quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Resultados escolares por disciplinas – 2.º e 3.º ciclos – 2019/2020 - Informação a partir dos resultados das escolas


Os estudos da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), agora publicados, analisam os resultados escolares por disciplina nos 5.º e 6.º anos e nos 7.º, 8.º e 9.º anos, do ano letivo 2019/2020, tendo sido incluída, pela primeira vez, uma análise por género e escalão de Ação Social Escolar (ASE).



Da análise do estudo, destacam-se os seguintes resultados:

Intensificação, em 2019/2020, da tendência de subida das classificações médias e de redução da percentagem das classificações negativas, a todas as disciplinas, observada desde o início da série (2011/2012), o que mostra, à semelhança do que acontece em estudos internacionais, uma melhoria progressiva e consistente do sistema educativo português;
Matemática permanece como a disciplina com uma classificação média mais baixa e com uma percentagem de notas negativas mais elevada (ainda que com melhoria significativa face a 2018/2019);
Educação Física e a Educação Musical são as disciplinas que registam um valor mais elevado, com taxas residuais de classificação negativa e cerca de 70% dos alunos com nota de 4 e 5;
As classificações médias das raparigas são ligeiramente superiores às dos rapazes, em todas as disciplinas, exceto a Educação Física, na qual ocorre o oposto;
As classificações médias dos alunos sem ASE são superiores às dos alunos com ASE-B e as destes superiores às dos alunos com ASE-A, em todas as disciplinas;
As diferenças de médias em função da ASE são ligeiramente superiores em Matemática, Inglês e História e Geografia de Portugal;
Entre os alunos que transitaram com classificações negativas no ano anterior, mais de metade conseguiu obter positiva este ano, com a exceção da Matemática no 6.º, 8.º e 9.º anos;
Mais de 90% dos alunos retidos têm uma classificação negativa a Matemática;
A percentagem de alunos que recuperaram classificações negativas do ano anterior varia pouco com o facto de terem transitado ou repetido o ano (no caso do 5º ano, aliás, a transição teve um efeito positivo na recuperação da classificação negativa a todas as disciplinas, exceto a Matemática, em que o efeito foi neutro).

Este último resultado merece particular relevo, na medida em que atesta, uma vez mais, a baixa eficácia da retenção como medida para a melhoria dos resultados, sendo de estimular outras intervenções, conforme tem sido promovido no âmbito do Programa Nacional para a Promoção do Sucesso Escolar e nas medidas previstas no plano de recuperação das aprendizagens 21|23 Escola+.

Ficheiros:
Blogue: Incluso
Fonte: Governo

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

“A educação escolar está sufocada por enunciados românticos e complacentes”


A educação escolar contemporânea precisa ser repensada. Por várias razões. A tradição de transformar crianças em alunos e alunos em “orelhas”, que debitam informação em instrumentos de avaliação padronizados, continua a fazer escola. Os professores precisam de conquistar mais autonomia escolar e profissional e lançar mão de uma ferramenta essencial. A participação.



“A escola não se transformará enquanto se mantiver fechada sobre si própria e submersa nas culturas escolares seculares que moldam a sua vida organizacional e as vidas profissionais dos professores”, garante Pedro Patacho, professor do Ensino Superior, doutorado em Educação pela Universidade da Corunha, Espanha, vereador da Educação na Câmara de Oeiras, nesta entrevista (...) a propósito do seu livro “Pensar a Educação”.

Que projeto político é este a que chamamos escola? É uma das perguntas que faz no seu livro. Pedro Patacho recua ao passado, para analisar o presente, e pensar no futuro. Há pontos importantes a debater neste caminho umbilicalmente ligado ao desenvolvimento do país. Em seu entender, tomar decisões acerca da educação escolar implica disponibilidade para construir compromissos estáveis e duradouros de política educativa nacional. “Não podemos aceitar que os alunos mais desfavorecidos continuem a ter mais insucesso e dificuldades em construir uma experiência escolar positiva, sendo assim duplamente penalizados”, repara.

A justiça social, a descentralização e o neoliberalismo, a família, a comunidade, os professores, são alguns dos temas da sua obra. Há um longo caminho a fazer. “Não podemos aceitar aprendizagens essenciais decalcadas de programas curriculares muitos deles com 30 anos, sem um profundo trabalho de reflexão sobre os conteúdos culturais que são mais pertinentes para o trabalho escolar na atualidade”, observa.


EDUCARE.PT (E): “Pensar a Educação” é o título do seu livro. O que deve, em seu entender, ser pensado com urgência nessa dimensão tão maior e tão importante sempre colada ao desenvolvimento de um país? O que deve ser a educação, afinal?

PEDRO PATACHO (PP): A educação é um projeto político, coletivo, que transporta uma visão da sociedade, um modelo de pessoa educada. Se pensarmos que a última grande reforma da educação escolar em Portugal aconteceu em 1989, num processo iniciado em 1986, rapidamente chegamos à conclusão de que muita coisa precisa ser repensada. Por uma razão muito simples. Estamos em 2021 e o mundo em que vivemos é muito diferente do mundo de 1989. Não havia Internet, as tecnologias de informação e comunicação davam os primeiros passos, não havia telemóveis, não havia televisão por cabo nem plataformas de conteúdos, o acesso à informação e ao conhecimento era completamente diferente, vivíamos a outro ritmo, tínhamos outras preocupações e centros de interesse, as vivências das famílias e das crianças eram completamente diferentes. Mudaram as famílias, mudou a cultura, mudou a economia e o mundo do trabalho. É evidente que precisamos parar para pensar na educação escolar de que precisamos para fazer face aos desafios do presente, mas muito especialmente aos que emergem no horizonte e dos quais já percebemos os contornos.

E: Fala-se tanto do elevador social da escola, que nenhum aluno pode ficar para trás, do combate ao insucesso e abandono escolares, de um perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória. Os ideais em torno da educação são, de alguma forma, estereótipos repetidos até à exaustão?

PP: A educação escolar está sufocada por enunciados românticos e complacentes, um senso comum de certezas absolutas que ilude uma constatação que todos já perceberam: Não há vitórias fáceis. Porque é um projeto político coletivo, um bem público, tomar decisões acerca da educação escolar implica disponibilidade para construir compromissos estáveis e duradouros de política educativa nacional. Isto significa que todos os implicados têm de ceder nas suas posições de princípio. Qualquer caminho de reforma estrutural requer escolhas ideológicas, desafios burocráticos e administrativos, riscos, planeamento de médio-longo prazo. O que tem acontecido em Portugal é uma gestão casuística dos problemas em função do Governo da ocasião. Enquanto for assim a educação escolar nunca será uma prioridade política, por muito que o digam. Não podemos aceitar que, por esse país fora, as escolas não estejam já todas reabilitadas e requalificadas. Não podemos aceitar avanços, recuos e velocidade de tartaruga na modernização tecnológica das escolas, quando há mais de 20 anos que a Internet e as TIC se consolidaram como bases materiais da maior parte das nossas ações quotidianas e do funcionamento da nossa economia. Não podemos aceitar que o país não tenha uma estratégia para a formação de professores e para o rejuvenescimento e valorização da classe docente. Não podemos aceitar aprendizagens essenciais decalcadas de programas curriculares muitos deles com 30 anos, sem um profundo trabalho de reflexão sobre os conteúdos culturais que são mais pertinentes para o trabalho escolar na atualidade. Não podemos aceitar que os alunos mais desfavorecidos continuem a ter mais insucesso e dificuldades em construir uma experiência escolar positiva, sendo assim duplamente penalizados. Não podemos aceitar muita coisa com que nos habituámos a conviver, não obstante os enunciados românticos, e não termos a coragem de construir o necessário compromisso político nacional para as resolver estrutural e permanentemente. É o desenvolvimento do país e o regime democrático que estão em risco. É o futuro das crianças e jovens, dos nossos filhos, que está em risco.

E: A escola, tal como é e está, continua resistente à mudança? A diversidade cultural e social dentro de uma escola tem sido olhada como uma oportunidade ou como um obstáculo?

PP: A escola da modernidade, herdeira do industrialismo, consolidada nas sociedades ocidentais há um par de séculos, baseia-se em estandardizações de todos os tipos. Na arquitetura escolar, na gestão curricular, nas práticas de avaliação, etc. Estamos a ter dificuldade de libertar-nos dessa tradição intelectual que transformou as crianças em alunos e estes em “orelhas”, cuja principal função é ouvir e acumular informação e conhecimento para debitar em instrumentos de avaliação padronizados. Não quero dizer que não sejam relevantes. Mas a escola não pode ser só isso. Há exemplos positivos de mudança deste paradigma, excelentes exemplos, mas são uma minoria. E é claro que a formação de professores tem de ser repensada. Ainda estamos longe da rutura paradigmática. É evidente que este modelo não lida bem com a diversidade. Quanto mais diversidade – e ela aumentou imenso com a universalização do ensino e a extensão da escolaridade obrigatória – mais dificuldades e desafios para uma escola que não está estruturalmente preparada para lidar adequadamente com a diferença. Mas ao mesmo tempo é na diversidade que reside o maior potencial de transformação da educação escolar, quando começarmos a definir políticas educativas e curriculares mais adequadas à diversidade.

E: Professores desmotivados, cansados, exaustos, que se queixam de demasiada burocracia e da perda do reconhecimento social e profissional por parte da tutela e por parte da sociedade. O que está a acontecer? O que precisa ser revisto e repensado?

PP: A cada dia que passa são atribuídas mais tarefas às escolas e colocadas mais exigências sobre os professores. Consequentemente, os docentes são afastados daquilo que deveria constituir a sua preocupação dominante, ou seja, o trabalho com os seus alunos. É desgastante. Alem disso, os professores estão envelhecidos. Já são quase 45% os professores com mais de 50 anos de idade. É um desfasamento enorme de gerações numa sociedade de mudança intrageracional. E praticamente não têm apoio de outros profissionais. Quando um agrupamento de escolas com mais de 1000 alunos tem um único psicólogo educacional, por exemplo, está tudo dito! Com todos os problemas sociais que hoje estão dentro das escolas, através dos alunos, com todas as solicitações que se dirigem às instituições educativas, e com as exigências de maior flexibilidade e diferenciação das experiências de aprendizagem, é necessário reforçar as equipas escolares com outros profissionais. É tremendamente injusto continuar a responsabilizar os docentes por tudo e mais alguma coisa, em vez de criar uma nova atmosfera colaborativa que passe pela colocação nas escolas de outros técnicos. Os professores que estão nas escolas precisam de apoio para operar um processo de metamorfose da organização e funcionamento da educação escolar. Mas além disso é necessária uma nova estratégia para a formação dos novos professores.

E: O sistema de ensino, como base no que se aprende, com currículos definidos e metas de aprendizagem, com exames nacionais, está bem estruturado para as exigências de uma sociedade que se diz moderna e digital?

PP: A minha opinião é que não está. Há pouco referi-me às aprendizagens essenciais e explicava porquê. Decidiu-se agora fazer cair todas as orientações curriculares e programas, mantendo-se apenas em vigor as aprendizagens essenciais, lidas articuladamente com o perfil do aluno e os normativos da educação inclusiva. São avanços positivos e sinais de esperança. Mas claramente insuficientes. Estruturalmente tudo se mantém na mesma. O império das disciplinas não é minimamente questionado, nem as práticas de avaliação. A questão que não está respondida e à qual os desenvolvimentos mais recentes também não respondem é somente esta: Em 2021, na era da informação e do conhecimento, que conteúdos culturais são os mais pertinentes e adequados para uma educação de qualidade que atenda a toda a diversidade? Encontrar a resposta requer um trabalho complexo, profundo e amplamente participado que ainda não foi feito.

E: Pais mais escolarizados e mais exigentes com quem ensina. Até que ponto a relação entre famílias e professores é fundamental para uma educação capaz, robusta e democrática?

PP: A investigação publicada nas últimas décadas, quer quantitativa, quer qualitativa, assim como várias metanálises, mostra de forma inequívoca que o envolvimento e a participação das famílias na vida escolar dos seus educandos, quer em casa, quer na escola, tem um impacto positivo e duradouro na qualidade da experiência escolar e nos resultados académicos dos alunos. Está demonstrado. Há vários modelos de trabalho testados para construir parcerias escolares com as famílias e a comunidade que tenham impacto nos resultados escolares e na qualidade do ambiente educativo. Todas as famílias, independentemente do seu nível de instrução, podem constituir-se aliados poderosos dos professores e profissionais escolares. Claro que à medida que os níveis de escolarização das famílias se elevam vai haver cada vez mais pressão sobre as escolas e sobre os professores. As escolas têm de abrir-se às famílias e à comunidade. E o argumento democrático não pode ser ignorado, porque a educação escolar é um bem público e, portanto, as famílias e instituições da comunidade interessadas nas questões educativas têm o direito e o dever de participar. De maneira que o seu papel deve ser claro.


E: O que falta fazer para que o debate público sobre o que ensinar, o que trabalhar na escola com os alunos, e sobretudo porquê e para quê, aconteça verdadeiramente?
PP: Um segundo movimento de reforma semelhante ao que aconteceu a partir de 1986. Amplamente participado, gerador de um novo pacto social para a educação. Isto é extraordinariamente relevante. É necessário convocar todas as partes interessadas para um processo aberto e construtivo de debate dessas matérias, para o qual todos têm de ir com disponibilidade para fazer cedências e construir compromissos.

E: Os alicerces que construíram a Escola Pública continuam sólidos e firmes ou têm vindo a perder força e resistência?

PP: Nunca como hoje foi tão importante reforçar a solidez desses alicerces, assentes nos valores da justiça social enquanto concretização democrática. A rua e as relações de vizinhança praticamente desapareceram das vivências das crianças e jovens, que têm hoje existências hiper-reguladas. A escola, enquanto grande espaço público de encontro da diversidade, onde todos aprendem a respeitar-se, a cooperar e trabalhar juntos, a partilhar sonhos, ideais e projetos, de forma solidária e tolerante, não foi tão importante como na atualidade. Os espaços públicos de escolarização são a melhor apólice de seguro do nosso modo de vida democrático e o maior instrumento para construir uma sociedade mais justa. No entanto, também nunca foram tão fortes como hoje as ameaças conservadoras e neoliberais a este modelo de escolarização. Mas este é um debate que tem sido constantemente minado por preconceitos ideológicos, quer à esquerda, quer à direita, que apenas lançam confusão onde deveria reinar a serenidade. É possível promover a integração das redes pública e privada de ensino sem beliscar os valores da justiça social que estão na base do ideal público de escolarização.

E: O ensino aprendeu alguma coisa com a pandemia? A sociedade aprendeu a valorizar a classe docente em tempos tão complexos, com escolas fechadas e alunos a aprender à distância?

PP: A pandemia não resolveu nada. E se há coisa que mostrou é que a educação escolar não dispensa a interação presencial profundamente humana na qual os professores têm um papel decisivo. Mas trouxe o mérito de trazer para o espaço público o debate da educação escolar. Não podemos perder esta oportunidade para criar uma plataforma de entendimento que permita construir um pacto social e político para um novo movimento de reforma estrutural da educação em Portugal, amplamente participado.

E: Na contracapa do seu livro, lança a pergunta “como podem os professores liderar a metamorfose da escola?” Devolvemos-lhe a questão. O que podem fazer?

PP: Precisam, desde logo, de conquistar mais autonomia escolar e profissional. Mas, sobretudo, lançar mão de uma ferramenta essencial: a participação. A escola não se transformará enquanto se mantiver fechada sobre si própria e submersa nas culturas escolares seculares que moldam a sua vida organizacional e as vidas profissionais dos professores. A participação de outros atores é a chave da mudança da cultura escolar. Uma participação que só pode ser liderada pelos professores. Ao fazê-lo, enquanto líderes e organizadores de novos contextos escolares, reconquistarão o prestígio social e a autoridade profissional que tem vindo a esboroar-se. Não é tarefa fácil e levará tempo. Mas não podem esperar mais.

Fonte: Educare

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Antes de aprender é preciso descobrir a beleza das coisas


Por
FRANCISCO SIMÕES
Escultor
JM / 13/08/2021 

Quando comecei a ensinar os meus alunos a plantar morangueiros, tomateiros, feijões e flores não iniciei a actividade mostrando e utilizando os sachos, as pás, as enxadas, as tesouras.




Mostrei-lhes os terrenos disponíveis, mostrei-lhes jardins, hortas, parques infantis. Chamei a atenção para as árvores, para as suas belas formas, os seus troncos e folhas, as suas lindas cores, pedi-lhes que tocassem e vissem, sentissem com as mãos as texturas.

Pedi-lhes que fechassem os olhos e inspirassem o perfume das árvores, das flores e do campo.

Finalmente, chegados aos terrenos da escola mostrei-lhes e expliquei para que serviam e como utilizar as ferramentas.

Quando comecei a ensinar os meus alunos a desenhar não lhes dei papel nem lápis, mostrei-lhes a natureza, as montanhas da Serra d’Água, o mar na vila da Ribeira Brava, os peixes e os frutos no mercado, mostrei-lhes pedras, madeiras, plásticos, ferros, tecidos, cartões e pedi-lhes que, de olhos fechados, fossem vendo com o tacto a diferença das temperaturas e das texturas de cada matéria que estávamos tacteando.

Mostrei-lhes que podíamos falar com a natureza. Que uma flor murcha me estava a dizer que tinha sede, que um fumo lá ao longe me estava a dizer que havia fogo ou que as nuvens muito escuras me estavam a avisar que poderia chover. Só finalmente lhes dei papel e lápis para desenharem o que já tinham aprendido a ver com os sentidos todos.

Quando comecei a ensinar-lhes poesia comecei por ouvir muitos poemas, cantar muitos poemas e por teatralizar outros e, finalmente, eles começaram a escrever contos poéticos fascinantes e, por palavras ditas e escritas, abriam o mundo encantado que existia na caixa mágica das suas imaginações.

Quando lhes ensinei matemática, recolhíamos os frutos das nossas hortas em grupos pares ou dezenas, constituíamos conjuntos, estabelecíamos comparações percentuais e elaborávamos estatísticas.

Finalmente fazíamos contas para completar com precisão o que tínhamos matematicamente compreendido.

A beleza da matemática, a beleza das letras e da poesia, a beleza das formas, das cores dos desenhos vem da experiência da beleza sentida em cada coisa. Essa experiência da beleza das coisas chega antes das próprias coisas.

Depois chegam os livros, cada livro é um mundo com muitas portas e muitas janelas para abrirmos e descobrirmos e inventamos novos mundos, novas experiências e novas coisas belas.

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Estudo revela que um em cada quatro jovens tem sintomas de depressão elevados


Um estudo de análise, efectuado à escala global, estima que um em cada quatro jovens (25,2%) tem sintomas de depressão elevados e um em cada cinco (20,5%) apresenta sintomas de ansiedade altos devido à pandemia da covid-19. O trabalho, uma metaanálise de 29 estudos em que participaram 80.879 jovens de várias regiões do mundo, foi realizado por cientistas da Universidade de Calgary, no Canadá, e publicado na revista científica JAMA Pediatrics.



Em comunicado, a universidade realça que os sintomas de depressão e ansiedade duplicaram, em comparação com as estimativas de pré-pandemia, nas crianças e adolescentes. Segundo a metaanálise, que incorpora estudos da Ásia Central, Europa, Médio Oriente e das Américas do Norte, Central e Sul, são as raparigas e os jovens mais velhos quem demonstram níveis mais elevados de depressão e ansiedade.

Com base em estudos anteriores sobre doenças mentais na infância e adolescência, a investigação avança que o sexo feminino foi associado ao aumento dos sintomas depressivos e de ansiedade. A susceptibilidade biológica, baixa auto-estima, maior probabilidade de ter sofrido violência interpessoal e exposição ao stress associado à desigualdade de género podem ser factores que contribuem para este aumento.

“Estar socialmente isolado, afastado dos amigos, das rotinas escolares e das interacções sociais revelou ser muito duro para as crianças”, assinalou uma das co-autoras do estudo, Sheri Madigan, citada pela agência noticiosa Efe, enfatizando que os índices de ansiedade e depressão aumentam quando são impostas mais restrições.

Já a elevada taxa de depressão em jovens mais velhos pode estar relacionada com a puberdade e as mudanças hormonais, para além dos efeitos adicionais que o isolamento social e o distanciamento físico tiveram em crianças mais velhas que dependem da socialização com os colegas.

Outra das autoras, Nicole Racine, salientou que o “apoio social” dado aos jovens pelos amigos “diminuiu em grande medida ou, em alguns casos, faltou por completo durante a pandemia”, devido aos confinamentos prolongados. “Estes jovens não imaginavam que, quando se formassem, nunca chegariam a despedir-se da sua escola, dos seus professores ou amigos (...) e há um processo de luto associado a isso”, sustentou a psicóloga clínica.

A investigação refere ainda que o isolamento social contínuo, as dificuldades financeiras familiares, os marcos perdidos e as interrupções na escola possam estar a aumentar com o tempo para os jovens e a ter uma associação acumulativa.

O índice global de doenças mentais observados em crianças e adolescentes no primeiro ano da pandemia da covid-19 indica que “a prevalência aumentou significativamente, permanece alta e, por isso, requer atenção para o planeamento da recuperação da saúde mental”, lê-se no estudo. Por esta razão, ambas as investigadoras pedem mais apoios para a saúde mental de crianças e adolescentes em momentos críticos como uma pandemia.

Fonte: Público 

domingo, 8 de agosto de 2021

Brincar, a forma mais natural de aprender


O que deveria ser natural – brincar – está a tornar-se mais uma necessidade básica que é importante suprir. Nas escolas, as crianças passam cada vez mais tempo com a roupa imaculada, sem experimentarem a textura da terra, a frescura da relva, o cheiro das flores, o prazer de correr à chuva ou saborear o sol, o vento na cara, o ar livre. Com a pandemia, tudo se agravou. Quando em Carlos Neto falou ao EDUCARE.PT, na sequência do confinamento, era esse foco que colocava no centro do problema: “desconfinar as crianças de casa e confiná-las na sala de aula, estando quietas, sentadas e caladas é um disparate completo”, considerava o investigador professor catedrático da Faculdade de Motricidade (FMH) Humana da Universidade de Lisboa (e um dos maiores especialistas mundiais na área da brincadeira e do jogo e da sua importância para as crianças). Carlos Neto continua a insistir ao longo do tempo na importância das atividades de “brincar livre, e no espaço exterior”. Ou seja, “por a sala de aula lá fora”, permitindo a socialização das crianças e jovens “com os seus amigos, estar em contacto físico com eles, fazer brincadeiras, de fuga, de perseguição, de lutas”.



O autor de vários estudos sobre a importância do brincar desenvolve toda a teoria que já tornou pública através do livro “Libertem as Crianças”, publicado em 2020, e lembra que a pandemia veio apenas agravar de forma substancial um cenário que há anos toma conta da sociedade: a secundarização do brincar. Carlos Neto fala da sua experiência com crianças dos 3 aos 12 anos e também de alguns estudos que ele e a equipa têm feito na FMH.

Por todo o país têm surgido projetos que colocam o brincar num plano principal, dentro e fora das escolas. Um deles é o Brincar de Rua, em Leiria, cujo mentor, Francisco Lontro, não se cansa de elencar as vantagens e a urgência de devolver a rua às crianças, para um crescimento saudável. “Um dos pilares do Brincar de Rua é pensar nas crianças enquanto um ser capaz. Mas, sobrecarregadas entre agendas escolares e atividades extracurriculares… haverá espaço para serem elas próprias, com respostas não padronizadas e tempo para acreditar que realmente é capaz?”, questionava num seminário da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria, sobre “Criança capaz: perspetivas sobre a importância de brincar na rua para o desenvolvimento e bem-estar da criança”. Licenciado em Educação Especial e Reabilitação, com especialização em Psicomotricidade na área de Saúde Mental da Infância e Adolescência, Francisco Lontro considera que “em vez de restringir, devemos dar espaço à criança e liberdade de autonomia”.

“É óbvio que há responsabilidade da escola ao aniquilar a criatividade das crianças, mas enquanto sociedade estamos a aniquilar a construção da infância e um dos pilares do que é ser pessoa. Não estamos a fertilizar o chão da coragem das crianças, a coragem do dia a dia, a ousadia de enfrentar um novo desafio…. Negligenciamos o corpo (as crianças são reféns de um cérebro apagado); esperamos futuros prodígios, mas esquecemo-nos que a infância é altura de abrir caminhos e explorar novos. Este é um dos grandes benefícios de brincar (do brincar não estruturado)”, defende Francisco Lontro.

A escola alternativa que privilegia o brincar

Os atores Catarina Santana e André Louro dedicam-se há vários anos ao projeto da Comunidade Educativa das Cerejeiras, que agora tem sede numa antiga escola do Rabaçal, no concelho de Penela.

Depois de instalados na Chanca – uma aldeia onde criaram uma companhia de teatro profissional – veio o choque com a realidade quando os filhos começaram a frequentar o pré-escolar. Perceberam que o cenário idílico que imaginavam naqueles montes e vales da serra de Sicó era uma miragem, nalguns aspetos. Uma expectativa defraudada. “Os meninos estavam fechados dentro de um edifício, desde manhã até à tarde, sem saírem para o exterior sequer”. Eram 11 crianças para 3 adultos, numa região em que chove muitas vezes e noutras faz frio. Num dia, Catarina chegou ao infantário e teve uma epifania: vê-los a colorir um desenho de um trator. “Viemos nós para um sítio ainda cheio de tratores, em que as pessoas poderiam mostrá-los e ficariam contentes por isso, por ter essa ligação com as crianças, e afinal aquilo não fazia sentido. Isso serviu também para percebermos qual é que poderia ser o nosso papel”. Acabou por ser um papel principal. “Um dos grandes problemas já era a falta de pessoas, mas pareceu-me nessa altura que se estavam a educar as pessoas para o êxodo rural, desde pequeninos, ao não fazer essa ligação com o meio em que estavam inseridos”, sublinha Catarina.

Foi nessa viagem pela educação pré-escolar, pela infância dos filhos e pelo repovoamento que encontraram outros pais com as mesmas preocupações. E foi assim que nasceu o projeto de uma “escola” alternativa, como a comunidade educativa que acabaram por criar na aldeia das Cerejeiras, numa antiga escola primária desativada há uma década. Mais tarde, o pré-escolar do Rabaçal (que conheciam da experiência inicial, pois foi jardim de infância depois de ser escola primária) acabou por fechar. Manteve-se o nome do projeto: Comunidade de Aprendizagem das Cerejeiras. Afinal, trata-se do ensino doméstico acompanhado, num trabalho pedagógico coordenado pelo professor Adriano Félix. Licenciado em Letras e Pedagogia pela Universidade de São Paulo, mestre em Educação, veio do Brasil em 2018 para fazer doutoramento em democratização do currículo (construído a partir da criança), inovação pedagógica e comunidades de aprendizagem. Vinha atrás da conhecida Escola da Ponte, e pelo caminho descobriu as Cerejeiras.

A ele juntam-se mais duas pessoas que dividem o seu tempo inteiro, “e depois um projeto de voluntariado em que vêm professores aprender connosco”. No final de cada ciclo fazem o exame que lhes dá equivalência, sem perder de vista que o ensino doméstico está em linha com o grau de formação dos pais. A grande diferença? Brincam muito, todos os dias – e assim aprendem também. A equipa completa-se com membros da comunidade que se voluntariam para fazer algumas atividades. É o caso de três professores reformados, ingleses, que vêm desenvolver atividades com as crianças. André Louro recorda que “uma delas vai lá uma vez por semana ensinar lavores. Só fala inglês. E assim matamos três coelhos com uma só cajadada. Eles têm que se desenrascar e aprendem a falar com ela. Outro era professor numa escola técnico-profissional em Inglaterra, de canalização e aquecimento e faz construções com eles, no jardim”. É o caso do baloiço da entrada e das casas de pássaros que moram no recreio. Da escola convencional, só restam mesmo as paredes.

“O currículo é muito abrangente. É um processo mais lento, não estão sentados numa carteira a aprender conteúdos curriculares. Porque não é mais importante fazer uma ficha de matemática do que construir uma casa de pássaros. Tudo é conhecimento e tudo é saber. E a metodologia que temos estado a encontrar é sempre um desafio: eles saem muito, jogam pela aldeia toda aos polícias e ladrões, vão aprender matemática para o cemitério, para o café ou minimercado, recolhem histórias pelas casas dos vizinhos, e depois trabalham-nas em Português”, conta Catarina.

Em tempo de férias, a comunidade das Cerejeiras está aberta a receber outras crianças e proporcionar workshops, mediante informação e inscrições na página da internet.

A liberdade entre montes e vales

É em plena Serra do Açor que fica o centro comunitário Folha Verde. Na vila da Benfeita, chamam-lhe escola, embora não o seja. As crianças que o frequentam estão todas em ensino doméstico, tal como nas Cerejeiras. O projeto começou antes do fogo de 2017, que lhe consumiu as instalações. O Folha Verde acabaria por ficar suspenso um ano, mudando-se para o vale da Lomba do Pousio em outubro de 2018.

E o que fazem as crianças, ao longo de todo o dia? “Brincam muito, que é essencial. Aprendem muito sobre as relações, com os outros, consigo próprios – sobre as suas emoções – e a relação com a natureza. Porque tudo se resume a isso: olhares para ti, para o outro e para a terra que te rodeia”, afirma uma das voluntárias.

Na Folha Verde o dia começa pelas 9h30. Nessa altura define-se quem são os pais que vão ajudar naquele dia, fazem-se turnos de atividade. Adrian Jennings, um dos pais envolvido no projeto, cedeu boa parte do espaço físico. Era um antigo lagar de azeite em ruínas, quando o comprou. Carpinteiro de profissão, o inglês, de 59 anos, foi ajudando a moldar o Centro.

Juntaram-se vontades e meios, através de um crowdfunding, e assim apareceram os materiais para a cozinha, a sala de refeições, e até uma pequena biblioteca. “A única condição para fazer parte do projeto é os pais terem disponibilidade e energia para o integrar. Não é chegar aqui e deixar as crianças, porque isto não é um jardim de infância, nem uma escola”.

Em Pombal, no distrito de Leiria, acaba de nascer mais um projeto similar: Escola Natureza +. Criado há poucos meses, usa também como base o edifício de uma antiga escola primária, na aldeia da Roussa, próxima da cidade. “Nasceu para servir as crianças/jovens, oferecendo programas lúdico-pedagógicos, campos de férias e outras atividades num ambiente onde a Natureza serve de recurso e simultaneamente é cúmplice”. O projeto pretende ser “uma alternativa para proporcionar experiência únicas e momentos inesquecíveis a todas crianças, ajudando assim que tenham um crescimento saudável, tornando-se mais resilientes, autónomas, criativas e com maior autoestima”. Privilegiando sempre o brincar.

Fonte: Educare

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Ranking das escolas: onde irá parar a escola pública?


A partir de dados disponibilizados pela Direção Geral da Educação, uma equipa de quatro alunos da pós-graduação em Entreprise Data Science and Analytics, da NOVA IMS, na qual me incluo, desenvolveu uma ferramenta que permite trabalhar os dados referentes aos rankings das escolas, num conjunto assinalável de variáveis.


Disponibilizamos hoje, aqui, a análise comparativa entre o ensino público e o ensino privado. A tendência do número de escolas públicas no Top 50 do ranking de escolas tem de fazer pensar. A projeção aponta que em 2022 não haja qualquer escola pública neste Top 50.



Gráfico realizado com base nas escolas com mais do que 60 exames/ano


Após 20 anos de rankings, a discussão continua escusadamente centrada em três grandes temas: as diferenças de performance entre a escola pública e privada, o aumento das desigualdades entre as duas e, a utilidade ou inutilidade da publicação dos rankings das escolas.

A discussão devia estar centrada na qualidade de ensino, nos professores e principalmente nos alunos que são o fim último do sistema de ensino. Tudo o resto é, ou devia ser, acessório, porque desvia o foco do essencial. O fato de um aluno ter estudado numa escola pública ou numa escola privada deveria ser irrelevante. Por exemplo, quando perguntamos a alguém onde estuda ou ensina, não costumamos obter como resposta o tipo de escola, mas sim, que estudou ou ensinou na escola x ou no colégio y, que por acaso são ou uma escola pública ou privada. O tipo de escola é, ou deveria ser, apenas um meio para chegar a um fim, que é garantir o melhor ensino possível aos nossos alunos. O tipo de escola também não tem utilidade para a entrada na faculdade. Não existem, e ainda bem, lugares reservados para alunos provenientes de escolas públicas nem privadas. O ditado popular que diz que os fins não justificam os meios, devia ser complementado, neste caso, com, os meios não se devem sobrepor aos fins. Mais importante do que saber se uma escola é pública ou privada seria conhecer a pedagogia, o método de ensino, os valores que a escola pretende transmitir, o propósito formativo, o quadro de professores, etc.

Ter como objetivo a diminuição das desigualdades, também não parece ser o melhor caminho para melhorar o ensino em Portugal, pois, esta diminuição deve ser uma consequência da melhoria total do sistema de ensino e não o seu objetivo. Deve-se sim, procurar ativamente a igualdade de oportunidades para todos. As abordagens podem parecer semelhantes mas são opostas: a diminuição das desigualdades costuma conduzir ao nivelamento pelo mínimo enquanto o fomentar da igualdade de oportunidades costuma potenciar o máximo de cada um.

A discussão sobre a bondade dos rankings das escolas também é redutora. Na realidade, o que analisamos são resultados de exames, que são usados para ordenar escolas, levando muitos a considerar que o lugar de cada escola no ranking reflete todo o seu valor, e o valor dos seus professores e alunos. Portanto, o modo de utilizar os dados é que pode ser valorizado como bom ou como mau. Os rankings dizem-nos algumas coisas, não nos dizem tudo. São muito incompletos, podem em muitos casos ser injustos, por não refletirem toda a realidade, mas dão-nos informações importantes. Podemos e devemos aprender com eles, aprender a usá-los e melhorá-los de ano para ano. Com eles podemos corrigir erros, antecipar tendências, melhorar estratégias, etc.

Como podemos dar um passo em frente e sair deste círculo vicioso.

Uma primeira grande diferença entre o ensino público e privado está na autonomia. O ensino privado escolhe alunos, método de ensino e principalmente, professores. Graças a isso, pode ter um corpo docente mais estável, que em muito deve contribuir para a sua melhor classificação nos rankings. Outra grande diferença é o facto de a escola privada ter de prestar permanentemente contas aos seus alunos e pais. Tem de os conquistar. Se não prestar um bom ensino, tem uma grande probabilidade de perder alunos ano a ano, começando pelos mais exigentes. Os professores das escolas privadas, têm mais incentivos para melhorar a sua formação e melhorar os seus métodos de ensino, de modo a corresponder ao que a escola e os alunos esperam de si, pois não progridem na carreira exclusivamente por antiguidade. As escolas privadas também têm de garantir uma gestão muito cuidada pois, se derem prejuízo, poderão ser obrigadas a fechar. É interessante notar como, no caso da universidade, a necessidade de atrair alunos e a relativa exigência na contratação e progressão dos professores leva as universidades públicas a terem, em geral, melhores resultados que as privadas.

Face ao exposto, uma solução, fácil de entender embora laboriosa de implementar, seria dotar cada uma das escolas com aquilo que lhes falta: às escolas públicas, dar-lhes a autonomia que lhes falta e às escolas privadas dar-lhes a possibilidade, que lhes falta, de serem escolhidas pelos diversos alunos independentemente das suas capacidades financeiras.

Samuel Faria
Fonte: Expresso

domingo, 1 de agosto de 2021

“O Bullying deve ser encarado com urgência como um problema estrutural”


Os dados mais recentes mostram que a pandemia e dois confinamentos não foram o bastante para impedir que o fenómeno do bullying crescesse em Portugal. Criado em janeiro de 2020, dois meses antes de declarada oficialmente a pandemia à escala mundial, o Observatório Nacional do Bullying (ObNB) é uma iniciativa da Associação Plano i, cujo objetivo é mapear o fenómeno do bullying em Portugal com base nas denúncias informais efetuadas por vítimas, ex-vítimas, testemunhas e pessoas que tiveram conhecimento da vitimação. De resto, só durante o primeiro período de confinamento motivado pela pandemia por COVID-19, “foram reportados ao ObNB cinco casos, quatro de ex-vítimas e um de uma vítima, três raparigas e dois rapazes. Num dos casos, a vitimação ocorre desde 2017”, revela aquela organização.



A verdade é que em menos de dois anos o ObNB tem feito a diferença em todo o território nacional. Porque apesar do tema fazer parte da esmagadora maioria dos planos de ação dos agrupamentos, e do combate ser unanimemente referido em todo o universo escolar, o flagelo faz-se sentir cada vez mais. A poucos dias do final do ano letivo, mais um caso chocou o país: no Seixal, três raparigas adolescentes foram filmadas a fazer bullying a um rapaz que acabou por ser atropelado enquanto fugia das agressões. As jovens acabaram por ser suspensas pela escola. É um entre as centenas de casos que chegaram ao conhecimento do Observatório, que logo no seu primeiro ano de funcionamento registou um total de 407 denúncias, 307 realizadas por pessoas de sexo feminino e 100 por pessoas de sexo masculino. Mas este ano o número foi superado.

Paula Allen, vice-presidente da Associação Plano i e co-coordenadora do ObNB, disse ao EDUCARE.PT que, para além das respostas aos pedidos de apoio - 466 denúncias e 204 pedidos de ajuda -, o grupo tem desenvolvido várias ações de sensibilização e formação para pais, docentes, assistentes operacionais técnicos da área psicossocial, entre outros.

“Lembramos que o Observatório Nacional do Bullying, e a equipa de especialistas que o coordena e realiza as ações de sensibilização/formação, trabalha gratuitamente uma vez que o projeto não se encontra financiado”, ressalva aquela responsável.


Projeto-piloto em Matosinhos


A Associação Plano i desenhou recentemente um projeto denominado Bairros Sem Bullying, que será financiado pela linha de Bairros Saudáveis e que irá permitir trabalhar esta matéria com crianças, jovens, famílias, profissionais de Educação e de Ação Social em conjuntos habitacionais e escolas de Matosinhos, durante cerca de um ano. Paula Allen adianta que estará pronto a arrancar dentro de um mês e que será um projeto de intervenção múltipla, de fora para dentro, “um pequeno exemplo do muito do que se pode fazer”.

“O bullying deve ser encarado com urgência como um problema estrutural que deixa marcas sérias e que atinge muitas crianças e jovens. Não se pode continuar a trabalhar nesta área de forma reativa e pontual. É urgente mudar o paradigma e prevenir, efetivamente”, sublinha Paula Allen.

De acordo com os dados revelados em janeiro deste ano no último relatório do ObNB, em 67% dos casos as pessoas denunciantes são encarregadas de educação das vítimas ou ex-vítimas. A média de idades das pessoas denunciantes é de 32 anos e na sua maioria tiveram conhecimento da existência do ObNB através das redes sociais. Em 66.3% casos chegaram ao Observatório através dos media tradicionais, em 13% dos casos por via de pessoas amigas ou conhecidas e há ainda7.9% de outras fontes.

A adolescência continua a revelar-se o ponto mais crítico em matéria de faixas etárias no que toca a esta questão. A média de idades de quem sofreu bullying é no caso das raparigas de 11.84 e no caso dos rapazes de 11.67 anos. Em 11.3% dos casos o bullying foi praticado quando as vítimas frequentavam o 5.º e o 7.º anos respetivamente e, em 10.6%, o 6.º ano. A média de idades de quem o praticou é no caso das raparigas de 12.56 e no caso dos rapazes,de 12.37 anos, sendo que a maioria dos agressores são do sexo masculino (211), seguindo-se depois os do sexo feminino (134).

Quando e onde acontece o bullying

O relatório disponibilizado pelo Observatório indica ainda que em 94.6% dos casos, tanto as vítimas como as pessoas agressoras frequentavam o mesmo estabelecimento de ensino. De resto, no que respeita ao modus operandi, na maioria dos casos continua a ser presencial (74%). Apenas em menos de 5% dos casos a violência é exercida online, e em 20% dos casos é um misto dos dois. Geralmente acontece no recreio, durante os intervalos, mas também antes mesmo das aulas começarem ou à hora de almoço.

Já os motivos que estarão na origem da prática de bullying são diversos, embora o aspeto físico surja à cabeça de todos: 51,80%. Seguem-se os resultados académicos (34,89%), a idade das vítimas (16,50%), a diversidade funcional (13,30%), o sexo (12%), a orientação sexual (9,10%), a nacionalidade (4,80%). A etnia e a identidade de género são ainda motivos apontados pelas vítimas, cada uma delas com pouco mais de 4% dos casos.

O último relatório do ObNB revela ainda que 24.3% dos casos ocorreram no distrito do Porto, 20.9% no de Lisboa, 10.6% no de Braga e 8.1% no de Setúbal. Em todas as vítimas o bullying deixa um rasto de destruição, que se traduz em impactos diversos. A maioria das vítimas revela dificuldades de concentração, tristeza, distúrbios de sono, ansiedade, nervosismo, vergonha e dores de cabeça.

O Observatório disponibilizou um formulário online que visa a recolha informação sobre a ocorrência de situações de bullying em Portugal.

Para mais informações, consulte:

Fonte: Educare