde existia ignorância e semeou a esperança, onde tantas vezes reinava a resignação. Foi nos passos do Pe. Martins que encontrei chão, foi pela sua voz (pela sua verdade) que aprendi a questionar aquilo que tantas vezes o tempo tenta calar. Aprendi que a verdadeira autoridade está precisamente na coerência entre o que se diz e o que se vive. Ele mostrou-me o que é educar pela arte, com um carinho incondicional, mas com a firmeza de quem luta sem perder a esperança de quem “luta sempre, sempre de pé!” Conhecer a vida do Pe. Martins é descobrir que a grandeza não está nas palavras ocas, mas na ação consequente. É perceber que as pessoas grandiosas são aquelas que, tal como ele, servem sem esperar aplausos, lutam sem esperar recompensas. As suas palavras ainda nos desafiam, os dias ímpares são ainda mais ricos, as suas canções ainda nos elevam. A sua presença continua a viver em cada gesto de cidadania ativa, em cada aula onde se ensina com paixão, em cada grupo que canta e dança não apenas por gosto mas por justiça porque “lutaremos cantando a vida inteira, à conquista do nosso lugar!"




Três intervenções que me encheram de alegria e de emoção, porque ali está o retrato, não apenas do Padre e lutador pela felicidade de todos, mas o Professor e o verdadeiro Pedagogo que deixa sementes para a VIDA.

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