quarta-feira, 28 de julho de 2021

“Brincar cria auto-estradas no cérebro”


Até aos três anos, o desenvolvimento cerebral é mais rápido do que em qualquer outra altura da vida: passa de ter um tamanho de cerca de 25% do cérebro de um adulto, a média observada no nascimento, para ostentar uma dimensão de 80%. “O ritmo das sinapses é alucinante, há mais de um milhão de sinapses por segundo”, confirma, a propósito do Dia Mundial do Cérebro, que se assinala esta quinta-feira,​ Raquel Corval, investigadora do laboratório colaborativo ProChild CoLAB, parceiro da Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso, que pôs em marcha a campanha Primeiros Anos a Nossa Prioridade.



A psicóloga explica, porém, que o ritmo dessas sinapses, responsáveis pela comunicação entre dois ou mais neurónios, “está muito associado às experiências que se tem”, o que explica a agitação que os bebés revelam ao fim de um dia. Para que o processo decorra naturalmente, Raquel Corval defende que “não se deve sobreestimular nem o inverso”, sublinhando a importância do sair à rua na exploração sensorial que ocorre nos primeiros tempos de vida, até porque “a estimulação é essencial para o cérebro”, sendo que a mesma começa sempre pelos cuidadores primários, os pais.

Serão estes, a par de outros cuidadores directos, que, como explica Andreia Furtado, especialista na lógica da aprendizagem, parentalidade e interculturalidade e psicóloga na Fundação Aga Khan, “criam no bebé a capacidade para brincar”, sendo que “é a brincar que as crianças aprendem a aprender, sendo fundamental para o neurodesenvolvimento”.

E, nota a psicóloga, essa predisposição para brincar começa muito antes, ainda durante a gestação, “na mente dos pais quando reconhecem um ser único, cheio de potencialidades”. Serão estas interacções que servirão de semente para a predisposição do bebé conhecer o mundo.

“Sabemos que durante o último trimestre de gravidez, no parto e após o nascimento se estabelecem milhares de conexões no cérebro do bebé, que o tornam receptivo e permeável ao mundo”, aponta Andreia Furtado, sublinhando que é precisamente o “brincar que vai permitir que aquelas conexões se complexifiquem e especializem”. “Brincar cria auto-estradas no cérebro”, afirma.

No entanto, para que haja uma equação perfeita é essencial o envolvimento dos pais: “Não basta estarem no mesmo espaço; é preciso que estejam disponíveis para se envolverem ela”, conversando, olhando, tocando, improvisando e, até, legendando a experiência da criança. Como resultado, são desenvolvidas “importantes funções cognitivas e habilidades socioemocionais”, como a memória, a concentração, a capacidade de resolução problemas, empatia…

Para que os pais consigam ir ao encontro do bebé, Andreia Furtado considera essencial que estejam predispostos a “ensaiar, errar, aprender, escutar, partilhar, tolerar, começar, terminar, começar de novo”. “Levem uma mala gigante de verbos preciosos e partam à descoberta, sem medos”, declara, considerando que, para tal, o primeiro passo poderá passar por se libertarem dos milhares de conselhos que chegam de toda a gente com quem se cruzam e irem “ao encontro da criança, com abertura e curiosidade”.


A importância do colo


“O bebé humano não consegue desenvolver-se sozinho; o desenvolvimento acontece na relação”, explica Raquel Corval, observando que “o vínculo se organiza ao longo do primeiro ano de vida”, mas que o mesmo pode e deve ser direccionado pelo adulto, sendo “o colo nos primeiros tempos particularmente importante”.

“Nascemos com a capacidade inata de procurar conforto, tendo o contacto físico consequências no desenvolvimento, inclusive da arquitectura cerebral.” Nesse sentido, defende a investigadora, “nos primeiros tempos, não há que ter medo de dar colo”, já que é nele que o bebé encontrará conforto, podendo ainda promover o desenvolvimento do tacto. No entanto, ressalva, há que encontrar um equilíbrio, “definir as regras do jogo” e “perceber o que a criança precisa”, porque o colo não resolve tudo e a experiência da frustração também acarreta aprendizagem.

Ainda assim, e mesmo que se permita que a criança experimente a frustração, é importante que ela saiba que tem um adulto disponível. E, à medida que o bebé cresce e a linguagem começa a entrar na equação, devem ser introduzidas outras variáveis que complementem e não substituam o toque afectivo.

Já a capacidade de brincar da criança, à medida que o cérebro amadurece, vai evoluindo e os pais vão sendo relegados para segundo plano: “a imitação e a repetição abrem espaço para a abstracção e criação”, nota Andreia Furtado. “Sobretudo a partir dos 18 meses, as crianças começam a interessar-se de forma mais intencional por outras crianças e a elegê-las como parceiros de brincadeira.”

O que não significa que os pais se devam demitir desse papel. “Devemos lembrar-nos que brincar não serve apenas o desenvolvimento das crianças. Os espaços e os tempos de brincar também servem o desenvolvimento das competências dos pais para o cuidado e para a relação com as crianças.”

Carla B. Ribeiro
Fonte: Público por indicação de Livresco

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Método Montessori. A criança no centro da aprendizagem


Itália, século XIX, Maria Montessori desbravava caminhos nunca antes explorados e fazia-o com profundidade e intensidade. Foi uma das primeiras mulheres a estudar Medicina no seu país, dedicou-se a dar condições dignas de vida e de aprendizagem a crianças com deficiência, que estavam internadas em instituições psiquiátricas. Um projeto a três com mais dois colegas. Inovador e com resultados visíveis, palpáveis. Maria Montessori voltaria a estudar, queria perceber melhor a antropologia pedagógica, a psicologia experimental, a educação, seus detalhes e filosofias.



Depois disso, Maria Montessori abriu uma escola na periferia de Roma para testar novos métodos de ensino. Nascia assim a Casa das Crianças num ambiente livre e adaptado às necessidades de desenvolvimento e curiosidade dos mais pequenos. Em 1907, pelas suas mãos e pensamentos, ideias e ideais, nascia o Método Montessori que não tardou a saltar fronteiras, a espalhar-se pelo mundo, e a ganhar adeptos. Portugal não foi exceção.

Maria Montessori viajou por vários países para falar sobre uma nova ciência de educação e para colaborar com professores espalhados por diversos pontos do planeta. Partilhou descobertas e observações que fazia em ambientes diversos, seus pensamentos e práticas. O desenvolvimento visto de forma integral e profunda. A criança no centro do seu crescimento e desenvolvimento. A criança como um ser ativo que se constrói a si e à humanidade.

Rosana Fernandes é mãe, psicóloga, diretora da Escola Montessori do Porto que surgiu em 2019 e que, neste momento, tem cerca de 60 bebés e crianças dos 18 meses aos seis anos de idade. O projeto nasce de uma necessidade pessoal, da procura por propostas de um ensino alternativo, da vontade de uma abordagem que abrangesse várias dimensões. Tudo fez sentido numa formação de Montessori. “O que me encantou? Acima de tudo, colocar a criança no centro da aprendizagem, retirar o foco do professor e do educador e colocá-lo na criança”, conta (...).

As crianças querem conhecer, aprender, explorar. O ambiente é preparado para que tudo aconteça com naturalidade. O adulto, sempre atento, só intervém quando é estritamente necessário e de forma a fomentar a autonomia e a independência de quem absorve o mundo. Neste método, o adulto anula-se, adota uma postura mais passiva, entra em cena quando a criança precisa. “O adulto é o maestro, mas que sai do centro da aprendizagem”. E isso faz toda a diferença. É como, adianta Rosana Fernandes, “replicar a sociedade, a comunidade, a vida, num microambiente na sala de aula.” Nesse sentido, as crianças aprendem, percebem como enfrentar dificuldades, gerir frustrações, saber esperar, ter paciência. Escolhem, organizam, planeiam, decidem.



Ambiente preparado, aprender com entusiasmo


Joana Rebelo é mãe, psicóloga, guia Montessori na Escola do Porto, tem os dois primeiros anos do curso de Educação Básica, e tem horas e horas de treino e de observação para dar às crianças o que elas precisam e solicitam. Há uma frase de Maria Montessori que faz questão de lembrar: “Eu não ensino nada, as crianças é que aprendem”. Com estímulos, com materiais na sala e nos espaços no exterior, através de atividades que encaixam nos seus interesses, nas suas preferências.

Há três pilares fundamentais neste método: ambiente preparado, adulto preparado, a forma como se olha para a criança. “É a criança que está no centro de tudo, é a protagonista”, sublinha Joana Rebelo. Uma criança que gosta de dinossauros pesquisa sobre o assunto e, de repente, fala-se sobre esses animais na sala, diz-se o som da primeira letra do nome das suas espécies em voz alta, essa sonoridade fonética, contam-se os números desses bichos. “Aprendem e descobrem com outro entusiasmo, aprendem com emoção”, sustenta Joana Rebelo.

As crianças querem aprender, explorar o mundo com todos os sentidos em alerta. “As crianças decidem o que querem fazer, o tempo que querem fazer, as vezes que querem repetir. O adulto interfere o mínimo possível e as crianças acabam por explorar o material além do objetivo”. Tudo é aprendizagem, tudo importa, tudo interessa.

A Escola Montessori do Porto apresenta-se com várias frases. “Educamos para a vida” é uma delas. É uma escola que “oferece à criança um ambiente especial, onde ela possa explorar os seus interesses, crescer com curiosidade, mente crítica e vontade de aprender”. Uma escola com atividades de estimulação cognitiva, motora, sensorial e social para crianças em idade pré-escolar e escolar e um centro de formação. Para que, acima de tudo, as crianças sejam felizes nesse caminho que se constrói todos os dias.


As crianças partem à descoberta do que as rodeia de acordo com os seus interesses. Disponibilizam-se materiais, compõe-se a sala consoante essas vontades. Há liberdade para escolher, liberdade para fazer. “É uma liberdade com limites, sabem quais são as regras”, adianta Rosana Fernandes. Acompanhamento de perto, ensino mais individualizado consoante as necessidades de cada um. “Nesta escola, as crianças têm toda a autonomia”. Dessa forma, educa-se para a vida, as capacidades, as funções executivas, a flexibilidade do próprio pensamento, o espírito crítico, a adaptação ao que é novo e diferente. Ainda não há um grande número de projetos Montessori, há um grande interesse das famílias, mas ainda não há muita formação em Portugal.


Respeitar, perceber, observar, ouvir


Márcia Carvalho é mãe de dois filhos, o primeiro tem três anos e meio e está na Escola Montessori do Porto. O segundo tem sete meses e, quando tiver idade, seguirá o exemplo do irmão. “Sempre achei que, a nível de educação, não me identificava muito com o método tradicional”, confessa. Com fórmulas formatadas, operações demasiado formuladas, a formação sempre igual, narrativas que não mudam. “Ninguém dá voz às crianças para nada, a realidade é essa”, comenta.

“É uma questão de os tratar com respeito e de os ouvir”. Sem pressões, sem datas para isto e para aquilo, sem um papel escrito por um adulto que define o que tem de ser feito, a forma de o fazer, o tempo destinado tarefa a tarefa. Márcia Carvalho ainda frequentou o 3.º ano de Educação Básica, não terminou o curso, trabalha na banca, e não se arrepende, nem por um segundo, de ter optado pelo Método Montessori para o seu filho. Foi à procura de um caminho diferente e encontrou-o num ensino em que a criança é o centro de tudo e define o seu ritmo. “É respeitá-los, é percebê-los”. “Só aprendemos aquilo que fazemos”, acrescenta.

O seu filho tirou a fralda da noite para o dia. “Aos 13 meses, comia sozinho porque lhe dei oportunidade para isso”. Aos três anos e meio, prepara os cereais do pequeno-almoço sem ajuda, vai ao frigorífico, e trata de tudo. Veste-se sem ajuda, vai às gavetas buscar a sua roupa. Percebe o cansaço e as fraquezas dos adultos, os dias de trabalho intenso de quem cuida. Há beijos e abraços, desculpas quando são necessárias. Tudo flui no dia a dia. Márcia Carvalho reforça que tomou a decisão certa. “Completamente rendida. Cada vez mais rendida”.

A influência de Maria Montessori na história da educação é evidente. As suas ideias disseminaram-se e estruturaram conceitos alicerçados na observação constante das crianças e suas aprendizagens. Das suas vontades e curiosidades. É uma educação assente no trabalho sensorial. Mesas e cadeiras baixas. Materiais para mexer, tocar, brincar. Tudo é importante. O que acontece na primeira infância. As descobertas que valorizam e validam práticas pedagógicas. Crescer e aprender sem descurar aspetos cognitivos, sociais, emocionais. Aprender e caminhar pelo próprio pé.

Fonte: Educare

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Não sei como caracterizar esta situação



Lembram-se das histórias da Escola do Curral das Freiras? Aquela que perdeu a sua autonomia administrativa e pedagógica tendo sido anexada à Escola de S. António no Funchal? Lembram-se da perseguição feita ao Professor Joaquim José de Sousa que culminou com um castigo de seis meses sem salário aplicado pelo secretário da Educação? Lembram-se que quem fez o processo disciplinar foi uma professora recrutada para o efeito, fora dos quadros da Inspecção? Certamente que também se lembram que as actas dos órgãos da Escola "desapareceram", impedindo a defesa do Professor. É desse caso que volto aqui a escrever. Vou ser breve, quase telegráfico.




Da aplicação desse castigo, o Professor Joaquim Sousa recorreu tendo vindo a ganhar em todos os patamares da Justiça. A secretaria da Educação foi então obrigada a anular a suspensão, limpar o registo biográfico e a devolver, integralmente os salários.

Nesse processo, a vice-presidente da Direcção da escola, a páginas tantas, não sei se por medo ou por qualquer outra razão, "saltou" para o lado da secretaria regional, ajudando assim à "festa da acusação", tendo sido a única testemunha que acusou o Professor Joaquim Sousa, entre 26 pessoas que foram ouvidas.

O Professor Joaquim Sousa pediu, então, uma investigação às declarações da professora em causa. O processo foi aberto e já teve uma conclusão e uma decisão:

Conclusão: a professora mentiu nas suas declarações e assumiu que o tinha feito, o que, juridicamente, tem contornos graves;

Decisão da secretaria: arquive-se. Só que a decisão, desta feita, não foi assinada pelo secretário, mas por uma outra figura.

Não sei como caracterizar esta situação.

Ilustração: Google Imagens.