terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

A indisciplina e a propaganda


FACTO

Enaltece a secretaria da Educação através do JM: "Os casos de indisciplina nas escolas da Região estão a diminuir de forma significativa. Apesar de alguns episódios mais mediatizados, nos últimos seis anos os comportamentos desviantes dos alunos madeirenses desceram quase 40%. (...) No ano lectivo 2013/2014 registaram-se 13.216 participações disciplinares em contexto escolar, com este número a descer para 8.267 registados em 2018/2019". - Fonte: Jornal da Madeira.

COMENTÁRIO

Oxalá estes números fossem sérios. Mas tudo leva a crer que não são. Cruzo-me com professores e não há um, repito, um, que me diga da sua satisfação na função que exerce e na escola que vive. Pelo contrário, queixam-se, veementemente, de dois aspectos: da crescente indisciplina (má educação) e da burocracia que se multiplica. Portanto, isto cheira a propaganda. Os dados de 2014 não são da responsabilidade do actual titular da pasta. Foi em 2015 que assumiu funções e, curiosamente, daí para cá a quebra foi de quase 40%. É um aspecto a ter em consideração.
Ora bem, porque as características da sociedade não se alteraram, nada aconteceu nas políticas de família com efeitos directos nos aspectos comportamentais, a todos os níveis de análise, nada de novo e de substantivo se verificou nos estabelecimentos de aprendizagem, então, é possível concluir uma de duas situações, ou as duas em simultâneo: que os estabelecimentos de aprendizagem, para não terem "chatices", não comunicam os actos inapropriados considerados indisciplina, tentando resolvê-los no plano interno; ou existem indicações precisas para só dar nota dos mais insustentáveis. Há uma terceira hipótese que se situa em contabilizações distintas entre a metodologia de registo de 2014 e a de 2019. Há qualquer coisa aqui que não bate certo.

Ficaria muito feliz que os dados demonstrassem que um conjunto de acções, devidamente conjugadas, estavam a produzir efeitos positivos a um surpreendente ritmo de quase 1.000 casos por ano. Significaria isso que, no final da presente legislatura (2023), a Região apresentaria, grosso modo, 4.000 casos e, a manter-se o ritmo, em 2027 seriam absolutamente marginais. 

À luz do que dizem os professores a situação não é essa. Os casos narrados que chegam a várias instituições colocam os dados apresentados em uma grosseira dúvida, só justificável pela propaganda. Um estudo de 2018 enaltece que "mais de 60% dos professores sofre de exaustão emocional (...) Mais de 65 mil professores revelaram "níveis preocupantes de exaustão emocional", uma das três características do síndrome de 'burnout (...)". Isto é, na Madeira, quanto mais cresce a exaustão, mais diminui a indisciplina. É curioso, porque, por alguma razão, os professores estão exaustos. Ademais, e isto para mim constitui um dado politicamente relevante, é que o anúncio daquelas cifras estatísticas colocam em causa os anteriores secretários que tutelaram a Educação. Trata-se mesmo de uma ofensa a essas pessoas. "Fui eu que resolvi a situação, enquanto os outros andaram por aqui a passar o tempo!"
Mas continuo a sublinhar... oxalá fossem verdadeiros. Porque a serem teria eu a certeza que muito tinha mudado nas famílias e na organização do sistema educativo.
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Ouviram, senhores membros do governo?



Ouvi, na RTP-M, o Dr. Luís Sousa, Mestre em Direito Administrativo e Contratação Pública, CEO da ACIN iCloud Solutions. 
Não o conheço no plano pessoal, mas tenho uma especial admiração por esta figura madeirense. E ontem, a propósito de equipamentos oferecidos para uma sala de informática da Universidade da Madeira, disse de forma muito clara e assertiva:

"As escolas seguem um programa tecnológico que está atrasado 15 anos. E nós não podemos estar a gastar dinheiro em professores e nas infra-estruturas com um  programa que está atrasado quinze anos. Os alunos percebem. Ao perceberem isto desmotivam-se (...) Portanto, isto está tudo errado. 
Tem de haver um esforço muito grande para que as escolas adaptem os seus currículos e não estejam de costas voltadas para as empresas"

Ouviu, Senhor secretário da Educação? Não é com uma salinha aqui e outra ali, pomposa e ridiculamente designada por "sala de aula do futuro" (o futuro é agora), tampouco com umas experiências sobre robótica, que se ganham os desafios que as novas gerações têm pela frente. Isto implica uma mudança, em alguns casos radical, no que concerne à organização do sistema educativo autónomo (regionalizado), dos currículos, dos programas e dos princípios pedagógicos nos quais deve assentar o conhecimento. Ainda mais, não é com um sistema estupidamente centralizado, sistema que mata a autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem, não é padronizando e burocratizando cada vez mais o sistema que se chega à inovação. Não é massacrando os professores com papelada inútil que se abre espaço ao conhecimento. 
Se desejam construir o futuro terão de respeitar a diferenciação entre escolas e a diferenciação pedagógica, o número de alunos por estabelecimento e gerar uma política de total respeito pelas vocações. O que depreendi das palavras do Dr. Luís Sousa é que, por aquele caminho, a desmotivação acontece porque, no plano tecnológico, há alunos que sabem muito, mas mesmo muito mais que os próprios professores. É contra esta escola amarrada, bloqueada e ao serviço da propaganda política que me insurjo. Isto não vai com "Ponto e Vírgulas"
Parabéns Dr. Luís Sousa, pelo seu êxito profissional e pelo contributo que veio dar com as suas esclarecidas palavras. O Senhor sabe, por experiência própria, pelo percurso que fez que "isto está tudo errado". Não apenas na tecnologia, mas na generalidade das aprendizagens.
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Carência de boa educação


Entro no supermercado, dirijo-me à peixaria e, enquanto escamam o peixe, oiço uma discussão sobre folgas de serviço (!). Passo por um "cash & cary", vou à frente e faço marcha atrás para colocar o automóvel dentro do espaço correcto. Entra um sujeito e estaciona exactamente o carro a meio de dois espaços de estacionamento. Em silêncio, fiquei a olhar, e o sujeito lá foi à sua vida. Desço uma escada rolante, com duas pessoas a ocuparem todo o espaço, peço licença para passar e oiço: "não tenho culpa disto andar devagar". Há tempos, estava entretido a pescar, aproximou-se um sujeito e, no cais, lá vai isto: dois sacos de plástico, cheios de restos, tudo para o mar. Vou na estrada e assisto a  velocidades desadequadas, gestos e palavrões de arrepiar. Vou a um serviço, aguardo, e quando chega a minha vez o funcionário(a) fica a olhar para o computador como se eu fosse transparente. Calo-me, até que me olhe nos olhos e perceba ao que vou. Até em um simples cumprimento, a muito custo somos correspondidos.


Há excepções, muitas, obviamente que sim. Não tomo o todo pela parte. O que quero dizer é que a Educação já teve melhores dias. E isto tem pouco a ver com a origem social, mas tão-somente com regras básicas que se aprendem. Cumprir horários, tarefas definidas, prazos de execução, ser rigoroso e responsável, não ser corrupto, eu sei lá, tudo o que tem a ver com a vivência em sociedade, tem por base os princípios orientadores de uma boa educação. 
E porque é que isto acontece, bastas vezes me questiono.  
Ora bem, nunca aceitei que empurrassem para a escola tudo o que as famílias não assumem como deveres. Muitos erros comportamentais têm origem exactamente aí, na ausência de consistentes, sensibilizadoras e punitivas políticas de família. E com o passar dos anos, a liberdade com responsabilidade foi, paulatinamente, resvalando para uma certa libertinagem, para uma ausência de subordinação a regras, desde as mais elementares àquelas que chocam. Quase tudo é possível e quase tudo é tolerado, não vão os meninos ficarem complexados ou revoltados! E o círculo vicioso fecha-se, agora, com adultos que se comportam em função das suas próprias vivências e tolerâncias intuí durante muitos anos.
Mas isto não significa que a escola, enquanto estabelecimento de aprendizagem não tenha responsabilidades. Tem e muitas. Escrevi, se bem repararam, "estabelecimento de aprendizagem" e não "estabelecimento de ensino", daí que a aprendizagem não deva se quedar pela simples ou complexa transmissão de conhecimentos programáticos. Há um ambiente e uma mentalidade que  lá deveria nascer, e que está muito para além do sentido enciclopédico a que subordinam os alunos. Está muito para além dos níveis e notas atribuídos, muito para além de exaustivas grelhas de avaliação, com percentagens para tudo, mas, paradoxalmente, sem que essa aprendizagem tivesse sido transversalmente vivida e sentida no dia-a-dia. Portanto, em suma, há responsabilidades de ambas as partes, da família e da escola e, naturalmente, por extensão, dos que desempenham cargos de natureza política, também eles culpados por este constante deslizar, entre o que deveria ser assumido como luta por uma população educada, culta e distante de lacunas que não ajudam uma saudável vida de relação social. A percepção que existe é que andam, mor das vezes, atrás do prejuízo e raramente na dianteira da prevenção.

Os casos "Maregas" que nos deixam com um sentimento de profunda tristeza e revolta, não são mais do que a falência de uma humanista aprendizagem para a aceitação dos outros. A aprendizagem tem estado mais focada em um enciclopedismo bacoco do que naquilo que é prioritário e estrutural. E o que é estrutural suporta todos os posteriores conhecimentos relevantes.  Prepara-se para um exame, repetindo até à exaustão, mas não se prepara para a vida que é muito mais complexa do que uma série de matérias, muitas vezes desconexas, desligadas do sentido vocacional, dos múltiplos caminhos que cada um deseja seguir e, daí, destinadas ao esquecimento depois de uma dada prova de "avaliação". A educação é muito mais do que isto!

Nesta escola, melhor, neste sistema dito educativo, não há tempo para a aprendizagem, apenas subsiste o tempo para o "ensino"; não existe tempo para a reflexão, mas para a repetição, a memorização e para a luta de uns contra os outros, raramente, o trabalho com os outros; nesta escola, grosso modo, aprende-se a violência, não a tolerância; nesta escola que deveria funcionar de braço dado com as famílias e com as instituições em geral, não há margem para o crescimento de uma mentalidade diferente daquela que nos arrelia, mas sim para a recorrência do erro que acaba por se multiplicar em actos desprezíveis. É, por isso, que crescem como cogumelos programas televisivos e de rádio, sobretudo desportivos e políticos, indescritíveis, de permanente ofensa, com pessoas que não aprenderam e que trazem consigo a matriz da má educação e, quantas vezes, do ódio. Os "Maregas" são vítimas de uma escola que "ensina" as regras das modalidades desportivas, promove, até, testes de avaliação sobre essas regras, mas não promove a aprendizagem dos princípios e dos valores que contrariem, entre outras, as rivalidades doentias. De que estávamos à espera? 
Há uma profunda necessidade de rever tudo e de tudo questionar. A lei não resolve a questão central: a da educação. Temos de procurar as causas, a montante e a jusante, não no pressuposto de tudo resolver, mas de caminhar em um sentido de celebração do ser humano. Essa é a grande obra que está por edificar e "inaugurar".
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Artigo publicado no blogue:
www.gnose.eu

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A educação positiva


Será "pela positiva" que os pais se tornam melhores pais?
Há ideias simples que representam sínteses inteligentes de um conjunto de princípios da psicologia e que, muito depressa, se transformam em termos que ganham tracção na opinião pública e se repetem, repetem e repetem. Exemplo disso serão, a "inteligência emocional" ou a "educação positiva". Por mais que nem sempre essas ideias sejam utilizadas com a robustez e fundamentação que o bom senso exigiria, há quem, a propósito delas, fale de "estudos científicos" e lhes junte algumas pitadas avulsas de "neurociências" e, de repente, temos pessoas das mais diversas profissões a fazer "couching parental". Isto é , tudo aquilo que não ousamos fazer a propósito da medicina, da engenharia ou do direito. Com um risco (grande) desse voluntarismo levar alguns pais ao engano.



Uma ideia assim estruturada duma "educação positiva" pretende colocar-se como alternativa a uma "educação repressiva", que seria severa e ancorada na obediência. Ao contrário da "educação repressiva", a "educação positiva" tomaria em consideração a empatia e o respeito pelas emoções das crianças.
Foquemo-nos na empatia. E na ideia de, para não interferirem negativamente no equilíbrio entre desenvolvimento mental e equilíbrio nervoso, os pais "terem de ser" empáticos. Ora, ninguém é empático porque tenha ser empático. Ninguém é empático num contexto de "faz de conta". E não é por uma pessoa reivindicar a sua empatia que é empático. [Aliás, empatia, vinculação e tantos outros termos da psicologia, por mais que sejam um património de todos, mereciam ser compreendidos com outro rigor por parte de quem os reclama para se evitarem muitos equívocos.] Por outras palavras: para muitos pais, ser-se empático é entendido como condescender, não culpabilizar as crianças como sinónimo de ser-se justo, respeitar as emoções delas e persuadi-las a não expressaram algumas delas, e negociar com os filhos (por tudo e por nada) como a alternativa "positiva" a repreendê-las ou a ordenar-lhes o que os pais muito bem entendam que será protector para elas.

Sejamos prudentes: eu acho que muitas destas receitas "positivas", imaginadas para se retirar o medo às crianças, sempre que são manuseadas de forma precipitada, se tornam excelentes para trazer medo e insegurança à espontaneidade dos pais. Como se, a determinada altura, a empatia fosse uma espécie de "dieta parental", que - independentemente de não ser muito claro se os pais passam a escutar, de forma genuína, os filhos ou se dão atenção àquilo que eles consideram "politicamente correcto" - resulta sempre. Na verdade, muitas destas "receitas positivas" têm sido responsáveis por crianças inseguras, agitadas, com falta de regras, desafiadoras (e, por vezes, insolentes). E muito "cheias de si"; em vez de serem saudavelmente seguras. Por carência de boa educação.

Para mais, parece-me a mim, que continuamos, perigosamente, a confundir autoritarismo e autoridade, como se fossem sinónimos. A autoridade dos pais é tão opressiva para as crianças como o direito para a democracia. Isto é, as crianças precisam da autoridade dos pais, não tanto porque nasçam para serem subjugadas por eles, mas porque, para elas, a autoridade dos pais é sinónimo de bondade, de sabedoria e de sentido de justiça. Logo, negociar por sistema é exercer a autoridade num registo medroso. Que, em vez de as ajudar a crescer de forma saudável (com nãos, com advertências e com alguns episódios mais "imperativos" dos pais, sempre que eles entendem, de forma intuitiva, que os tenham de assumir), parece cultivar uma ideia de um presumível respeito pelas crianças que, no fim de contas, os leva a lidar, muitas vezes, com elas como se fossem "peças de porcelana". Em resumo, é estranho que o respeito pela infância pareça levar muitos pais a sentirem-se tolhidos por tantas "receitas" e a demitirem-se, mais do que seria sensato que o fizessem, de ser pais. Tudo ao contrário ao contrário daquilo que o respeito pela infância merecia.
Tenhamos, então, a ponderação de poupar os pais a meias-verdades que os levam ao equívoco. As crianças ganham se os pais as sentirem, sim. Ganham se eles, ao mesmo tempo que se recordam das suas infâncias, forem capazes de as imaginar; sem dúvida. E ganham se eles não as culpabilizarem, claro. Mas ganham, também, se, sempre que for necessário, as repreendam. Se exigirem aquilo que, em bom senso, entendam que não só não é negociável como, sobretudo, as protege. E ganham, também, se eles assumirem que o colo não as estraga. Mas que colo sem nãos é um alimento sem sal. E, sim, ganham se compreenderem as emoções dos filhos sem que isso suponha que deixem de compreender as suas. E que compreender as emoções não é domesticá-las; é entender os motivos pelos quais elas são como são. E actuar sobre elas. Se for o caso.
Por isso mesmo, tenho medo que muitas destas "receitas positivas", em nome da empatia, reprimam o "instinto maternal" e o "sexto sentido" dos pais. Que são termos de senso comum que dão a entender que somos pais em função de muitos sinais que o nosso "equipamento de base" é capaz de intuir. Que não perdemos nada se a isso juntarmos a nossa experiência de filhos e os exemplos dos nossos pais. E se, para mais, escutarmos quem, de forma fundamentada, nos traga contraditório a tudo aquilo que supúnhamos saber como pais. Sem que com isso nos tornemos tecnocratas em parentalidade, que é aquilo que os pais não podem ser. Sem que se ponha no mesmo cesto pessoas tecnicamente experimentadas, pessoas voluntariosas sem formação e, já agora, alguns blogs que, tudo junto, confundem os pais e que lhes tiram espontaneidade e autenticidade. E que lhes trazem muito medo e culpabilidade de se deixarem ir pela sua intuição. E que os põem a reproduzir conceitos que, parecendo slogans, não lhes trazem os recursos de que eles precisariam para serem melhores pais. Sempre com a salvaguarda de que reproduzir não é escolher, condescender não é entender e aceitar não é compreender.
Afinal, será "pela positiva" que os pais se tornam melhores pais? Se for de forma inconsistente, não. E será que a infância dos filhos ganha com isso? Receio que não.

Por 
Eduardo Sá
Psicólogo

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

É preciso proibir tablets e telemóveis nas escolas


Por
Raquel Varela
VozProf
31/01/2020 

A ignorância, e a falta de relações sociais nas escolas deste país galopam a olhos vistos. Mas a responsabilidade é dos adultos. De todas as distopias a que mais me convence é a do colapso cultural pelo domínio tecnológico, o uso do telemóvel e tablets. O homem agarrado à máquina, dependente da máquina. Dou aulas em Associações, sindicatos, centros culturais, municípios, tenho com frequência públicos de centenas de pessoas, na sua larga maioria ou reformados ou mais velhos, todos com mais de 50 anos estão com caderno na mão a tomar notas, a escrever, a questionar, a rir-se comigo. Não sei como e quando se deu a ruptura nos hábitos de leitura das gerações mais novas. Mas ninguém se iluda – o nosso cérebro precisa de ler, descansar sobre o que leu, pensar sobre o que leu, escrever com a mão (cujo tempo e fixação na memória e reflexão é distinto do teclado), para criar mais, pensar mais e melhor.



Em Silicon Valley, onde se inventaram os telemóveis, os quadros superiores criaram escolas para os seus filhos onde não existe qualquer aparelho tecnológico, e os telemóveis estão proibidos. 
Descobriram por exemplo que quem usa telemóvel tem mais depressão, mais obesidade. E que quem constrói um cubo físico ganha noção de volume, quem o faz no tablet não. Que brincar e pular, colectivamente, é fundamental para produzir hormonas de bem estar, ter um fisico saudável, e saber relacionar-se. Precisam de horas e horas por dia destas brincadeiras. Os mesmos engenheiros que colocaram um tablet ou telemóvel na mão de milhões de crianças e jovens permanentemente hiper estimulados por um écran, cuja luz “azul”, brilho, repetição, e hiper actividade são destrutivos para o pensamento abstracto, e as emoções. Vou a escolas e nos intervalos há dezenas de miúdos ao lado uns dos outros cada um, sós, sozinhos, a olhar o telemóvel. Os psiquiatras já alertaram para uma epidemia de depressão por falta de afetos provocada pela solidão das redes sociais, que são uma aparência de relação. Não são “redes sociais” mas a destruição da sociabilidade. Não nos dão bem estar porque, embora elevem níveis de prazer cerebrais imediatos, no médio prazo têm o efeito contrário, destroem esse centros de bem estar localizados no nosso cérebro. Têm um efeito que hoje muitos médicos comparam à droga, como a cocaína – no imediato prazer, no médio prazo depressão. Sim, podemos estar à beira de uma catástrofe emocional, relacional e intelectual pelo domínio que os telemóveis têm hoje. Não sei como esta geração vai pensar, criar, sorrir, convencer ou discordar, gerir conflitos, e mesmo fazer amor, construir amizades, cuidar dos seus e ser cuidado.

Os meus filhos sempre tiveram regras apertadas no uso destas máquinas, às quais não tiveram algum acesso até aos 12 anos, a TV estava desligada de segunda a sexta. Liam 2 livros por dia para crianças. Este mês um deles, que aprendeu trompete, lê Sagan e Sachs, toca cavaquinho, é auto didacta de italiano, um desportista, e um tipo super bem disposto (não é um chato, marrão) informou-nos que tirou todas as redes sociais porque aquilo “distrai-o de pensar e porque não precisa de filmar e tirar fotos porque o melhor fica cá, na nossa cabeça”. Estuda ciências mas conseguimos convencê-lo que se for para ciências, ou medicina, precisa de ser culto, e abrir horizontes. 

Não pode só estudar biologia e matemática. Não pode não ler os clássicos. Está a tirar um curso de desenho, e ontem perguntou-nos quando vamos começar o nosso recém baptizado Clube de Cinema José Mário Branco, ao qual, sugeriu ele “podemos adicionar um clube de leitura”. Não vos digo isto para “mostrar” os meus filhos, que “geniais”. Eles são novos, educá-los tem sido um desafio, às vezes sem grandes certezas. O que vos posso garantir é que esta atitude dele vai fazê-lo mais autónomo, mais inteligente, mais critico, menos manipulável e, por isso, mais livre. Por ser ele a fazer, e não a máquina a fazer por ele.
Tenho, porém, a certeza, que esta decisão não pode ser individual, e familiar, não pode estar na mão de um tipo qualquer mais auto controlado, ou de pais mais conscientes – esta é uma questão de saúde pública. É preciso proibir a utilização de telemóveis e tablets nas escolas, seja no intervalo ou não. O Governo anunciou que vai comprar mais telemóveis e tablets para as escolas para melhorar a qualidade destas, quando as escolas para terem sucesso precisam de docentes bem pagos, turmas pequenas, intervalos maiores, redução do tempo de escola, muita brincadeira e muita ciência e pedagogia séria. Para aprender é preciso ser feliz, e para ser feliz é preciso aprender. O tablet vai ainda piorar tudo. As crianças são a nossa responsabilidade, dos adultos. Não nos podemos demitir.
Fonte: RaquelVarela

NOTA

Uma opinião que deveria ser exaustivamente debatida. Tenho a minha opinião sobre esta matéria, não coincidente com o texto da Doutora Raquel Varela, porque entendo que o que está em causa é um novo sentido organizacional da escola, um outro paradigma curricular e programático, onde a tecnologia entre de forma necessária, sem exclusão de todas as outras preocupações referidas no artigo. Está em causa uma nova MENTALIDADE no uso das tecnologias.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Antes do sucesso escolar, há que trabalhar as emoções


Por

Bárbara Wong
2 de Fevereiro de 2018

O dia não corre melhor se, antes de sairmos de casa, alguém nos disser umas palavras simpáticas? “A predisposição que tivermos para os outros vai ser diferente porque o amor é contagiante”, defende Maria Caldeira, directora do Agrupamento de Escolas do Alto do Lumiar, em Lisboa. Trabalhar o pensamento emocional é a proposta desta professora para conquistar os alunos, oriundos de meios desfavorecidos, para que, no futuro, possam estar mais predispostos para estudar. 


Já existem vários projectos, a nível nacional e internacional, onde se procura trabalhar as emoções dos alunos, aponta a directora deste agrupamento que fica num Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP) e que é uma das experiências em curso no país. “Tenho o privilégio, a honra e a graça de trabalhar com um grupo de pares e de parceiros extraordinários”, orgulha-se Maria Caldeira, enumerando os professores, a mediadora escolar, os técnicos da Junta de Freguesia do Lumiar, as universidades, associações e organizações que estão a colaborar com o agrupamento.
Dulce Martins, investigadora do ISCTE, faz parte da equipa que acompanha 19 agrupamentos TEIP e recorda que a ideia de trabalhar sobre as emoções surgiu quando um dia houve um grave problema de indisciplina numa das escolas do Alto do Lumiar. Maria Caldeira defendeu na altura que “o pensamento emocional pode ser um promotor de disciplina”, recorda a investigadora.
E foi assim que começou. Por exemplo, numa escola do 1.º ciclo do agrupamento há aulas de ioga três vezes por semana, um projecto com a colaboração da autarquia e da Universidade de Aveiro que está a monitorizar os resultados. Noutra, também do 1.º ciclo, os alunos de Psicologia da Universidade de Lisboa trabalham com as crianças as suas competências emocionais – “há um défice grande de afectos”, justifica a directora. Na Escola Básica das Galinheiras, o campeão de kickboxing Miguel Reis dá aulas aos alunos do 1.º ciclo. “O atleta é filho de mãe cigana e pai negro, o que mostra que a relação entre as duas culturas é possível, que se pode viver em paz”, explica ainda a directora. Se um aluno se portar mal, o mestre fala com ele; não participar numa prova pode ser o castigo. Os meninos “estão a trabalhar as emoções de uma forma física”, continua Maria Caldeira.
O agrupamento — que tem resultados académicos abaixo da média nacional, em todos os ciclos — tem ainda trabalhado com os professores e com a associação de pais. O fim último é melhorar o desempenho escolar dos alunos? “Quando conseguimos trabalhar estas competências, quando os alunos estão disponíveis para ouvir, claro que contribui para melhorar os resultados”, responde Maria Caldeira.
“É preciso estimular o pensamento emocional para promover competências emocionais que são essenciais para o sucesso escolar. Os estudos dizem que os alunos mais competentes a nível emocional têm maior sucesso académico”, acrescenta Dulce Martins. E é isso que se pretende com estes e outros projectos que o agrupamento está a levar a cabo. “Em primeira e em última análise queremos que estes alunos tenham sucesso académico, mas também queremos muito que sejam felizes e encontrem um equilíbrio interno”, conclui a directora.
As inscrições para as jornadas esgotaram — o que "é muito revelador da necessidade que as pessoas sentem em trabalhar os afectos", avalia Maria Caldeira.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Uma Educação contextualizada


Fui convidado a visitar a Quinta Pedagógica da Associação Santana Cidade Solitária. Fantástico! Foi uma manhã diferente e que, confesso, me encheu. A Educação contextualizada, vivida e sentida tem uma incalculável dimensão. Hoje foi dia de um encontro intergeracional: crianças de uma escola, com os seus professores e um número alargado de seniores de Santana. Os alunos puderam viver o tema tradicional da época, para que as tradições não se percam: a construção dos bonecos (Compadres), a feitura dos sonhos e a vivência da quinta com os animais, árvores de fruto e hortícolas. Um espaço maravilhoso, rústico em uma paisagem lindíssima, onde tudo está no seu lugar. Deixo aqui algumas fotos que marcaram esta actividade.

Quem ali entra pela primeira vez, naturalmente como convidado, como foi o meu caso, é "baptizado" na adega, sob os olhares do Patrono São Joaquim.

E, no final, especificamente para os adultos, nada melhor do que milho e cavalas com molho de vilão. 
















quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

A exigência de uma revolução no Sistema Educativo


Gosto de ler e, simultaneamente, cruzar a informação que nos chega. Hoje, por exemplo, dei conta de um texto sobre a baixa qualificação dos candidatos a um emprego (Dnotícias, página 2) e, mais à frente, de um notável artigo (mais um) da autoria do Professor Miguel Palma Costa. 

O DIÁRIO puxou para 1ª página:

"Só foram colocados 11% dos candidatos a emprego (...) Baixa qualificação da maioria dos inscritos e desajustamento entre a oferta e a procura são os principais motivos" - Fonte: 1ª página do DIÁRIO, edição de hoje.

Escreve o Professor subordinado ao título: Não Pensar:

"(...) Lamentavelmente, também nas escolas as crianças (e adolescentes) são cada vez mais incentivadas a não pensar. A nova composição social que estamos a erigir não lhes dá tempo para pensar, não lhes admite “tempos livres”, momentos para o ócio; elas têm de estar sempre ocupadas, ligadas, em atividade, a queimar tempo, nem que seja num ecrã de computador, tablet ou telemóvel e a viver um mundo virtual que não reflete o eu nem sobre o eu, mas que distrai (e até mata). O pediatra e professor, Mário Cordeiro, afirma de modo muito claro que as crianças “estão a ser habituadas a não pensar” e os próprios professores parecem estar a ser impossibilitados, pelo sistema que se pretende implementar, de lançarem nos alunos o desafio de estudar e pensarem sobre determinadas temáticas. O que a acontece é que a escola está a deixar de incentivar a dúvida construtiva, o pensamento crítico e parece pretender que os alunos fiquem somente pela concordância dos factos, pela superficialidade, pelas “aprendizagens essenciais”, pois a profundidade, a revindicação de um conhecimento que vá para além da opinião – que exige mais tempo e labor – esse caminho é gradualmente eliminado dos programas ministeriais. (...)"

Ora bem, em síntese, quando não há nem coragem nem sabedoria para mexer na estrutura, é óbvio, como alguém sublinhou, "que se torna insano fazer a mesma coisa, repetidamente, e esperar resultados diferentes". E a escola tem sido isso, nos planos organizacional, curricular, programático e pedagógico. Procedem a uns "acertos" nas margens, fundamentalmente com preocupações mediáticas, porém, PENSAR e OUSAR são dois verbos muito distantes no exercício da política. Fogem deles como o diabo da cruz. A par disto emerge a questão social. Quando não existem consistentes políticas a montante da escola, portadoras de futuro, geram-se, então, os ingredientes para as "baixas qualificações" e "desajustamentos" entre as ofertas e as procuras. Alguém estaria à espera de outro resultado? 
Neste pressuposto, o artigo do Dr. Miguel Palma Costa constitui um tiro certeiro em um problema que é vasto e complexo.

"(...) Aliás, hoje, no geral o ser humano considera que vive melhor se pensar pouco ou não pensar, posição a que determinados tipos de liderança dão grande utilidade). O pensar traz a dúvida, desconforto, a ideia de culpa, de pecado, a melancolia, o medo... e ainda por cima é um exercício difícil, custoso, exige sofrimento e treino, isto é, tempo, horas sobre horas de consistente análise e/ou reflexão. (...)"

Para alguns, PENSAR é perigoso! Portanto, melhor será que, na escola, não se pense. Uma teoria que encontra no Estado Novo de Salazar um defensor: "os jovens não precisam de pensar porque há quem pense por eles". Insiste o Professor nesse artigo: "Ora, perante este cenário que favorece uma espécie de cegueira e surdez intelectual, parece que já não há nada a fazer, mas tal não é verdade. O homem não perdeu ainda a capacidade de pensar, pelo que é urgente, talvez agora mais do que nunca, e porque novos contratempos e desafios se agigantam, exercitá-la!"
Só acrescentaria: os jovens e os políticos.
Ilustração: Google Imagens.