segunda-feira, 29 de junho de 2020

Ranking''s... com a sua publicação, o Ministério da Educação desprestigia-se


O Ministério da Educação continua a favorecer uma comparação com aquilo que não deve ser comparado. A aprendizagem não se alicerça em um campeonato entre estabelecimentos de aprendizagem, isto é, os da primeira liga (!)(escolas privadas) e os do campeonato de Portugal (escolas públicas); entre os que dispõem de significativos recursos financeiros e os outros. A aprendizagem não visa, pontual e circunstancialmente, obter uma dada classificação colectiva e, no ano seguinte, encontrar-se de meia tabela para baixo. E tem acontecido, porque depende de muitos factores. Tenhamos presente o facto de, neste último ranking, uma escola que recebeu alunos antes matriculados no sector privado, ter saltado para um lugar mais próximo do topo. Ora, meter no mesmo rol instituições públicas e privadas constitui um erro grosseiro e desonesto. Não é de bom senso e é despido de rigor, directa ou indirectamente, comparar instituições de natureza privada, cujos alunos, normalmente,  têm origem em famílias com outro tipo de formação e bem-estar, com as públicas que abrigam muitos milhares que transportam as históricas consequências das graves assimetrias económicas, sociais e culturais.



Um exemplo: conheço relativamente bem o Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto, um estabelecimento normalmente no topo dos ranking's nacionais. É impossível compará-lo com a escola pública mais próxima daquele colégio privado. Basta assistir aos finais de turno da manhã ou da tarde e olhar para as viaturas dos pais, avós e dos motoristas que ali param para transportar os alunos. Basta ter em atenção os encargos mensais! É óbvio que a opção dos pais é absolutamente legítima, e se trago este aspecto à colação é apenas para dizer quanto errado está comparar o que é incomparável. Não está sequer na qualidade distintiva dos professores, está sobretudo na estratificação social. 

Mas, curiosamente, ninguém se lembra de dizer que há estudos que provam que os alunos oriundos do sector privado, nos primeiros três anos de curso superior universitário, chumbam mais que os alunos vindos do sector público. Interessante, não é? 
Apenas a realidade que nunca é assumida.


Uma coisa é o domínio da acessibilidade a um curso superior; outra, o desempenho dos alunos depois de lá entrarem. No privado, porque estão em causa pesadas mensalidades, qualquer instituição tende a forçar a aprendizagem no que interessa em detrimento de uma formação mais globalizante. Isto para além do recurso aos explicadores; no sector público são sensíveis outras preocupações. E a verdade é que, ao longo do superior, os alunos do sector público conseguem uma melhor adaptabilidade e sucesso, consequência de algumas capacidades que terão sido trabalhadas. Lamento é que muitos fiquem à porta do ensino superior por falta de recursos.

Para o ministério, os níveis ou notas de exame, deveriam assumir uma característica reservada (não publicável) visando um sério estudo (global) sobre o sistema. Nunca para colocar escolas e professores sob suspeita. Os bons e os maus. É disso que se trata. E se assim não é, pergunto, de que valeu a publicação de todos os "ranking's" anteriores? O sistema melhorou? Não. 
Aliás, o ministério ao possibilitar a publicação dos resultados sob a forma de ranking's, desprestigia-se a si próprio e dá um sinal (errado) 
à população de que o privado é melhor que o público.

O que está em causa e nisso o ministério e a secretaria regional da educação deveriam ter um outro olhar, é sobre a escola que os jovens têm e a escola que deveriam ter. Ao contrário de se preocuparem com o perfil do aluno à saída da escola, deveriam preocupar-se com o perfil dos alunos à entrada da escola. Deveriam repensar toda a parte curricular  e programática. Deveriam, sobretudo, abanar todo o sistema organizacional, a verdadeira autonomia dos estabelecimentos, a estúpida burocracia e, sobretudo, repensar o paradigma PEDAGÓGICO. Os jovens desinteressam-se porque a escola é desinteressante!

NOTA
Texto inicialmente publicado no blogue:
www.gnose.eu

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Daqui a pouco mais de 2 meses estamos no regresso à escola

Por
Eduardo Sá
Psicólogo

As crianças não aprendem sozinhas, do zero, à mesma velocidade e não aprendem todas da mesma maneira. Mas a escola foi criando esse equívoco ao longo dos anos. E deixou que o ensino obrigatório - que foi a maior revolução tranquila da Humanidade, o grande instrumento de democracia social e a razão de resgate de milhões de crianças ao trabalho infantil e da sua devolução à infância - tivesse "escorregado", vezes demais, para uma "produção em série" que transformou a escola numa "linha de montagem" de "jovens tecnocratas de sucesso". Onde os rankings, centrados sobretudo nos resultados dos exames, introduziram o desconforto da existência de manipulação de resultados que nem sempre nos permitiu perguntar se a escola estaria a cumprir a sua missão. 


Por mais que o tempo absurdo de momentos diários relacionados com a escola, o volume de trabalho semanal que lhes é exigido, a transformação da escola em espaço de guarda prolongada de crianças e o modo como lhes foi sendo, sucessivamente, tirado tempo de recreio, contribuiu para que: a escola se transformasse, de vez em quando, no "trabalho infantil" do século XXI; para a "epidemia atípica" de défices de atenção e de transtorno de "hiperactividade"; e, sobretudo, para que tenha vindo a ser tirado tempo de infância às crianças.

O modelo de "escola do passado" já morreu. Mas inquieta reconhecermos que a escola não soube reinventar-se. E a responsabilidade disso é de todos nós. E, em muitos momentos, aquilo que pareciam passos em frente, talvez não o tenham sido. A forma como, devagarinho, o jardim de infância se foi tornando mais em pré-escola do que devia passou a ser, estranhamente, aceite pelos pais. 

A discussão em relação à reutilização dos manuais escolares sobrepôs-se às questões indispensáveis sobre os seus conteúdos. A introdução de tablets, desde muito cedo, na aprendizagem não foi acompanhada pela discussão indispensável acerca da utilidade da motricidade na aprendizagem da leitura e da escrita. A introdução pedagógica de quadros interactivos e de datas-show não foi acompanhada pela discussão acerca da forma como a escola, apesar desses instrumentos preciosos, não pode continuar, sobretudo, a transmitir conhecimentos de forma expositiva, passiva, pouco participativa e pouco criativa, ao mesmo tempo que ignora a sabedoria das crianças na construção do conhecimento e menospreza a formação dos professores.

A escola precisa de ser reinventada! E, no entanto, a pandemia obrigou a escola a reinventar-se mais em 2 meses do que o terá feito em muitos, muitos anos. É claro que, pelo caminho, ficaram alunos que não tiveram acesso à escola por não disporem de computadores, de internet e de telemóveis com dados. Houve imensos alunos cujo rasto foi perdido por muitos professores. Houve muitas crianças a estarem sozinhas em casa. Houve pais a fazer de professores e de explicadores. Houve pais a realizar testes e trabalhos que deviam ser feitos pelos estudantes. Houve os maiores índices de desigualdade social que temos visto na escola, considerando muitos anos. Houve escolas a realizar o mesmo plano de trabalho diário (desta vez, em casa). Escolas a propor páginas para ler. Escolas a exagerar nos trabalhos de casa. Escolas demissionárias em relação aos seus compromissos com os alunos. Mas, no entanto, a pandemia obrigou cada escola a reinventar-se por si e cada professor a manifestar inventivamente as suas singularidades e o seu potencial. Por mais que os nossos filhos tenham estado 6 meses sem ir à escola! E os sucedâneos que encontrámos para lhes dar, por mais generosos que fossem, acentuassem desigualdades, criassem uma nova vaga de necessidades educativas especiais e deixassem as crianças que necessitam de educação especial mais sozinhas nas suas dificuldades. E podem ter contribuído para tantas ilusões de falsas aprendizagens que se torna urgente perguntar que escola vamos ter em Setembro. Quando as limitações de espaço e o número de professores nos parecem encaminhar para que, em nome das regras de protecção das crianças, as escolas não tenham espaço senão para metade dos alunos de cada vez. Quando o envelhecimento dos docentes e os seus índices de risco à exposição do coronavírus irá acentuar as limitações de professores disponíveis de forma alarmante. E quando uma segunda vaga de coronavirus se torna insistentemente plausível.

Estamos no ano zero da reinvenção da escola. Onde os conteúdos terão de ser mais interactivos entre si. Os pais e os professores mais interactivos do que nunca. Onde os formatos tradicionais de aprendizagem e as novas tecnologias vão ter de ser mais interactivos do que alguma vez já foram. Onde o ensino presencial e o ensino à distância vão ter que começar a interagir. Mas onde os ecrãs não podem passar de "inimigos públicos" das crianças a aliados de todas as horas da escola e dos pais. Onde o professor não pode ser um actor secundário do processo de aprendizagem. Onde os pais não podem ser os agentes do ensino à distância. E onde a telescola não substitui a escola.

Estamos em finais de Junho. Daqui a pouco mais de 2 meses estamos no regresso à escola. E é inacreditável, considerando aquilo que as melhores perspectivas pandémicas nos permitem ou (plano B) a perspectiva duma segunda vaga de infecção, que não se inicie um debate público urgente que vá no sentido de estarmos esclarecidos acerca da escola que vamos ter em Setembro (por mais que as incertezas deste tempo sejam muitas). Sabendo nós que a escola não será (mais) igual à escola que tínhamos em Março. É verdade que as turmas serão partidas ao meio? É verdade que os alunos ora irão à escola ora estarão em casa? Ou é, antes, verdade que as turmas irão ser desdobradas, com turmas de manhã e turmas de tarde? É verdade que os recursos pedagógicos que a pandemia nos trouxe vieram para ficar? É verdade que as escolas irão funcionar num regime misto (em B-learning)? É verdade que se estenderá um mesmo regime de aulas aos alunos de todos os níveis de ensino? É verdade que um dos pais se arriscará a trabalhar à distância, semana sim semana não, ou a reclamar um estatuto de apoio à família para garantir a educação das crianças ou a redefinir o regime da guarda diária dos seus filhos? É verdade que todas as crianças terão um computador pessoal e internet ao seu dispor? É verdade que os manuais escolares serão, cada vez mais, plataformas digitais? É verdade que os professores irão repartir-se por formatos combinados de aulas? Que escola podemos esperar? Por tudo isto, é urgente e é inadiável que o ministério da educação esclareça os pais, os professores e o país acerca d’o dia depois de amanhã da escola. Recordo que o regresso à escola já começou para as famílias. Porque esta é altura em que, antes de férias, os pais planeiam escolas, actividades extra-curriculares e tudo o mais que faz parte da logística muito complexa da educação de uma criança. Será que vamos aproveitar para reinventar a escola ou, pelo contrário, ficaremos entregues ao improviso, ou à expectativa de não anteciparmos medidas na esperança de que "vai correr tudo bem"? Afinal, com que escola podemos contar?

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Ensino online no próximo ano lectivo... Não por favor!!!


NOTA

Uns consideram uma "fraude" o ensino realizado através das várias plataformas; outros,  no seguimento de estudos realizados, afirmam ser uma "farsa". Genericamente, concordo. Nada substitui a presença física na escola, conjugada com a acção transversal dos professores. A pandemia "justificou" a opção, muito embora, entenda eu, que este tempo deveria ter sido aproveitado não no espaço obsessivo do cumprimento dos programas, mas para outro tipo de acção não circunscrito aos manuais. Há tanto por fazer e tanto por descobrir no sentido de garantir as bases da curiosidade e o interesse pelo conhecimento. O que foi realizado acabou por ser uma tentativa de resposta (péssima), em casa, à enervante rotina da escola. Pelo caminho infernizou  professores, pais e avós. E não estarei longe da realidade se, infelizmente, lá para Setembro/Outubro, o tenebroso vírus voltar a atacar, venhamos a ser confrontados com um novo confinamento e, concomitantemente, uma limitação no acesso aos estabelecimentos de aprendizagem. Lembrem-se que, para já, sobretudo no "básico", insisto, o que está em causa é um novo sentido organizacional, curricular, programático e pedagógico. A escola da rotina morreu. Os jovens dispensam-na!

A "carta do leitor", hoje publicada no dnotícias, no essencial, constitui uma chamada de atenção para quem, parece, "andar a dormir na forma".

"A continuar o ensino online no próximo ano lectivo estão a destruir a infância e a qualidade do Ensino! Quero acreditar que o Sr. Presidente do Governo e o Sr. Secretário da Educação têm a consciência da responsabilidade que têm nas suas mãos... o futuro dos nossos filhos! Repensem no caminho que estão a traçar. Invistam dinheiro na melhoria das escolas, na reabertura de escolas que se encontrem fechadas, em contratar mais professores e assistentes operacionais, em criar turmas mais reduzidas, nos recreios das nossas escolas, em computadores nas salas... Invistam nas escolas reais e presenciais... invistam no sucesso e felicidade das crianças! Uma criança é feliz a aprender com outras crianças, com um professor real que as acolhe de manhã quando chega, que sente as suas inseguranças e festeja as suas conquistas. Uma criança cresce saudável se respeitarem a sua natureza! Não podemos aceitar que um país, em nome de um vírus, faça isto a uma geração. Chega desta alienação digital! Nunca um livro poderá ser substituído por um ecrã! Nunca um professor poderá ser substituído por um computador! Basta 50 minutos de ecrã para se constatar hiperactividade, sono menos profundo, cansaço, perda de memória, diminuição da capacidade de concentração e sintomas depressivos. Não sou eu que o digo! São os estudos! Não deitem por terra o futuro desta geração! Vamos lidar com uma geração que não sabe pensar, que não tem criatividade, que vive medicada, drogada e alienada. É essencial tratar a parte emocional e social com o devido respeito. Com o mesmo respeito que lidamos com a covid-19. Ouçam os especialistas, professores, psicólogos, pedopsiquiatras... ouçam os pais e principalmente escutem com o coração as crianças!"

A. Margarida Oliveira, mãe do Tomás e do Guilherme

segunda-feira, 15 de junho de 2020

A vocação do sector desportivo federado é a qualidade. Não a quantidade!


Nota prévia

Uma vez mais, depois de tantas posições assumidas ao longo dos anos sobre esta matéria, clarifico que não está em causa o dedicado esforço de muitos profissionais, mas tão-só questões de racional opção de política desportiva. E se aqui me debruço sobre os dados publicados é apenas porque, teimosamente, entendo que o desporto deve estar ao serviço do desenvolvimento humano e não ao serviço da política ou de interesses pessoais.

Com muita atenção li as duas páginas do dnotícias de ontem sobre a "demografia federada". Ali foram escalpelizados os dados que dão conta da existência de 20.122 desportistas inscritos no sector federado. Olhando, minuciosamente, para a estatística, eu diria que não existe nada de novo, para além de um natural acréscimo do número de praticantes filiados. Se consultarmos os anos anteriores conclui-se que o essencial do formato é igual. Desde há muitos anos. Ou, melhor dizendo, desde sempre. Não é a primeira vez que sublinho, quando o sector federado apresenta números daquela grandeza, que correspondem a cerca de 8% da população, o processo encontra-se errado na raiz. Simplesmente porque o sector federado visa a qualidade e não a quantidade. À excepção de uma ou outra modalidade, mormente pelas suas características e meios de prática, aos clubes não lhes deve competir a formação de base. É o sector educativo escolar que deve assumir essa responsabilidade. Clubes e associações com muitos praticantes, apenas significa que alguma coisa está errada no pensamento que estrutura a articulação entre sectores.


Neste quadro genérico, sabendo-se que o sector desportivo escolar mobiliza, grosso modo, cerca de 15.000 alunos ao longo do ano em todas as suas actividades (naturalmente com muitas repetições de modalidade para modalidade, o que pode pressupor, também, a inexistência de uma regularidade de prática), face ao sector federado onde a contagem atinge os 20.000, logo fica clara uma inversão da pirâmide dos praticantes. Juntando ambos os sectores (35.000), quase 57% do total dos praticantes pertencem ao sector federado. Isto é, onde deveriam existir muitos na formação de base de característica regular, o número apresenta-se inferior; onde seria desejável a existência de poucos, visando sobretudo a qualidade, existem, anormalmente, muitos. Com todos os encargos daí decorrentes (€ 10.346.823,24 - sector federado). Neste aspecto, o desporto escolar continua, obviamente, um parente pobre da política desportiva regional autónoma.
Por outro lado, em uma Região com 54 freguesias, apesar do associativismo ser constitucionalmente legítimo, a existência de 141 entidades desportivas (clubes, associações e sociedades anónimas desportivas) que enquadram 56 modalidades, parece-me completamente desajustada. Talvez se justifique porque a escola não esteja preparada para um formato mais adequado.

Depois, ainda, olhando apenas para o sector federado, há uns dados que, historicamente, continuam a merecer uma fina análise e justificação. Por exemplo, dos 20.122 praticantes, 70% são masculinos e só 30% femininos. Um claro desequilíbrio. Um outro dado curioso: o somatório, em ambos os sexos, entre os de 17 e 40 ou mais anos de idade é de 6.390 praticantes, quando entre 11 e 16 anos é de 5.661. Há mais seniores do que inscritos nas etapas da  formação de pendor mais específico. 

Está, portanto, em causa, a velha discussão organizacional e de complementaridade (interface) entre os sectores educativo escolar e o federado. Concomitantemente, a disciplina curricular designada por Educação Física. 
Desde há muitos anos que é meu entendimento que esta disciplina deixou de fazer sentido. Melhor seria que se designasse por Educação Desportiva, subordinada a um outro formato organizacional, programático e pedagógico. Trata-se de uma disciplina que não é igual às restantes do currículo. É diferente. E é na diferença que deve assumir o seu importantíssimo espaço de intervenção educativa. Ademais, o desporto na escola, sobretudo a partir do 2º ciclo, deveria assumir uma característica opcional em função do leque de modalidades que um dado estabelecimento de aprendizagem oferece. 

É na escola que se possibilita a formação de base; é na escola que se aprendem, também, as grandes virtudes da competição; e é entre escolas, com regularidade, que o desporto educativo escolar deve atingir os seus objectivos de interface com o sector federado. Portanto, é na escola que está a base de uma prática física e/ou desportiva para a vida e para a qualidade.  

Por outro lado, as grandes limitações espaciais e orçamentais da Madeira deveriam implicar, por tudo isto, um outro tipo de orientação. Centrar a política desportiva na conquista de títulos através da representação regional aos níveis nacional e internacional, com um largo contributo de praticantes nascidos fora da Região, esquecendo-se dos pressupostos de base, pode permitir um certo gozo pelos resultados imediatos, mas deixa, com toda a certeza, um amargo a outros níveis, sobretudo quando damos conta que, passados 45 anos de Autonomia, cerca de 70% dos habitantes não têm o hábito cultural de uma prática física ou desportiva regular.
Mas isto, para que não subsistam dúvidas, sublinho, não deslustra o meritório trabalho dos professores, treinadores e até dirigentes. Antes pelo contrário, pois existe muito e dedicado esforço. Apenas conduz-nos para o campo da reflexão sobre os caminhos que devem ser seguidos. Para mim é óbvio que para chegar ao "alto rendimento", como parece ser o desejo dos responsáveis políticos, todo o processo a montante terá de ser repensado. E para além de tudo, ninguém se pode esquecer das gravíssimas assimetrias sociais. Lembrem-se que o desporto é, apenas, "a primeira das segundas necessidades".
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

EDUCAÇÃO - Vira o disco e toca o mesmo!


Diz-se: “ano novo vida nova”. O próximo ano lectivo poderia corresponder ao aforismo. Mas não, enquadrar-se-á na lógica do “vira o disco e toca o mesmo”. Passei os olhos pela entrevista do secretário regional da Educação, publicada na edição de ontem do Dnotícias. Aquilo tudo espremido, para mim, valeu zero. Eu diria que, “nesta prova oral”, o secretário, à luz do conhecimento e do que seria expectável que dissesse, chumbou! 


A páginas tantas, pergunta a jornalista: “E em termos de organização?” A questão daria para anunciar, mesmo que sumariamente, o rol de políticas a desenvolver no próximo e, de forma interligada, nos anos seguintes. Mas não. Falou do número de alunos por turma, dos horários, da oferta educativa para grupos específicos, umas coisitas no plano da acção social educativa e meteu-se, perigosamente, no campo movediço e muito complicado de uma complementaridade da escola com o telensino. Talvez eu entenda o que ele estará a preparar! Adiante. 

Nem uma palavra sobre uma verdadeira autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem (não de boca), sobre uma nova concepção estrutural do Ensino Básico, sobre a parte curricular, programática e, fundamentalmente, pedagógica. Zero! Não que a extensa listagem de preocupações se resolva em um ano face à complexidade do sistema. Mas, sabendo-se que este sistema já deu tudo quanto tinha para dar, condenado por tantos investigadores, pensadores e empresários, parece-me óbvio que esta entrevista poderia ter constituído uma oportunidade para, com meses de antecedência, anunciar as traves-mestras de um projecto portador de futuro. 

O secretário prefere, claramente, administrar um sistema sem ondas, com educadores e professores doces, que apenas se preocupem em debitar o manual, prefere a centralização aos actos autónomos, criativos e inovadores, prefere lidar com a submissão das inúmeras chefias e prefere, o que é grave, andar a reboque da República do que lançar as sementes de um sistema de ruptura com o passado. Pelo que li será mais um ano perdido face a uma sociedade que precisa, urgentemente, de alunos com pensamento e com qualidade. 

Depois, enaltece esta enormidade: as “aulas vão começar mais cedo”, possivelmente para compensar o que o telensino não conseguiu. Porém, nas suas palavras, o telensino “foi uma prova global da qualidade do sistema educativo da Região”. Apesar da ambiguidade das suas declarações (se foi eficaz, para quê começar mais cedo), um outro aspecto deveria o governante ter presente: mais escola não significa melhor escola. E assim sendo, pode multiplicar o número de horas, pode aplaudir uma escola a “tempo inteiro”, pode vangloriar-se de contribuir para que “os alunos portugueses sejam os que mais horas passam na escola”, que tudo isso não coloca o sistema regional a par do que de melhor se faz em outras latitudes. O sistema continuará, por causas, até, a montante da escola, com arrepiantes taxas de abandono, de insucesso e de gravíssima fragilidade na qualificação profissional. Os políticos do sistema precisam de estudar, necessitam de visão e, portanto, de serem prospectivos. Aquela entrevista foi, em função das respostas, papel com letras. 
Os jornalistas sofrem!!!
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 6 de junho de 2020

A morte dos estudantes


Por 
António Guerreiro, 
in Público, 
05/06/2020

Giorgio Agamben, o filósofo italiano vivo mais traduzido, comentado e estudado no mundo inteiro, é, desde o final de Fevereiro, quando foi decretado em Itália o estado de emergência por causa da pandemia, a figura que concita as mais violentas polémicas e alguns ódios de estimação. Tornou-se um daqueles tios escandalosos que as boas famílias têm vergonha de exibir em sociedade.


Primeiro, publicou uma série de textos num blog da editora de que ele próprio foi fundador (a Quodlibet, de Macerata) defendendo a ideia de que as medidas governamentais eram uma forma de instituir o estado de excepção como paradigma normal de governo, criticando ao mesmo tempo a passividade com que eram aceites as limitações da liberdade impostas por decretos privados de toda a legalidade, em nome de uma “bio-segurança” que leva ao extremo a lógica biopolítica. Ainda não se tinham extinguido os ecos, que atravessaram fronteiras, dessas intervenções em contra-corrente e já outra bomba Agamben estava a lançar, desta vez sobre a universidade: trata-se de um Requiem per gli studenti, publicado a 22 de Maio no site do Istituto Italiano per gli Studi Filosofici. Aí, tomando em consideração a medida que prolonga para o próximo ano as lições universitárias online, a didáctica à distância, vê na difusão cada vez mais alargada das tecnologias digitais a morte da ideia de universidade e afirma que é “barbárie tecnológica” a substituição da presença física por um ecrã espectral. O que o leva a declarar o fim do studentato como forma de vida e a lembrar que as universidades nasceram na Europa das associações livres de estudantes, chamadas universitates: 

“A vida dos estudantes era, antes de mais, uma forma de vida, em que determinante era sem dúvida o estudo e a escuta das lições, mas não menos importante era o encontro e as trocas assíduas com os outros scholarii”, ou seja, a relação entre os estudantes e entre estudantes e professores. Entoando um “requiem” por aquilo que durou dez séculos e que desde há tempos se encontrava fortemente enfraquecido e ameaçado, Agamben passa a uma analogia que indignou muita gente e pôs outra tanta a pensar: “Os professores que aceitam — como estão fazendo em massa — submeter-se à nova ditadura telemática e manter os seus cursos unicamente online são o equivalente perfeito dos docentes universitários que em 1931 juraram fidelidade ao regime fascista”. E terminava exortando os estudantes a constituírem novas universitates, recusando inscrever-se nas universidades, de modo a fazer nascer “uma nova cultura”.

Recordemos que Agamben sempre usou o seu prestígio para declarar guerra à universidade italiana (dela se retirou, aliás, prematura e orgulhosamente); e que desde há muito tempo se tinha aplicado a diagnosticar a “miséria estudantil”. Do seu ponto de vista, um dos sinais evidentes da degradação universitária é este: a “investigação”, que tem sempre em vista uma utilidade concreta, substituiu o “estudo”, uma palavra que lhe é muito querida, a cuja etimologia e história ele se refere muitas vezes, tendo mesmo escrito uma “idea dello studio” que começa pela afirmação de que “Talmud significa estudo”.

As ideias de Agamben sobre a universidade e a vida estudantil são mais facilmente compreensíveis se soubermos que elas fazem referência e devem muito a alguns textos de juventude de Walter Benjamin, escritos antes e durante a Grande Guerra, quando este filósofo alemão teve uma importante actividade nos movimentos estudantis, em Berlim. Um desses textos, de 1915, chama-se precisamente A Vida dos Estudantes e trata da “posição histórica dos estudantes e da universidade”, no momento presente, aquele em que, para Benjamin e para os seus colegas das associações livres de estudantes, se impõe uma tarefa urgente e revolucionária, com um teor de utopia que os tempos admitiam: fundar uma comunidade de homens conhecedores, em lugar de funcionários e licenciados, que deviam lutar pela arte, ao lado de escritores e poetas. A essa comunidade atribuía Benjamin um “valor espiritual”, ao qual correspondia uma “metafísica da juventude” que serviria de antídoto ao filistinismo da experiência adulta e da vida profissional. Condição indispensável da vida “espiritual” dos estudantes: a “educação erótica” que seria ao mesmo tempo uma erótica da educação.