quinta-feira, 31 de agosto de 2017

HÁ CRIANÇAS CUJAS MOCHILAS PAGARIAM EXCESSO DE BAGAGEM


Em Outubro passado deixei aqui um texto sobre o peso que as crianças são obrigadas a transportar nas suas mochilas. Parto, hoje,  deste excerto: "Estive à porta de uma escola. Eram 18 horas. Um ou outro saía com a mochila às costas ao encontro dos pais e/ou familiares, enquanto a generalidade usava um "trolley", tantos são os livros, cadernos, lanches, equipamentos de desporto e outros necessários ao "dia de aulas". Trata-se de uma escola que concentra crianças e jovens de várias idades, desde muito cedo até ao final da tarde. Pesei uma dessas "malas de viagem". Onze quilos e meio para uma criança de 5º ano, com cerca de 30 kg de peso corporal. Carrega, uns dias menos do que outros, um terço do seu peso. O peso da "mala da viagem escolar" diária, em uma companhia aérea de baixo custo, pagaria excesso de bagagem. 

A mochila de um dos meus netos! O peso deveria situar-se
entre os 3 e os 4 kg, mas transporta 11,5 kg.

O DN-Madeira de hoje volta ao assunto ("água mole em pedra dura..."), colocando em destaque: "Entre 2003 e 2017, os nossos alunos levaram às costas mais de dez quilos de material escolar, número que aumentou de 4,5 para 16% em 14 anos". Trata-se de um assunto recorrente sobre o qual têm falado e escrito professores, investigadores, médicos, psicólogos, sei lá quantos documentos já li sobre este assunto. Todos os anos o tema regressa e a passividade dos governantes mantém-se. Naquele texto de Outubro passado destaquei, ainda: "O sistema educativo esquece-se que as "(...) dores nas costas são a causa mais frequente das visitas ao médico. As doenças que afectam a coluna representam mais de 50% das causas de incapacidade física e que se estima que 7 em cada 10 portugueses sofrem ou já sofreram de dores nas costas. Independentemente deste factor de relevante importância no plano da saúde, a questão essencial que se coloca é se a formação básica se mede por quilos? Ou será, deixo às vossas considerações, que existem outros formatos de aprendizagem que conduzem ao saber dispensando a necessidade do sacrifício?"
O problema, portanto, não está na escola ter mais cacifos para que as crianças possam aliviar o peso que transportam. Este alerta da DECO, embora bem intencionado, constitui, apenas, um paliativo que não resolve o  problema de fundo. A questão, assuma-se, é de sistema educativo e do que se pretende que seja o ensino básico. Ou desejam, logo à partida, uma aprendizagem enciclopédica, descontextualizada da cadência do tempo de aprendizagem, tornando as crianças "burrinhos de carga", ou pretendem a busca do essencial, o alimento da curiosidade, o alicerce do conhecimento, a utilização da tecnologia, a criatividade, a pergunta em vez da resposta. Os governantes dão a perceber que ainda não entenderam que, através de novos enquadramentos, é possível aprender muito mais, repito, muito mais e de forma consistente, comparativamente ao velho sistema segmentado por disciplinas. Como não entendem ou sabem e não querem, permitem, então, que a irresponsabilidade se transfira para a mochila das crianças. E sendo assim, para o ano, nas vésperas de um novo ano escolar, os que se preocupam com estes temas, regressarão com o drama do peso das mochilas. Para já, nada a fazer, até que apareça alguém que corrija a situação.
Ilustração: Arquivo pessoal.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

QUANDO É "PROIBIDO" VER O MUNDO PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA


Os últimos dois meses foram, para mim, muito interessantes e motivadores. Por um lado, li, em primeira mão, o novo livro do meu distinto Amigo Professor Doutor Gustavo Pires sobre Pierre de Coubertin e a História do Movimento Olímpico. Antes da sua apresentação, que terá lugar ao longo do mês de Setembro, pediu-me que o lesse. Enriqueceu-me, sobremaneira. Um livro a não perder, por políticos, agentes desportivos, pais e jovens. Por outro lado, a vivência diária com os netos permitiu-me descobrir ou consolidar percepções que há muito venho alimentando. Porque uma coisa, para além da função docente exercida, é ler sobre temas de educação, sistema educativo e aprendizagem, outra, é estar atento ao que as crianças pensam e como agem no tempo que estão a viver. É sobre este aspecto que aqui deixo mais uma reflexão, quando se aproxima o dia do tal "regresso às aulas".


Não me restam dúvidas que, de Setembro a Junho próximo, será mais do mesmo. Tudo ficará confinado a uma palavra: rotina. Currículos genericamente iguais, programas e manuais para cumprir, sumários, tarefas e mais tarefas impostas e condicionadoras da autonomia das escolas, testes e grelhas de avaliação, discussões repetitivas e estéreis aos níveis de departamentos e conselhos de turma, muita burocracia, portas que se abrem e fecham ao toque da campainha, professores angustiados, direcções executivas a contarem cêntimos, enfim, está de regresso a normal anormalidade. Julho e Agosto já foram, para não falar dos meses anteriores, e da parte de quem tem o dever de governar a Região Autónoma, manteve-se o enervante silêncio cúmplice, correspondente ao aforismo "tudo como dantes no quartel-general de Abrantes". A criança que, teoricamente, dizem estar no centro das políticas educativas, pergunto, se alguém, no seu perfeito juízo, poderá assumir que esse é o desígnio? Ou será que a rotina, o sistema hierarquizado, centralizado e padronizado é preferível e mantido pelo receio de perda de influência política? Já não vou tanto pela linha da ignorância que obstaculiza a que os decisores políticos não saibam o que se está a passar. Até porque, hoje, existe tanta informação e tanta formação. Até marcam presença nas cerimónias de abertura, de congressos a seminários. O problema, por isso, parece-me ser acomodação, desleixo, falta de ambição e para quê mudar se isso só dá trabalho? Ora, isto a propósito de quê? Ah, dos netos, que fui olhando e analisando através dos detalhes das conversas e das atitudes. O que sentem, o que dizem, o que sabem, como olham para a escola e para a aprendizagem, não foi para mim uma novidade, mas mais do que isso, uma reflexão sobre as mudanças cada vez mais necessárias.
O mais novo, de dois anos, mexe no telemóvel e no ipad de uma forma que me espanta; os mais velhos dão-me lições de tecnologia. E dou comigo a pensar, mais dia menos dia, lá estarão em uma sala, presos a um quadro preto, sentados e alinhados, ouvindo e repetindo mecanicamente, mor das vezes, a repetição do manual, para depois debitarem nos testes e esquecer. Sentados e distantes da tecnologia e das ferramentas que eles próprios dispõem. E que as escolas, muitas, também têm, apenas para o que dá jeito. É o sistema que, genericamente, ainda continua a centrar no professor o conhecimento, quando esse conhecimento, pode e deveria estar à distância de um arrastar de um dedo sobre o ecrã ou de um clique. Não se trata de substituir o professor pelo "Dr. Google", mas de perceber que existe mais mundo para além do manual. E que a verdadeira aprendizagem é aquela que fica, aquela que é retida e que, pela vivência participada e sentida, possibilita a transferência, o que não é possível com aquela "injectada", descontextualizada e que não se relaciona com nada. Ler por obrigação é uma coisa; ler por gosto e sentido de curiosidade, de universo e de aprendizagem, é outra. E isso aprende-se sem ultrapassar etapas. Saber datas históricas é uma coisa; compreender e relacionar factos e tempos históricos a vários níveis é outra bem diferente. 
Ora, sendo a vida complexa, logo a aprendizagem deveria assentar em estudos sobre "fenómenos complexos". A vida, inclusive a de natureza profissional, não é um conjunto de disciplinas segmentadas. É um aglomerado de conhecimentos relacionados entre si, que implicam participação activa e não passiva, permanente questionamento, sentido de busca e dúvida. O sistema permite isto? Obviamente que não. O sistema quer a resposta, não quer a pergunta embaraçosa e desafiadora que, dizem, "faz perder tempo"; o sistema quer o cumprimento do sumário; quer as crianças sentadas e obedientes, não quer a azáfama pelo conhecimento; quer o programa tim-tim-por-tim-tim, porque o professor também tem de ser avaliado; quer o relatório, dispensa o conteúdo e os alunos; o sistema vive e prefere a falsa meritocracia, o teste, o exame, o quadro de honra e encolhe os ombros aos trágicos números do insucesso e do abandono; o sistema ama a Sociedade Industrial, a linha de montagem e abomina a inovação e a criatividade, porque são perigosas. E assim, com várias e distintivas excepções, o sistema é isto! Tudo igual, há dezenas de anos igual. Preferia uma escola sem muros, os tais que tolhem a capacidade de ver que existe mais mundo e curiosidades por descobrir. Alguns, conseguem espreitar subindo ao muro, mas por aí ficam. Infelizmente. O Ensino Básico deveria ser aquilo, mas não é! É limitador e desinteressante, castrador da inteligência e restritivo da curiosidade.
Ilustração: Google Imagens.

NOVO MANIFESTO – NÃO AOS TPC!


Mais um ano lectivo em que vai continuar tudo na mesma? Este é um tema extremamente controverso e, como tal, não existe uma opinião consensual sobre ele. O debate entre vantagens e desvantagens é infindável e há sempre quem defenda ou critique os tão “famosos” TPC. Por esse motivo, acho que vale a pena tentar abordar este assunto de forma mais ou menos objectiva, ressalvando apenas de que me irei debruçar sobre o 1º Ciclo do Ensino Básico, ou seja, entre o 1º e o 4º anos de escolaridade.


Como decerto já percebeu ao ler o título do texto, a minha opinião é de que os TPC nessas idades não deveriam existir, mas entendo perfeitamente que há pontos de vista diferentes, até porque não existem verdades absolutas. No entanto, confesso que eu, enquanto pediatra, estou plenamente convencido de que a maior parte das crianças estaria muito melhor sem TPC. Por tudo o que li e vejo diariamente, isso é algo em que eu acredito piamente…

VANTAGENS (aceito que possam ser usadas como um argumento a favor dos TPC, mas na verdade não concordo muito com elas):

- Ajudam a sedimentar a matéria

Este argumento fazia sentido quando as crianças tinham aulas só de manhã ou só de tarde. Nesses casos poderia ser útil fazer alguns trabalhos em casa para ajudar a consolidar o que aprenderam. No entanto, actualmente as aulas são de manhã E de tarde, pelo que me parece questionável até que ponto se torna necessário trabalhar também para além do horário estabelecido.

- Ajudam a disciplinar as crianças

É verdade que trabalhar implica alguma disciplina. No entanto, penso que esse tipo de aprendizagem pode também ser conseguido com outro tipo de actividades em que é necessário haver rigor, nomeadamente o desporto ou a música.

- Envolvem os pais

Sem dúvida que esta pode ser uma mais valia dos TPC (a meu ver, talvez a única). Contudo, o que se vê muitas vezes são os pais a fazer os trabalhos pelos filhos, só “para despachar”. Ou então, pior ainda, pagarem prolongamentos escolares ou centros de estudos para as crianças poderem fazer os trabalhos de CASA sem ser em CASA (estranho, não?). No fundo, “estica-se” as aulas e resolve-se o assunto sem que os pais tenham problemas. Esses ficam só para as crianças…

- São importantes quando as crianças têm mais tempo livre, para não esquecer o que aprenderam (por exemplo, aos fins de semana)

Para a maior parte das pessoas, a semana é (ou deveria ser) composta por 5 dias de trabalho e 2 de descanso. O que nós fazemos às crianças, quando as obrigamos a trabalhar mais um bocadinho ao fim de semana é exactamente “castigá-las” por terem tempo para descansar. Sei que pode parecer um pouco estranho ver as coisas desta forma, mas se todos nós fôssemos obrigados a levar trabalho para casa ao fim de semana, só porque temos 2 dias de descanso íamos certamente achar injusto.

DESVANTAGENS

- São muitas vezes monótonos e pouco estimulantes

A maioria dos TPC são a réplica do que se fazia há 20-30 anos atrás. Exercícios em que a repetição é a regra e não acrescentam nada de novo à capacidade de raciocínio das crianças. Se elas não se sentirem motivadas, torna-se ainda mais difícil aceitar que têm que trabalhar fora da escola.

- “Roubam” tempo às crianças

As crianças precisam de tempo para brincar e para ser crianças. Depois de 8 horas (pelo menos) na escola, com intervalos livres de tamanho “micro”, é preciso que elas tenham tempo para não fazer nada ou então para descobrir actividades diferentes, que lhes despertem outras áreas do desenvolvimento (desporto, música, arte, …). Não é à toa que as crianças digam que TPC significa Tortura Para Casa e não Trabalhos Para Casa!

- “Roubam” tempo às famílias

Grande parte dos pais trabalha até tarde ou tem horários laborais tão rígidos que lhes limitam o tempo disponível para estar com os filhos. Esse tempo deve ser de entrega total, de brincadeira sem regras e dirigida pelas crianças, pelo que os TPC são claramente um entrave a que isso aconteça. Entre banhos, cozinha e refeição pouco sobra para os momentos em família. Se lhes juntarmos os TPC (e os gritos e confusões que acarretam), o tempo acaba por fugir todo.

- São uma fonte de “guerras” e zangas

Apesar de haver excepções, em grande parte das famílias os TPC são uma fonte de discussões e outras “guerras”. As crianças estão cansadas, os pais estão cansados e preocupados com a hora de dormir dos filhos e acaba por se gerar a confusão. Entre gritos, ameaças e castigos chega a hora de dormir, porque no dia seguinte… há mais!
Estes são apenas alguns argumentos, muitos mais haveria ainda para discutir. Contudo, acho que o mais importante é mesmo que se pense seriamente sobre este assunto, de forma a que as pessoas não tenham medo de assumir as suas ideias.
Sei que há muitos pais e profissionais de saúde e educação que não partilham deste meu ponto de vista. E também sei que há crianças que precisam mais de trabalhar do que outras. Por isso mesmo, defendo que os pais dessas crianças possam trabalhar com elas se, em conjunto com o respectivo professor, chegarem à conclusão de que é a opção mais benéfica. Hoje em dia a oferta de exercícios e fichas (seja através da Internet ou livros específicos sobre o assunto) é tão vasta, que qualquer pai ou mãe que queira fazer alguns trabalhos com os filhos pode fazê-lo sem problema nenhum. Não me parece é que precisem de fazer todas as crianças, apenas por rotina.
Mais do que ser tempo de DIZER basta, é hora de PENSAR que se calhar basta mesmo. Acredito que as crianças, as famílias e até os professores irão agradecer. E, atrevo-me a arriscar, duvido imenso que o sucesso escolar das nossas crianças fosse diminuir. Pelo contrário, estou convencidíssimo de que provavelmente até iria aumentar!
Senhores Professores, o ano lectivo está agora a começar. Porque não dar o benefício da dúvida nas vossas escolas e iniciar o ano sem TPC? Se não resultar podem sempre voltar atrás. Como diz o ditado, “para melhor muda-se sempre”!

NOTA
Artigo publicado na revista VISÃO, pelo Pediatra Hugo Rodrigues

domingo, 13 de agosto de 2017

A LIBERDADE DE APRENDER "SEM PROGRAMA, TESTES, TRABALHOS DE CASA E HORÁRIOS"


Foi manchete do Jornal de Notícias de ontem: "Triplicam as crianças que têm escola em casa - Aumenta o número de famílias a optar pelo ensino  doméstico.  Defendem que menores ganham tempo para outras actividades". Não se trata de qualquer leviandade por parte dos pais. Apenas uma opção que pode conduzir até ao "Doutoramento sem nunca ter ido à escola", conforme assume o Professor Álvaro Ribeiro. "Devemos ter a humildade para saber as necessidades de cada filho (...) a flexibilidade de horário revelou-se uma das maiores vantagens da modalidade (...) a escola é muito absorvente. Mobiliza muito o tempo social da crianças", assume a mãe Laura. "A maioria dos alunos, se tivesse opção não estaria na escola e isso é muito grave", salienta a investigadora em Psicologia da Educação Inês Peceguina. "O acesso à educação tornou as pessoas mais críticas e exigentes", depois, insiste, o sistema de ensino em sala de aula pouco mudou (...)". A questão é exactamente esta. A rotina que mata e afasta. O tempo perdido em generalidades, vulgaridades e na insistência em assuntos cujas abordagens surgem desfasadas do tempo que estão a viver.


As famílias destacam, por isso, a liberdade de aprender "sem programa, testes, trabalhos de casa ou horário". Tomamos o pequeno-almoço todos juntos. Não nos levantamos a correr, nem nos preocupamos com a hora de deitar. É uma liberdade completamente diferente. As famílias escolhem este tipo de enquadramento porque as crianças apresentam-se "desmotivadas e esgotadas com prolongadas jornadas de trabalho" escolar. São já 661 crianças inscritas no ensino doméstico e individual. Crianças que apenas têm de realizar provas de equivalência a todas as disciplinas no final de cada ciclo, realizadas pelas escolas. As provas de aferição só são feitas se os pais o desejarem e os exames no secundário se quiserem concorrer ao Superior. E o curioso, se se trata de curiosidade, é que desta opção resultam boas classificações. E aqui não são "contabilizados" os conhecimentos que estão muito para além dos manuais e tudo aquilo que a escola tradicional não dá nem pode oferecer: as vivências culturais de todo o género que, devidamente enquadradas, valem muito. Achei interessante, neste trabalho da jornalista Alexandra Inácio, um pai assumir que o filho "aprendeu a aprender", que a opção foi ler muito, os livros e não os excertos, a preocupação de desescolarizarem tendo por objectivo o desenvolvimento da criatividade e o hábito de pensar.
É claro que a formação dos pais é determinante. A grande maioria tem ensino superior e actividades profissionais independentes que lhes permite o tempo necessário para o acompanhamento. O processo não é, de forma alguma, generalizável. O significado desta opção e destas experiências é aquele que coloca em causa o sistema tradicional de aprendizagem. Melhor dizendo, perante isto, o que é que o actual sistema tem de fazer para que a Escola não seja, para muitos, a "catedral do tédio". É preciso que os alunos contem, como li na peça de Clara Viana, em Abril de 2016: "(...) pode parecer pouca coisa, mas esse pouco, que em Portugal será sempre muito, poderia curar o crescente desamor dos jovens face à escola. Basta começar por lhes "dar voz", permitir que até no ensino secundário sejam eles a escolher disciplinas em função dos seus "interesses e talentos". Missão impossível? "(...) Se outros países já o fizeram, nós também podemos, embora isso signifique uma grande transformação do ensino em Portugal", responde Manuel Magalhães, 20 anos, que está a estudar no Instituto Politécnico de Leiria. É um dos seis jovens, entre os 16 e os 20 anos, a quem o PÚBLICO perguntou: o que pode ser mudado nas escolas para que estas (e o processo de aprendizagem) se tornem mais atractivos para os alunos. O problema reside aqui.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 12 de agosto de 2017

O SENTIDO DA OPORTUNIDADE E O PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ESTRUTURAL


Olho para o cartaz e leio: "Um futuro para ti". Entusiasmei-me pela leitura da notícia do DN-Madeira e, infelizmente, defraudaram-se-me as expectativas. "Um futuro para ti" esgota-se em um intercâmbio de jovens, dos 18 aos 30 anos, entre as regiões da Madeira, Açores e Canárias. Designa-se por Academia do Jovem Voluntário e visa a participação em acções de apoio social e comunitário, desportivo, de saúde, defesa do ambiente e do património. Enalteceu o secretário da Educação: "(...) a noção de que o conhecimento, sendo hoje algo facilmente acessível, é importante que o tenhamos também de forma presencial. É importante conhecer lugares, pessoas e instituições (...) Esta é a geração das oportunidades. Nenhuma teve tanta oportunidade, teve tantos desafios como a vossa. Hoje, os jovens têm todas as condições para preparar o ingresso na vida activa. Não deixem passar ao lado estas oportunidades". Declarações destas não me fazem tirar do sério, mas deixa-me perplexo pelo sentimento que me envolve de um edifício construído pelo telhado.


Não condeno a iniciativa, obviamente, eu que defendo uma escola que ultrapasse os seus próprios muros. Uma escola que seja vida, vivência e convivência. Uma escola de cultura universal que rompa com estruturas ultrapassadas, fechadas nos currículos e programas, como se tudo aí começasse e terminasse. Não é, por isso, a iniciativa que está em causa (existem outras de natureza semelhante), mas o facto de constituir um "tiro" isolado, uma iniciativa desfasada de uma ideia maior de escola e sobretudo de aprendizagem que garanta futuro para os jovens. O que condeno é o desrespeito pelo princípio da prioridade estrutural e do aproveitamento sensato dos escassos recursos. 

A prioridade estrutural, no essencial, deveria, desde logo, obrigar a sair mesmo estando cá dentro.

Quando se olha para o sistema educativo e se detecta tanta fragilidade, insucessos e abandonos que envergonham, quando se olha para um mundo de absurdos em função do tempo que estamos a viver e da preparação que o futuro exigirá, quando se olha para as dificuldades de natureza financeira que limitam os projectos educativos escolares mais ambiciosos, (mesmo que esta iniciativa seja comparticipada) confronto-me com uma iniciativa que se dirige aos jovens entre os 18 e os 30 anos no quadro de um "Um futuro para ti". De que futuro estão a falar? Da emigração?
Ora, o futuro não se constrói com iniciativas isoladas, limitadas a um grupo(s) que, por força do orçamento, nunca será abrangente à maioria dos estudantes e dos outros que, pela idade, já se encontram fora do sistema. muitos no ensino superior ou já na vida activa. A prioridade estrutural, no essencial, deveria, desde logo, obrigar a sair mesmo estando cá dentro. Isso obrigaria a mudar tudo no sistema, garantindo a universalidade do PENSAMENTO que não se esgota, desde as primeiras idades, na resposta dita certa à pergunta constante do manual. De forma integrada, este é outro princípio do desenvolvimento que convém ter presente, então sim, as iniciativas têm o seu interesse e oportunidade. Desta forma, não, mostra-se desarticulada de qualquer ideia portadora de futuro. Porque "um futuro para ti", jovem, tem, necessariamente, outros contornos que não partem de uma "Academia do Jovem Voluntário". Não acredito e, certamente, poucos acreditarão em políticas que sobem os degraus de três em três!
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

FINALMENTE, ESTÁ DADO O PRIMEIRO PASSO. AINDA MUITO DISTANTE DO DESEJÁVEL, MAIS DE 20% DAS ESCOLAS VÃO PODER ESCOLHER COMO ENSINAR


Projecto-piloto arranca em Setembro e abrange 171 escolas públicas 61 privadas e quatro das sete escolas portuguesas no estrangeiro. Experiência só abrange os anos iniciais de cada ciclo de escolaridade. Por Clara Viana, Público, 10.08.2017.  


O segredo foi finalmente desvendado. No próximo ano lectivo serão 230 as escolas que irão testar as mudanças propostas pelo Ministério da Educação (ME) no âmbito do projecto-piloto da flexibilidade curricular, segundo revelou a tutela ao PÚBLICO. Deste total, 171 são escolas públicas o que corresponde a 21,1% da rede de oferta existente, que é constituída por 713 agrupamentos e 95 escolas não agrupadas.
No projecto estarão ainda envolvidas 61 escolas privadas e quatro das sete escolas portuguesas no estrangeiro. Segundo o ME, a lista com os nomes dos estabelecimentos de ensino envolvidos deverá “ser publicada nos próximos dias” no site da Direcção-Geral de Educação.

Escolas vão ter cinco horas por semana para inovar métodos de ensino


O novo modelo só será aplicado no primeiro ano de cada ciclo de escolaridade (1.º, 5.º, 7.º e 10.º). Às escolas foi deixada a decisão de fixar quantas turmas destes anos irão participar na experiência, o que por esta altura já deverá ser conhecido uma vez que as listas com a constituição de turmas foram afixadas no dia 28 de Julho, indicou o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima.
O agrupamento de que é director (Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia) é um dos que integra o projecto-piloto. Tem cinco escolas e há 8 turmas que foram seleccionadas para o efeito: cinco do 1.º ano, uma do 5.º e duas do 7.º. No caso destes últimos dois anos, as turmas foram seleccionadas “com base no que foi a percepção do trabalho desenvolvido no ano anterior ou seja, tendo em conta as características dos alunos e os hábitos de trabalho dos alunos que lhes foram incutidos pelos seus professores”, esclareceu Filinto Lima, adiantando que reuniu antes com os pais das crianças.
O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, Jorge Ascenção, mostrou-se “apreensivo” pelo facto de nem o ministério nem as escolas estarem a informar os encarregados de educação sobre quem será abrangido por estas mudanças. “Os pais têm o direito de saber o que vai acontecer no próximo ano lectivo e isso não está a acontecer."
As escolas que vão inaugurar a experiência de flexibilidade curricular têm apenas uma obrigação: a integração na matriz curricular de duas novas áreas. São elas Cidadania e Desenvolvimento e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). É o que se encontra estipulado no despacho que regulamenta o novo modelo, que foi publicado no início de Julho.
Mas, se assim o entenderem, vão ter também 25% do tempo de aulas para tentar levar por diante novas formas de ensinar. O que passará pela constituição de novas disciplinas, mas também por várias outras soluções já apresentadas pelo Ministério da Educação. Uma possibilidade: a fusão de disciplinas em áreas disciplinares, em que dois ou mais professores “trabalham em equipa” na preparação das aulas, que podem ser dadas à vez por cada um ou em conjunto. Por exemplo: em vez de trabalhar de forma separada as disciplinas de Físico-Química e Ciências Naturais, a escola pode juntá-las com a carga horária equivalente à soma das duas.
Pode-se optar também pela alternância entre tempos de estudos tradicionais e semanas em que toda a escola trabalha em conjunto, numa perspectiva multidisciplinar, um só tema. Por exemplo, “a Europa” ou “a crise dos refugiados”. Esta é uma experiência que está a ser seguida na Finlândia.
O ME tem garantido que a nova experiência não implicará uma revisão curricular e que os actuais programas se manterão em vigor, mas os alunos abrangidos pela flexibilidade curricular terão novos documentos de referência, que se intitulam aprendizagens essenciais, e que irão, na prática, substituir as metas curriculares elaboradas durante o mandato de Nuno Crato. As escolas podem ainda optar por transformar disciplinas anuais em semestrais e os alunos do 10.º ano terão a possibilidade de trocar uma disciplina do seu curso por outra de um curso diferente.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

A URGÊNCIA DE UMA EDUCAÇÃO PELO DESPORTO


"No futebol jovem há agressões e ameaças a treinadores e pancadaria entre os pais das duas equipas. Todos querem ter o seu Cristiano Ronaldo para orgulho pessoal e sustento da família"


Esta síntese e as seguintes são do ex-árbitro internacional de futebol Duarte Gomes. 
"Regra geral a cultura desportiva dos miúdos é resultadista. É ganhar, ganhar, ganhar. Já não há um rival em campo, há um inimigo" (...) Isto está completamente desvirtuado em relação  ao que deve ser o crescimento competitivo de um jovem, que deve privilegiar valores como o respeito pelo adversário, o saber aceitar a derrota, mesmo com o erro do árbitro, assim como saber ganhar (...) Os pais estão formatados com a tal cultura de vitória a todo o custo e incutem-na nos filhos (...) Os pais colocam uma pressão tremenda nos miúdos, quando nestas idades se deve fomentar apenas o prazer de jogar (...)".
Pergunto: e por que está isto a acontecer? O que tem sido feito no sentido de alterar esta atitude, desde a escola ao clube?
Ilustração: Google Imagens. Revista Visão, 1274, 3 a 9 de Agosto de 2017.