domingo, 31 de julho de 2022

Oiçam e leiam os factos

 

Ontem segui uma entrevista à actriz Lídia Franco, no decorrer do programa "Depois, vai-se a ver e nada". Teve momentos muito interessantes, um deles quando a actriz falou do filho, um dos melhores cientistas na luta contra a malária. Assumiu que, relativamente aos filhos, temos de "deixá-los voar" (...) "deixei-o ir para Bruxelas porque cá não tinha média para entrar na Universidade que desejava", apesar de ter tido vinte em Biologia. Ora, disse, entendam que "não é a média que interessa (...) é a paixão pelo que se faz, a vocação (...)" que conta.



Ela disse e com toda a razão que o seu filho é um entre milhares. E ao escutá-la lembrei-me, pela enésima a investigadora Deborah Stipek:

A"Educação não é uma corrida" (...) "O sistema actual baseado no desempenho em testes, pode prejudicar muito a formação de grandes pensadores. Esta forma de ensino promove um verdadeiro extermínio de grandes mentes. A maneira como a educação é organizada na actualidade faz com que potenciais vencedores do Prémio Nobel sejam perdidos mesmo antes da educação básica, já que o modelo de ensino massacra qualquer outro interesse que não seja o cobrado nos exames. É importante desenvolver talentos. Isso sim tem um papel importante no futuro de alguém". "(...) A maioria dos grandes pensadores que deixaram um legado para a humanidade seguiram caminhos muito diferentes do convencionalmente estabelecido".

Continuamos a não querer aprender, ao imporem um sistema desmotivador, desadequado e, manifestamente, limitador dos talentos e vocações. Que insana teimosia!

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

O que a escola precisa para se tornar inovadora?


ESCOLA INOVADORA
POLÍTICOS, ESQUEÇAM A CENTRALIZAÇÃO,
A PROPAGANDA E OS CAMINHOS FÁCEIS

Tão simples de compreender, mas tão difícil para alguns entenderem que a verdadeira aprendizagem, aquela que é consequente na vida e torna a pessoa feliz, está muito para além do pensamento clássico que tem mais de duzentos anos. É o Brasil, entre tantos países, que nos impele a pensar a Educação para o Século XXI. Políticos, oiçam e deixem a propaganda e o caminho fácil.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

OA e AO, Angola, Brasil e a “querela” interminável


Por
Nuno Pacheco
07.07.2022

Além dos erros técnicos que traz e propagou, o Acordo Ortográfico é de muitíssimo duvidosa legalidade. A OA resiste ao AO? Tem razões para isso.



Já lá vão bem mais de trinta anos desde que o saudoso filólogo José Pedro Machado (1914-2005) escreveu, no Jornal do Fundão, esta frase: “[A ortografia] deixou de ser problema científico para se tornar político e bem sabemos o que acontece quando em questões científicas os cientistas dão (ou têm de dar) lugar aos políticos…” O que era verdade, à data, tornou-se profético com o tempo. O artigo citado e outros cinco que se lhe seguiram foram publicados ainda em 1986, em Setembro, num opúsculo intitulado A Propósito da Ortografia Portuguesa. Pelo que sabemos hoje, nenhum dos políticos que quiseram à força ser “cientistas” o leu.

Vem isto a propósito de três declarações recentes acerca do malfadado Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), que aliás estava em acesa discussão quando José Pedro Machado escreveu tais textos. A primeira foi do ministro da Cultura. De visita a Luanda, em Maio, para participar no Dia Mundial da Língua Portuguesa, Pedro Adão e Silva disse, em síntese, isto: “Não está em cima da mesa” a revisão do acordo; a matéria em causa não depende do seu ministério, mas não se coibiu de dizer que a avaliação que faz do acordo “é positiva”, adicionando-lhe adjectivos como “factor de inclusão” ou “factor que permite combater as desigualdades” (!!??); por fim, numa pérola de retórica que há-de perdurar, fez esta declaração: “Temos sempre uma língua viva, dizemos que é a língua de Luís de Camões. O português que falamos hoje tem muito pouco a ver com o que era falado por Luís de Camões, a ortografia d’Os Lusíadas tem aspectos que não são os que nós consideramos a norma” [sic]. Ainda assim, enalteceu o português de Angola, dizendo que “tem uma riqueza, uma diversidade e uma variedade e até uma espécie de modernidade que é muito positiva para o português”. Curiosamente, o português de Angola, com tudo o que de novo Angola lhe dá, é ainda, na escrita, o português que por cá foi dado como “morto”, o de 1945. Porque Angola continua avessa a ratificar o AO90.

A segunda veio do ex-deputado (PCP, PS) e professor universitário Vital Moreira, que no blogue Causa Nossa veio zurzir na OA por não cumprir o AO. Parece sopa de letras, mas não é. Vital acusa a Ordem dos Advogados de não cumprir o Acordo Ortográfico, depois de ele ter descoberto (tardiamente, já que a opção é antiga) que a OA escreve no seu boletim, logo na abertura: “Esta publicação não adopta o novo Acordo Ortográfico. A Ordem dos Advogados optou, no entanto, por deixar ao critério dos diversos autores a adopção do Acordo.” Para Vital, configura “uma inadmissível provocação esta recusa da ortografia oficial da República”, pelo que, imagina-se, o Estado devia irromper pela porta da Ordem dentro com “inspetores”, “corretores” ortográficos e talvez as obras completas de Malaca Casteleiro e Evanildo Bechara. “Era o que faltava!”, intitula. “Por que desconhecido privilégio se julga a OA acima da lei?”.

Por fim, de visita ao Brasil, foi a vez do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa (que em tempos idos, como cidadão, foi um dos mil subscritores do Manifesto “Nós não concordamos”, anti-AO9O, que em 1991 foi publicado em dupla página no jornal O Independente) dar um ar da sua graça nesta matéria, dizendo publicamente isto (vale a pena citá-lo na íntegra): “A solução a que eu cheguei foi essa: o acordo é o que é, é adoptado por quem é adoptado. Se há pequenos retoques a fazer porque a prática mostrou que eram lógicos, mesmo nos países que adoptaram, que se faça cientificamente. Mas o todo foi tão complexo de atingir e já está a ser tão grande a edição, que não vale a pena manter uma querela quando a edição já é tão difícil nestes dias”.


Comecemos por Marcelo. Numa coisa ele está certo: “o acordo é o que é, é adoptado por quem é adoptado”. Quanto aos “retoques” que ele sugere que se façam “cientificamente”, já veio o ministro da Cultura (que até diz não ser responsável na matéria) garantir que não há retoques nenhuns (“não está em cima da mesa”), tal como já haviam dito Malaca e os seus aliados. Há erros, sim. Emendá-los? Nunca! É extraordinário que numa língua onde a ortografia como “lei” só existe desde 1911 (Os Lusíadas datam de 1572, senhor ministro, e a Malaca de Camões era bem diferente do Malaca que nos coube), a discussão em torno do tema ainda seja tão acesa. Só que há razões para isso e não são uma simples “querela”, senhor Presidente. É que, como bem saberá, o AO90, além de todos os erros técnicos que traz e propagou, prejudiciais a Portugal, Brasil, Áfricas e Orientes, é de muitíssimo duvidosa legalidade, como aqui se demonstrou em vários textos ao longo dos anos. A OA resiste ao AO? Tem razões para isso. Temos todos.

terça-feira, 5 de julho de 2022

A ESCOLA E A DISCIPLINA DE CIDADANIA - A POLÉMICA QUE CHEGOU À JUSTIÇA



Em Setembro de 2020 posicionei-me sobre a questão da disciplina designada por "Cidadania e Desenvolvimento Social". Isto a propósito de um encarregado de Educação de dois alunos (Famalicão) ter entendido que os filhos não deviam frequentar essa disciplina, sujeita a avaliação, não apenas por alguns conteúdos, mas também por assumir que é às famílias que compete a formação para a cidadania. Obviamente que se trata de uma posição passível de debate, porque são muitas as variáveis em causa. E o assunto, lamentavelmente, arrastou-se. Ao ponto do Senhor Ministro ter respondido que não existem "currículos 'à la carte'" e o Ministério Público, numa incompreensível porque exagerada posição, ter considerado que os pais "põem em perigo" a formação, educação e desenvolvimento dos filhos. Presumo que não sabem do que estão a falar!



Ora, o debate é absolutamente necessário. Debate que não pode nem deve ficar por esta "disciplina". O problema é mais global e estrutural. É a política educativa que está em causa. E o Senhor Ministro, antes Secretário de Estado, teve tempo mais do que suficiente para o desencadear. Não o fez e, agora, o assunto arrastar-se-á pela Justiça, com evidentes prejuízos para os alunos. Ficará em causa a passagem de ano escolar por uma decisão assumida apenas à luz da Lei? Não sei. Para já, o Tribunal de Família e Menores de Famalicão adiou a audição de testemunhas. Talvez lá para Setembro, Outubro...

Do meu ponto de vista, esta é uma disciplina que NÃO devia estar incluída no currículo. Porque a Cidadania deve ser transversal na aprendizagem e desde as primeiras idades. Todos os professores devem ser de cidadania. É a sua formação e, sobretudo, a cultura do estabelecimento de aprendizagem que está em causa. A cidadania interioriza-se a todo o momento e através de todas as situações, internas e externas ao meio escolar. Não é preciso programa e avaliação, mas sim uma nova CULTURA DE ESCOLA que intua, conduza ou desperte para os comportamentos tidos por apropriados. Um teste e uma nota não farão de um aluno melhor cidadão!

Para além disso, os governos que trabalhem a montante da Escola, reorganizem a sociedade, implementem novas políticas laborais, sociais e de família. Comecem por respeitar os direitos e deveres dos cidadãos. Dessa compaginação, a prazo, o país poderá ter sucesso.

É-me pacífico que se diga que a consciencialização dos direitos e deveres dos indivíduos e os respectivos actos deveriam partir das famílias: as preocupações ambientais, de consumo, economia doméstica, interculturalidade, segurança, direitos humanos, património, igualdade de género, tolerância, sexualidade, sentido humanista, eu sei lá, tantas são as áreas da relação do indivíduo com mundo. Só que se verifica um significativo défice na assumpção de tais preocupações. Genericamente, a sociedade não foi educada naquele sentido. Compete, portanto, à escola, colmatar as insuficiências. Porém, jamais enquanto disciplina autónoma.

A cidadania aprende-se logo no jardim de infância enquanto processo transversal na aprendizagem, onde todos, repito, todos, educadores e professores, devem estar envolvidos. Acrescentar um conjunto de preocupações autónomas, sujeitas a uma avaliação, para além de errado, apenas consomem tempo com resultados que não são proporcionais ao investimento.

Ilustração: Google Imagens.