quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

QUE SOCIEDADE QUEREMOS FORMAR?


Perpectuar a organização, os conteúdos e as pedagogias do passado, significa matar a formação das crianças. A escola tal como hoje é concebida, ACABOU. Tomemos consciência disso. Este vídeo tem origem no Brasil e deveria sensibilizar governantes, pais e professores.  

 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

FELIZ NATAL PARA TODOS


O NATAL, Caros Amigos, diz-me muito. Diz muito a qualquer ser humano, independentemente de convicções. Em primeiro lugar, é o significado que me move. A Palavra, o humanismo, o sentimento de que é possível um Mundo melhor, não creio que ingenuamente, mas esses são os desígnios que mobilizam o meu pensamento muito para além da "Festa". A escalada de atrocidades que estão a acontecer, a ausência de sentimentos, a maldade, a crueldade, a hipocrisia da condenação dos actos, de guerra e outros, ao mesmo tempo que vendem armamento, a falta de princípios e de valores solidários, a ganância e sofreguidão dos "mercados", enfim, tudo isto constitui uma clara oposição ao significado do Nascimento, da Vida e da Palavra. Repito, sejam quais forem as convicções. Por isso, o Natal não deveria ser apenas um ritual de comércio, de ofertas, de convívio e de alguma boa comida. Deveria, também, constituir o momento solene de tomada de consciência de tudo quando afecta o ser humano. A EDUCAÇÃO, por exemplo. Sem um Sistema Educativo que corresponda aos novos tempos, jamais conseguiremos romper com o círculo vicioso da pobreza. Mas, tal como certamente todos(as), também gosto do respeito pela tradição. Há rituais que nos enchem, obviamente que sim. Por isso, para TODOS(AS) os que por aqui passarem, desejo que esta quadra seja inspiradora dos nossos direitos, dos nossos deveres e do quanto podemos fazer para sermos felizes, professores, alunos, pais e governantes. Tudo isto, também depende de nós e das nossas manifestações de cidadania.
Um BOM NATAL, em Paz.
Voltaremos após o Natal.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

QUANDO SERÁ QUE O CONHECIMENTO SE CRUZA COM A VIDA?


"Precisamos de uma mudança conceptual. Precisamos de reaprender a ver, a ouvir e a PENSAR. O pensamento fragmentado (as disciplinas do currículo) afasta o ser humano da única coisa que existe que é a VIDA". Viviane Mosé -Filósofa.

 

domingo, 18 de dezembro de 2016

O QUE O SECRETÁRIO REGIONAL DA EDUCAÇÃO DEVERIA APRENDER ANTES DE GOVERNAR


Porque, cada vez mais, considero uma aberração o estabelecimento de "ranking's" de estabelecimentos de ensino, era minha intenção não lhes dedicar uma linha. Este tipo de posicionamento que tenta rotular e/ou destacar um pressuposto mérito é, do meu ponto de vista, perverso, desde logo porque assenta em pressupostos errados. Só se pode comparar o que é comparável. O sector público de educação, por exemplo, porque é Constitucional, portanto, um direito de todos, recebe nos estabelecimento de ensino, todos, sem distinção de níveis económicos, sociais e culturais, enquanto que, no sector privado, as regras de acesso têm natureza selectiva. Há colégios que submetem os candidatos a testes e a estudos no quadro psicológico e, depois, aplicam mensalidades acima dos 800,00 euros. Conheço a situação. Logo, estabelecer uma lista onde se hierarquizam, de forma fria, contextos diferentes é de uma total ausência de senso. Uma escola (Madeira) com mais de 90% de Acção Social Educativa não pode ser comparada com um colégio pago a peso de ouro! Os seus resultados são um "milagre". A não ser que os defensores dos "ranking's" pretendam reforçar a peregrina ideia que o privado é melhor que o público. Talvez. O governo regional da Madeira atribui, grosso modo, 25 milhões de euros anuais ao privado. Ora, retomando, os "ranking's" são uma falácia. Os resultados dependem de muitos factores. Um exemplo: um colégio privado do Funchal foi 3º do "ranking" nacional do Básico (2009), tendo sido 1º na Matemática. Em 2016 posicionou-se em 53º lugar. Isto diz bem do que são os "ranking's". Ainda bem, ao contrário do secretário regional da Educação da Madeira, que o governo da República se posicionou de forma bem distintiva. Um bom prenúncio para as necessárias mudanças. 


Comecei por salientar que não era minha intenção escrever sobre este assunto. Constitui uma matéria repetitiva e profundamente analisada. Porém, o secretário regional da Educação veio logo comunicar que "(...) considerando os resultados esperados, os quais ponderam os contextos e o número de provas realizadas, as médias da maioria das escolas básicas e secundárias da Região são positivas (...)". Face a esta declaração, e só por isso, decidi escrever algumas linhas. Desde logo, a partir de duas perguntas: que resultados o governo regional esperava? Segunda: terá o secretário analisado os resultados, comparando-os ao longo dos anos?
Circunscrevo-me às características do actual sistema educativo que, saliento, repudio. Esperava resultados positivos? É isso? Vejamos o secundário, considerado importante para o acesso ao ensino superior. Em 627 escolas, a primeira da MADEIRA AUTÓNOMA aparece, na posição geral, em 280º lugar. As restantes, 313ª, 349º, 373º, 377º, 407º, 491º (...) a última em 610º em 627 estabelecimentos de ensino. Pelas médias, o secretário, que não esconde a defesa do actual sistema educativo, pelo menos não o condena, nove escolas obtiveram uma média inferior a 10 (entre 9,74 e 8,43) e seis entre 10,72 e 10,17. São estes os resultados positivos de que fala o secretário regional da Educação!
No ensino básico:
001 - 300 - 4 escolas: 53º, 63, 87, 110, 207, 267.
301 - 600 - 4 escolas: 365º, 468, 490, 525, 578.
601 - 900 - 8 escolas: 683º, 698, 762, 767, 787, 792, 831, 847.
901 - 1228 - 12 escolas: entre 946º e 1170. 
Onze escolas (avaliação de 0 a 100%) obtiveram mais de 50% (71,08% e 51,36); da décima segunda até à última escola (31ª) a variação foi entre 49,69% e 39,43%. São estes os resultados "positivos" do sistema defendido pelo governante.
Finalmente, defender o "ranking" das escolas é assumir que existem boas e más escolas e esquecer três aspectos, entre muitos outros: primeiro, o estado da sociedade a diversos níveis; segundo, que a generalidade dos professores, no actual quadro do sistema, imposto, burocrático e bloqueado, desempenha de forma muito meritória a sua função; terceiro, a pobre política de investimento. Mais sensato teria sido, à luz da História, que o secretário colocasse em causa todo o sistema, onde paira um deserto de ideias, assumir que este tipo de ensino, que repete o passado, está completamente errado, que os "ranking's" não espelham nada (hoje assumo que nem constituem um indicador) e que há necessidade de introduzir, paulatinamente, mudanças significativas, deixando de lado, por mais que isso custe a quem faz da vida uma rotina, estes resultados que ignoram, completamente, o que de bom ainda por aí se faz.
NOTA
Intencionalmente, omiti o nome dos estabelecimentos de ensino, apesar de estarem disponíveis na NET e na comunicação social, porque considero INDIGNO rotular escolas, mesmo que essa não seja a intenção. Em segundo lugar, peço desculpa por algum erro na seriação dos estabelecimentos de ensino, apesar do cuidado que tive. Globalmente, é esta a "fotografia" do sistema!
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

A EDUCAÇÃO PROIBIDA


São duas horas e vinte e cinco minutos de vídeo. Segui-lo, tal como fiz, no silêncio de um quarto, mergulhando nas palavras e nos conceitos, parando e reflectindo, valeram-me mais que centenas de horas de "formação" a que assisti ao longo da minha carreira. Que de nada valeram, a não ser para juntar "créditos" visando a progressão na carreira. Guardei este vídeo e procurei o melhor momento para divulgá-lo. Ele passa em revista todo o mundo pretensamente educativo, criado pelos adultos, quebra as rotinas e ajuda a ser professor. Julgo que importante seria que todos os que têm responsabilidades políticas na condução da Educação, educadores, professores de todos os graus e direcções executivas, obrigatoriamente, vissem este vídeo e discutissem os conteúdos. Seria a melhor forma de caminhar no sentido de uma escola que corresponda aos interesses e desenvolvimento de cada criança ou jovem. Daí eu reclame: esqueçam o que aprenderam e naveguem neste tempo novo.

 

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

AINDA SOBRE PISA, A SOCIEDADE E O SISTEMA EDUCATIVO PORTUGUÊS

Li um artigo de opinião da Doutora Isabel Torres, ex-docente universitária e hoje Vice-Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira. O título: "E agora Ministro Tiago Brandão"? Texto a propósito dos resultados PISA (Programme for International Student Assessment) 2015, da OCDE. Obviamente que é importante que existam posições completamente divergentes (aqui), quer as que se fundamentam na compaginação de todas as variáveis, quer as de pendor claramente partidário. No plano pessoal e democrático aceito-as todas e retiro, apenas, as minhas conclusões. Neste artigo, de elogio às políticas do ex-ministro Nuno Crato, que não acompanho, retirei duas ideias: "(...) O Mário Nogueira e a Catarina Martins, que não defendem a exigência, mas antes, a felicidade dos professores e das crianças, ainda estarão por certo, a neutralizar a hiperacidez que este facto notável lhes causou" (...) "E agora Sr. Ministro Tiago Brandão, como explica a sua política desastrosa em substituir o que estava bem, os resultados do PISA comprovam-no, por aquilo que não trará nada de bom e de positivo para o ensino e a aprendizagem das nossas crianças?"


Aprendi, com o decorrer dos anos, e transmiti isso aos meus alunos, inclusive na Universidade, duas sínteses que observei dos Mestres com quem muito aprendi e privei: primeiro, só é legítima uma opinião séria e fundamentada quando se faz, também, um esforço sério e fundamentado de estudo das variáveis de um determinado tema; segundo, complementarmente, à partida, todos têm razão, desde que a justifiquem de forma consistente e inequívoca a sua análise. É basilar. Daí que, no que concerne aos resultados PISA, há muito que faço esse esforço de estudo, através do cruzamento de muitas análises, desde investigadores a autores, expurgando das minhas conclusões qualquer posicionamento ideológico e partidário. Ainda anteontem aqui publiquei declarações de Pablo Gentili, Doutor em Educação na Universidade de Buenos Aires e secretário executivo do "Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO)". São dele, entre outras, estas palavras: "La OCDE parte de un principio equivocado, de que hay una forma de pensar el desarrollo y el mundo (...) Las pruebas PISA son el concurso de belleza da la pedagogia". Curiosamente, no dia anterior, tinha eu escrito aqui: "(...) Há, por um lado, diversas realidades históricas, económicas, sociais e culturais, que não permitem, com rigor, comparar o que é incomparável, e, por outro, sabe-se que não é seguro o carácter aleatório de escolha dos alunos que se submetem aos testes. Factos que distorcem e colocam em causa o resultado final. Bastam estes dois aspectos para que se fique de pé atrás na análise dos resultados. Parece-me muito mais importante conhecer a estrutura dos diversos sistemas educativos, se eles estão ou não adequados ao tempo que vivemos, à própria investigação, se transportam ou não um princípio hierárquico contrário à verdadeira autonomia dos estabelecimentos de ensino, o grau de formação dos docentes e a sua disponibilidade para aceitar novos paradigmas pedagógicos, mais ainda, qual a relação entre o sistema educativo (a jusante) e as preocupações de natureza social (a montante). São estes aspectos que determinam se os sistemas são ou não portadores de futuro (...)".
Ora bem, ao contrário do que li e acima reproduzi (Isabel Torres), sublinho agora que se defende a exigência através da felicidade das crianças e dos professores. Crianças infelizes, e este conceito de felicidade envolve múltiplos aspectos económicos, sociais e culturais, não podem demonstrar interesse pela aprendizagem. Da mesma forma que professores sujeitos a uma enervante rotina e a processos que só quem os vive dispõe de uma leitura correcta, acabam por desempenhar menos bem o seu mister. É, por isso, que, por um lado, as taxas de repetência e de abandono são altíssimas e, por outro, um terço dos professores encontra-se em esgotamento físico e mental (Síndrome de Burnout).
Depois, há um outro aspecto que merece reflexão. Enganam-se os que pensam que estes testes PISA, entre outros, não escondem outras subtis, mas profundas intenções. Obviamente que não são inocentes. Tal como não foi o "Processo Bolonha", essa tendencial uniformização da formação (conducente ao pensamento único), do qual resultou, entre outras, a desresponsabilização do Estado pelo 2º ciclo de estudos. Parece-me claro que Bolonha escondeu outras intenções. Há "Mestrados" que custam os olhos da cara! De igual forma, estes "ranking's" de países (PISA), repito, passando ao lado das realidades históricas, económicas, sociais e culturais, trazem no seu bojo uma intenção subliminar conducente à visão do Mundo que a teia deseja operacionalizar. OCDE é uma sigla que significa "Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico". Certo? Portanto, não sejamos inocentes e não façamos de um qualquer "ranking" a radiografia do País para esgrimir, partidariamente, posicionamentos que, tarde ou cedo, rebentam nas próprias mãos. Um País com 30% de repetências, com 30% de pobres, com sérias dificuldades na empregabilidade, com baixos salários, com altíssimas necessidades de Acção Social Educativa, do básico ao universitário, com lacunas graves na mentalidade e usufruto dos bens culturais, é lógico que não pode ser um País cujas crianças, globalmente, sejam felizes e com apetência pelo conhecimento. Mais. Um País com uma estrutura do Sistema Educativo assente no Século XIX não pode ter aspirações ao desempenho de países que ultrapassaram o analfabetismo há mais de um século e cujas economias nada têm a ver com a situação portuguesa. É comparar o incomparável. Esqueçamos os "ranking's ou olhemos para eles de forma distante e preocupemo-nos, sim, com as estruturas em que assenta o sistema educativo nacional. Porque mais escola e mais horas de Português e de Matemática, não significam melhor escola e melhor futuro. PISA, por tudo isto, não "comprova" nada. E para que fique claro, sou pelo rigor e pela exigência, só que através de um paradigma organizacional, programático e pedagógico completamente diferente de tudo quanto enformaram os Séculos XIX e XX.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 10 de dezembro de 2016

"LAS PRUEBAS PISA SON EL CONCURSO DE BELLEZA DE LA PEDAGOGIA"


El resultado de las pruebas PISA (Programa Internacional para la Evaluación de Estudiantes) se refleja en un ranking de quién hizo "mejor" y "peor" las cosas, como un concurso de belleza de la pedagogía, dijo a Sputnik el secretario ejecutivo del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), Pablo Gentili. "El PISA construye un mecanismo artificial, lo impone y nadie lo cuestiona, y luego compara, porque en realidad es un complejo mecanismo de evaluación, pero al final hace un ranking, es como un concurso de belleza de la pedagogía para ver quién salió primero y quién salió último", dijo Gentili. 


El 6 de diciembre se difundieron los últimos resultados de las pruebas PISA, un sistema estandarizado para evaluar los conocimientos de estudiantes de 15 años aplicado por la OCDE (Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico) y se reactualizaron las polémicas. Entre los 72 países participantes se encuentran nueve latinoamericanos: Brasil, Chile, Costa Rica, Colombia, República Dominicana, México, Perú, Uruguay y Puerto Rico. Varios investigadores llevan años cuestionando los procedimientos y varios de los fundamentos que dieron origen a estas pruebas.

"La OCDE parte de un principio equivocado, de que hay una forma de pensar el desarrollo y el mundo, que es universal, de Shanghái hasta República Dominicana, todos los jóvenes con 15 años tienen que saber un conjunto de cosas que son fundamentales para sobrevivir y progresar en la vida", arguyó Gentili. 

El fundamento se basa en lo que piensan "un conjunto de burócratas" de una organización dedicada a la economía mundial "de los países más poderosos del mundo" y que se impuso como la visión dominante "a partir de la cual es posible pensar y presentar los objetivos de la educación", criticó Gentili, profesor de la Universidad del Estado de Rio de Janeiro.

Lea más: Argentina, descalificada de la prueba educativa PISA por errores técnicos 

"Esto no es nada menos que una evaluación de los sistemas educativos nacionales a la luz de estos principios y estas competencias que nunca se ponen en duda y que establece un horizonte, un modelo educativo colonial, dominante y para nada universal ni científico", añadió el especialista en ciencias de la educación. Para Gentili, a pesar de que las pruebas PISA son "un verdadero desastre", se imponen por la fuerza que ejerce la organización poderosa que las realiza en los medios de comunicación.

"A muchos medios les resulta fantástico porque simplifica algo que es muy complejo presentando un ranking, (lo cual) es patético", criticó. 

Calidad de la educación 

Hablar de educación en la región requiere tener en cuenta que los países tienen experiencias educativas diferentes, según Gentili. En Argentina o Brasil "el problema de la igualdad es central, porque vivimos en la región más desigual del planeta", afirmó.
"Calidad es inversión en América Latina, inversión pública, trabajo decente de los docentes; en cada región hay una lógica para pensar la calidad y no creo que PISA refleje esto para nada", añadió el politólogo. Gentili expresó asimismo preocupación por el desprestigio al que es sometida la escuela pública por gobiernos conservadores de América Latina. "Cada vez que tienen que exponer algo que funciona mal en nuestros países lo explican atribuyéndoselo a la educación y a los docentes (lo cual) ha alejado a muchísima gente de la escuela pública", señaló. En el caso de Chile, que presenta el mejor desarrollo educativo de América Latina en las pruebas PISA, se trata de un "excelente promedio" resultado de una "profunda desigualdad, hay escuelas de élite que tienen muy buenos resultados, pero hay un montón que tienen pésimos resultados", observó.
En la evaluación divulgada el martes participaron alrededor de 540.000 estudiantes de 15 años de 72 países. La prueba de dos horas de duración evalúa los conocimientos y habilidades en ciencia, matemáticas, lectura, solución colaborativa de problemas y alfabetización financiera. 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

A MADEIRA PODERIA ESTAR NO TOPO E COMO REFERÊNCIA INTERNACIONAL


Por razões que aqui já enunciei, os estudos PISA (programme for international student assessment), entre outros estudos congéneres, devem servir de meros indicadores e nunca de um resultado absoluto sobre a realidade de um país ou região no que concerne aos sistemas educativos. Há, por um lado, diversas realidades históricas, económicas, sociais e culturais, o que não permite, com rigor, comparar o que é incomparável, e, por outro, sabe-se que não é seguro o carácter aleatório de escolha dos alunos que se submetem aos testes. Factos que colocam em causa o resultado final. Bastam estes dois aspectos para que se fique de pé atrás na análise dos resultados. Parece-me muito mais importante conhecer a estrutura dos diversos sistemas educativos, se eles estão ou não adequados ao tempo que vivemos, à própria investigação, se transportam ou não um princípio hierárquico contrário à verdadeira autonomia dos estabelecimentos de ensino, o grau de formação dos docentes e a sua disponibilidade para aceitar novos paradigmas pedagógicos, mais ainda, qual a relação entre o sistema educativo (a jusante) e as preocupações de natureza social (a montante). São estes aspectos que determinam se os sistemas são ou não portadores de futuro.


Há dias, assisti a tanto contentamento regional, com tirinhos a fazerem ricochete, pelos resultados de um estudo da OCDE sobre as "Tendências Internacionais no Estudo da Matemática e das Ciências (TIMSS)" no primeiro ciclo. No essencial, o governo esforçou-se por transmitir a ideia que a Madeira estava no caminho certo. Todos quantos se opõem estão errados. Sugeri que guardassem as declarações feitas para memória futura. Não foram necessários muitos dias e novo estudo foi dado à estampa: o PISA 2015. Em 25 regiões portuguesas (NUT3 - Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos) a Madeira encontra-se:
  • 19º lugar em Ciências.
  • 20º lugar em Leitura
  • 15º lugar em Matemática
Em todas as situações abaixo da média, apesar do grande investimento no número de horas (lectivas e de apoio) destinadas à Língua Portuguesa e Matemática, em detrimento de uma formação mais global. Obviamente que não me alegra este quadro que nos remete para uma zona cinzenta da tabela. Trata-se, apenas, de um indicador. Fico triste, isso sim, por assistir à repetição dos modelos curricular, programático, pedagógico e organizacional de escola, assente no pressuposto que se não aprendes a bem, aprendes a mal, isto é, com maior carga horária. É aqui que o processo, do meu ponto de vista, segue um caminho contrário à natureza da evolução. Estou convicto, na esteira de tantos observadores, que através de um outro paradigma, o sistema educativo da Madeira poderia estar no topo e como referência internacional. Muito acima da média europeia por países. Aliás, globalmente, todo o sistema contempla quarenta e poucos mil estudantes, entre os sectores público e privado. Uma ninharia comparada com outros espaços territoriais. Com órgãos de governo próprio, uma proximidade entre os extremos da ilha (57x22 km) e estando o Porto Santo ali tão perto, se a preocupação entre os factores de crescimento e os do desenvolvimento tivessem uma natureza equilibrada, julgo ser óbvio que outros poderiam ser os resultados.
Acresce, ainda, o facto da Região da Madeira continuar a apresentar altíssimas taxas de abandono escolar. A Madeira confronta-se com cerca de 23,6% quando no Continente, a taxa ronda os 12,9%. Um em cada quatro jovens madeirenses, entre os 18 e os 24 anos, abandonou, em 2015, a sua formação. Um facto preocupante e merecedor de reflexão. Finalmente, enalteço, apesar de ser um indicador, estes resultados não me alegram. Bem pelo contrário.
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

UMA ESCOLA PARA TOLOS


Os professores "infelizmente, como humanos que são, também erram: do seio da escola por vezes saem maus políticos e, logo, más políticas. Mas não é por isso que se deixam abater, já que exercem uma profissão que exige a reflexão permanente, a busca de consensos, e a capacidade de ser persistente, sem teimosia".


O teimoso prosseguimento da implementação das actuais medidas de política educativa anuncia uma clara mudança de paradigma: a transição do modelo sixtie da “escola para todos”, para o modelo pós-modernista da “escola para tolos”. A grande reforma educativa sorvida dos quentes e vibrantes anos do final da década de sessenta, consubstanciada nas filosofias do Maio de 68, apontava para uma escola aberta, universal, inclusiva, interclassista, meritocrática, solidária, promotora da cidadania e, até, niveladora, no sentido que deveria esbater as desigualdades sociais detectadas à entrada do percurso escolar.
Os professores passavam a ser mediadores da aprendizagem, promotores da socialização e do trabalho partilhado. Os alunos metamorfoseavam-se em aprendentes activos, participativos, concretizadores, co-líderes da sala de aula e do rumo a dar às planificações. Os pais, descolarizados ou iletrados, por vergonhosa opção de quatro décadas de ditadura, entregavam os seus filhos naqueles centros de promoção do sucesso social. Era a escola aberta à comunidade, uma escola moderna, que se impunha à escola tradicional. Era, enfim, a escola para todos.
Com o decorrer dos anos, os governantes, lá no alto do seu douto saber, entenderam que, já agora, os professores e a escola poderiam também cumprir uma imensidão de funções até então cometidas ao Estado, às famílias e à sociedade. Mesmo que não tivessem tido preparação para isso, os professores tinham demonstrado que sabiam desenvencilhar-se e, sobretudo, que não sabiam dizer não.
E desde então, essas passaram também a ser tarefas e funções da escola e dos seus docentes. A partir desse momento, passámos a ter uma escola que, por acaso, também era um local de aprendizagem formal, mas que, sobretudo, se foi desenvolvendo como um espaço de aprendizagens sociais, informais, socializadoras. E, por essa via, se baralha e se estigmatiza uma escola que, altruisticamente, queria ser para todos, numa escola que poderia ser para tudo. Era a escola para tudo.
Mais recentemente (reportando-nos ao baronato de Maria de Lurdes Rodrigues e ao principado de Isabel Alçada), entendeu-se que a escola gastava muito e os professores, numa mandrionisse secular, faziam pouco. Logo, quem sabe? até poderiam ser substituídos uns pelos outros, à molhada, degradantemente. Ou até secundarizados por skinnerianas máquinas de ensinar, que apressadamente se viram baptizadas de Magalhães, porque os governantes portugueses gostam que a história, tal como as telenovelas, se repita.
Aos professores, era exigido que reincarnassem de novo: uns em avaliadores, outros em avaliados; uns em directores, outros em assessores, outros em assessorados; uns em titulares, outros em titulados. E desta vez, a culpa não iria morrer solteira. Era preciso desviar as atenções: o resvalar da escola não se podia correlacionar com o acumular dos insucessos de continuadas e desastrosas políticas educativas. Com o derrapar da instituição escolar, a responsabilidade tinha que ser apenas atribuída a um dos actores: aos docentes, claro… e, logo, à sua falência profissional. Acreditam? Pois… é a escola para tolos.
O que eles não sabem nem sonham é que os professores têm dentro de si a força regeneradora do saber, da cultura e da utopia social. Modelando sabiamente os seus alunos, são os construtores de futuros. Dentro e fora da escola querem partilhar a discussão do amanhã, porque aprenderam que ter, é ceder e partilhar.
Infelizmente, como humanos que são, também erram: do seio da escola por vezes saem maus políticos e, logo, más políticas. Mas não é por isso que se deixam abater, já que exercem uma profissão que exige a reflexão permanente, a busca de consensos, e a capacidade de ser persistente, sem teimosia.
Hoje, e talvez por estarmos à beira de uma pressentida reedição do Maio de 68, com os jovens na rua a contestarem as políticas e os políticos que se enredaram em rotinas de salamaleques e na narcísica gestão das suas imagens e carreiras, fazemos nossas as palavras dos Deolinda: “ E fico a pensar/ que mundo tão parvo/ onde para ser escravo/é preciso estudar”.

NOTA
Artigo de João Ruivo, publicado na Página da Educação.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O SISTEMA EDUCATIVO PORTUGUÊS TEM DE MUDAR DE ALTO A BAIXO - JORNAL PÚBLICO DE 28.01.2002


Texto do Jornal: "Tudo tem de mudar no sistema educativo português e os próximos 20 anos são a grande oportunidade de recuperar 20 décadas de atraso educativo, conclui um estudo exaustivo sobre a educação em Portugal, intitulado "O Futuro da Educação em Portugal, Tendências e Oportunidades - Um Estudo de Reflexão Prospectiva".


O que mudou? Nada. O pensamento político e a estrutura mantém-se exactamente igual. As rotinas são as de ontem, talvez com um pouco de mais burocracia, muita da qual apenas passou do papel para o computador. A sala, a aula, o teste, a avaliação, a retenção ou a progressão de ano, mantém a característica de um sistema qual vaca sagrada! Tudo igual, apenas com umas pinceladas aqui e ali, uns projectos bem intencionados, não digo que não, mas aquilo que é fundamental permanece no ramerrame. 
Tudo igual, não é bem assim. Em alguns aspectos piorou. Hoje temos um sistema educativo onde as crianças estão ao serviço dos adultos e não os adultos ao serviço das crianças. Paulatinamente, roubaram-lhes o tempo para ser criança, fecharam-nas em espaços de tempo inteiro, escolarizando e "curricularizando" o que deveria ser do domínio do lazer e do jogo enquanto mola impulsionadora do crescimento, impondo desde muito cedo uma excessiva ocupação do tempo e uma nociva competição como se a educação fosse uma corrida. A revista "Science", tem já algum tempo, titulou um interessante trabalho: "A Educação não é uma corrida". Neste arrastão, perpetrado por adultos, levam os pais à frente, eles que acabam por contribuir para o agravamento dos factores de stress. Pelo que vou lendo, e não é pouco, os adultos não sabem o que estão a fazer. Congratulam-se com um ou outro resultado circunstancial, repito, circunstancial e aconselho, para memória futura, a guardarem os últimos resultados das "Tendências Internacionais no Estudo da Matemática e das Ciências (TIMSS)" para comparação nos próximos anos.
O Ensino Básico é de uma importância vital na construção dos saberes. Fazer PENSAR, questionar tudo, procurar respostas, participar activamente, descobrir os porquês, suplanta tanto programa repetitivo que inferniza e pouco acrescenta ao verdadeiro interesse pelo CONHECIMENTO. Guardo uma frase do Professor Alexandre Quintanilha, de 72 anos, que em uma entrevista à Página da Educação, sublinhou: "Eu vivo porque sou curioso". É isto que interessa. Desenvolver a curiosidade de tal forma que aos setenta anos, porque está na matriz, a curiosidade seja uma palavra-chave. Este sistema, pergunto, desenvolve o pensamento e a curiosidade? Não. De todo, NÃO. Antes, mata a curiosidade.
Ilustração: Google Imagens.

NOTA

Foram publicados os resultados PISA 2015 (estudo internacional da OCDE que visa avaliar a literacia em Ciências, Leitura e Matemática dos jovens de 15 anos). Portugal fixou-se, globalmente, um pouco acima da média. De notar, porém, que cerca de 30% dos alunos têm uma história de repetências até aos 15 anos e que este tipo de avaliação entre países merece muitas reservas, entre outras, pelas substanciais diferenças económicas e sociais e porque não é certo que quem se subordina aos testes seja escolhido de forma exemplarmente aleatória. Seja como for, penso que não devem ser confundidos os resultados com a estrutura do sistema educativo. No mínimo, porque a dúvida permanecerá: se outra fosse a estrutura global do sistema, mais adequada às necessidades e  ao tempo que vivemos, tais resultados não poderiam ser melhores? 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

PALAVRA-CHAVE: DESCONSTRUÇÃO. UM TESTEMUNHO DA PROFESSORA IVONE NIZA.


O Sistema Educativo precisa de ser objecto de MUDANÇA. A todos os níveis, desde logo, também, na formação dos professores. Porque mais importante que as "soluções" didácticas, é o professor transformar-se em um saudável agitador da descoberta. Repetir o manual é repetir o passado. É permanecer no erro.

 

domingo, 4 de dezembro de 2016

O AMANHÃ PODE SER HOJE


"Metáfora preciosa, o texto de Harold Benjamin obriga-nos a relançar a reflexão sobre os obstáculos que se deparam e a que estão sujeitos todos aqueles que tentem enveredar pelos caminhos da inovação e da renovação, que outros não são, aliás, os que todos deveríamos tentar percorrer no decurso da nossa vida profissional.

Harold Benjamin

Num curioso texto escrito em 1939, e dado à estampa por Harold Benjamin no já ido ano de 1977, relata-se a história de uma tribo pré-histórica que decidiu introduzir a educação sistemática para as suas crianças. O currículo fora elaborado especificamente para ir ao encontro de necessidades particulares de sobrevivência no meio local e, por isso, incluía matérias como “Afugentar o Tigre de Dentes de Sabre com o Fogo”.
Porém, o clima da região mudou e os tigres de dentes de sabre morreram. Em sua substituição surgiram “Grandes Ursos Ferozes” que não tinham medo do fogo e não se deixavam caçar ou afugentar com a velha técnica aprendida na escola: a técnica de “Afugentar o Tigre de Dentes de Sabre com o Fogo”.
A comunidade estava agora numa situação muito difícil. Não havia carne para a alimentação nem qualquer segurança contra a morte que se passeava pelos caminhos de dia e de noite. Tinham de fazer, imediatamente, uma adaptação a esta preocupante situação se não quisessem caminhar para a sua própria extinção. Felizmente na tribo ainda havia homens de cepa...
A partir daí, um deles, com o estômago colado às costas, quedou-se pensativamente junto ao fogo no intuito de inventar novas destrezas que pudessem ser divulgadas a partir da escola.
Todavia, sem perceber muito bem porquê, as tentativas de mudar o currículo, por parte desse membro mais “esclarecido” da tribo, por forma a adaptá-lo às novas necessidades de sobrevivência, encontravam firme resistência por parte do conselho dos mais velhos e, supostamente, mais sábios, que defendiam a “intemporalidade da educação e dos conteúdos curriculares” ministrados pela escola.
E por mais que esse membro inovador da tribo, enquanto os outros se atafulhavam de comida e dormiam, ganhasse o hábito de se levantar mais cedo e de pensar junto do fogo, de pouco lhe valia esse esforço que o levava a tentar mudar as mentalidades e o currículo, para que a tribo voltasse aos bons e velhos tempos da abundância.
Mesmo assim, pouco a pouco, foi elaborando um novo currículo, adaptado às novas circunstâncias. Só que, a partir desse instante, a partir da descoberta desse progresso, a partir do momento em que iniciou a sua divulgação tornou-se, face aos olhos dos mais conservadores... num homem muito perigoso!
Metáfora preciosa, o texto de Harold Benjamin obriga-nos a relançar a reflexão sobre os obstáculos que se deparam e a que estão sujeitos todos aqueles que tentem enveredar pelos caminhos da inovação e da renovação, que outros não são, aliás, os que todos deveríamos tentar percorrer no decurso da nossa vida profissional.
E, ao salientar o papel das “minorias” na renovação dos processos e dos procedimentos educativos, e o modo como as “maiorias” suspeitam das suas propostas e inibem as suas práticas é, em nosso entender, um modo relevante de relançar o debate sobre o eterno renascer do novo e a necessidade da permanente adaptação e da mudança".
NOTA
Um texto de João Ruivo publicado no sítio da internet educare.pt (aqui)

sábado, 3 de dezembro de 2016

QUANDO UM ALUNO DESABAFA: "SOMOS ENGOLIDORES DE MATÉRIA"

Os anos passam a uma velocidade estonteante. Quando damos por nós, zás, menos um na esperança média de vida. Só que, a par disso, cresce em nós, a experiência acumulada, por tudo aquilo que, através de Mestres e de revisões bibliográficas, nos transmitiram e que nos fizeram amadurecer, burilar em uma amálgama de temas marinando ao longo dos anos. Por isso mesmo, ficamos cada vez mais distantes da politiquice barata, para consumo mediático. Tenho um velho, distinto e culto Amigo, que do alto dos seus 91 anos, diz-me com frequência, que quando fala com certas pessoas do seu tempo e sobre certos assuntos, "tem de se esquecer do que sabe", para não ser inconveniente. As experiências de vida concedem-nos isso, esse bem-estar com a consciência que não se alimenta da ignorância altifalante. Quando não se sabe, o melhor é o silêncio e daí partir para o estudo, a fim de perceber e descobrir outras realidades. Simplesmente porque a verdade é múltipla.


No Sistema Educativo, tal como em todos os outros, sinto que existe pouca humildade, défice de participação e sentido de aprendizagem com os outros. A nossa cultura, infelizmente, ao nível do governante, fá-lo disparar contra quem analisa de forma distinta. Na incapacidade do argumento com substância, por norma, o poder cataloga-o de forma imbecil: é comunista, socialista, eu sei lá, um quadro para o qual não há paciência de aturar. Eu, pelo menos, não tenho. O período que atravessamos, talvez mais do que em outros tempos, precisa de reflexão, de serenidade, de saudável utopia, de um sentido prospectivo que abra horizontes de esperança e anule o princípio de que "se sempre foi assim, por que raio havemos de fazer de forma diferente". John Stuart Mill (1859), Filósofo e Economista britânico escreveu: "(...) a recusa em escutar uma opinião porque se tem a certeza que é falsa, é supor que a sua certeza é absoluta". Lembro-me de ter destacado esta frase na primeira página do meu relatório de estágio pedagógico em 1971. Não tinham alguns governantes nascido. Frase que não foi colocada por acaso, porque ficava bem, antes antecipava, da minha parte, um contraponto àquilo que constituía a norma do sistema. Sempre nutri, porque tive notáveis professores que souberam tocar nas minhas fragilidades intelectuais, essa preocupação de tentar ver os problemas não pela aparência, mas pelas suas causas. Julgo que ao sistema educativo falta isso, repito, a humildade para cruzar informação, de onde resulte uma postura de aprendizagem na arte de bem governar.
Quando o poder tende para o aproveitamento circunstancial de um dado resultado, como se a árvore pudesse esconder a floresta do desencanto, quando a história nos alerta para a inconsistência dos resultados, parece-me óbvio que não se lhe pode augurar bom futuro. Só que a ânsia pelo mediático e a ausência de memória tem suplantado e suplanta o bom senso e a definição de um caminho sem buracos. Nem a propósito, hoje, nas "cartas do leitor" do DN-Madeira li um texto subordinado ao título "Desabafo de um aluno", assinado por MW que, a espaços, alerta o(s) governante(s) para a configuração de um sistema educativo que soçobra:

"Cansei, cansei que esperem de mim números, cansei que esperem que seja igual aos socialmente vistos como mais bem pagos, cansei de entrar numa sala e ouvir que não valho nada, cansei de ser obrigado a colocar toda a minha energia em algo que realmente não me interessa... E aí? (tudo o que é adulto “bem sucedido ou não” vai dizer: pois, esta geração de hoje em dia não se interessa por nada, não tem objectivos). Esta geração tem objectivos e, provavelmente, objectivos muito maiores que os vossos! E por os ter é que é capaz de reconhecer que o vosso mecanismo de ensino não os satisfaz. É demasiado “rasco”! Porque nós não nos contentamos em saber simplesmente sobre um assunto. Somos seres com sede constante de novidade, seres que procuram a mudança. (...) Porque é isso que somos, somos engolidores de matéria. (...) Agora, pergunto, onde está todo esse poder com que nos julgam e nos privam de sermos quem sonhamos ser, quando a criatividade é precisa? Quando a capacidade de resolução de problemas é essencial?! (...) Que se levantem e digam basta! (...) A educação está na base de tudo isto... Por isso parem de julgar os comportamentos desta geração e comecem a avaliar o vosso “sistema” (...)" (aqui)

Não foi um desabafo de um encarregado de educação, de um professor no activo e cansado, de um considerado investigador, de um autor de mérito reconhecido, de um político, de um aposentado, mas de um aluno. À voz da base, que o governante, responsável pelo sistema, responda... com as estatísticas do pseudo "sucesso".
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

EXCEPCIONALMENTE, A RESPOSTA!


O secretário regional da Educação, segundo um trabalho do Jornalista Francisco José Cardoso, a propósito dos resultados no quadro das "Tendências Internacionais no Estudo da Matemática e das Ciências (TIMSS), lembrou que "o principal crítico da política educativa e mentor do PS-M em matéria de Educação, simultaneamente, presidente da Assembleia Geral do Sindicato de Professores da Madeira (André Escórcio) defende, sistematicamente as "maravilhas" do sistema finlandês, talvez seja oportuno perguntar-lhe, porque razão os "burros" madeirenses, conduzidos por "incompetentes" em matérias de política educativa, conseguem estar à frente de tais maravilhas (...)" (DN-Madeira, edição de hoje). Achei interessante a referência, já explico porquê, embora não seja mentor político do PS ou de qualquer outro partido, não tenha qualquer actividade político-partidária, muito menos no Sindicato de Professores da Madeira. Apenas escrevo produzindo e cruzando, humildemente, sínteses do pensamento de tantos investigadores e autores onde se incluem, naturalmente, entre muitos outros, professores, filósofos, psicólogos, sociólogos, médicos e economistas. 


Dou de barato aquele tipo de "medições", como o dou relativamente à aferição PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Há, de resto, muita produção literária sobre o formato, as diferenças sociais e sobre a escolha dos alunos submetidos a essas avaliações. É a escolha, que deveria ser rigorosamente aleatória, que está em causa. Li, há dias, um texto, com o título: "No PISA nós confiamos - mas será que devíamos?" Neste pressuposto, sobre os resultados dos estudantes madeirenses (TIMSS), embora eu não seja adepto de "ranking's, por múltiplas razões, não deixa de causar alguma perplexidade quando os ditos colocam os estabelecimentos de ensino da Madeira em posições muitíssimo modestas e, qual passe de mágica, em um ápice, a Madeira "aparece" no topo da satisfação da política educativa regional. Isto leva-me a repetir a pergunta: será que devíamos acreditar?
Independentemente deste aspecto, não são os resultados pontuais que têm constituído motivo das minhas reflexões, mas sim, de forma compaginada, a estrutura do Sistema Educativo e a estrutura de toda a organização social (políticas de emprego, pobreza, cultura, etc.). E isto está, obviamente, muito para lá da simples avaliação pontual de uma ou de outra disciplina. A minha batalha, se disso se trata, é contra um sistema desintegrado, que repete o passado e demonstra incapacidade de adaptação a um mundo que não é o da Sociedade Industrial. Sou avesso à segmentação da aprendizagem por disciplinas, sujeita a questionáveis rituais programáticos. Defendo que a aprendizagem deve assumir uma outra dimensão que obriga a pensar e a questionar os porquês. Um sistema, que bloqueia a curiosidade e empareda a aprendizagem julgo que não tem futuro. Não entender isto, pelo menos para mim, constitui uma clara fragilidade intelectual. 
Ainda há poucos dias, em uma iniciativa do governo regional da Madeira, foi o Juiz Conselheiro, hoje jubilado, Laborinho Lúcio, ele que não é docente, mas evidencia uma leitura sistémica do processo, que veio transmitir que não tarda o dia que as crianças dirão que têm um adulto dentro de si, tais são as características do sistema educativo. A simplicidade e acutilância deste pensamento deveria conduzir a uma profunda reflexão, partindo de uma única palavra: porquê? A questão tem sido, exactamente, essa, questionar-me sobre a estrutura do sistema, as razões da insatisfação e esgotamento dos professores, a estrutura da rede escolar, a autonomia das escolas, o paradigma curricular e pedagócico, a estrutura e financiamento da escola pública, a burocracia, a cultura, níveis económicos, familiares e a mentalidade da sociedade em geral, daí partindo, então, para um sistema de resposta a tanto abandono e insucesso. Doze escolas da Madeira e, dentro destas, sem se conhecer como foram seleccionados os alunos, resulta uma imagem que não se compagina com outras verdades. Por exemplo, no mesmo ano (2014/2015) do tal apregoado sucesso, posto em destaque pelo secretário da Educação, foi o mesmo ano escolar onde ficaram retidos ("cumbaram") 3.800 alunos, o que equivaleu a uma desperdício de 17 milhões de euros, partindo do pressuposto que cada aluno, em média, custa cerca de € 4.500,00. Pode então, sem esforço, se concluir, que o problema deve ser analisado não pelo lado da percentagem dos "reprovados", mas pelo lado do que o sistema deveria ter realizado, a montante e a jusante, no sentido de uma escola que não repita o passado e que, pelo contrário, seja fermento para o futuro.
Sou por um Sistema e por uma Escola com pensamento crítico politizado e não partidarizado. As escolas não podem ser comparadas às "linhas de montagem". Por isso, não entrando por outras substantivas razões, estou muito próximo de Pepe Menéndez, diretor adjunto da Fundació Jesuïtes Educació, da Catalunha, quando, recentemente, enalteceu em uma entrevista ao DN-Lisboa: "(...) A mudança está em olhar para as coisas de forma diferente: o que queremos? Nós, jesuítas, dizemos: queremos alunos competentes, compassivos, conscientes, comprometidos e criativos. Que sejam capazes de construir o seu projecto de vida, é esse o centro do nosso projecto educativo. É preciso fazer coisas no colégio para que o aluno se vá construindo, e todos os conhecimentos têm de ser metidos dentro do projecto. Não é: "A minha vida é isto e os meus conhecimentos estão noutro lado. Tenho de integrá-los" (...) Há, portanto, que mudar o olhar, de acordo com o filósofo [Zygmunt] Bauman que fala de um mundo líquido. Ironizo: ele não falou da Matemática! Pepe Menéndez, a par de muitos outros autores e de experiências que estão a acontecer em tantos espaços, nessa entrevista sublinhou: "(...) Aplicamos uma parte da [Teoria] das Inteligências Múltiplas (Howard Gardner, 1985, Harvard), uma parte da aprendizagem baseada em problemas, uma parte do trabalho colaborativo, e fazemos um ecossistema. O nosso modelo baseia-se muito no trabalho interdisciplinar por projectos". Saliento eu, para que a Escola, como já alguém referiu, não seja "a catedral do tédio". Não perceber esta relevância, misturando alhos com bugalhos, expõe, repito, uma fragilidade de pensamento que gostaria que nenhum governante evidenciasse. Mas agradeço a referência, pois ela permitiu-me, dentro da minha fragilidade, eu que não sou investigador, aqui colocar algumas coisitas que me preocupam. Sinto-me feliz por chegar à aposentação e continuar a acreditar que é sempre preferível ser prospectivo do que repetir o passado. Quanto a "burros" e "incompetentes" essas são palavras do secretário, nunca minhas. Jamais, porque alunos, professores e pais estão na primeira linha do meu respeito e preocupações.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

UMA VIAGEM VALE MUITO MAIS QUE NÃO SEI QUANTAS SEMANAS DE AULAS


Ao longo da minha carreira docente confrontei-me com muitas situações que me deixaram entre a perplexidade e a tristeza por não sentir a necessária abertura da escola ao Mundo. Mesmo aqui ao lado, um vídeo, que não chega a um minuto, o pedagogo Rubem Alves, dirigindo-se aos professores e talvez a toda a sociedade, diz: "o professor é aquele que pega nos alunos e diz... "eis o mundo... vejam, vejam, explorem". Nem mais, porque naquele espaço da dita "sala de aula", convenhamos que é muito difícil ver o Mundo, explorando-o em todos os contextos. 

´
Ora, dizia eu que fui confrontado com situações que me angustiaram. De forma recorrente trago em memória, entre muitas, duas que são paradigmáticas: um dia, em plena reunião de conselho de turma, ouvi uma colega dizer: "ele que escolha entre o desporto e a escola". Esse aluno do ensino básico, com um nível de avaliação considerado satisfatório, era um praticante de excelência, treinava todos os dias (duas sessões, a primeira das quais às 06:30H) e participava em competições nacionais e internacionais. Lá tive eu, com a maior serenidade possível, romper com aquela visão estrábica. Lembro-me de lhe ter dito, entre um rosário de argumentos, que o desporto é, antes de mais, um bem cultural e que seria bom, enquanto processo de criação cultural, na esteira do Professor Olímpio Bento, "desportivizar a escola e a vida" (...) e que neste aspecto a escola afigurava-se-me determinante (...) "essencialmente porque é futuro". Lembro-me, ainda, de ter chamado à colação Agustina Bessa-Luís sobre o analfabetismo: cito quase de cor "(...) a par dessa chaga que tarda em sarar, temos ainda o analfabetismo inculto, aquele que sabendo ler e escrever, licenciado ou não, ocupa posições de chefia nos governos, nas empresas, no ensino e que não é capaz de produzir valores reclamados pelos cidadãos e que o País tanto precisa". Obviamente que, aqui chegado, o caldo de certa forma se entornou, não sabendo essa colega como desenvencilhar-se do seu posicionamento inicial. O que isto continua a significar é que a escola é vista como uma instituição, ia dizer, uma capela, com reduzida compaginação com todos os outros sistemas. Há, ainda, muitos muros internos e altos muros que a cercam e impedem de ver que há mais mundo e mais educação para além dos manuais e da resposta dita "certa" às perguntas do teste.
Uma outra situação tem a ver com a ausência da frequência escolar, "das aulas" melhor dizendo, quando os pais, durante uns dias, fazem uma pausa para férias. Sabe-se que cada vez é mais difícil a possibilidade dos pais conjugarem as suas férias com os períodos não lectivos. Nem todos podem marcar férias em Agosto, obviamente. Muitas vezes é uma carga de trabalhos para fazer compreender à escola a importância de uma viagem. Entre outros, ficava sobre a mesa, a ausência, a "matéria dada e não escutada" e a sobreposição dos testes de avaliação. Pessoalmente, nunca entendi e não entendo isto, exactamente porque uma viagem pode valer muito mais que não sei quantas semanas de "aula". As catedrais, os museus (de todos os tipos), os monumentos, a arquitectura das cidades, as pessoas, tudo converge para um conhecimento sentido e vivido transversalmente a todas as disciplinas curriculares. O que uma viagem opera nas crianças e jovens, e tudo aquilo que pode, depois, ser explorado e contextualizado na escola, reveste-se de uma importância vital  na formação. Só que, uma vez mais, sistema tem dificuldade em integrar como um valor acrescentado. O próprio sistema, muitas vezes é anti-cultura e anti-escola, preferindo a tal resposta "certa" de acordo com as páginas do manual. Também aqui tive os meus confrontos. É a vida. 
Ilustração: Arquivo próprio.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

A CRIANÇA COMO SUJEITO E NÃO COMO OBJECTO


O Funchal recebeu representantes das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens de todo o país. Uma iniciativa com muito interesse, quando se sabe que muitos dos direitos das crianças são, sistematicamente, postos em causa. O Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, personalidade por quem nutro muita consideração, não poderia ser mais claro: deve-se ver a criança como "sujeito" e não como "objecto". A criança é um "ser autónomo e completo" (...) verdadeiramente, o  que estávamos era a partir do adulto para a criança. Não tínhamos a noção da cultura dos direitos da criança, que lhes são próprios" (...) "ao protegermos os direitos da criança, a criança resulta protegida (...)". Na peça do DN-M, salienta ainda o jornalista, que Laborinho Lúcio falou "da escola, do direito a brincar, criticando o sistema por apostar em transmitir o máximo de conhecimentos, em vez de, até  ao 9º ano, proporcionar o desenvolvimento das capacidades intelectuais para a vida pública (...)" Uma síntese perfeita, na continuidade do que tantos já sublinharam. Sabe-se que assim é, apenas os governantes não querem mudar.

Este Encontro das Comissões de Protecção, obviamente, que tem um quadro específico, mas o Juiz, com sabedoria, foi muito mais longe, enquadrando-o, também, nos "Direitos da Criança", criança que, hoje, concordo plenamente, não é um "sujeito autónomo e completo" mas um "objecto". É o adulto que impõe o formato organizacional que lhe mata o tempo de ser criança e de crescer com o jogo e com as diversas experiências. Neste blogue e em outras intervenções posicionei-me no mesmo sentido e tenho divulgado posições de vários autores. O que o Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, não sendo um especialista em política educativa, demonstrou a sensibilidade que tem faltado aos governantes.
O que é a Escola a Tempo Inteiro, por exemplo, senão um retrocesso nos "direitos da criança"? Alguém já se apercebeu dos efeitos futuros de escolarizar tudo ou quase tudo aquilo que deveria ser do domínio do lazer? Será difícil perceber que é a organização social, onde se inscrevem os horários de trabalho, que devem ser motivo de reflexão prioritária? Que da mesma forma que mais escola não significa melhor escola, mais trabalho não significa melhor trabalho e maior produção? Ora, o que o Juiz veio enaltecer é que é um contra-senso "o sistema apostar em transmitir o máximo de conhecimentos, em vez de, até  ao 9º ano, proporcionar o desenvolvimento das capacidades intelectuais (...)". É, portanto, a estrutura do sistema educativo que está em causa e é também o sistema de organização da sociedade que se apresenta claramente contra a criança. Não nos iludamos, na esteira de Chateau, que uma criança a quem lhe negam o tempo para ser criança, roubando-lhe o tempo de jogo  com o qual se estrutura e cresce, acaba por ser uma criança "cuja personalidade não se afirma, que se contenta em ser pequena e fraca, um ser sem coragem, um ser sem futuro". Encher-lhe de tantas actividades, directa ou indirectamente relacionadas com a escola e o currículo, ocupar-lhes o tempo semanal, ia escrever "de trabalho", hoje calculado entre 30 a 50 horas, quando os adultos lutam por um horário inferior a 40 horas, é absolutamente abusivo e um contra-senso relativamente ao que a ciência já demonstrou.
O problema, uma vez mais aqui saliento, é que na sala de congressos do Casino, falaram de assuntos importantes e com óbvios aplausos. Este, o dos "direitos da criança", por exemplo. Porém, amanhã, seguirá tudo igual, com as mesmas rotinas de anos a fio, onde, no máximo, serão capazes de mexer nas margens para que tudo, no âmago do problema, continue como ontem. O número político foi feito, as páginas da comunicação social fizeram eco, a fotografia saiu, as palavras e conceitos também... mas a máquina, cega e surda continuará insensível. Não estarei longe da realidade se, em breve, a carga horária escolar aumentar, dirão os adultos, no superior interesse das crianças! Se o fizerem saberão o crime que estão a cometer?
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

VIVE-SE, NA EDUCAÇÃO, O EFEITO "CLEARASIL"


O Sistema Educativo parece não ser do interesse de uma significativa parte da população. Da experiência vivida e anotada ao longo de muitos anos, fico com o sentimento que, grosso modo, desde que os filhos estejam na escola, tendencialmente controlados, melhor ainda, se puderem lá passar o dia enquanto os pais trabalham ou por aí andam à procura do dito, pois bem, o "problema" está resolvido. Se a escola desperta ou não para o conhecimento, se a escola vai ao encontro dos interesses mais substantivos de preparação para enfrentar os desafios deste Mundo, isso, repito, parece-me, para muitos, de pouca relevância. E se isto concluo é, sobretudo, pela ausência de análise pública ao sistema, do debate e do comentário. Do sistema fala-se, sobretudo, quando os sindicatos levantam a sua voz, quando faltam professores para leccionar, quando um docente perde a cabeça e prega um tabefe e quando os actos de indisciplina saltam para as páginas da comunicação social. O miolo do sistema muito raramente é motivo de preocupação. O outro lado da coisa anda mudo! Nem por parte da esmagadora maioria dos professores. Leccionam, acatam, vergam-se, cumprem, interrogam-se no pequeno grupo, mas, assumir, publicamente, os seus dilemas, aí, alto, vá lá saber-se porquê. Curiosamente, em um tempo onde tantas são as plataformas informáticas. Prefere-se uma foto do pôr-do-sol, uma flor ou uma frase dita por alguém do que a reflexão dos problemas que nos deveriam preocupar. Sinais dos tempos.


Há, certamente, muitos factores que para isso contribuem. Muitos mesmo. Pode ser por incapacidade, por um deixa andar, encolhendo os ombros, partindo do princípio que a sua voz nada altera, pode até ser por medo de enfrentar problemas (quais, não estou a ver), pode ser pelo ambiente castrador do pensamento, de muitos anos, sublinho, pode ser pelo ambiente interno dos estabelecimentos de educação e ensino, extremamente verticalizado e obediente à hierarquia, enfim, pode ser por tantos motivos. Cada um sabe por que não intervém. Note o leitor que não estou a falar de participação partidária, mas de participação política e cívica. Porque o sistema educativo deve ser politizado. Ele é consequência óbvia das políticas que são tomadas. 
De facto, há tanto para dizer e há tanto silêncio cúmplice. Um paradoxo! Cada um cumpre a sua tarefa, "dá as aulas" do horário (que mal que isto me soa), debita e esclarece a matéria, avalia, comparece às reuniões e obedece aos ritmos impostos. Tudo no cumprimento do "projecto educativo de escola e de turma". Pode estar errado de raiz, mas pouco interessa. Importante é o relatório final, com mil e uma justificações, embora destinado ao arquivo morto. E assim a roda dentada vai funcionando, triturando e eternizando o sistema. Debate sério, profundo, fundamentado nas ciências, isso é uma miragem. Um dia, julgo eu, por arrastamento do que vai sendo produzido em outros espaços, quando algumas sementes lançadas derem flor e fruto, talvez isso desperte curiosidade. Espero!
Ora, se ao nível de quem governa, melhor é a manutenção de uma máquina velha e gasta do que experimentar outras, se ao nível dos docentes não se vislumbra uma apetência para meter o pauzinho na engrenagem, pergunto, que esperar do povo, em geral, cuja formação a este nível é deficitária? O que me causa apreensão é o facto de existirem cursos, seminários e jornadas de reflexão, com alguma frequência, normalmente com salas cheias e aplausos, e depois, tudo o que foi explanado morrer no instante que nasceu. Voltam à escola e emerge o efeito "clearasil" (anti-borbulhas e pontos negros), a tal "pomadinha" que a publicidade falava do "efeito de absorção". Aplaude-se e, logo de seguida, o sistema acaba por ter o efeito da "pomadinha", se alguém borbulhar é visto como um ponto negro! Logo é deixar-se absorver pelo sistema. O círculo vicioso mantém-se ao jeito de "o meu está feito". Tenho pena, pelas crianças, pelos jovens e pelo futuro.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 26 de novembro de 2016

EDUCAÇÃO - QUE TERÁ A VER ESTE VÍDEO COM A HISTÓRICA E ULTRAPASSADA ESTRUTURA DO SISTEMA EDUCATIVO?


Este vídeo, de quatro minutos e cinquenta segundos, vale muito mais que um período de aulas tradicionais com assuntos para esquecer. Uma escola que visasse educar (a actual não educa) descobriria dezenas de temas para explorar e aprender. É, por isso, que a formação básica, terá de ser (e será no futuro) o despertar para a complexidade, a partir da qual sejam necessárias aprendizagens condizentes.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

ANDAM A "MATAR" A IMPORTÂNCIA DE SER CRIANÇA E DE BRINCAR


Bem-vindos à nova era, a das crianças que não têm tempo para brincar. E a dos adultos obcecados por ocupar-lhes os dias. Que mundo é este onde a brincadeira se tornou indesejável?


Um artigo, publicado no Expresso por LUCIANA LEIDERFARB

Não fosse um sinal dos tempos e consideraríamos ridículo escrever um texto sobre a importância de as crianças brincarem. Afinal, não é isso o que elas fazem? A resposta é assustadoramente simples: não. E não é o que fazem, sendo isso o que elas são. Nada mais definidor da infância do que o brincar e, no entanto, nada menos preponderante na infância destes dias, escolarizada até ao tutano, compartimentada em atividades sempre organizadas pelo adulto, em casa sujeita ao regime de trabalhos de casa-TV-telemóvel-tablet antes de deitar e, de manhã, começar tudo de novo. Este ano, um filme patrocinado pela marca Skip entrava numa prisão de alta segurança dos Estados Unidos e mostrava um grupo de reclusos perturbados com a mera possibilidade de se retirar uma hora às duas horas diárias de tempo ao ar livre a que estão habituados. “Seria uma tortura”, dizia um deles. Mas 70% das crianças têm menos de uma hora por dia de brincadeira, concluiu um estudo da mesma marca. Menos, portanto, do que o tempo mínimo que o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos recomenda para garantir o bem-estar dos prisioneiros.


“Temos uma criança mais centrada nos dedos do que na locomoção, que é corporalmente passiva e sofre de iliteracia motora”, diz Carlos Neto, investigador da Faculdade de Motricidade Humana. A estudar este assunto há duas décadas, não constitui para ele novidade que as crianças de hoje sejam mais frágeis, mais imaturas e menos capazes de se controlar e autorregular. “As crianças são dotadas para brincar, é o seu estado natural. Precisam de ser perseguidas, de perseguir, lutar, correr, esconder-se, inventar. E a sociedade faz um esforço para as ter quietas e em silêncio”, comenta o especialista. Num quadro de quase permanente institucionalização, em que os mais novos passam na escola quase tantas horas diárias quanto um adulto no trabalho — de 27,5 a 30 horas semanais nos 1º e 2º ano do 1º ciclo e até 32,5 horas no 3º e 4º ano —, a configuração do seu tempo livre nesse espaço revela-se determinante. E a escola “ainda trata o recreio como algo avulso ao processo de ensino”, sem perceber que “o tempo para brincar deve ser bem estruturado e encarado como um contributo para se aprender dentro da sala de aula”.
No jardim de infância a situação é semelhante. Em Portugal, de fevereiro a maio — a estação invernal — as crianças passam apenas uma média de 10,8% do seu tempo em espaço exteriores, mais apetecíveis para a brincadeira livre. Este é um dos dados que constam do estudo “Interação Criança-Espaço Exterior em Jardim de Infância”, da autoria de Aida Figueiredo. A professora da Universidade de Aveiro concluiu ainda que, nas creches observadas, os bebés com menos de um ano só saíram ao exterior duas vezes em quatro meses. O estudo serve também para comparar realidades educativas opostas: se na Noruega, por exemplo, são exigidos entre 24,2 e 33 m2 por criança, em Portugal apenas são previstos 4 m2 por criança.
Quando é que o brincar livremente se tornou a atividade mais rara, menos praticada, na vida das crianças? E quando é que este quadro negro passou a ser encarado como normal? “O que não é normal é não se olhar para as crianças como cidadãos com direitos, isto é, com direito ao tempo livre e a fazer o que é próprio na infância: brincar, correr e dialogar com outros”, frisa Maria José Araújo. Para esta especialista em educação e professora no Instituto Politécnico do Porto, chegamos a um ponto em que o ato de brincar é excedentário e conotado como “fútil” pelos adultos, cuja ideia de competência “passa por estruturar a vida das crianças, não respeitando as suas necessidades nem proporcionando as condições para elas poderem brincar”.
E brincar está longe de ser fútil. “É uma atividade completa, em que as crianças aprendem a decidir, a negociar, a colaborar, a pensar e a criar; descobrem o que querem e como querem fazer; elaboram e exprimem as suas fragilidades e traumas; e começam a ler a realidade social, a interpretá-la e a agir sobre ela”, diz a investigadora. Pelo contrário, o não brincar ocasiona danos profundos no ser humano: “Gera crianças mais obesas, mais sentadas, com menos competências sociais e relacionais, mais isoladas e individualistas, e que em adultos estabelecem relações mais difíceis.” Promove, igualmente, uma pandemia de crianças cansadas e stressadas que acabam sendo alvo de medicação. “Estes miúdos vão para a sala de aula brincar, extravasar, porque não lhes foi dada outra hipótese. Então, medicamo-los para que sejam mais concentrados. Ora, uma criança que não brinca não aprende a concentrar-se”, reflete.
A neuropediatra, Manuela Santos, ressalva, por sua vez, a diferença entre brincadeira e entretenimento: “Hoje em dia vivemos o drama do tablet. As crianças habituam-se a olhar para um ecrã durante horas. É como ir ao ginásio e só mexer uma perna.” Do ponto de vista do desenvolvimento, esse tipo de interação com o mundo ‘enche’ a criança de respostas automáticas, inibindo-lhe a criatividade e abrindo caminho para uma maior incidência de problemas mentais no futuro. Carlos Neto aponta também a fraca capacidade empreendedora e a escassa autoestima de quem em pequeno não exercitou o brincar. E alerta: “A energia das crianças é natural e deve ser tolerada pelos adultos. O ser humano não nasceu para estar quieto. Estamos a criar monstros.


70
É a percentagem de crianças portuguesas que passam menos tempo ao ar livre do que os 60 minutos que 
o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos recomenda para os reclusos.

10,8
É a percentagem de tempo médio que as crianças de creches e jardins de infância passam no exterior durante os quatro meses do inverno.

2
É o número de saídas ao exterior dos bebés com menos de um ano nas creches, durante os quatro meses do inverno.

32,5
É o número de horas semanais de aulas previsto na Matriz Curricular do 1º ciclo para os alunos do 3º e 4º ano, incluindo as atividades de enriquecimento curricular.

8
É o número de horas de brincadeira por semana que as crianças de todo o mundo perderam nos últimos 20 anos.

Fontes: 
Estudo SKIP — “Os Valores Das Crianças”, 2016; “Interação Criança-Espaço Exterior Em Jardim De Infância”, de Aida Figueiredo, 2015; Matriz Curricular Do 1º Ciclo, Direção-Geral Da Educação, 2016

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

COMO GOSTARIA QUE UM SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO DA MADEIRA FOSSE FERNÃO CAPELO GAIVOTA


"(...) O processo criativo é, já em em si, um acto de cultura”, disse Jorge Carvalho. O secretário recordou depois João Capelo Gaivota e o desejo de voar diferente e desafiou os alunos para que possam também pensar diferente. "Aquilo que nos identifica, enquanto espaço cultural, é o que nos diferencia dos restantes. Se não tivermos aspectos diferenciados, acabamos por ser todos iguais”, acrescentou Jorge Carvalho." - DN-Madeira.







Fernão Capelo Gaivota é um romance de Richard Bach, publicado em 1970. É uma história sobre liberdade, aprendizagem e o amor. 






Reflicto naquela declaração e questiono-me: Voar diferente? Pensar diferente? Diferenciar-se dos restantes? Educação como espaço cultural? Mas como, se o Sistema Educativo se caracteriza por um fatinho pronto-a-vestir, de tamanho único e padrão igual, do Caniçal à Ponta do Pargo, do Funchal a S. Vicente? Indo mais longe, do Minho ao Corvo? Quando a lei estipula, a portaria indica todos os passos a seguir, a circular acrescenta e precisa, o ofício chama à atenção, a Escola é controlada e espartilhada em papelada burocraticamente condicionante do acto educativo, o telefonema esclarece a dúvida, o currículo é vertical, o programa transversal, rotineiro e para ser cumprido, os novos paradigmas pedagógicos uma miragem, o professor condicionado pela reunião do conselho pedagógico, de departamento e de grupo, tudo registado em acta e relatórios padronizados e circunstanciados, a aula é magistral e o livro de ponto sagrado, quando questionar coloca um sério problema, pode até pode ser considerado no espaço da indisciplina, quando o aluno é mais receptor que emissor e participante, quando na idade das perguntas se exigem as respostas precisas do manual, quando o teste é mais importante que o SABER, quando não há dinheiro para a visita de estudo e o conhecimento confina-se às quatro paredes de uma sala, quando a "cultura" específica domina a léguas da cultura geral, esta sim, portadora de futuro, enfim, enfim, enfim... como voar diferente? Gostaria que me explicassem de forma séria, honesta e profunda, como cumprir a metáfora de Fernão Capelo Gaivota, quando os dogmas da educação a tudo se sobrepõem?
  
NOTA

"O livro é uma alegoria sobre a importância de se buscar propósitos mais nobres para a vida. À primeira vista, é a história de uma gaivota um tanto incomum, diferente das outras da sua espécie, que não se preocupa apenas em conseguir comida. Fernão Gaivota está preocupado com a beleza de seu próprio voo, em aperfeiçoar sua técnica e executar o mais belo dos vôos.
Ele é tomado pela paixão pelos vôos de todos os tipos, e sua alma decola como as suas experiências, emocionantes triunfos de ousadia e feitos aéreos que prefere desenvolver suas técnicas de voo ao invés de comportar-se como qualquer outra gaivota do bando.
Fernão Capelo Gaivota é um livro que fala sobre a sociedade humana e nossos dogmas, conceitos, restrições, e o mais importante, a busca pela perfeição". 
https://livrospralerereler.blogspot.pt/2009/12/fernao-capelo-gaivota-richard-bach.html

terça-feira, 22 de novembro de 2016

EDUCAÇÃO 2021: PARA UMA HISTÓRIA DO FUTURO






Por
António Nóvoa 
 





“O tempo, como o mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo, onde o passado se termina e o futuro começa” (Padre António Vieira, História do Futuro, 1718)

Pensar o futuro é um exercício arriscado e, muitas vezes, fútil. Mas, apesar dos avisos, não resistimos à tentação de imaginar o que nos irá acontecer, procurando, assim, agarrar um destino que tantas vezes nos escapa. Como escreve Pierre Furter – a quem este ensaio é dedicado. Precisamos de vistas largas, de um pensamento que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito. À maneira de Reinhart Koselleck (1990), interessa-me compreender de que modo o passado está inscrito na nossa experiência actual e de que modo o futuro se insinua já na história presente. – o horizonte não existe para nos trazer de volta à origem, mas para nos permitir medir toda a distância que temos a percorrer. O homo viator constrói uma casa apenas para o tempo necessário, pois é caminhando que ele se encontra e descobre o sentido da sua acção (Furter, 1966, p. 26). O texto está organizado numa lógica passado-futuro. Assinalo, simbolicamente, três datas que definem momentos de transição: 1870, 1920 e 1970. Procurarei contextualizar historicamente cada um destes momentos e explicar de que modo as questões que eles suscitam abrem, hoje, para evoluções contraditórias dos sistemas educativos. Na última parte, um tempo futuro, buscarei uma síntese destas evoluções, definindo as minhas próprias opções quanto ao cenário mais desejável para a EDUCAÇÃO 2021. 
O Padre António Vieira viveu grande parte da sua vida no Brasil, onde faleceu em 1697. A primeira edição da História do Futuro foi publicada em 1718. Pierre Furter foi o Professor que me iniciou nos debates sobre a utopia. Pensador notável, escreveu páginas de uma actualidade impressionante, designadamente durante a estadia no Brasil. O seu trabalho L’Amérique utopique, sobre a contribuição do pensamento utópico para o desenvolvimento da formação dos latino-americanos, mantém, ainda hoje, toda a sua frescura intelectual. 

PRIMEIRO TEMPO HISTÓRICO 1870
CONSOLIDAÇÃO E DIFUSÃO DO MODELO ESCOLAR 

Tomemos a data de 1870 como marco simbólico. Neste período, um pouco por todo o lado, assiste-se à consolidação do modelo escolar, isto é, de uma forma de conceber e de organizar a educação que, no essencial, chegou até aos dias de hoje. Não vale a pena explicar um “objecto” que é conhecido de todos. Mas é importante assinalar a sua permanência no tempo e o modo como resistiu às mudanças que tiveram lugar no decurso do século XX. David Tyack inventou uma expressão bem esclarecedora: The one best system. O modelo escolar impôs-se como “o único melhor sistema”, isto é, como a única forma concebível e imaginável de assegurar a educação das crianças. No final do século XIX, este modelo generaliza-se ao conjunto da infância, através da escola obrigatória, que se constitui como uma instituição central na afirmação dos Estados-nação. A difusão mundial deste modelo e, num certo sentido, a sua universalização confirmam a centralidade que ele adquire nas sociedades contemporâneas. A acção realizada por estadistas e educadores, médicos e professores, arquitectos e pedagogos, entre tantos outros, contribui para formatar um modelo que deve assegurar a consolidação da identidade nacional e a preparação para a nova sociedade industrial em espaços que preservem a saúde das crianças e lhes permitam progredir de forma sistemática nas aprendizagens escolares. A aquisição pelos professores de um estatuto profissional é um elemento central deste processo. Eles serão formados em escolas normais, designação que revela bem a lógica de homogeneização que prevalece na edificação dos grandes sistemas públicos de ensino. A expansão da “escola de massa”. É esta a única tradução possível do conceito, mais rico, de “mass schooling”. é um dos grandes acontecimentos que vai transformar as sociedades ao longo do século XX. Ao ganhar a luta secular contra o trabalho das crianças e dos jovens, a escola define novas formas de organização da vida familiar e social. É impossível pensar o século XX sem pensar a escola do século XX. 

Do passado ao futuro 

O sistema de ensino, público e homogéneo, está hoje a ser posto em causa por correntes e tendências que o consideram obsoleto e incapaz de se renovar. As críticas têm as mais diversas origens e alimentam-se de um sentimento de “crise”. É possível identificar, pelo menos, três cenários de evolução dos sistemas de ensino que, apesar de distintos, são portadores de visões semelhantes da educação. Não são hipóteses futuristas, na medida em que estão, já hoje, bem presentes na nossa realidade quotidiana. O primeiro cenário aponta para o regresso a formas de educação familiar. A partir de argumentos que vão desde a responsabilidade educativa primordial dos pais até à necessidade de preservar os valores de uma determinada comunidade local constroem-se propostas que põem em causa a dimensão pública da educação. A ideia de que cada família ou comunidade deve ter a sua própria escola, reservada aos seus e protegida dos outros, situa-se nos antípodas do projecto de uma escola pública que assegura a presença de todos e a construção de uma identidade partilhada. Uma das formas mais evidentes deste cenário é a expansão do ensino doméstico, em casa, que se vem desenvolvendo através de redes familiares, culturais e religiosas, com recurso às novas tecnologias. O segundo cenário baseia-se também na definição da educação como “bem privado”, mas insiste sobretudo nas vantagens do mercado da educação e na promoção de lógicas de competição entre as escolas. No limite, o Estado deveria abster-se de intervir no mercado dos serviços educacionais, limitando-se apenas: por um lado, a criar e divulgar indicadores de qualidade das escolas, permitindo assim a cada família fazer uma escolha informada da melhor escola para os seus filhos; por outro lado, a financiar supletivamente os mais desfavorecidos, por exemplo através do vale-educação. O terceiro cenário alicerça-se na importância das novas tecnologias. Imaginam-se formas totalmente distintas de ensino, que tornam dispensáveis as escolas tradicionais e que promovem a individualização do ensino. A educação pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer hora, tendo como referência professores reais ou virtuais. Autores diversos assinalam a tecnologia como a chave para a educação do futuro: “As escolas, tal como as conhecemos deixarão de existir. No seu lugar, haverá centros de aprendizagem que funcionarão sete dias por semana, 24 horas por dia. Os estudantes terão acesso aos seus professores, mas à distância. As salas de aula passarão a estar dentro dos seus computadores”. Frases deste tipo ouvem-se todos os dias. É um futuro que os enormes avanços na produção de “ferramentas” interactivas de aprendizagem tornam cada vez mais possível. Estes três cenários são viáveis e há sinais claros da sua emergência nos últimos anos. Eles procuram combater a excessiva intervenção do Estado na educação e ultrapassar os constrangimentos do modelo escolar e de uma organização homogénea dos sistemas de ensino. Pessoalmente, receio que contribuam para acentuar, ainda mais, as desigualdades escolares e sociais, promovendo formas de “tribalização” da escola. Por isso, na última parte do texto, argumentarei em favor de um cenário que valorize a dimensão pública da educação, acolhendo, no entanto, uma diversidade cada vez maior de iniciativas organizacionais, curriculares e pedagógicas, rompendo assim com um sistema excessivamente burocratizado.

SEGUNDO TEMPO HISTÓRICO 1920 
EDUCAÇÃO NOVA E PEDAGOGIA MODERNA 

Em 1920 publica-se o livro-manifesto da Educação Nova, Transformemos a escola, da autoria de Adolphe Ferrière. É um marco simbólico da modernidade escolar e pedagógica. Entre 1870 e 1920 assiste-se a um avanço, sem precedentes, no desenvolvimento de ideias pedagógicas, que mobilizam os mais variados conhecimentos (psicológicos, sociológicos, médicos, filosóficos, etc.) no estudo da criança e na produção de uma “ciência da educação”. É difícil resumir, num parágrafo, as teses da Educação Nova. Mas não andaremos muito longe de uma definição se mencionarmos quatro princípios – educação integral, autonomia dos educandos, métodos activos e diferenciação pedagógica – e se lhes juntarmos a referência de Edouard Claparède à revolução copernicana que coloca a criança no centro, procurando assegurar uma educação à sua medida. A pedagogia moderna elabora e difunde socialmente modos de conceber a educação que se tornarão dominantes na sociedade do século XX. Todos, dentro e fora das escolas, somos herdeiros destas “teorias modernas da educação que vêm do centro da Europa e que consistem numa salgalhada surpreendente de coisas sensatas e de disparates, as quais contribuíram para revolucionar de alto a baixo o sistema de ensino sob a bandeira do progresso da educação” (Arendt, 1972, p. 229). O comentário de Hanna Arendt é, talvez, demasiado severo, mas nem por isso deixa de retratar bem a amálgama que dá pelo nome de Educação Nova. O conceito de educação integral é aquele que melhor simboliza este movimento e as suas desmesuradas ambições. A escola deveria encarregar-se da formação da criança em todas as dimensões da sua vida. A escola assumiu este programa impossível e acreditou que o podia cumprir. Ao longo do século XX, foi alargando as suas missões, ficando de tal maneira atravancada que perdeu a noção das prioridades. A realidade das últimas décadas não tem cessado de confirmar os perigos de uma “escola transbordante”. É certo que houve ganhos importantes, sobretudo no plano social, com a escola a compensar ausências da sociedade e das famílias, contribuindo para uma melhor integração das crianças e dos jovens. Mas quando tudo é essencial, torna-se impossível concretizar uma acção racional e inteligente. A escola desviou-se muitas vezes das tarefas do ensino e da aprendizagem para se dedicar às missões sociais. 

Do passado ao futuro 

A crítica principal que hoje se dirige à escola diz respeito à sua incapacidade para promover as aprendizagens, respondendo assim aos desafios da sociedade do conhecimento. Há quem vá ainda mais longe e defina a seguinte prioridade para a escola actual: “Fazer com que todos os alunos tenham verdadeiramente sucesso”. A frase consta das conclusões do debate sobre o futuro da escola, que teve lugar em França em 2003-2004. Em rigor, o que se nos coloca é um problema de sentido. Para que serve a escola nas sociedades contemporâneas? As respostas do passado já não nos servem e temos dificuldade em encontrar respostas novas. Vale a pena recordar o trabalho realizado pela OCDE sobre a escola de amanhã, no qual são apresentados seis cenários possíveis, agrupados em quatro tendências.

Statu quo 
1. Manutenção de sistemas de ensino burocráticos 
Reescolarização 
2. A escola no centro da colectividade 
3. A escola como organização centrada na aprendizagem 
Desescolarização 
4. Expansão do modelo de mercado 
5. Redes de aprendentes e sociedade em rede 
Crise 
6. Êxodo dos professores e desintegração do sistema 

Neste momento, interessa-me analisar os dois cenários que são portadores de uma lógica de reescolarização. O primeiro destes cenários – A escola no centro da colectividade – prolonga as tendências de transbordamento da escola que assinalámos anteriormente. A escola orientar-se-ia primordialmente para missões sociais, de apoio às crianças e às suas famílias, sobretudo no caso dos meios menos favorecidos. Sem negligenciar a transmissão do saber, a escola ocupar-se-ia de um conjunto de outras competências sociais e culturais, constituindo um lugar de referência para as comunidades locais. Inserindo-se numa tradição longa de ligação escola-sociedade, este cenário concede à escola um relevante papel assistencial e de compensação face à incapacidade das famílias para assegurarem as condições necessárias ao desenvolvimento das crianças. O segundo cenário – A escola como organização centrada na aprendizagem – chama a atenção para a importância do saber e da aprendizagem nas sociedades do século XXI. Trata-se de recusar a ideia de que a escola pode tudo, identificando os aspectos centrais, específicos e prioritários do trabalho escolar. O debate não é novo. Há mais de vinte anos, Daniel Hameline referia-se à necessidade de regressar, com inteligência, “ao que constitui a especificidade da escola no meio das instâncias múltiplas através das quais uma sociedade educa os seus membros” (1984/1985, p. 80). Em muitos países verifica-se um dualismo cada vez mais acentuado: as elites investem numa educação (privada) que tem como elemento estruturante a aprendizagem, enquanto as crianças dos meios mais pobres são encaminhadas para escolas (públicas) cada vez mais vocacionadas para dimensões sociais e assistenciais. É uma tendência indesejável para o futuro. Por isso, na última parte do texto, argumentarei em favor de uma escola centrada na aprendizagem, procurando assim inverter as tendências de transbordamento da escola. Mas sei que a defesa deste cenário só faz sentido se houver, simultaneamente, um reforço do espaço público da educação, tese que avançarei no ponto seguinte. 

TERCEIRO TEMPO HISTÓRICO 

1970 – DESESCOLARIZAÇÃO DA SOCIEDADE 1870 – 1920 – 1970: cem anos depois, o modelo escolar é seriamente posto em causa por uma série de movimentos e correntes que pugnam pela “desescolarização da sociedade”. Logo em 1966, Pierre Furter dedica um capítulo do seu livro Educação e Vida a esta problemática, concluindo com a seguinte definição: “Em resumo, constatamos que a Educação Permanente não pode ser reduzida nem a uma educação «extra-escolar», nem «complementar», nem «prolongada», nem «fundamental», nem tão pouco «de adultos», porque todas estas interpretações só vêem uma parte do problema. A Educação Permanente não é algo que se acrescenta a um sistema dado. Não é um novo sector, um novo campo. É uma nova pespectiva, que leva os educadores a redefinir toda e qualquer educação” (1966, p. 136). . A educação permanente é um dos conceitos-chave deste pensamento radical, que se elabora ao longo dos anos sessenta. Pierre Furter antecipa os escritos de Ivan Illich e de uma geração que vai produzir uma crítica forte à instituição escolar. O famoso relatório da UNESCO coordenado por Edgar Faure, Apprendre à être, publicado em 1972, continua esta reflexão procurando abrir a educação a todos os tempos e a todas as dimensões da vida. Há duas utopias que atravessam o pensamento deste autores: por um lado, a possibilidade de uma “educação desescolarizada”, isto é, de uma educação liberta das estruturas institucionais e baseada em redes informais de aprendizagem ou “teias de oportunidades”; por outro lado, a defesa de uma educação que não se limite, primordialmente, aos aspectos da formação profissional e que abranja as questões da sociedade, da cultura e do “aprender a ser”. Cedo se percebeu quão ilusórias eram estas utopias. Os discursos e as práticas da Educação Permanente, ao longo das décadas de setenta e oitenta, evoluíram, justamente, no sentido contrário. Em vez da desescolarização, assistiu-se ao triunfo de uma “sociedade pedagógica”, de uma sociedade que generalizou uma relação pedagógica com as crianças, os jovens e os adultos. Em vez de uma educação aberta sobre as dimensões da vida, assistiu-se à redefinição da Educação Permanente como “Educação e formação ao longo da vida”, conceito marcado pelo princípio da empregabilidade. 

Do passado ao futuro 

E agora? Podemos imaginar três cenários que, num certo sentido, se inserem na procura de alternativas para o modelo escolar e para a forma como ele se desenvolveu desde finais do século XIX. O primeiro cenário baseia-se na substituição das estruturas escolares pela valorização educativa de um conjunto de espaços e de instituições sociais. A ideia das redes de aprendizagem surge com naturalidade, reelaborada a partir de fugas para trás e para a frente. A “fuga para trás” revela-se no mito de um passado em que não havia escolas, no qual as pessoas se educavam ao ritmo da vida das sociedades, aprendendo de modo informal e convivial. A “fuga para a frente” alimenta-se sempre de uma utopia tecnológica, de um dispositivo que permita, enfim, colocar a aprendizagem e o saber ao alcance de todos. O cenário das redes tem vindo a tornar-se, de dia para dia, mais plausível. Do ponto de vista social, as sucessivas baixas de natalidade a par da melhoria dos níveis educativos da população adulta e do aumento significativo da esperança de vida libertam um conjunto importante de energias pessoais para missões de educação e de cultura. Do ponto de vista tecnológico, os espantosos desenvolvimentos da internet (inter-rede) convidam-nos a não excluir, à partida, quaisquer desenvolvimentos futuros. O segundo cenário está bem presente, hoje, nas políticas educativas em todo o mundo, com particular relevo para a União Europeia. Não é uma possibilidade, é sim uma realidade concreta. O conceito de lifelong learning (aprendizagem ao longo da vida) é considerado central para a definição das estratégias educativas. Contrariamente às intenções dos autores da Educação Permanente, a sua operacionalização tem-se feito, fundamentalmente, no quadro das políticas do emprego e da requalificação profissional. O termo empregabilidade, que ocupa um lugar central na famosa Estratégia de Lisboa, adoptada pela União Europeia em 2000, define os esforços educativos ao longo da vida essencialmente como uma obrigação de cada trabalhador para que se mantenha apto a desempenhar novas tarefas profissionais. A Educação Permanente começou por ser um direito pelo qual se bateram sucessivas gerações de trabalhadores; depois transformou-se numa necessidade ditada pelas mudanças no mundo do trabalho; e agora impõe-se como uma obrigação para conseguir um emprego digno. O conjunto dos sistemas escolares, desde a escola obrigatória até à universidade (veja-se o Processo de Bolonha), está a ser redefinido à luz destas perspectivas. O terceiro cenário aponta para a necessidade de redefinir a missão da escola, de maneira mais modesta, mas mais orientada do ponto de vista das aprendizagens. A escola deve libertar-se de uma visão regeneradora ou reparadora da sociedade, assumindo que é apenas uma entre as muitas instituições da sociedade que promovem a educação. Nesse sentido, pensar de outro modo o espaço público da educação, através de um aproveitamento das potencialidades culturais e educativas que existem na sociedade e de uma responsabilização do conjunto das entidades públicas e privadas. Por isso, a ideia de um novo contrato educativo, celebrado com toda a sociedade, e não apenas com a escola, que tenha como base o reforço do espaço público da educação, está no centro do cenário que defenderei na última parte do texto. 

UM TEMPO FUTURO 
2021 – AINDA SEM NOME 

Nesta última parte, seguirei os conselhos de Pierre Furter (1966), procurando introduzir, no presente, um futuro esboçado de maneira a dar a este presente uma forma que permita a eclosão do futuro. Mais do que uma antecipação, tentarei projectar cenários de futuro, aqueles em que me revejo de entre os muitos possíveis. Ao fazê-lo, estou a traçar caminhos e a definir orientações para a acção presente. 2021 é um tempo futuro, ainda sem nome, mas suficientemente perto para que nele possamos inscrever, desde já, as nossas preocupações. Nas páginas anteriores, avancei uma série de cenários, uns mais prováveis do que outros. No final de cada uma das três partes, em itálico, assinalei as evoluções desejáveis. Vou agora retomá-las e defendê-las, em conjunto, como programas para pensar e agir na campo educativo: 

1.ª Educação Pública, Escolas Diferentes 
2.ª Escola centrada na aprendizagem 
3.ª Espaço Público de Educação: Um novo contrato educativo 

1.ª Proposta Educação Pública, Escolas Diferentes 

Nos tempos actuais, talvez mais ainda do que em tempos passados, a educação deve definir-se como um “bem público”. As sociedades contemporâneas, fortemente globalizadas, vivem com enormes afastamentos e divisões no plano social, cultural e religioso. Como se a facilidade de comunicação planetária tivesse conduzido, paradoxalmente, a fechamentos nas formas de convivialidade. As ideologias da educação como “bem privado”, algumas particularmente sedutoras, contribuem inevitavelmente para a tribalização da sociedade. Claro que, no dia em que cada grupo social ou religioso tiver a sua própria escola, fundada em crenças e valores próprios, a acção pedagógica tornar-se-á mais coerente e harmoniosa. Mas, pelo caminho, perder-se-á uma das principais qualidades da escola pública, a possibilidade de instaurar narrativas partilhadas e culturas de diálogo. Numa reflexão notável, Arwin Appadurai alerta para os riscos do diálogo, mas explica que não temos alternativa, sugerindo uma estratégia de selectividade, de modo a que não nos sintamos obrigados “a partilhar toda a nossa humanidade em todas as ocasiões” (2006, p. 37). A escola é, justamente, uma das instituições onde esta partilha pode ter lugar, de forma prudente e selectiva, construindo assim uma base sólida e evolutiva para a construção de práticas de vida em comum. Mas a defesa de uma educação pública depende, hoje, de uma mudança dos sistemas de ensino de modo a possibilitar o desenvolvimento de escolas diferentes. Em vez da homogeneização que caracterizou a história do século XX, impõe-se agora uma abertura à diferença, sob todos os pontos de vista: 
a) liberdade de organização de escolas diferentes, por exemplo com base em contratos com entidades ou associações locais; 
b) liberdade na construção de diferentes projectos educativos, por exemplo com base em iniciativas de grupos de professores ou de associações pedagógicas; 
c) liberdade na definição de percursos escolares e de currículos diferenciados, por exemplo com base em acordos com sociedades científicas ou universidades. 
As entidades públicas devem manter, evidentemente, uma capacidade de contratualização e de regulação do sistema público de ensino. A abertura à diferença permitirá, também, modelos diversos de direcção e gestão das escolas, bem como uma maior responsabilização e prestação de contas por parte das diversas entidades. A inovação e a experimentação, devidamente avaliadas, deverão instituir-se como processos naturais. A abertura à diferença deve, também, traduzir-se numa maior liberdade de escolha dos estabelecimentos de ensino. As famílias e os alunos devem poder escolher a sua escola e, simultaneamente, participar na definição do seu projecto educativo. Mas sempre no contexto de uma dimensão pública. Quer isto dizer que os alunos podem escolher a sua escola, mas as escolas não podem escolher os seus alunos. Dito de outro modo, as escolas não devem usar esta liberdade para seleccionar socialmente os seus alunos, introduzindo factores de discriminação e de desigualdade no acesso ao serviço público de educação. A proposta que aqui se elabora retoma a aspiração de Claparède, “uma escola à medida de cada aluno”, mas define-a para além dos aspectos meramente pedagógicos (a aplicação de uma pedagogia diferenciada em função das necessidades de cada aluno) e projecta-a no plano da organização de escolas diferentes.

2.ª Proposta Escola centrada na aprendizagem 

A defesa de uma escola centrada na aprendizagem procura inverter a deriva transbordante de uma escola a quem a sociedade vai, progressivamente, atribuindo todas as missões. Não se trata de advogar o regresso a um qualquer passado mítico e, muito menos, de defender programas mínimos, o ensino do “ler, escrever e contar” ou as tendências do “back to basics”. Estes movimentos, que ganharam grande importância face à crise da escola e à incapacidade de resposta perante a massificação do ensino, baseiam-se na defesa do ensino tradicional e têm-se revelado de uma enorme pobreza teórica e prática. Trata-se, bem pelo contrário, de abrir novas perspectivas que coloquem a aprendizagem, em toda a sua riqueza, no centro das nossas preocupações. Há duas questões fundamentais a resolver. Em primeiro lugar, assegurar que todas as crianças adquirem uma base comum de conhecimentos; qualquer política educativa deve assumir este objectivo, não considerando o insucesso e o fracasso como fatalidades impossíveis de combater. Em segundo lugar, promover diferentes vias de escolaridade, percursos adaptados às inclinações e aos projectos de cada um; é preciso que as crianças e os jovens, sobretudo aqueles que vêm de meios desfavorecidos, reencontrem um sentido para a escola, pois só assim conseguiremos que “todos os alunos tenham verdadeiramente sucesso”. Para que a aprendizagem tenha lugar a escola terá de cumprir, escusado será dizer, algumas missões sociais e assistenciais. Os dramas da miséria, da fome, dos maus tratos, da gravidez precoce ou do consumo de drogas, entre tantos outros, impossibilitam um projecto educativo coerente. Mas assumir estas tarefas, provisoriamente, por imperativo ético, não é a mesma coisa do que defini-las como missões primordiais da escola, e este tem sido o erro maior da escola transbordante. Uma nova perspectiva de aprendizagem deve ser enriquecida com uma série de estudos e contributos que têm a vindo a ser formuladas em diversos campos científicos e culturais, mas que, em grande parte, não chegaram ainda às teorias educativas e, muito menos, às práticas escolares: os trabalhos recentes das neurociências sobre a importância das emoções, dos sentimentos e da consciência na aprendizagem; as pesquisas que têm posto em destaque o papel da memória e da criatividade; os desenvolvimentos da psicologia cognitiva, designadamente sobre as diferentes formas de inteligência; as teorias da imprevisibilidade sobre o carácter inesperado e até “desorganizado” de muitas aprendizagens e a importância de lhes atribuir sentido e significado; as consequências para a aprendizagem das novas tecnologias, das distintas formas de navegação e de processamento da informação; etc. A reflexão anterior levar-me-ia muito longe e obrigar-me-ia a iniciar um novo texto. Subjacente a muitas destas teorias está um princípio de complexidade, que rompe com grande parte das convicções do ensino tradicional; por exemplo, o princípio de que se aprende do mais simples para o mais complexo ou do mais concreto para o mais abstracto. A aprendizagem não é um processo linear e deve ser equacionada numa perspectiva multifacetada, bem distante dos simplismos que caracterizam tanto a escola tradicional como a pedagogia moderna. Promover a aprendizagem é compreender a importância da relação ao saber, é instaurar formas novas de pensar e de trabalhar na escola, é construir um conhecimento que se inscreve numa trajectória pessoal. Falar de um olhar complexo e transdisciplinar não é recusar o papel das disciplinas tradicionais, mas é dizer que o conhecimento escolar tem de estar mais próximo do conhecimento científico e da complexidade que ele tem vindo a adquirir nas últimas décadas. Simultaneamente – e este não é um aspecto menor – é necessário que as escolas se libertem das estruturas físicas em que têm vivido desde o final do século XIX. Nessa época, há quase 150 anos, os edifícios escolares foram pensados com grande ousadia e criatividade, mobilizando projectos e saberes de professores, arquitectos, higienistas, médicos, pedagogos e tantos outros especialistas. Hoje, é necessário mobilizar, com o mesmo vigor, novas energias na criação de ambientes educativos inovadores, de espaços de aprendizagem que estejam à altura dos desafios da contemporaneidade. 

3.ª Proposta Espaço Público de Educação: 
Um novo contrato educativo 

A frase À escola o que é da escola, À sociedade o que é da sociedade sintetiza bem as ideias que temos vindo a apresentar. A proposta anterior – Escola centrada na aprendizagem – só tem sentido se a sociedade se responsabilizar, progressivamente, por um conjunto de missões que, até agora, têm sido assumidas pela escola. É fácil enunciar, propositadamente sem qualquer ordem, algumas destas missões: a protecção do ambiente, a preservação do património cultural, o combate à droga e à toxicodependência, a educação para a saúde e a educação sexual, a preparação para lidar com situações de emergência, a promoção de comportamentos saudáveis, a educação alimentar, a educação para o consumo, o combate aos maus tratos e à violência doméstica, a educação para a cidadania, a prevenção da delinquência juvenil, etc. Sem ignorar o papel da escola em muitas destas missões, será que elas não devem ser assumidas primordialmente por outras instâncias sociais? Será que não devemos responsabilizar as famílias, mas também as comunidades locais, as associações culturais, as entidades laborais, as igrejas, os museus, as organizações científicas, os centros de saúde e os espaços artísticos e desportivos pelo cumprimento de boa parte destas missões? Não se trata de regressar ao debate sobre a relação escola-sociedade, mas antes de promover a construção de um espaço público de educação, no qual a escola tem o seu lugar, mas que não é um lugar hegemónico, único, na educação das crianças e dos jovens. A proposta que vos faço rompe com a tradição de ir atribuindo à escola todas as missões e inspira-se nas formas de convivialidade sugeridas por Ivan Illich. A defesa de um espaço público da educação só faz sentido se ele for “deliberativo”, na acepção que Jürgen Habermas (1989) deu a deste conceito. Não basta atribuir responsabilidades às diversas entidades, é necessário que elas tenham uma palavra a dizer, que elas tenham capacidade de decisão sobre os assuntos educativos. A operacionalização desta ideia obrigará a equacionar formas de organização dos cidadãos, para o exercício destas missões, designadamente através dos órgãos locais de governo. É nesta perspectiva que a proposta adquire todo seu sentido, abrindo para a possibilidade de um novo contrato educativo, cuja responsabilidade é partilhada por um conjunto de actores e de instâncias sociais, não ficando apenas nas mãos dos educadores profissionais. Se é verdade que a escola cumpriu, ao longo do século XX, um importantísimo trabalho social, não é menos verdade que hoje se torna essencial evoluir no sentido de uma maior responsabilidade da sociedade. Muitas zonas do mundo, e dos nossos próprios países, vivem ainda em situações de miséria e de pobreza, económica e cultural. Mas, de um modo geral, verificou-se uma enorme evolução nas qualificações escolares dos adultos. Durante muitas décadas houve um fosso geracional: os mais novos tinham habilitações académicas muito superiores aos mais velhos. Agora, pela primeira vez, há gerações adultas que têm habilitações académicas idênticas às das gerações mais novas, possibilitando-lhes assim uma intervenção educativa mais consistente. Paralelamente, tem aumentado a esperança e a qualidade de vida das pessoas idosas, bem como a sua disponibilidade para tarefas sociais e culturais. E as sociedades têm-se dotado de instituições de cultura, de ciência, de desporto ou de arte como nunca existiram no passado. Todas estas evoluções tornam viável um cenário que, ainda há pouco tempo, seria ilusório. Em sentido contrário, poder-se-á argumentar que, apesar destas evoluções, a “sociedade civil” revela sinais de uma grande fragilidade, designadamente pela corrosão de alguns laços e estruturas tradicionais. Mas este argumento apenas reforça a necessidade de reconstruir solidariedades, espaços de convivialidade, de vida social e cultural, que tenham como um dos pontos centrais a educação das crianças e dos jovens. 
*
São muitos os futuros possíveis. Mas só um terá lugar. E isso depende da nossa capacidade de pensar e de agir. Deixo-vos alguns contributos modestos, em torno de três propostas que poderão orientar programas de trabalho e políticas educativas. É preciso abrir os sistemas de ensino a novas ideias. Em vez da homogeneidade e da rigidez, a diferença e a mudança. Em vez do transbordamento, uma nova concepção da 16 aprendizagem. Em vez do alheamento da sociedade, o reforço do espaço público da educação. Estas propostas genéricas não se baseiam em situações concretas, nem em casos específicos. Procuram, sim, provocar um debate, que vai para além das fronteiras nacionais, abrindo novos horizontes para a educação. São ideias que só poderão ser úteis se forem devidamente contextualizadas e adaptadas à realidade de cada região e de cada país. Hannah Arendt escreveu que uma crise apenas se torna catastrófica se lhe respondermos com ideias feitas, isto é, com preconceitos (1972, p. 225). Tinha razão. O pensamento contemporâneo sobre educação tem de ir além do já conhecido e alimentar-se de um pensamento utópico, que se exprime “pela capacidade não só de pensar o futuro no presente, mas também de organizar o presente de maneira que permita actuar sobre esse futuro” (Furter, 1970, p. 7). 
Ilustração: Google Imagens.