quarta-feira, 30 de novembro de 2016

UMA VIAGEM VALE MUITO MAIS QUE NÃO SEI QUANTAS SEMANAS DE AULAS


Ao longo da minha carreira docente confrontei-me com muitas situações que me deixaram entre a perplexidade e a tristeza por não sentir a necessária abertura da escola ao Mundo. Mesmo aqui ao lado, um vídeo, que não chega a um minuto, o pedagogo Rubem Alves, dirigindo-se aos professores e talvez a toda a sociedade, diz: "o professor é aquele que pega nos alunos e diz... "eis o mundo... vejam, vejam, explorem". Nem mais, porque naquele espaço da dita "sala de aula", convenhamos que é muito difícil ver o Mundo, explorando-o em todos os contextos. 

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Ora, dizia eu que fui confrontado com situações que me angustiaram. De forma recorrente trago em memória, entre muitas, duas que são paradigmáticas: um dia, em plena reunião de conselho de turma, ouvi uma colega dizer: "ele que escolha entre o desporto e a escola". Esse aluno do ensino básico, com um nível de avaliação considerado satisfatório, era um praticante de excelência, treinava todos os dias (duas sessões, a primeira das quais às 06:30H) e participava em competições nacionais e internacionais. Lá tive eu, com a maior serenidade possível, romper com aquela visão estrábica. Lembro-me de lhe ter dito, entre um rosário de argumentos, que o desporto é, antes de mais, um bem cultural e que seria bom, enquanto processo de criação cultural, na esteira do Professor Olímpio Bento, "desportivizar a escola e a vida" (...) e que neste aspecto a escola afigurava-se-me determinante (...) "essencialmente porque é futuro". Lembro-me, ainda, de ter chamado à colação Agustina Bessa-Luís sobre o analfabetismo: cito quase de cor "(...) a par dessa chaga que tarda em sarar, temos ainda o analfabetismo inculto, aquele que sabendo ler e escrever, licenciado ou não, ocupa posições de chefia nos governos, nas empresas, no ensino e que não é capaz de produzir valores reclamados pelos cidadãos e que o País tanto precisa". Obviamente que, aqui chegado, o caldo de certa forma se entornou, não sabendo essa colega como desenvencilhar-se do seu posicionamento inicial. O que isto continua a significar é que a escola é vista como uma instituição, ia dizer, uma capela, com reduzida compaginação com todos os outros sistemas. Há, ainda, muitos muros internos e altos muros que a cercam e impedem de ver que há mais mundo e mais educação para além dos manuais e da resposta dita "certa" às perguntas do teste.
Uma outra situação tem a ver com a ausência da frequência escolar, "das aulas" melhor dizendo, quando os pais, durante uns dias, fazem uma pausa para férias. Sabe-se que cada vez é mais difícil a possibilidade dos pais conjugarem as suas férias com os períodos não lectivos. Nem todos podem marcar férias em Agosto, obviamente. Muitas vezes é uma carga de trabalhos para fazer compreender à escola a importância de uma viagem. Entre outros, ficava sobre a mesa, a ausência, a "matéria dada e não escutada" e a sobreposição dos testes de avaliação. Pessoalmente, nunca entendi e não entendo isto, exactamente porque uma viagem pode valer muito mais que não sei quantas semanas de "aula". As catedrais, os museus (de todos os tipos), os monumentos, a arquitectura das cidades, as pessoas, tudo converge para um conhecimento sentido e vivido transversalmente a todas as disciplinas curriculares. O que uma viagem opera nas crianças e jovens, e tudo aquilo que pode, depois, ser explorado e contextualizado na escola, reveste-se de uma importância vital  na formação. Só que, uma vez mais, sistema tem dificuldade em integrar como um valor acrescentado. O próprio sistema, muitas vezes é anti-cultura e anti-escola, preferindo a tal resposta "certa" de acordo com as páginas do manual. Também aqui tive os meus confrontos. É a vida. 
Ilustração: Arquivo próprio.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

A CRIANÇA COMO SUJEITO E NÃO COMO OBJECTO


O Funchal recebeu representantes das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens de todo o país. Uma iniciativa com muito interesse, quando se sabe que muitos dos direitos das crianças são, sistematicamente, postos em causa. O Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, personalidade por quem nutro muita consideração, não poderia ser mais claro: deve-se ver a criança como "sujeito" e não como "objecto". A criança é um "ser autónomo e completo" (...) verdadeiramente, o  que estávamos era a partir do adulto para a criança. Não tínhamos a noção da cultura dos direitos da criança, que lhes são próprios" (...) "ao protegermos os direitos da criança, a criança resulta protegida (...)". Na peça do DN-M, salienta ainda o jornalista, que Laborinho Lúcio falou "da escola, do direito a brincar, criticando o sistema por apostar em transmitir o máximo de conhecimentos, em vez de, até  ao 9º ano, proporcionar o desenvolvimento das capacidades intelectuais para a vida pública (...)" Uma síntese perfeita, na continuidade do que tantos já sublinharam. Sabe-se que assim é, apenas os governantes não querem mudar.

Este Encontro das Comissões de Protecção, obviamente, que tem um quadro específico, mas o Juiz, com sabedoria, foi muito mais longe, enquadrando-o, também, nos "Direitos da Criança", criança que, hoje, concordo plenamente, não é um "sujeito autónomo e completo" mas um "objecto". É o adulto que impõe o formato organizacional que lhe mata o tempo de ser criança e de crescer com o jogo e com as diversas experiências. Neste blogue e em outras intervenções posicionei-me no mesmo sentido e tenho divulgado posições de vários autores. O que o Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio, não sendo um especialista em política educativa, demonstrou a sensibilidade que tem faltado aos governantes.
O que é a Escola a Tempo Inteiro, por exemplo, senão um retrocesso nos "direitos da criança"? Alguém já se apercebeu dos efeitos futuros de escolarizar tudo ou quase tudo aquilo que deveria ser do domínio do lazer? Será difícil perceber que é a organização social, onde se inscrevem os horários de trabalho, que devem ser motivo de reflexão prioritária? Que da mesma forma que mais escola não significa melhor escola, mais trabalho não significa melhor trabalho e maior produção? Ora, o que o Juiz veio enaltecer é que é um contra-senso "o sistema apostar em transmitir o máximo de conhecimentos, em vez de, até  ao 9º ano, proporcionar o desenvolvimento das capacidades intelectuais (...)". É, portanto, a estrutura do sistema educativo que está em causa e é também o sistema de organização da sociedade que se apresenta claramente contra a criança. Não nos iludamos, na esteira de Chateau, que uma criança a quem lhe negam o tempo para ser criança, roubando-lhe o tempo de jogo  com o qual se estrutura e cresce, acaba por ser uma criança "cuja personalidade não se afirma, que se contenta em ser pequena e fraca, um ser sem coragem, um ser sem futuro". Encher-lhe de tantas actividades, directa ou indirectamente relacionadas com a escola e o currículo, ocupar-lhes o tempo semanal, ia escrever "de trabalho", hoje calculado entre 30 a 50 horas, quando os adultos lutam por um horário inferior a 40 horas, é absolutamente abusivo e um contra-senso relativamente ao que a ciência já demonstrou.
O problema, uma vez mais aqui saliento, é que na sala de congressos do Casino, falaram de assuntos importantes e com óbvios aplausos. Este, o dos "direitos da criança", por exemplo. Porém, amanhã, seguirá tudo igual, com as mesmas rotinas de anos a fio, onde, no máximo, serão capazes de mexer nas margens para que tudo, no âmago do problema, continue como ontem. O número político foi feito, as páginas da comunicação social fizeram eco, a fotografia saiu, as palavras e conceitos também... mas a máquina, cega e surda continuará insensível. Não estarei longe da realidade se, em breve, a carga horária escolar aumentar, dirão os adultos, no superior interesse das crianças! Se o fizerem saberão o crime que estão a cometer?
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

VIVE-SE, NA EDUCAÇÃO, O EFEITO "CLEARASIL"


O Sistema Educativo parece não ser do interesse de uma significativa parte da população. Da experiência vivida e anotada ao longo de muitos anos, fico com o sentimento que, grosso modo, desde que os filhos estejam na escola, tendencialmente controlados, melhor ainda, se puderem lá passar o dia enquanto os pais trabalham ou por aí andam à procura do dito, pois bem, o "problema" está resolvido. Se a escola desperta ou não para o conhecimento, se a escola vai ao encontro dos interesses mais substantivos de preparação para enfrentar os desafios deste Mundo, isso, repito, parece-me, para muitos, de pouca relevância. E se isto concluo é, sobretudo, pela ausência de análise pública ao sistema, do debate e do comentário. Do sistema fala-se, sobretudo, quando os sindicatos levantam a sua voz, quando faltam professores para leccionar, quando um docente perde a cabeça e prega um tabefe e quando os actos de indisciplina saltam para as páginas da comunicação social. O miolo do sistema muito raramente é motivo de preocupação. O outro lado da coisa anda mudo! Nem por parte da esmagadora maioria dos professores. Leccionam, acatam, vergam-se, cumprem, interrogam-se no pequeno grupo, mas, assumir, publicamente, os seus dilemas, aí, alto, vá lá saber-se porquê. Curiosamente, em um tempo onde tantas são as plataformas informáticas. Prefere-se uma foto do pôr-do-sol, uma flor ou uma frase dita por alguém do que a reflexão dos problemas que nos deveriam preocupar. Sinais dos tempos.


Há, certamente, muitos factores que para isso contribuem. Muitos mesmo. Pode ser por incapacidade, por um deixa andar, encolhendo os ombros, partindo do princípio que a sua voz nada altera, pode até ser por medo de enfrentar problemas (quais, não estou a ver), pode ser pelo ambiente castrador do pensamento, de muitos anos, sublinho, pode ser pelo ambiente interno dos estabelecimentos de educação e ensino, extremamente verticalizado e obediente à hierarquia, enfim, pode ser por tantos motivos. Cada um sabe por que não intervém. Note o leitor que não estou a falar de participação partidária, mas de participação política e cívica. Porque o sistema educativo deve ser politizado. Ele é consequência óbvia das políticas que são tomadas. 
De facto, há tanto para dizer e há tanto silêncio cúmplice. Um paradoxo! Cada um cumpre a sua tarefa, "dá as aulas" do horário (que mal que isto me soa), debita e esclarece a matéria, avalia, comparece às reuniões e obedece aos ritmos impostos. Tudo no cumprimento do "projecto educativo de escola e de turma". Pode estar errado de raiz, mas pouco interessa. Importante é o relatório final, com mil e uma justificações, embora destinado ao arquivo morto. E assim a roda dentada vai funcionando, triturando e eternizando o sistema. Debate sério, profundo, fundamentado nas ciências, isso é uma miragem. Um dia, julgo eu, por arrastamento do que vai sendo produzido em outros espaços, quando algumas sementes lançadas derem flor e fruto, talvez isso desperte curiosidade. Espero!
Ora, se ao nível de quem governa, melhor é a manutenção de uma máquina velha e gasta do que experimentar outras, se ao nível dos docentes não se vislumbra uma apetência para meter o pauzinho na engrenagem, pergunto, que esperar do povo, em geral, cuja formação a este nível é deficitária? O que me causa apreensão é o facto de existirem cursos, seminários e jornadas de reflexão, com alguma frequência, normalmente com salas cheias e aplausos, e depois, tudo o que foi explanado morrer no instante que nasceu. Voltam à escola e emerge o efeito "clearasil" (anti-borbulhas e pontos negros), a tal "pomadinha" que a publicidade falava do "efeito de absorção". Aplaude-se e, logo de seguida, o sistema acaba por ter o efeito da "pomadinha", se alguém borbulhar é visto como um ponto negro! Logo é deixar-se absorver pelo sistema. O círculo vicioso mantém-se ao jeito de "o meu está feito". Tenho pena, pelas crianças, pelos jovens e pelo futuro.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 26 de novembro de 2016

EDUCAÇÃO - QUE TERÁ A VER ESTE VÍDEO COM A HISTÓRICA E ULTRAPASSADA ESTRUTURA DO SISTEMA EDUCATIVO?


Este vídeo, de quatro minutos e cinquenta segundos, vale muito mais que um período de aulas tradicionais com assuntos para esquecer. Uma escola que visasse educar (a actual não educa) descobriria dezenas de temas para explorar e aprender. É, por isso, que a formação básica, terá de ser (e será no futuro) o despertar para a complexidade, a partir da qual sejam necessárias aprendizagens condizentes.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

ANDAM A "MATAR" A IMPORTÂNCIA DE SER CRIANÇA E DE BRINCAR


Bem-vindos à nova era, a das crianças que não têm tempo para brincar. E a dos adultos obcecados por ocupar-lhes os dias. Que mundo é este onde a brincadeira se tornou indesejável?


Um artigo, publicado no Expresso por LUCIANA LEIDERFARB

Não fosse um sinal dos tempos e consideraríamos ridículo escrever um texto sobre a importância de as crianças brincarem. Afinal, não é isso o que elas fazem? A resposta é assustadoramente simples: não. E não é o que fazem, sendo isso o que elas são. Nada mais definidor da infância do que o brincar e, no entanto, nada menos preponderante na infância destes dias, escolarizada até ao tutano, compartimentada em atividades sempre organizadas pelo adulto, em casa sujeita ao regime de trabalhos de casa-TV-telemóvel-tablet antes de deitar e, de manhã, começar tudo de novo. Este ano, um filme patrocinado pela marca Skip entrava numa prisão de alta segurança dos Estados Unidos e mostrava um grupo de reclusos perturbados com a mera possibilidade de se retirar uma hora às duas horas diárias de tempo ao ar livre a que estão habituados. “Seria uma tortura”, dizia um deles. Mas 70% das crianças têm menos de uma hora por dia de brincadeira, concluiu um estudo da mesma marca. Menos, portanto, do que o tempo mínimo que o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos recomenda para garantir o bem-estar dos prisioneiros.


“Temos uma criança mais centrada nos dedos do que na locomoção, que é corporalmente passiva e sofre de iliteracia motora”, diz Carlos Neto, investigador da Faculdade de Motricidade Humana. A estudar este assunto há duas décadas, não constitui para ele novidade que as crianças de hoje sejam mais frágeis, mais imaturas e menos capazes de se controlar e autorregular. “As crianças são dotadas para brincar, é o seu estado natural. Precisam de ser perseguidas, de perseguir, lutar, correr, esconder-se, inventar. E a sociedade faz um esforço para as ter quietas e em silêncio”, comenta o especialista. Num quadro de quase permanente institucionalização, em que os mais novos passam na escola quase tantas horas diárias quanto um adulto no trabalho — de 27,5 a 30 horas semanais nos 1º e 2º ano do 1º ciclo e até 32,5 horas no 3º e 4º ano —, a configuração do seu tempo livre nesse espaço revela-se determinante. E a escola “ainda trata o recreio como algo avulso ao processo de ensino”, sem perceber que “o tempo para brincar deve ser bem estruturado e encarado como um contributo para se aprender dentro da sala de aula”.
No jardim de infância a situação é semelhante. Em Portugal, de fevereiro a maio — a estação invernal — as crianças passam apenas uma média de 10,8% do seu tempo em espaço exteriores, mais apetecíveis para a brincadeira livre. Este é um dos dados que constam do estudo “Interação Criança-Espaço Exterior em Jardim de Infância”, da autoria de Aida Figueiredo. A professora da Universidade de Aveiro concluiu ainda que, nas creches observadas, os bebés com menos de um ano só saíram ao exterior duas vezes em quatro meses. O estudo serve também para comparar realidades educativas opostas: se na Noruega, por exemplo, são exigidos entre 24,2 e 33 m2 por criança, em Portugal apenas são previstos 4 m2 por criança.
Quando é que o brincar livremente se tornou a atividade mais rara, menos praticada, na vida das crianças? E quando é que este quadro negro passou a ser encarado como normal? “O que não é normal é não se olhar para as crianças como cidadãos com direitos, isto é, com direito ao tempo livre e a fazer o que é próprio na infância: brincar, correr e dialogar com outros”, frisa Maria José Araújo. Para esta especialista em educação e professora no Instituto Politécnico do Porto, chegamos a um ponto em que o ato de brincar é excedentário e conotado como “fútil” pelos adultos, cuja ideia de competência “passa por estruturar a vida das crianças, não respeitando as suas necessidades nem proporcionando as condições para elas poderem brincar”.
E brincar está longe de ser fútil. “É uma atividade completa, em que as crianças aprendem a decidir, a negociar, a colaborar, a pensar e a criar; descobrem o que querem e como querem fazer; elaboram e exprimem as suas fragilidades e traumas; e começam a ler a realidade social, a interpretá-la e a agir sobre ela”, diz a investigadora. Pelo contrário, o não brincar ocasiona danos profundos no ser humano: “Gera crianças mais obesas, mais sentadas, com menos competências sociais e relacionais, mais isoladas e individualistas, e que em adultos estabelecem relações mais difíceis.” Promove, igualmente, uma pandemia de crianças cansadas e stressadas que acabam sendo alvo de medicação. “Estes miúdos vão para a sala de aula brincar, extravasar, porque não lhes foi dada outra hipótese. Então, medicamo-los para que sejam mais concentrados. Ora, uma criança que não brinca não aprende a concentrar-se”, reflete.
A neuropediatra, Manuela Santos, ressalva, por sua vez, a diferença entre brincadeira e entretenimento: “Hoje em dia vivemos o drama do tablet. As crianças habituam-se a olhar para um ecrã durante horas. É como ir ao ginásio e só mexer uma perna.” Do ponto de vista do desenvolvimento, esse tipo de interação com o mundo ‘enche’ a criança de respostas automáticas, inibindo-lhe a criatividade e abrindo caminho para uma maior incidência de problemas mentais no futuro. Carlos Neto aponta também a fraca capacidade empreendedora e a escassa autoestima de quem em pequeno não exercitou o brincar. E alerta: “A energia das crianças é natural e deve ser tolerada pelos adultos. O ser humano não nasceu para estar quieto. Estamos a criar monstros.


70
É a percentagem de crianças portuguesas que passam menos tempo ao ar livre do que os 60 minutos que 
o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos recomenda para os reclusos.

10,8
É a percentagem de tempo médio que as crianças de creches e jardins de infância passam no exterior durante os quatro meses do inverno.

2
É o número de saídas ao exterior dos bebés com menos de um ano nas creches, durante os quatro meses do inverno.

32,5
É o número de horas semanais de aulas previsto na Matriz Curricular do 1º ciclo para os alunos do 3º e 4º ano, incluindo as atividades de enriquecimento curricular.

8
É o número de horas de brincadeira por semana que as crianças de todo o mundo perderam nos últimos 20 anos.

Fontes: 
Estudo SKIP — “Os Valores Das Crianças”, 2016; “Interação Criança-Espaço Exterior Em Jardim De Infância”, de Aida Figueiredo, 2015; Matriz Curricular Do 1º Ciclo, Direção-Geral Da Educação, 2016

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

COMO GOSTARIA QUE UM SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO DA MADEIRA FOSSE FERNÃO CAPELO GAIVOTA


"(...) O processo criativo é, já em em si, um acto de cultura”, disse Jorge Carvalho. O secretário recordou depois João Capelo Gaivota e o desejo de voar diferente e desafiou os alunos para que possam também pensar diferente. "Aquilo que nos identifica, enquanto espaço cultural, é o que nos diferencia dos restantes. Se não tivermos aspectos diferenciados, acabamos por ser todos iguais”, acrescentou Jorge Carvalho." - DN-Madeira.







Fernão Capelo Gaivota é um romance de Richard Bach, publicado em 1970. É uma história sobre liberdade, aprendizagem e o amor. 






Reflicto naquela declaração e questiono-me: Voar diferente? Pensar diferente? Diferenciar-se dos restantes? Educação como espaço cultural? Mas como, se o Sistema Educativo se caracteriza por um fatinho pronto-a-vestir, de tamanho único e padrão igual, do Caniçal à Ponta do Pargo, do Funchal a S. Vicente? Indo mais longe, do Minho ao Corvo? Quando a lei estipula, a portaria indica todos os passos a seguir, a circular acrescenta e precisa, o ofício chama à atenção, a Escola é controlada e espartilhada em papelada burocraticamente condicionante do acto educativo, o telefonema esclarece a dúvida, o currículo é vertical, o programa transversal, rotineiro e para ser cumprido, os novos paradigmas pedagógicos uma miragem, o professor condicionado pela reunião do conselho pedagógico, de departamento e de grupo, tudo registado em acta e relatórios padronizados e circunstanciados, a aula é magistral e o livro de ponto sagrado, quando questionar coloca um sério problema, pode até pode ser considerado no espaço da indisciplina, quando o aluno é mais receptor que emissor e participante, quando na idade das perguntas se exigem as respostas precisas do manual, quando o teste é mais importante que o SABER, quando não há dinheiro para a visita de estudo e o conhecimento confina-se às quatro paredes de uma sala, quando a "cultura" específica domina a léguas da cultura geral, esta sim, portadora de futuro, enfim, enfim, enfim... como voar diferente? Gostaria que me explicassem de forma séria, honesta e profunda, como cumprir a metáfora de Fernão Capelo Gaivota, quando os dogmas da educação a tudo se sobrepõem?
  
NOTA

"O livro é uma alegoria sobre a importância de se buscar propósitos mais nobres para a vida. À primeira vista, é a história de uma gaivota um tanto incomum, diferente das outras da sua espécie, que não se preocupa apenas em conseguir comida. Fernão Gaivota está preocupado com a beleza de seu próprio voo, em aperfeiçoar sua técnica e executar o mais belo dos vôos.
Ele é tomado pela paixão pelos vôos de todos os tipos, e sua alma decola como as suas experiências, emocionantes triunfos de ousadia e feitos aéreos que prefere desenvolver suas técnicas de voo ao invés de comportar-se como qualquer outra gaivota do bando.
Fernão Capelo Gaivota é um livro que fala sobre a sociedade humana e nossos dogmas, conceitos, restrições, e o mais importante, a busca pela perfeição". 
https://livrospralerereler.blogspot.pt/2009/12/fernao-capelo-gaivota-richard-bach.html

terça-feira, 22 de novembro de 2016

EDUCAÇÃO 2021: PARA UMA HISTÓRIA DO FUTURO






Por
António Nóvoa 
 





“O tempo, como o mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo, onde o passado se termina e o futuro começa” (Padre António Vieira, História do Futuro, 1718)

Pensar o futuro é um exercício arriscado e, muitas vezes, fútil. Mas, apesar dos avisos, não resistimos à tentação de imaginar o que nos irá acontecer, procurando, assim, agarrar um destino que tantas vezes nos escapa. Como escreve Pierre Furter – a quem este ensaio é dedicado. Precisamos de vistas largas, de um pensamento que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito. À maneira de Reinhart Koselleck (1990), interessa-me compreender de que modo o passado está inscrito na nossa experiência actual e de que modo o futuro se insinua já na história presente. – o horizonte não existe para nos trazer de volta à origem, mas para nos permitir medir toda a distância que temos a percorrer. O homo viator constrói uma casa apenas para o tempo necessário, pois é caminhando que ele se encontra e descobre o sentido da sua acção (Furter, 1966, p. 26). O texto está organizado numa lógica passado-futuro. Assinalo, simbolicamente, três datas que definem momentos de transição: 1870, 1920 e 1970. Procurarei contextualizar historicamente cada um destes momentos e explicar de que modo as questões que eles suscitam abrem, hoje, para evoluções contraditórias dos sistemas educativos. Na última parte, um tempo futuro, buscarei uma síntese destas evoluções, definindo as minhas próprias opções quanto ao cenário mais desejável para a EDUCAÇÃO 2021. 
O Padre António Vieira viveu grande parte da sua vida no Brasil, onde faleceu em 1697. A primeira edição da História do Futuro foi publicada em 1718. Pierre Furter foi o Professor que me iniciou nos debates sobre a utopia. Pensador notável, escreveu páginas de uma actualidade impressionante, designadamente durante a estadia no Brasil. O seu trabalho L’Amérique utopique, sobre a contribuição do pensamento utópico para o desenvolvimento da formação dos latino-americanos, mantém, ainda hoje, toda a sua frescura intelectual. 

PRIMEIRO TEMPO HISTÓRICO 1870
CONSOLIDAÇÃO E DIFUSÃO DO MODELO ESCOLAR 

Tomemos a data de 1870 como marco simbólico. Neste período, um pouco por todo o lado, assiste-se à consolidação do modelo escolar, isto é, de uma forma de conceber e de organizar a educação que, no essencial, chegou até aos dias de hoje. Não vale a pena explicar um “objecto” que é conhecido de todos. Mas é importante assinalar a sua permanência no tempo e o modo como resistiu às mudanças que tiveram lugar no decurso do século XX. David Tyack inventou uma expressão bem esclarecedora: The one best system. O modelo escolar impôs-se como “o único melhor sistema”, isto é, como a única forma concebível e imaginável de assegurar a educação das crianças. No final do século XIX, este modelo generaliza-se ao conjunto da infância, através da escola obrigatória, que se constitui como uma instituição central na afirmação dos Estados-nação. A difusão mundial deste modelo e, num certo sentido, a sua universalização confirmam a centralidade que ele adquire nas sociedades contemporâneas. A acção realizada por estadistas e educadores, médicos e professores, arquitectos e pedagogos, entre tantos outros, contribui para formatar um modelo que deve assegurar a consolidação da identidade nacional e a preparação para a nova sociedade industrial em espaços que preservem a saúde das crianças e lhes permitam progredir de forma sistemática nas aprendizagens escolares. A aquisição pelos professores de um estatuto profissional é um elemento central deste processo. Eles serão formados em escolas normais, designação que revela bem a lógica de homogeneização que prevalece na edificação dos grandes sistemas públicos de ensino. A expansão da “escola de massa”. É esta a única tradução possível do conceito, mais rico, de “mass schooling”. é um dos grandes acontecimentos que vai transformar as sociedades ao longo do século XX. Ao ganhar a luta secular contra o trabalho das crianças e dos jovens, a escola define novas formas de organização da vida familiar e social. É impossível pensar o século XX sem pensar a escola do século XX. 

Do passado ao futuro 

O sistema de ensino, público e homogéneo, está hoje a ser posto em causa por correntes e tendências que o consideram obsoleto e incapaz de se renovar. As críticas têm as mais diversas origens e alimentam-se de um sentimento de “crise”. É possível identificar, pelo menos, três cenários de evolução dos sistemas de ensino que, apesar de distintos, são portadores de visões semelhantes da educação. Não são hipóteses futuristas, na medida em que estão, já hoje, bem presentes na nossa realidade quotidiana. O primeiro cenário aponta para o regresso a formas de educação familiar. A partir de argumentos que vão desde a responsabilidade educativa primordial dos pais até à necessidade de preservar os valores de uma determinada comunidade local constroem-se propostas que põem em causa a dimensão pública da educação. A ideia de que cada família ou comunidade deve ter a sua própria escola, reservada aos seus e protegida dos outros, situa-se nos antípodas do projecto de uma escola pública que assegura a presença de todos e a construção de uma identidade partilhada. Uma das formas mais evidentes deste cenário é a expansão do ensino doméstico, em casa, que se vem desenvolvendo através de redes familiares, culturais e religiosas, com recurso às novas tecnologias. O segundo cenário baseia-se também na definição da educação como “bem privado”, mas insiste sobretudo nas vantagens do mercado da educação e na promoção de lógicas de competição entre as escolas. No limite, o Estado deveria abster-se de intervir no mercado dos serviços educacionais, limitando-se apenas: por um lado, a criar e divulgar indicadores de qualidade das escolas, permitindo assim a cada família fazer uma escolha informada da melhor escola para os seus filhos; por outro lado, a financiar supletivamente os mais desfavorecidos, por exemplo através do vale-educação. O terceiro cenário alicerça-se na importância das novas tecnologias. Imaginam-se formas totalmente distintas de ensino, que tornam dispensáveis as escolas tradicionais e que promovem a individualização do ensino. A educação pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer hora, tendo como referência professores reais ou virtuais. Autores diversos assinalam a tecnologia como a chave para a educação do futuro: “As escolas, tal como as conhecemos deixarão de existir. No seu lugar, haverá centros de aprendizagem que funcionarão sete dias por semana, 24 horas por dia. Os estudantes terão acesso aos seus professores, mas à distância. As salas de aula passarão a estar dentro dos seus computadores”. Frases deste tipo ouvem-se todos os dias. É um futuro que os enormes avanços na produção de “ferramentas” interactivas de aprendizagem tornam cada vez mais possível. Estes três cenários são viáveis e há sinais claros da sua emergência nos últimos anos. Eles procuram combater a excessiva intervenção do Estado na educação e ultrapassar os constrangimentos do modelo escolar e de uma organização homogénea dos sistemas de ensino. Pessoalmente, receio que contribuam para acentuar, ainda mais, as desigualdades escolares e sociais, promovendo formas de “tribalização” da escola. Por isso, na última parte do texto, argumentarei em favor de um cenário que valorize a dimensão pública da educação, acolhendo, no entanto, uma diversidade cada vez maior de iniciativas organizacionais, curriculares e pedagógicas, rompendo assim com um sistema excessivamente burocratizado.

SEGUNDO TEMPO HISTÓRICO 1920 
EDUCAÇÃO NOVA E PEDAGOGIA MODERNA 

Em 1920 publica-se o livro-manifesto da Educação Nova, Transformemos a escola, da autoria de Adolphe Ferrière. É um marco simbólico da modernidade escolar e pedagógica. Entre 1870 e 1920 assiste-se a um avanço, sem precedentes, no desenvolvimento de ideias pedagógicas, que mobilizam os mais variados conhecimentos (psicológicos, sociológicos, médicos, filosóficos, etc.) no estudo da criança e na produção de uma “ciência da educação”. É difícil resumir, num parágrafo, as teses da Educação Nova. Mas não andaremos muito longe de uma definição se mencionarmos quatro princípios – educação integral, autonomia dos educandos, métodos activos e diferenciação pedagógica – e se lhes juntarmos a referência de Edouard Claparède à revolução copernicana que coloca a criança no centro, procurando assegurar uma educação à sua medida. A pedagogia moderna elabora e difunde socialmente modos de conceber a educação que se tornarão dominantes na sociedade do século XX. Todos, dentro e fora das escolas, somos herdeiros destas “teorias modernas da educação que vêm do centro da Europa e que consistem numa salgalhada surpreendente de coisas sensatas e de disparates, as quais contribuíram para revolucionar de alto a baixo o sistema de ensino sob a bandeira do progresso da educação” (Arendt, 1972, p. 229). O comentário de Hanna Arendt é, talvez, demasiado severo, mas nem por isso deixa de retratar bem a amálgama que dá pelo nome de Educação Nova. O conceito de educação integral é aquele que melhor simboliza este movimento e as suas desmesuradas ambições. A escola deveria encarregar-se da formação da criança em todas as dimensões da sua vida. A escola assumiu este programa impossível e acreditou que o podia cumprir. Ao longo do século XX, foi alargando as suas missões, ficando de tal maneira atravancada que perdeu a noção das prioridades. A realidade das últimas décadas não tem cessado de confirmar os perigos de uma “escola transbordante”. É certo que houve ganhos importantes, sobretudo no plano social, com a escola a compensar ausências da sociedade e das famílias, contribuindo para uma melhor integração das crianças e dos jovens. Mas quando tudo é essencial, torna-se impossível concretizar uma acção racional e inteligente. A escola desviou-se muitas vezes das tarefas do ensino e da aprendizagem para se dedicar às missões sociais. 

Do passado ao futuro 

A crítica principal que hoje se dirige à escola diz respeito à sua incapacidade para promover as aprendizagens, respondendo assim aos desafios da sociedade do conhecimento. Há quem vá ainda mais longe e defina a seguinte prioridade para a escola actual: “Fazer com que todos os alunos tenham verdadeiramente sucesso”. A frase consta das conclusões do debate sobre o futuro da escola, que teve lugar em França em 2003-2004. Em rigor, o que se nos coloca é um problema de sentido. Para que serve a escola nas sociedades contemporâneas? As respostas do passado já não nos servem e temos dificuldade em encontrar respostas novas. Vale a pena recordar o trabalho realizado pela OCDE sobre a escola de amanhã, no qual são apresentados seis cenários possíveis, agrupados em quatro tendências.

Statu quo 
1. Manutenção de sistemas de ensino burocráticos 
Reescolarização 
2. A escola no centro da colectividade 
3. A escola como organização centrada na aprendizagem 
Desescolarização 
4. Expansão do modelo de mercado 
5. Redes de aprendentes e sociedade em rede 
Crise 
6. Êxodo dos professores e desintegração do sistema 

Neste momento, interessa-me analisar os dois cenários que são portadores de uma lógica de reescolarização. O primeiro destes cenários – A escola no centro da colectividade – prolonga as tendências de transbordamento da escola que assinalámos anteriormente. A escola orientar-se-ia primordialmente para missões sociais, de apoio às crianças e às suas famílias, sobretudo no caso dos meios menos favorecidos. Sem negligenciar a transmissão do saber, a escola ocupar-se-ia de um conjunto de outras competências sociais e culturais, constituindo um lugar de referência para as comunidades locais. Inserindo-se numa tradição longa de ligação escola-sociedade, este cenário concede à escola um relevante papel assistencial e de compensação face à incapacidade das famílias para assegurarem as condições necessárias ao desenvolvimento das crianças. O segundo cenário – A escola como organização centrada na aprendizagem – chama a atenção para a importância do saber e da aprendizagem nas sociedades do século XXI. Trata-se de recusar a ideia de que a escola pode tudo, identificando os aspectos centrais, específicos e prioritários do trabalho escolar. O debate não é novo. Há mais de vinte anos, Daniel Hameline referia-se à necessidade de regressar, com inteligência, “ao que constitui a especificidade da escola no meio das instâncias múltiplas através das quais uma sociedade educa os seus membros” (1984/1985, p. 80). Em muitos países verifica-se um dualismo cada vez mais acentuado: as elites investem numa educação (privada) que tem como elemento estruturante a aprendizagem, enquanto as crianças dos meios mais pobres são encaminhadas para escolas (públicas) cada vez mais vocacionadas para dimensões sociais e assistenciais. É uma tendência indesejável para o futuro. Por isso, na última parte do texto, argumentarei em favor de uma escola centrada na aprendizagem, procurando assim inverter as tendências de transbordamento da escola. Mas sei que a defesa deste cenário só faz sentido se houver, simultaneamente, um reforço do espaço público da educação, tese que avançarei no ponto seguinte. 

TERCEIRO TEMPO HISTÓRICO 

1970 – DESESCOLARIZAÇÃO DA SOCIEDADE 1870 – 1920 – 1970: cem anos depois, o modelo escolar é seriamente posto em causa por uma série de movimentos e correntes que pugnam pela “desescolarização da sociedade”. Logo em 1966, Pierre Furter dedica um capítulo do seu livro Educação e Vida a esta problemática, concluindo com a seguinte definição: “Em resumo, constatamos que a Educação Permanente não pode ser reduzida nem a uma educação «extra-escolar», nem «complementar», nem «prolongada», nem «fundamental», nem tão pouco «de adultos», porque todas estas interpretações só vêem uma parte do problema. A Educação Permanente não é algo que se acrescenta a um sistema dado. Não é um novo sector, um novo campo. É uma nova pespectiva, que leva os educadores a redefinir toda e qualquer educação” (1966, p. 136). . A educação permanente é um dos conceitos-chave deste pensamento radical, que se elabora ao longo dos anos sessenta. Pierre Furter antecipa os escritos de Ivan Illich e de uma geração que vai produzir uma crítica forte à instituição escolar. O famoso relatório da UNESCO coordenado por Edgar Faure, Apprendre à être, publicado em 1972, continua esta reflexão procurando abrir a educação a todos os tempos e a todas as dimensões da vida. Há duas utopias que atravessam o pensamento deste autores: por um lado, a possibilidade de uma “educação desescolarizada”, isto é, de uma educação liberta das estruturas institucionais e baseada em redes informais de aprendizagem ou “teias de oportunidades”; por outro lado, a defesa de uma educação que não se limite, primordialmente, aos aspectos da formação profissional e que abranja as questões da sociedade, da cultura e do “aprender a ser”. Cedo se percebeu quão ilusórias eram estas utopias. Os discursos e as práticas da Educação Permanente, ao longo das décadas de setenta e oitenta, evoluíram, justamente, no sentido contrário. Em vez da desescolarização, assistiu-se ao triunfo de uma “sociedade pedagógica”, de uma sociedade que generalizou uma relação pedagógica com as crianças, os jovens e os adultos. Em vez de uma educação aberta sobre as dimensões da vida, assistiu-se à redefinição da Educação Permanente como “Educação e formação ao longo da vida”, conceito marcado pelo princípio da empregabilidade. 

Do passado ao futuro 

E agora? Podemos imaginar três cenários que, num certo sentido, se inserem na procura de alternativas para o modelo escolar e para a forma como ele se desenvolveu desde finais do século XIX. O primeiro cenário baseia-se na substituição das estruturas escolares pela valorização educativa de um conjunto de espaços e de instituições sociais. A ideia das redes de aprendizagem surge com naturalidade, reelaborada a partir de fugas para trás e para a frente. A “fuga para trás” revela-se no mito de um passado em que não havia escolas, no qual as pessoas se educavam ao ritmo da vida das sociedades, aprendendo de modo informal e convivial. A “fuga para a frente” alimenta-se sempre de uma utopia tecnológica, de um dispositivo que permita, enfim, colocar a aprendizagem e o saber ao alcance de todos. O cenário das redes tem vindo a tornar-se, de dia para dia, mais plausível. Do ponto de vista social, as sucessivas baixas de natalidade a par da melhoria dos níveis educativos da população adulta e do aumento significativo da esperança de vida libertam um conjunto importante de energias pessoais para missões de educação e de cultura. Do ponto de vista tecnológico, os espantosos desenvolvimentos da internet (inter-rede) convidam-nos a não excluir, à partida, quaisquer desenvolvimentos futuros. O segundo cenário está bem presente, hoje, nas políticas educativas em todo o mundo, com particular relevo para a União Europeia. Não é uma possibilidade, é sim uma realidade concreta. O conceito de lifelong learning (aprendizagem ao longo da vida) é considerado central para a definição das estratégias educativas. Contrariamente às intenções dos autores da Educação Permanente, a sua operacionalização tem-se feito, fundamentalmente, no quadro das políticas do emprego e da requalificação profissional. O termo empregabilidade, que ocupa um lugar central na famosa Estratégia de Lisboa, adoptada pela União Europeia em 2000, define os esforços educativos ao longo da vida essencialmente como uma obrigação de cada trabalhador para que se mantenha apto a desempenhar novas tarefas profissionais. A Educação Permanente começou por ser um direito pelo qual se bateram sucessivas gerações de trabalhadores; depois transformou-se numa necessidade ditada pelas mudanças no mundo do trabalho; e agora impõe-se como uma obrigação para conseguir um emprego digno. O conjunto dos sistemas escolares, desde a escola obrigatória até à universidade (veja-se o Processo de Bolonha), está a ser redefinido à luz destas perspectivas. O terceiro cenário aponta para a necessidade de redefinir a missão da escola, de maneira mais modesta, mas mais orientada do ponto de vista das aprendizagens. A escola deve libertar-se de uma visão regeneradora ou reparadora da sociedade, assumindo que é apenas uma entre as muitas instituições da sociedade que promovem a educação. Nesse sentido, pensar de outro modo o espaço público da educação, através de um aproveitamento das potencialidades culturais e educativas que existem na sociedade e de uma responsabilização do conjunto das entidades públicas e privadas. Por isso, a ideia de um novo contrato educativo, celebrado com toda a sociedade, e não apenas com a escola, que tenha como base o reforço do espaço público da educação, está no centro do cenário que defenderei na última parte do texto. 

UM TEMPO FUTURO 
2021 – AINDA SEM NOME 

Nesta última parte, seguirei os conselhos de Pierre Furter (1966), procurando introduzir, no presente, um futuro esboçado de maneira a dar a este presente uma forma que permita a eclosão do futuro. Mais do que uma antecipação, tentarei projectar cenários de futuro, aqueles em que me revejo de entre os muitos possíveis. Ao fazê-lo, estou a traçar caminhos e a definir orientações para a acção presente. 2021 é um tempo futuro, ainda sem nome, mas suficientemente perto para que nele possamos inscrever, desde já, as nossas preocupações. Nas páginas anteriores, avancei uma série de cenários, uns mais prováveis do que outros. No final de cada uma das três partes, em itálico, assinalei as evoluções desejáveis. Vou agora retomá-las e defendê-las, em conjunto, como programas para pensar e agir na campo educativo: 

1.ª Educação Pública, Escolas Diferentes 
2.ª Escola centrada na aprendizagem 
3.ª Espaço Público de Educação: Um novo contrato educativo 

1.ª Proposta Educação Pública, Escolas Diferentes 

Nos tempos actuais, talvez mais ainda do que em tempos passados, a educação deve definir-se como um “bem público”. As sociedades contemporâneas, fortemente globalizadas, vivem com enormes afastamentos e divisões no plano social, cultural e religioso. Como se a facilidade de comunicação planetária tivesse conduzido, paradoxalmente, a fechamentos nas formas de convivialidade. As ideologias da educação como “bem privado”, algumas particularmente sedutoras, contribuem inevitavelmente para a tribalização da sociedade. Claro que, no dia em que cada grupo social ou religioso tiver a sua própria escola, fundada em crenças e valores próprios, a acção pedagógica tornar-se-á mais coerente e harmoniosa. Mas, pelo caminho, perder-se-á uma das principais qualidades da escola pública, a possibilidade de instaurar narrativas partilhadas e culturas de diálogo. Numa reflexão notável, Arwin Appadurai alerta para os riscos do diálogo, mas explica que não temos alternativa, sugerindo uma estratégia de selectividade, de modo a que não nos sintamos obrigados “a partilhar toda a nossa humanidade em todas as ocasiões” (2006, p. 37). A escola é, justamente, uma das instituições onde esta partilha pode ter lugar, de forma prudente e selectiva, construindo assim uma base sólida e evolutiva para a construção de práticas de vida em comum. Mas a defesa de uma educação pública depende, hoje, de uma mudança dos sistemas de ensino de modo a possibilitar o desenvolvimento de escolas diferentes. Em vez da homogeneização que caracterizou a história do século XX, impõe-se agora uma abertura à diferença, sob todos os pontos de vista: 
a) liberdade de organização de escolas diferentes, por exemplo com base em contratos com entidades ou associações locais; 
b) liberdade na construção de diferentes projectos educativos, por exemplo com base em iniciativas de grupos de professores ou de associações pedagógicas; 
c) liberdade na definição de percursos escolares e de currículos diferenciados, por exemplo com base em acordos com sociedades científicas ou universidades. 
As entidades públicas devem manter, evidentemente, uma capacidade de contratualização e de regulação do sistema público de ensino. A abertura à diferença permitirá, também, modelos diversos de direcção e gestão das escolas, bem como uma maior responsabilização e prestação de contas por parte das diversas entidades. A inovação e a experimentação, devidamente avaliadas, deverão instituir-se como processos naturais. A abertura à diferença deve, também, traduzir-se numa maior liberdade de escolha dos estabelecimentos de ensino. As famílias e os alunos devem poder escolher a sua escola e, simultaneamente, participar na definição do seu projecto educativo. Mas sempre no contexto de uma dimensão pública. Quer isto dizer que os alunos podem escolher a sua escola, mas as escolas não podem escolher os seus alunos. Dito de outro modo, as escolas não devem usar esta liberdade para seleccionar socialmente os seus alunos, introduzindo factores de discriminação e de desigualdade no acesso ao serviço público de educação. A proposta que aqui se elabora retoma a aspiração de Claparède, “uma escola à medida de cada aluno”, mas define-a para além dos aspectos meramente pedagógicos (a aplicação de uma pedagogia diferenciada em função das necessidades de cada aluno) e projecta-a no plano da organização de escolas diferentes.

2.ª Proposta Escola centrada na aprendizagem 

A defesa de uma escola centrada na aprendizagem procura inverter a deriva transbordante de uma escola a quem a sociedade vai, progressivamente, atribuindo todas as missões. Não se trata de advogar o regresso a um qualquer passado mítico e, muito menos, de defender programas mínimos, o ensino do “ler, escrever e contar” ou as tendências do “back to basics”. Estes movimentos, que ganharam grande importância face à crise da escola e à incapacidade de resposta perante a massificação do ensino, baseiam-se na defesa do ensino tradicional e têm-se revelado de uma enorme pobreza teórica e prática. Trata-se, bem pelo contrário, de abrir novas perspectivas que coloquem a aprendizagem, em toda a sua riqueza, no centro das nossas preocupações. Há duas questões fundamentais a resolver. Em primeiro lugar, assegurar que todas as crianças adquirem uma base comum de conhecimentos; qualquer política educativa deve assumir este objectivo, não considerando o insucesso e o fracasso como fatalidades impossíveis de combater. Em segundo lugar, promover diferentes vias de escolaridade, percursos adaptados às inclinações e aos projectos de cada um; é preciso que as crianças e os jovens, sobretudo aqueles que vêm de meios desfavorecidos, reencontrem um sentido para a escola, pois só assim conseguiremos que “todos os alunos tenham verdadeiramente sucesso”. Para que a aprendizagem tenha lugar a escola terá de cumprir, escusado será dizer, algumas missões sociais e assistenciais. Os dramas da miséria, da fome, dos maus tratos, da gravidez precoce ou do consumo de drogas, entre tantos outros, impossibilitam um projecto educativo coerente. Mas assumir estas tarefas, provisoriamente, por imperativo ético, não é a mesma coisa do que defini-las como missões primordiais da escola, e este tem sido o erro maior da escola transbordante. Uma nova perspectiva de aprendizagem deve ser enriquecida com uma série de estudos e contributos que têm a vindo a ser formuladas em diversos campos científicos e culturais, mas que, em grande parte, não chegaram ainda às teorias educativas e, muito menos, às práticas escolares: os trabalhos recentes das neurociências sobre a importância das emoções, dos sentimentos e da consciência na aprendizagem; as pesquisas que têm posto em destaque o papel da memória e da criatividade; os desenvolvimentos da psicologia cognitiva, designadamente sobre as diferentes formas de inteligência; as teorias da imprevisibilidade sobre o carácter inesperado e até “desorganizado” de muitas aprendizagens e a importância de lhes atribuir sentido e significado; as consequências para a aprendizagem das novas tecnologias, das distintas formas de navegação e de processamento da informação; etc. A reflexão anterior levar-me-ia muito longe e obrigar-me-ia a iniciar um novo texto. Subjacente a muitas destas teorias está um princípio de complexidade, que rompe com grande parte das convicções do ensino tradicional; por exemplo, o princípio de que se aprende do mais simples para o mais complexo ou do mais concreto para o mais abstracto. A aprendizagem não é um processo linear e deve ser equacionada numa perspectiva multifacetada, bem distante dos simplismos que caracterizam tanto a escola tradicional como a pedagogia moderna. Promover a aprendizagem é compreender a importância da relação ao saber, é instaurar formas novas de pensar e de trabalhar na escola, é construir um conhecimento que se inscreve numa trajectória pessoal. Falar de um olhar complexo e transdisciplinar não é recusar o papel das disciplinas tradicionais, mas é dizer que o conhecimento escolar tem de estar mais próximo do conhecimento científico e da complexidade que ele tem vindo a adquirir nas últimas décadas. Simultaneamente – e este não é um aspecto menor – é necessário que as escolas se libertem das estruturas físicas em que têm vivido desde o final do século XIX. Nessa época, há quase 150 anos, os edifícios escolares foram pensados com grande ousadia e criatividade, mobilizando projectos e saberes de professores, arquitectos, higienistas, médicos, pedagogos e tantos outros especialistas. Hoje, é necessário mobilizar, com o mesmo vigor, novas energias na criação de ambientes educativos inovadores, de espaços de aprendizagem que estejam à altura dos desafios da contemporaneidade. 

3.ª Proposta Espaço Público de Educação: 
Um novo contrato educativo 

A frase À escola o que é da escola, À sociedade o que é da sociedade sintetiza bem as ideias que temos vindo a apresentar. A proposta anterior – Escola centrada na aprendizagem – só tem sentido se a sociedade se responsabilizar, progressivamente, por um conjunto de missões que, até agora, têm sido assumidas pela escola. É fácil enunciar, propositadamente sem qualquer ordem, algumas destas missões: a protecção do ambiente, a preservação do património cultural, o combate à droga e à toxicodependência, a educação para a saúde e a educação sexual, a preparação para lidar com situações de emergência, a promoção de comportamentos saudáveis, a educação alimentar, a educação para o consumo, o combate aos maus tratos e à violência doméstica, a educação para a cidadania, a prevenção da delinquência juvenil, etc. Sem ignorar o papel da escola em muitas destas missões, será que elas não devem ser assumidas primordialmente por outras instâncias sociais? Será que não devemos responsabilizar as famílias, mas também as comunidades locais, as associações culturais, as entidades laborais, as igrejas, os museus, as organizações científicas, os centros de saúde e os espaços artísticos e desportivos pelo cumprimento de boa parte destas missões? Não se trata de regressar ao debate sobre a relação escola-sociedade, mas antes de promover a construção de um espaço público de educação, no qual a escola tem o seu lugar, mas que não é um lugar hegemónico, único, na educação das crianças e dos jovens. A proposta que vos faço rompe com a tradição de ir atribuindo à escola todas as missões e inspira-se nas formas de convivialidade sugeridas por Ivan Illich. A defesa de um espaço público da educação só faz sentido se ele for “deliberativo”, na acepção que Jürgen Habermas (1989) deu a deste conceito. Não basta atribuir responsabilidades às diversas entidades, é necessário que elas tenham uma palavra a dizer, que elas tenham capacidade de decisão sobre os assuntos educativos. A operacionalização desta ideia obrigará a equacionar formas de organização dos cidadãos, para o exercício destas missões, designadamente através dos órgãos locais de governo. É nesta perspectiva que a proposta adquire todo seu sentido, abrindo para a possibilidade de um novo contrato educativo, cuja responsabilidade é partilhada por um conjunto de actores e de instâncias sociais, não ficando apenas nas mãos dos educadores profissionais. Se é verdade que a escola cumpriu, ao longo do século XX, um importantísimo trabalho social, não é menos verdade que hoje se torna essencial evoluir no sentido de uma maior responsabilidade da sociedade. Muitas zonas do mundo, e dos nossos próprios países, vivem ainda em situações de miséria e de pobreza, económica e cultural. Mas, de um modo geral, verificou-se uma enorme evolução nas qualificações escolares dos adultos. Durante muitas décadas houve um fosso geracional: os mais novos tinham habilitações académicas muito superiores aos mais velhos. Agora, pela primeira vez, há gerações adultas que têm habilitações académicas idênticas às das gerações mais novas, possibilitando-lhes assim uma intervenção educativa mais consistente. Paralelamente, tem aumentado a esperança e a qualidade de vida das pessoas idosas, bem como a sua disponibilidade para tarefas sociais e culturais. E as sociedades têm-se dotado de instituições de cultura, de ciência, de desporto ou de arte como nunca existiram no passado. Todas estas evoluções tornam viável um cenário que, ainda há pouco tempo, seria ilusório. Em sentido contrário, poder-se-á argumentar que, apesar destas evoluções, a “sociedade civil” revela sinais de uma grande fragilidade, designadamente pela corrosão de alguns laços e estruturas tradicionais. Mas este argumento apenas reforça a necessidade de reconstruir solidariedades, espaços de convivialidade, de vida social e cultural, que tenham como um dos pontos centrais a educação das crianças e dos jovens. 
*
São muitos os futuros possíveis. Mas só um terá lugar. E isso depende da nossa capacidade de pensar e de agir. Deixo-vos alguns contributos modestos, em torno de três propostas que poderão orientar programas de trabalho e políticas educativas. É preciso abrir os sistemas de ensino a novas ideias. Em vez da homogeneidade e da rigidez, a diferença e a mudança. Em vez do transbordamento, uma nova concepção da 16 aprendizagem. Em vez do alheamento da sociedade, o reforço do espaço público da educação. Estas propostas genéricas não se baseiam em situações concretas, nem em casos específicos. Procuram, sim, provocar um debate, que vai para além das fronteiras nacionais, abrindo novos horizontes para a educação. São ideias que só poderão ser úteis se forem devidamente contextualizadas e adaptadas à realidade de cada região e de cada país. Hannah Arendt escreveu que uma crise apenas se torna catastrófica se lhe respondermos com ideias feitas, isto é, com preconceitos (1972, p. 225). Tinha razão. O pensamento contemporâneo sobre educação tem de ir além do já conhecido e alimentar-se de um pensamento utópico, que se exprime “pela capacidade não só de pensar o futuro no presente, mas também de organizar o presente de maneira que permita actuar sobre esse futuro” (Furter, 1970, p. 7). 
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 20 de novembro de 2016

MARIANA: "NÃO QUEREMOS SER JOVENS FORMATADOS, MAS SIM CIDADÃOS DO MUNDO"


Foi publicado no Jornal Público, por Clara Viana, a 04 de Novembro. Uma reportagem que mostrou, em síntese, um encontro do ministro Tiago Brandão Rodrigues com cem alunos oriundos de onze escolas. No sub-título: "Alunos do 1.º ciclo ao ensino superior foram dizer ao ministro da Educação o que fariam se estivessem no lugar que ele hoje ocupa. Sugestões serão tidas em conta na revisão dos currículos que o ministério está a preparar".

SE FOSSE MINISTRO, REDUZIA A CARGA HORÁRIA 
PARA TERMOS TEMPO PARA SERMOS CRIANÇAS. 


Mariana tem 16 anos, é aluna do ensino secundário, e tem à frente o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, para lhe dizer o que faria se estivesse no seu lugar. A seu lado há mais uma dezena de alunos, do 1.º ciclo ao ensino superior, com a mesma incumbência. “Se fosse ministro da Educação reduzia as cargas horárias para que tivéssemos tempo de ser crianças e jovens. Em vez de aulas com o professor a expor a matéria promoveria a aprendizagem por experimentação e observação, porque assim como é em 50 minutos de aulas com o professor a falar apenas retemos cinco a 10 minutos do que ele diz”, enumera Mariana.
Tiago Brandão Rodrigues pergunta-lhes se podem dar um exemplo de um professor que ensine assim. Ninguém levanta o braço. Mariana prossegue: “Os currículos são tão extensos que nas aulas nem temos tempo para pôr dúvidas. Os professores dizem logo que temos de passar à frente”. É uma das “revoltas” que, nesta sexta-feira, cerca de 100 alunos de 11 escolas de diferentes pontos do país descobriram ter em comum. A convite do Ministério da Educação reuniram-se em Leiria para debater a escola que têm e aquela que queriam ter. O ministério chamou ao encontro “A Voz dos Alunos” e eles não se fizeram rogados.

“Temos tanta coisa para dizer!”

Numa corrida contra o tempo, estiveram toda a manhã reunidos, cada nível de ensino na sua sala, para chegarem a diagnósticos e propostas comuns, que tanto o ministro, como o secretário de Estado da Educação, João Costa, garantiram que serão tidas em conta na revisão dos currículos que o ministério está a preparar. Para os alunos do secundário, o tempo é demasiado curto: “Temos tanta coisa para dizer!”
Entre os alunos do 1.º ciclo, a escola ainda é basicamente “fixe e divertida”, o que já não sucede com os mais velhos. Mas todos coincidem no retrato da escola que queriam ter: mais aulas práticas, mais debates, mais trabalhos de grupo, mais visitas de estudo, possibilidade no secundário de poderem escolher disciplinas em vez de áreas compartimentadas, mais arte, mais cidadania, maior ligação à prática, turmas mais pequenas, menos trabalhos para casa, professores motivados e que não desistam dos alunos.
“Precisamos de saber que há mais vida para além da escola e não estar ali só para ir passando de ano”, comenta Manuel, aluno do 9.º ano de escolaridade. Do grupo do secundário vem a seguinte constatação: “A pergunta que mais fazemos aos professores é saber se o que estão a dar vai sair nos testes”. Consideram que o peso destes e dos exames está sobrevalorizado e que por causa disso não se podem “dar ao luxo” de aprender o que gostavam. Seja por causa disto, da extensão das matérias, das metas curriculares, queixam-se de que “professores e alunos andam todos stressados”.

Falta espírito crítico

Não é isto que querem. Desejam uma escola que lhes “conceda as ferramentas necessárias para todas as esfera da vida”. Mais uma vez do grupo do secundário vem o recado: “Ainda há muito a fazer nesta matéria. Um aluno que acaba o secundário, aos 18 anos, não sabe como preencher o IRS, nem pensar por si próprio para decidir em que partido votar”.
Falta espírito crítico. E sobre isso Mariana tem mais um recado a apresentar: “Não queremos ser jovens formatados, mas sim cidadãos do mundo”. Para eles, a escola do futuro é feita destas grandes mudanças, mas também de coisas mais corriqueiras como algumas das que foram identificadas pelo grupo do 2.º ciclo: melhorar a comida do refeitório ou ter papel higiénico nas casas de banho.
João Costa, que assistiu à apresentação das conclusões, gaba a “qualidade da reflexão” que foi feita pelos alunos. Diz que tem 32 páginas de apontamentos com o que foi sendo dito por estes e que resume em três grandes áreas: articulação entre aprendizagem e cidadania; metodologias mais activas em sala de aula; alargamento do leque de opções no ensino secundário. Tiago Brandão Rodrigues destaca a novidade da iniciativa: “Nada disto tinha acontecido antes. Quando chegarem à altura de ter filhos vão saber que contribuíram para o que estão a aprender, para o que será o ensino no futuro”.
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 19 de novembro de 2016

"QUEM PODE CRIA, QUEM NÃO PODE ENSINA"


Andava eu, nos meus arquivos, à procura de um texto que escrevi, faz algum tempo, e dei com um outro, recente, do período negro do ex-ministro Nuno Crato. Li-o com o desprendimento do tempo político. Partilho aqui uma parte desse texto, naquela linha de pensamento que sustenta a necessidade de mudar o sistema educativo. "(...) entre milhares ou milhões de homens e mulheres, "Ghandi, Picasso, Einstein, deixaram-nos um legado valiosíssimo, seguindo caminhos muito diferentes". Isto quer dizer que a Educação na escola não constitui a única forma de aprender. E se a Escola é importante, e é, o seu pensamento estratégico não pode quedar-se pelo pensamento de ontem. Andamos a trabalhar nas consequências e não nas causas, simplesmente porque predomina uma agenda e, mais do que isso, uma atitude política redutora que muitas vezes desconstrói alguns bons passos que são dados. 


Urge uma nova concepção de Escola. Alexandre Quintanilha é um doutorado em Física. Um cientista. Tem uma frase espantosa: “EU VIVO PORQUE SOU CURIOSO”. O problema é que nós andamos a matar a curiosidade nas nossas crianças. No nosso sistema, uma criança que coloca muitas perguntas, genericamente, perturba o "planeamento da aula"! E não deveria ser assim. Há outras formas de organização. Li, há que anos, em “Professores para quê”, de Georges Gusdorf: “O mais alto ensinamento do Mestre não está no que diz, mas no que não diz”. E no meu relatório de estágio pedagógico, em 1971, escrevi no preâmbulo, uma frase de Bernard Shaw. Lembro-me como se fosse hoje: “Quem pode cria, quem não pode ensina”. Uma escola de receptores e de não participantes é uma escola condenada. E Bernard Shaw nasceu em 1856. Portanto, despertar essa curiosidade só é possível com uma ampla autonomia e com um outro enquadramento pedagógico. Não é com exames. Não há volta a dar. É nesta esteira que Ariana Cosme e Rui Trindade questionam: “Uma Escola que define a qualidade do seu ensino por uma visão enciclopédica de um conhecimento cuja utilidade se esgota nos testes, serve, afinal, para quê? (...)".
Para reflectirmos e, obviamente, comentarmos. Quanto ao artigo que andava à procura, não sei em que arquivo está. Vou ficar, uma vez mais, a pensar na escola que temos e na escola que deveríamos ter.
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

FORMATADOS PELA SOCIEDADE. UM EXCERTO PLENO DE ACTUALIDADE.


"Idealmente, o que deveria ser dito a todas as crianças, repetidamente, ao longo da sua vida escolar, seria algo como isto: "Estás no processo de ser doutrinado. Nós ainda não fomos capazes de desenvolver um sistema de EDUCAÇÃO que não seja um processo de doutrinação. 


Lamentamos, mas é o melhor que podemos fazer. O que te estamos a ensinar é uma amálgama dos preconceitos actuais e das escolhas desta cultura em particular. Uma pequena olhada na História vai-te mostrar o quanto estes são temporários. Estás a ser ensinado por pessoas que conseguiram acomodar-se a um regime de pensamento que foi desenhado pelos seus antecessores. É um sistema de auto-perpetuação. Aqueles de vocês que forem mais robustos e individuais que os outros serão encorajados a sair e a encontrar formas de se educarem a si próprios – a educarem os seus próprios julgamentos. Aqueles que ficarem têm que se lembrar, sempre, e para sempre, que estão a ser moldados e modelados para se encaixarem nas necessidades estreitas e particulares desta sociedade". 
Doris Lessing, (1919-2013) in 'The Golden Notebook'

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

EM CAUSA A EDUCAÇÃO - "QUEREMOS HOMENS COMPLETOS OU MEROS CIDADÃOS?"


"A educação actual e as actuais conveniências sociais premeiam o cidadão e imolam o homem. Nas condições modernas, os seres humanos vêm a ser identificados com as suas capacidades socialmente valiosas. A existência do resto da personalidade ou é ignorada ou, se admitida, é admitida somente para ser deplorada, reprimida ou, se a repressão falhar, sub-repticiamente rebuscada. Sobre todas as tendências humanas que não conduzem à boa cidadania, a moralidade e a tradição social pronunciam uma sentença de banimento. Três quartas partes do Homem são proscritas. O proscrito vive revoltado e comete vinganças estranhas. Quando os homens são criados para serem cidadãos e nada mais, tornam-se, primeiro, em homens imperfeitos e depois em homens indesejáveis. 


A insistência nas qualidades socialmente valiosas da personalidade, com exclusão de todas as outras, derrota finalmente os seus próprios fins. O actual desassossego, descontentamento e incerteza de propósitos testemunham a veracidade disto. Tentámos fazer homens bons cidadãos de estados industriais altamente organizados: só conseguimos produzir uma colheita de especialistas, cujo descontentamento em não serem autorizados a ser homens completos faz deles cidadãos extremamente maus. Há toda a razão para supor que o mundo se tornará ainda mais completamente tecnicizado, ainda mais complicadamente arregimentado do que é presentemente; que graus cada vez mais elevados de especialização serão requeridos dos homens e mulheres individuais. O problema de reconciliar as reivindicações do homem e do cidadão tornar-se-á cada vez mais agudo. A solução desse problema será uma das principais tarefas da educação futura. Se irá ter êxito, e até mesmo se o êxito é possível, somente o evento poderá decidir." 
Aldous Huxley (1894/1963), in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

BRINCAR É A FORMA MAIS NATURAL DE APRENDER


As crianças passam pouco tempo no recreio da escola (10,8%). Brincar é um momento que perde fôlego à medida que os anos avançam no sistema de ensino. Mas as brincadeiras são importantes. Testam limites, confirmam capacidades, desenvolvem a autoconfiança e a autoestima. E ajudam a combater o insucesso escolar. “É importante que se explique que o recreio é um direito e é uma necessidade. É um espaço de sociabilidade fundamental para as crianças e os jovens.” Os adultos sabem o significado de um intervalo para café. Sabem que não é só para descansar. “Para as crianças e jovens é fundamental porque, de uma maneira geral, é no recreio da escola que eles conversam, brincam e criam novas brincadeiras e amizades. Cantam, fazem jogos, dançam, trocam informações, aprendem a cooperar e a estar uns com os outros, etc. Esta forma de se divertirem no recreio é fundamental para consolidar e recriar as suas culturas. É ainda fundamental para desenvolver a criatividade.” Não se trata de ir ao recreio recuperar energia. É mais do que isso. “É fundamental para cooperar com o seu grupo de pares, estabelecer redes e contactos, brincar e criar novos jogos e assim aprender. Na verdade, as crianças, enquanto atores sociais, sabem bem o significado do recreio e das brincadeiras de recreio. Basta perguntar-lhes.”


Brincar. Brincar. Brincar. Dentro e fora da sala? Apenas nos primeiros níveis de ensino? Brincar para aprender? Brincar na escola? Brincar em casa? Brincar para conhecer os outros? Brincar para perceber-se a si? Brincar tem prazo de validade? Brincar tem tempo contado? Aida Figueiredo, investigadora do Departamento de Educação da Universidade de Aveiro, autora do primeiro estudo nacional sobre a interação das crianças com os espaços exteriores das creches e jardins de infância, analisou atentamente o assunto e concluiu que os mais pequenos passam 10,8% do tempo no recreio. E pouco desse tempo é dedicado ao jogo livre. “Quando falamos com educadores, professores e pais, eles afirmam e reiteram a importância do brincar como estratégia de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Contudo, as suas práticas, na maioria das situações, não vão ao encontro destes testemunhos”, adianta ao EDUCARE.PT. 
Há, portanto, um longo caminho a percorrer. À medida que os anos passam, brincar perde estatuto no sistema de ensino. “As pressões para o sucesso académico, independentemente da faixa etária, são de mais evidentes. Nas idades mais precoces, pré-escolar e até mesmo na creche, há uma tendência para a escolarização, sendo frequente a manifestação de intenções para a aprendizagem precoce de conteúdos académicos e alguma ansiedade por parte dos pais para uma entrada precoce na escola, tendo por base a ideia ‘quanto mais cedo melhor’”, observa a investigadora. Depois do pré-escolar, os programas extensos e o ensino expositivo, sublinha, “não facilitam a integração do brincar como estratégia de aprendizagem e desenvolvimento, sendo este remetido para o espaço/tempo de recreio com características muito limitadas, ou seja, espaços estéreis e duração de aproximadamente 30 minutos”. 
Brincar implica interação da criança com o espaço e com o tempo. E permissão de um adulto que pode dizer sim ou não. Aida Figueiredo defende que o tempo dedicado ao brincar e o espaço e a atitude do adulto devem promover diferentes oportunidades como correr, saltar, trepar, escorregar, balancear. A possibilidade de explorar, de construir e reconstruir o espaço mediante os interesses da criança, “de brincar ao faz-de-conta, de ter espaços de intimidade e de poder escolher com quem brincar, sozinho ou em grupo, são igualmente importantes”. Até porque brincar é um alicerce essencial da cultura humana. É dar liberdade à criança para exprimir o que lhe vai na alma. É testar limites, confirmar capacidades, desenvolver a autoconfiança e a autoestima. “Contudo, atualmente, a ocupação do tempo livre da criança é, na maioria das vezes, regulada por atividades organizadas (não livres) e estruturadas pelo adulto, claramente com finalidades pedagógicas e de desenvolvimento de competências académicas”. “Os responsáveis pela ocupação do tempo/espaço da criança esquecem-se que o brincar é a melhor forma, e a mais natural, de as crianças aprenderem”, afirma. 
Brincar traz benefícios imediatos em diferentes domínios. “Considerando o aspeto socioemocional, a criança quando brinca expressa sentimentos e emoções como afeto, medo e agressividade e, em muitas situações, aprende a lidar com a frustração. Quando brinca com os pares, a partilha, a negociação, o estar em grupo, a liderança e a resolução de conflitos são uma realidade constante”. No domínio cognitivo, os benefícios são igualmente diversificados na autonomia, livre iniciativa, criatividade, imaginação e resolução de problemas. “Já no domínio motor e na saúde, o brincar pode promover o aumento da mobilidade, do movimento e da atividade física, contrariando a tendência para a obesidade e outras doenças associadas”, refere a investigadora, que acrescenta que o brincar permite “o desenvolvimento holístico das crianças com níveis elevados de bem-estar emocional”. 
Brincar também é desafio e risco. É experimentar novas emoções. É aprender para a vida. “Estas vivências experienciadas durante o brincar permitem, ao longo da vida, uma maior flexibilidade para lidar com situações mais complexas e desafiantes, ficando menos vulneráveis a problemas de ansiedade.” Quando o assunto é brincar, Aida Figueiredo avisa que é preciso parar para pensar. Pensar no que se pretende para os mais novos. “Temos de permitir que as crianças sejam crianças. Penso que é inevitável um questionamento, individual e coletivo, por parte dos agentes educativos - pais, educadores, professores, escolas superiores de educação, universidades e responsáveis políticos pela educação -, sobre que cidadão se pretende para o futuro – reprodutor ou crítico e empreendedor – e se o que estamos a fazer atualmente permite alcançar o que desejamos”. 

“O recreio é um direito”

Há uma frase que se perpetua. Que entra na cabeça e que não sai. “A sala de aula não é para brincadeiras.” Brincar é no recreio. “No entanto, a atividade lúdica como metodologia de trabalho, em sala de aula, é muito valorizada. Não são os professores que não entendem”, refere ao EDUCARE.PT Maria José Araújo, doutorada em Ciências da Educação, professora na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto. E não é por estar ou não na escola que os mais pequenos precisam de tempo para brincar. “A criança precisa de tempo para brincar porque é criança.” Há tempo para tudo. Tempo para estudar. Tempo para atividades escolares. Tempo livre. Tempo para brincar. E todos os tempos devem ser respeitados. 
“Os adultos só têm que respeitar os direitos das crianças e criar condições para que elas possam exercer esse direito.” “Aliás, é obrigatório criar condições para que a criança vá à escola e é igualmente obrigatório criar condições para que as crianças brinquem. Está bem explícito na Declaração dos Direitos da Criança”, lembra. A questão é que as crianças passam muito tempo na escola e quando acabam as aulas ficam a fazer atividades ou a estudar. Ficam no mesmo ambiente, quase sempre espaços fechados. “De uma maneira geral, fazem atividades que são, maioritariamente, programadas numa lógica escolar: mesma metodologia, mesma intenção, mesmo objetivo, não deixando muito espaço de intervenção e exploração para a criança.” 
É essencial respeitar as brincadeiras no recreio da escola. Há professores que castigam as crianças que não fazem os deveres, impedem-nas de ir ao recreio porque sabem que elas valorizam esse momento. Castigam para obrigar a fazer os trabalhos de casa. “Mas, na verdade, isso é perverso e é um erro, pois é castigar as crianças com o conhecimento que elas deviam valorizar. E é injusto porque são quase sempre os mesmos a serem castigados”, afirma Maria José Araújo. Um castigo contraproducente, na sua opinião, que merecia um estudo aprofundado.
“É importante que se explique que o recreio é um direito e é uma necessidade. É um espaço de sociabilidade fundamental para as crianças e os jovens.” Os adultos sabem o significado de um intervalo para café. Sabem que não é só para descansar. “Para as crianças e jovens é fundamental porque, de uma maneira geral, é no recreio da escola que eles conversam, brincam e criam novas brincadeiras e amizades. Cantam, fazem jogos, dançam, trocam informações, aprendem a cooperar e a estar uns com os outros, etc. Esta forma de se divertirem no recreio é fundamental para consolidar e recriar as suas culturas. É ainda fundamental para desenvolver a criatividade.” Não se trata de ir ao recreio recuperar energia. É mais do que isso. “É fundamental para cooperar com o seu grupo de pares, estabelecer redes e contactos, brincar e criar novos jogos e assim aprender. Na verdade, as crianças, enquanto atores sociais, sabem bem o significado do recreio e das brincadeiras de recreio. Basta perguntar-lhes.” 
As crianças querem brincar, mas são os adultos que gerem os tempos. “A intensa atividade que se esconde por detrás do brincar não é percetível para muitos adultos. E como são os adultos que organizam a vida das crianças, fazem-no em função das suas lógicas de adulto.” O que fazer? Cumprir os direitos da criança. Acabar com as desculpas. Criar condições de prazer e de bem-estar. Maria José Araújo garante que brincar é fundamental para aprender a cooperar, a concentrar, e é o primeiro passo para combater o insucesso escolar. “As crianças que brincam têm mais sucesso escolar e está comprovado cientificamente.” 

Amizade e tolerância 

Para Adelina Pereira, professora reformada, distinguida com o Prémio de Mérito Liderança do Ministério da Educação em 2011, o pré-escolar valoriza e incentiva a brincadeira através de atividades que despertam para o quotidiano e desenvolvem a imaginação. “No 1.º ciclo, o ensino não privilegia o brincar nas aulas, mas há uma preocupação que a aprendizagem dos conteúdos seja realizada de uma forma mais lúdica, sendo mais atrativa para os alunos com o apoio de jogos relacionados com as diferentes temáticas, bem como a utilização de computadores e quadros interativos na execução das várias tarefas”, refere. 
O tempo de brincar é importante. As brincadeiras despertam descobertas, a escola promove a socialização, facilita o encontro e a descoberta do outro. Brincar é um caminho para a partilha de valores. “Brincar deve ser um estímulo à criatividade e à imaginação com o uso de novas linguagens que ajudam as crianças a pensar. Uma vez que o mundo infantil está, de certa forma, entre a fantasia e a realidade, as brincadeiras permitem-lhes ‘fantasiar a realidade’ de uma forma criativa. É a brincar e a jogar que a criança aprende a comunicar, a relacionar-se com os outros e a adquirir um sentimento de pertença em relação ao grupo de amigos”, diz. O brincar deve ser, sempre que possível, em grupo, na sala ou no recreio, com atividades de lazer. E a escola pode oferecer equipamentos que ajudem a realizar tarefas divertidas. 
“O brincar deve promover relações de convívio, de amizade e de tolerância. Deve incentivar a aceitação do outro como um ser diferente mas igual na sua realização pessoal.” Os atores educativos sabem que brincar é importante. No pré-escolar, há tempo para isso. Depois, o cenário altera-se. É preciso cumprir programas, ter bons resultados, a vertente lúdica acaba por ficar em último plano. “Os pais, atentos, querem que os seus filhos sejam os melhores e numa perspetiva de lhes dar uma educação mais abrangente, arranjam-lhes atividades que lhes ocupam o pouco tempo que lhes resta da escola e dos trabalhos de casa. Assim, os alunos do 1.º ciclo e seguintes aproveitam, por vezes, a sala de aula para brincar, demonstrando alguma dificuldade em se concentrarem nas temáticas propostas”, repara. 
Adelina Pereira defende que a brincadeira deve ser estimulada dentro e fora da sala no pré-escolar. Atividades ao ar livre, em contacto com a natureza, deixar que os mais pequenos criem as suas próprias brincadeiras. “Passado este nível de descoberta, de adaptação, de socialização e de muita brincadeira, as crianças deviam entrar no 1.º ano com alguma maturidade para poderem compreender o mecanismo da escrita, da leitura e da matemática. Para isso, era necessário que as nossas crianças entrassem neste nível de ensino com 7 anos. Assim, a transição seria mais serena e haveria, sem dúvida, tempo para uma aprendizagem mais lúdica e aprazível”. “Uma criança com 6 anos e, às vezes, 5 a fazer 6, dali a três meses, não está ainda preparada para perceber os conceitos abstratos da leitura e da matemática. Começa aí o insucesso e o desinteresse pela escola e esta não vai largar a criança, dando-lhe mais aulas de recuperação, mais trabalhos de casa e lá se vai o tempo da brincadeira”, conclui.
Publicado, por Sara R. Oliveira, no sítio educare.pt em Julho de 2016