domingo, 31 de maio de 2020

Os professores, os seus alunos e o efeito Pigmaleão


Por
Raquel Raimundo
Público - 29.05.2020


Muito se tem falado nas desigualdades de acesso à educação por parte das famílias, que num registo de ensino à distância, ainda se tornam mais evidentes.

Foto - Paulo Pimenta
Era ainda uma adolescente quando um dia chamei a atenção de um adulto desconhecido, que “acidentalmente” deixou cair um papel no chão da rua, dizendo: “Olhe desculpe... deixou cair este papel.” Ele voltou-se e olhou para mim, ao que acrescentei: “Não sei se é importante…” Visivelmente surpreendido com a minha interpelação apanhou o papel e agradeceu. Repeti este procedimento algumas vezes ao longo da vida e creio que chegará o dia em que confrontarei alguém que, porventura, terá uma reacção menos simpática comigo. Contudo, até hoje, tal não aconteceu.

Alguns anos mais tarde haveria de aprender em Psicologia que ter expectativas positivas sobre os outros conduz a um desempenho melhorado ou comportamento mais adaptativo. É o chamado efeito Pigmaleão, assim designado após um estudo que evidenciou que os professores que têm uma visão positiva dos seus alunos, tendem a estimular o lado bom desses alunos e estes alcançam melhores resultados. Inversamente, os professores que não demonstram apreço pelos seus alunos tendem a estimular, nos mesmos, posturas que comprometem negativamente o seu desempenho e/ou comportamento.

Escrevo sobre isto numa altura em que são conhecidos os resultados do mais recente estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), feito em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e que conta com a participação de 45 países, nos quais se inclui Portugal (Matos & Equipa Aventura Social, 2020). Entre muitos dados interessantes de análise destaco, em particular, cinco resultados.

As boas notícias são que os adolescentes portugueses reportam um apoio social da família e dos amigos, superior à média europeia. Os rapazes percepcionam também um apoio social por parte dos colegas, superior aos restantes países. Por outro lado, é fraco o gosto dos adolescentes pela escola. Não só fraco em si mesmo, como também por comparação com os restantes países europeus. É elevada a pressão com os trabalhos escolares, sobretudo nos adolescentes mais velhos e nas raparigas. E estas, comparativamente com outros países, percepcionam um apoio social menor por parte dos professores.

Muito se tem falado nas desigualdades de acesso à educação por parte das famílias, que num registo de ensino à distância, ainda se tornam mais evidentes. Mas, não falar nas assimetrias patentes naquilo que está a ser proporcionado por diferentes contextos escolares, particularmente em tempos de pandemia, e/ou por agentes educativos distintos dentro de uma mesma instituição escolar, é ignorar o “elefante no meio da sala”.

O país tem conhecido muitos exemplos extraordinários de inovação pedagógica por parte dos professores e órgãos de gestão nos últimos tempos. Eu própria tenho testemunhado, de perto, essa dedicação e capacidade de se reinventarem em tempos de mudança. Contudo, os dados do nosso país (neste âmbito e em média), não são historicamente animadores e são cronicamente assim desde 1998.

Estes são resultados anteriores à fase pandémica em que vivemos. Como serão os que forem recolhidos daqui por dois anos? Confesso-me expectante e esperançosa de que se possa aproveitar o desafio desta pandemia para produzir mudanças nesta fatia do mundo que é o nosso país.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

O ensino online é uma forma de destruir a educação


Por
Raquel Varela
VozProf
24 de Maio, 2020

Podemos andar de comboio apinhado, de avião cheio, os alunos têm pais que andam de comboio cheio, e entram nas empresas e fábricas apinhadas de gente, mas dar aulas presenciais não podemos – é um risco. No fim das aulas on-line os alunos, 3 horas e meia fechados sem respirar, podem ir todos para a praia, de comboio. Podem ir ao jardim conversar juntos – o que aliás segundo vários relatos têm feito. Saem das aulas, tiram a máscara e vão – como prisioneiros libertos – conversar juntos para o jardim e a praia. 

O ensino on-line é uma forma de destruir a educação, o lobby é a poderosa economia de venda informática e a automação das empresas. Transforma-se o professor em robot e os alunos em sujeitos passivos viciados em ecrãs. A pandemia é a desculpa. A próxima pandemia será a da ignorância sistémica. E dos problemas neurológicos e de sociabilidade destes jovens e crianças. Psiquiatras e pediatras não descartam uma pandemia de doenças degenerativas daqui a 30 anos nesta geração da hiper estimulação dos ecrãs. Já está porém garantido hiper actividade, depressão, doenças oculares, obesidade. Sobre estas e os ecrãs já não há dúvidas. É preciso não saber nada de psicologia, neurologia, pedagogia, para ver qualquer vantagem em manter ensino on-line, mesmo que parcial. Isto quando fora da escola o desconfinamento de filhos e pais os coloca todos em presença de todos. 

Em França já há pais e sindicatos a mobilizar-se para levar um Estado que coloca os nossos filhos 5 horas por dia num ecrã a tribunal e mobilizar todos os neurologistas e investigadores sobre os efeitos gravíssimos para a saúde física e mental que tal proposta faz aos jovens e crianças. 

Há anos que estudamos educação e trabalho numa equipa multidisciplinar que coordenei – isto não é uma nota com a minha opinião pessoal, mas a nossa certeza científica. As doenças neurológicas, metabólicas e os problemas sociais são a ponta do icebergue da ideia mais triste e nefasta que alguns vez foi proposta no campo da educação. Não há “ensino on-line”, há venda de computadores, software e poupança a pagar professores – as cobaias do negócio são os jovens e crianças. Há alguns – poucos – professores que até gostam. São os que já não gostavam de dar aulas e que agora não precisam de mandar calar alunos, lutar por eles, disputar a sua atenção, pensar estratégias para os ganhar. Há poucos alunos que gostam – são os que já passavam grande parte do tempo ao telemóvel (até nos intervalos ). Para o país é mais um passo em frente rumo ao declínio da nação.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

A vida em estado de sítio


Por 
Eduardo Sá

Um dia, vamos ter de falar melhor acerca disso a que temos chamado teletrabalho. E que, dadas as circunstâncias, nos fez fechar em casa, com o computador à nossa frente e um telefone sempre com o dedo no “gatilho”. E que, desde as reuniões muito cedo, para garantirem que não nos “vingamos” no sono, até aos últimos mails, a chegarem com os telejornais das 8, fazem dos nossos dias um “pequeno inferno”.

Uma pessoa não se levanta às 6; é verdade que não. Não perde uma hora no “pára-arranca” habitual das filas para o emprego; confirma-se, também. E está longe de lhe dar um piripaque, todas as manhãs, como quando o nosso nervoso miudinho chocava com a calma de um dos nossos filhos. Uma pessoa pode, até - muito importante! - trabalhar de pantufas, por exemplo. Mas o teletrabalho não dá atenção nem aos horários nem às folgas. E não cumpre com as regras de segurança no trabalho (tal é o modo “alarme permanente”, em que se vive). É verdade que o “teletrabalho” decorre num “open space”; outrora acolhedor (a nossa querida sala). Que se dá em regime de coworking. E que transforma a nossa mesa de jantar num “centro de negócios”. Mas pela forma como nos obriga a dividir o trabalho com a casa, a escola, as crianças, as refeições, as bulhas e etc. - desde manhã, até que nos deitamos - “consome-nos” os dias, todos os dias. E faz de nós (que, dantes, imaginávamos ter “relações desequilibradas” entre a família e o trabalho), “workaholics dos tempos modernos”. Que suspiram, a todo o momento, pelo hora de voltar ao trabalho! Quem diria?…

Trabalhar a partir de casa pode ser bom; claro. E, vendo bem, trabalha-se (muitas vezes) mais e, até, melhor. Mas assim, sem regras, com crianças agitadas a “ir à escola”, à mistura, não é fácil!! Quem é que, agora, sempre que o telefone toca, quando o atende, não vive num stress que faz mal à saúde, tal é o medo que, do outro lado, lhe perguntem: “estás ao pé do computador”?

Não há condições para trabalharmos (desta maneira!) todas estas horas a partir de casa! A sentirmo-nos obrigados a estar sempre disponíveis. E isto começa a ser tão exaustivo que, num destes dias, ainda entramos mas é numa espécie de burnout em relação à quarentena. E, depois... é “o cabo dos trabalhos”.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

E o próximo ano lectivo?


O presente ano lectivo, bem ou mal, vai terminar com este modelo que não se percebe muito bem ainda qual é, embora se apresente como um “novo paradigma” para a Educação. Confesso que não me apetece revisitar as decisões tomadas, preferindo perceber se algo está a ser preparado para o próximo ano e se, mais do que cenários entusiasmados, algo está a ser aprendido com a presente emergência a caminho de calamidade, numa evolução semântica que me levanta dúvidas.


Por isso, e quanto ao próximo ano, gostaria de deixar aqui algumas ideias que estão muito longe de esgotar o tema e que, como é natural, resultam das maiores preocupações que as últimas semanas me suscitaram.
Em primeiro lugar, é necessário abandonar o discurso do combate às desigualdades e a construção legislativa da igualdade e da “inclusão” para se passar a uma prática que as promova, para além da entrega caridosa de mais este ou aquele equipamento informático. A velha história do peixe, da cana de pesca e da aprendizagem da pesca em si aplica-se aqui como uma luva, porque não foi com Magalhães que se eliminaram as barreiras à aprendizagem no 1.º ciclo e não será apenas com o acesso à banda larga que os problemas sociais e económicos de parte importante dos alunos e suas famílias se resolverão. A desigualdade (resultante de uma disparidade enorme de rendimentos e da desigual posição no mercado de trabalho) só se combate com políticas que se desenvolvam também para lá dos portões das escolas. As medidas de promoção do sucesso escolar e de combate ao abandono são meros paliativos; são analgésicos para combater uma infecção antiga e persistente.
Em seguida, quanto ao modelo de ensino ou ao que alguns chamam um “novo paradigma da Educação”, há que esclarecer se, caso a situação de ensino à distância se mantenha de forma mais alongada ou mesmo intermitente, a rede criada continuará a assentar nos equipamentos privados dos docentes. E não chegam parcerias para aquisições de novos equipamentos com uma percentagem variável de desconto que mantém uma enorme margem de lucro para as empresas que andam, por estes meses, a pressionar imenso para que a opção por um modelo assente em equipamentos informáticos se generalize, independentemente de qualquer pandemia.
Ainda quanto a esse eventual “novo modelo”, é muito importante que o suporte digital tenha alguma coerência a nível nacional, independentemente das autonomias locais, e que sirva para aligeirar a carga de procedimentos burocráticos que se abateu, em nova camada, sobre os docentes desde meados de Março. A multiplicação insana de novos mecanismos de controle do trabalho docente e de representação dos actos pedagógicos ganhou em algumas “unidades orgânicas” um nível inaudito de desvario. Ou as novas tecnologias servem a Educação e os seus agentes ou servem apenas para uma nova forma de servidão laboral, só que com o verniz da modernidade digital. O chavão, velho, da necessidade de renovar mentalidades é outro que se aplica a uma realidade em que velhas formas de pensar dificilmente mudam em novos contextos, mesmo nos que, à partida, deveriam ser favoráveis a uma mudança.
Entroncando com esta questão, mantém-se outra, que vem de há mais de uma década e que passa pela forma como o modelo de gestão escolar se foi cristalizando nos defeitos, sem ganhar quaisquer novas qualidades. Porque o modelo hierárquico de liderança, baseado na nomeação e fidelidade, aliado a esta forma de decidir tudo à distância, também acentuou o que de pior tinha a lógica neo-feudal de governação das escolas e agrupamentos. Também aqui a retórica das boas enunciações acerca do “trabalho colaborativo”, da “partilha dos materiais e métodos de trabalho”, da “cooperação” não tem qualquer correspondência na prática, porque o que tem acontecido é – com naturais, honrosas e admiráveis excepções – que grupos pequenos e cada vez mais estanques têm assumido o domínio total das decisões tomadas, raramente reagindo bem a críticas ou pedidos de “aclaramento” dos procedimentos. A “partilha” é em circuito fechado e a ideia de “colaboração” é no sentido descendente, com as bases a colaborarem de forma cordata na implementação do que foi decidido pelo topo da pirâmide. Sendo que este modelo a nível local replica o modelo nacional, com maior ou menor capacidade de sedução, maior ou menor tentação pela pura e simples imposição.
Um “novo paradigma” não pode ser o mesmo de sempre em termos de procedimentos + computadores + sessões à distância em sincronia. Caso contrário é apenas o velho paradigma com roupagens novas.

Paulo Guinote
Fonte: Público

quinta-feira, 7 de maio de 2020

"O Homem é do tamanho do seu sonho"


Chamem-lhe qualquer outra coisa menos Escola. Simplesmente porque, desde há muito, deixou de corresponder à sua etimologia. A palavra Escola, hoje, é sinónima de trabalho, obrigação, exigência, avaliação, luta individual por uma putativa profissão. Não tem nada a ver com o seu significado primeiro, do latim schola, sobre o grego schole, que traduz, grosso modo, espaço de lazer, recreação, liberdade e valorização do conhecimento. Mesmo que a Escola constitua, no nosso tempo, um direito Constitucional e um dever, ela está pervertida no que concerne à aprendizagem do que pode ser intelectualmente interessante e motivante. Dir-se-á que, no conceito inicial, não existe uma utilidade imediata, mas liberdade de aprender aquilo que é realmente importante.


Em uma série televisiva que acompanhei, registei, à entrada de uma escola, uma frase de Fernando Pessoa: "O Homem é do tamanho do seu sonho". Li, mais tarde, também de Pessoa, que "matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso". Mas aquela frase em uma tabuleta à entrada da escola fez-me pensar na grandeza e visão de alguém, professor ou aluno, que ali a deixou. Porque passado o portão, lá dentro, tudo é diferente. O sonho, desde o primeiro momento, sofre um rude golpe, porque a ninguém é permitido, paulatinamente, ser autor do seu "destino". Há um currículo, "paletes de programas" e um formato organizacional e pedagógico que bloqueiam o respeito pela diversidade dos públicos. 

O sistema educativo é, por isso, extremamente redutor. Mata a curiosidade e a criatividade e, se as golpeia a todo o momento, obviamente, mata o sonho. Não é possível a compaginação de ambas, isto é, encontrar as respostas ao turbilhão de perguntas a todo o momento disparadas por crianças e jovens e, simultaneamente, desejar que se mantenham no rebanho do que é superiormente determinado. A ternurenta e paternalista frase que assume que "as crianças estão no centro das políticas educativas" não passa de uma grosseira mentira. Uma falácia! Para já, se estivessem não seria necessário que os poderes a verbalizassem amiudadas vezes. Não estão. 

Elas são conduzidas segundo o pensamento dominante do adulto, político ou professor, orientadas pela visão estrábica de hierarquias impreparadas e, portanto, grosso modo, acabam sendo vítimas e não culpadas pelas trágicas taxas de insucesso, abandono e qualificação profissional. Porque a tal escola inclusiva, do prazer pelo conhecimento, que implica participação, curiosidade e respeito pelo sonho, salvo raras e honrosas excepções, não existe. A escola que ensina a sonhar não existe. O que é patente, imaginem em formato de desenho animado, é a escola que racha cabeças ao meio e lá para dentro atira livros e mais livros (leia-se conteúdos) sem qualquer interligação, pressupondo que de tal acção possa resultar percentagens ou notas de relevo nos testes de avaliação e, finalmente, uma meritocracia que mereça uns minutos de comunicação social para gáudio das hierarquias. Para que serve, não é pergunta que se coloque à discussão. Ademais, se sempre foi assim, porque raio alguns entendem que isto tem de ser diferente, certamente questionarão.

Ninguém pára para reflectir. Ninguém ouve os professores e estudantes, o pulsar das suas vidas e as suas reais angústias. "Não precisam de pensar porque há quem pense por eles" é a frase que continuam a trazer em memória activa, dos trágicos tempos do "Estado Novo". Dizer a certas pessoas, com responsabilidades várias, que "a criança nasce cientista. É a escola que a silencia" (Regina Steurer), face a alguns, dá-me a sensação de constituir uma enormidade, porque estão animadas do pensamento que a eles compete definir o melhor para a sua formação. Cresceram assim, viveram assim e respondem assim. 

Mais. Porventura, dirão, que é treta o que disse o Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, que as crianças começam a sentir que "têm um adulto dentro de si". Na escola do generalizado tédio - é o que os especialistas transmitem - a existir um "sonho" (perversamente, os adultos designam por projecto educativo), esse, digo eu, é colectivo, nunca em uma base individual. A linha de montagem é sequencial e superiormente determinada, pelo que, é o aluno que se tem de adaptar à escola e não a escola ao aluno! A escola não assume que "o sonho é uma planta que deve ser regada todos os dias para que cresça. Que é desta forma que se cultiva a esperança, o sentido de vida e o que nos faz, realmente, despertar depois de infelizes derrotas e melancolias" - escreveu a aluna Ariana da Silva Araújo.

O problema reside, portanto, na inexistência de uma certa dose de saudável loucura, de utopia, no sentido de uma ambição sustentada, que garanta que tudo, sublinho, tudo, possa ser motivo de aprendizagem, porém respaldado no sonho e no respeito pela diferença. E que tudo, transversalmente, está interligado. O manual, a acção dos professores que debitam e debitam, a memorização de conteúdos e a obsessão pela avaliação, não é, seguramente, o melhor caminho. 
"A escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito", avisou o Professor Joaquim Azevedo, investigador da Universidade Católica.

Perguntar-me-ão, mas afinal como é que se opera a transformação? Respondo de forma simples em quatro pontos que conduzem a inúmeras alíneas: primeiro, com uma verdadeira autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem; segundo, com uma total ruptura do pensamento e da estrutura organizacional dominante, através de um princípio básico do desenvolvimento, o da "transformação graduada" no tempo; terceiro, com as instituições governamentais a assumirem o espaço da regulação de natureza administrativa que, necessariamente, se estende ao campo social, e não de abusiva interferência pedagógica, mesmo que de uma forma indirecta; quarto, chamando para a mesa do debate a instituição universitária, que estuda e é portadora de conhecimento.
O actual quadro tem uma característica absolutamente castradora, pela centralização de tudo quanto à escola diz respeito. Embora digam que não, sublinho! A verdade, porém, é que sentem prazer em ter as rédeas  do controlo na mão, daí o estendal burocrático que, por um lado, lembra quem manda, por outro, dita a orientação que convém à manutenção de um estado de ignorância.
Inspirado, deduzo eu, em Fernando Pessoa (1888/1935), Augusto Cury, Psiquiatra e Escritor brasileiro (1958) escreveu: "Que tamanho tem o universo? O universo tem o tamanho do seu mundo. Que tamanho tem o meu mundo? Tem o tamanho dos seus sonhos".
Finalmente, tão bom seria que tivessem presente "que o discípulo nunca está diante do Mestre, como o barro entre as mãos do escultor ou como um fantoche a quem se puxam os cordelinhos" - Georges Gusdorf.
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 5 de maio de 2020

DESABAFO - "PIEDOSAS INTENÇÕES"


Tantos que eu conheci ao longo da vida, pessoas de coluna inquebrável, estudiosos, curiosos e criativos, de rigor extremo, sem necessidade de se colocarem em bicos de pés para serem notados, de uma extraordinária motivação intrínseca, de uma auto-confiança contagiante, de uma objectividade e transparência que me fizeram respeitar e até seguir, pessoas ousadas pelo conhecimento que transportavam, que tinham foco e determinação, que irradiavam felicidade e esperança, apesar de se saberem em contramão em função dos contextos políticos, económicos, financeiros, culturais e sociais.


Convivi com pessoas com distintas formações académicas, pessoas interessantes e a quem muito devo, pessoas que desejavam que os seus sectores profissionais conseguissem novos enquadramentos, mas de todo impossível. Apenas porque existiam poderosas condicionantes. Não deixaram de ser felizes, não perderam a adrenalina para um corre-corre no sentido da desejada mudança de paradigma, só que os vários poderes castravam a sabedoria que transportavam. Alguns, até, foram subtilmente perseguidos, pela sua frontalidade e conhecimento. Foram atirados para a margem, enquanto o barco seguia guiado pelas estrelas, jamais pelos instrumentos que a ciência disponibilizou. Não perderam a sua paz interior e nunca, mesmo nunca, trocaram a sua liberdade por posições viciadas de coluna vergada, deixando a cabeça entre os joelhos. Na minha profissão docente, por exemplo, vi autênticos gatinhos que se olhando ao espelho, viam um leão projectado na imagem. O que fazer? Deixá-los gozar o momento que é sempre efémero. 
No essencial, eu diria que as pessoas que me marcaram, seguiram o "Cântico Negro" de José Régio, que relembro:

"(...) 
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei para onde vou,
Não sei para onde vou
—Sei que não vou por aí!"

De facto, os seres humanos dispensam "piedosas intenções".
Apenas um desabafo de circunstância.
Ilustração: Google Imagens