sexta-feira, 30 de abril de 2021

Limitação de mandatos nos órgãos dos estabelecimentos de aprendizagem


A Escola não constitui uma instituição à margem da sociedade. Ela emerge da sociedade, logo deve enquadrar-se no regime democrático que escolhemos viver. Ora, assim sendo, não faz qualquer sentido que, por exemplo, o próprio Presidente da República esteja limitado a dois mandatos e que os órgãos de uma escola não tenham qualquer limitação. O chumbo que a maioria parlamentar impôs à proposta de decreto legislativo regional, apresentado pelo JPP, obviamente que, do ponto de vista político, não é inocente. Qualquer pessoa percebe as razões de tal atitude.



Não vou aqui tecer considerações que seriam sempre subjectivas e até abusivas face ao trabalho sério e empenhado que muitos professores realizam nas direcções das escolas. Pois bem, apesar de eu ter uma leitura política sobre os motivos que estão na origem do chumbo à proposta do JPP, intencionalmente, não quero entrar por aí. Seria misturar situações de exclusiva paixão pelo trabalho, com outras que podem suscitar a ideia de correias de transmissão de uma determinada vontade política do poder. 

A questão essencial é outra. É que a democracia exige o interesse pela alternância para que as instituições respirem, se mobilizem e se tornem criativas e inovadoras. Mesmo no sistema empresarial privado, os designados CEO (chief executive officer) são mudados pela necessidade de gerar novas dinâmicas. O pensamento sustentado e divergente só traz benefícios às organizações. O que está em causa não é ser contra, mas ver e actuar de forma diferente. As mudanças trazem consigo vontade em operacionalizar e autonomizar relativamente aos poderes instituídos, com evidente em pleno respeito bilateral. É a diferença entre ter um mandato e ser mandado. Significa isto, em oposição, que a rotina e a submissão conduzem à morte organizacional, perdendo-se a finalidade e a missão. A rotina mata a existência de novos e promissores projectos, limita a comunicação interna e externa, e a ausência de autonomia, sinónima de submissão à vontade de outros, não promove a coesão interna entre as diversas áreas da organização, por isso mesmo, mata uma desejável cultura de princípios e de valores da escola. 

Por outro lado, o chumbo à proposta do JPP denuncia, claramente, uma proximidade a um pensamento de ontem, retrógrado e inadequado aos tempos que vivemos e ao conhecimento existente. Isto é, ontem, hierarquicamente, a responsabilidade era determinada entre os definem as grandes linhas estratégicas (governo) e os executores (professores). Hoje, isso não é inteligível. Caso para trazer, uma vez mais, à colação o Professor Licínio Lima quando tão bem situou esta questão. O poder, dizendo não dizendo, com as suas atitudes, acaba por sublinhar: "sejam autónomos nas decisões que já tomámos por vós". Há, portanto, uma questão de intencional centralização das orientações, de cega obediência por medo, tal como na fábrica da Sociedade Industrial, (a escola não é uma fábrica) quando hoje não devem existir compartimentos estanques. Até porque, por um lado, os estabelecimentos de aprendizagem são entidades complexas e vivas a todos os níveis de análise, por outro, porque são diferentes uns dos outros, desde os territórios onde actuam, aos  públicos que servem e aos professores que os compõem. 

Se são dois mandatos ou três não discuto. O limite de anos, idem. O princípio que deve ser assumido é que ninguém se deve eternizar, por dez, quinze, vinte e quase trinta anos nos órgãos de uma escola. Estou aqui a escrever e na memória trago as palavras de D. Manuel Martins, Bispo Emérito de Setúbal. Em 2011 transcrevi as suas palavras: "(...) as alternâncias são sempre boas. Por muito boa que seja a pessoa que está, a partir de determinada altura alternar é bom. Já tive essa experiência na minha vida. Fui professor, saí, entrou outro, foi óptimo; fui vigário-geral, saí, entrou outro, foi óptimo; fui bispo em Setúbal, saí, entrou outro, foi óptimo. A alternância é magnífica a todos os níveis e em todos os sectores porque traz novidade, dá esperança, imprime outro ritmo de vida". Concordo, em absoluto.

Limitar a rotina, fazer apelo à imaginação e ao sonho, provocar a meditação sobre o futuro, reformar profundamente os hábitos do dia-a-dia, ser capaz de ousar e de, entre outros, estimular e motivar as equipas, não é compaginável com a submissão a hierarquias amantes, como dizia A. Tofller, dos "cubículos convencionais de ontem". Os estabelecimentos de aprendizagem precisam de autonomia (não a de papel) e necessitam de alargada participação, para que sejam entidades desiguais, vivas e consequentes.

A talho de foice, tenhamos presente o que se passou na Escola do Curral, onde um professor (e uma equipa), que ganhou as eleições com 78% da vontade da comunidade escolar, mas porque dele o poder político não gostava, viu a sua escola, no dia seguinte, perder a sua autonomia. Foi fundida com outra. Os poderes gostam de ter a rédea muito curta e de saber quem não lhes faz ou faz vénia. Por isso, não acho estranho o chumbo da maioria política no Parlamento da Madeira ao essencial da proposta do JPP. Da parte do PSD foi sempre o seu posicionamento; já da parte do CDS que bom seria terem presente as palavras ditas em legislaturas anteriores, sempre que se discutiram aspectos relacionados com a autonomia das escolas e com a intervenção abusiva do governo! Mas isso é outra história, não é verdade?

Ilustração: Google Imagens. 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

O Dr. Jorge Morgado demitiu-se por estar contra o Supremo ou por não concordar com o secretário?


Li, na edição de ontem do Dnotícias que o Dr. Jorge Morgado, Director da Inspecção da Educação da Secretaria Regional da Educação da Madeira, tinha colocado o seu lugar à disposição, na sequência do Despacho do Supremo, relativamente ao processo ao Professor Joaquim Sousa. Só agora? Lamento que não o tenha feito logo no início deste maquiavélico processo. Deixou que o seu superior hierárquico, o secretário, fizesse o queria e entendia e agora, de forma esquisita, parece querer lavar as mãos.



O Dr. Jorge Morgado é tão culpado quanto o secretário. Permitiu e isso não é desculpável. Se, inicialmente, deitou ou não água naquela mistura de ódios, não sei, mas a verdade é que não se ouviu a sua voz. Certo é que fechou os olhos ao facto de ter sido uma não inspectora, que nem aos serviços pertence, a conduzir aquele rol de acusações. Não havia nenhum inspector de carreira disponível para assumir tal responsabilidade? Recusaram-se? E se existia, qual o significado da não aceitação? O Dr. Jorge Morgado, enquanto líder da Inspecção, que leitura fez desta situação e como aceitou ser subalternizado? Já agora, estando a Inspecção subordinada a regras, quem terá ajudado a "inspectora de ocasião" a elaborar tão complexo processo? Só mais duas perguntas: qual o seu posicionamento relativamente ao desaparecimento das actas que constituiam uma parte da defesa do professor em causa? Alinhou na trapalhada?

Mais, Dr. Jorge Morgado, o problema não é meramente administrativo, se os prazos de contestação judicial foram ou não cumpridos. Esse é paleio para desviar as atenções. O problema é a matéria de facto e essa é ignóbil. Suspender um professor por seis meses, impedindo o salário, empurrando uma família para muitos constrangimentos financeiros, constitui uma imperdoável maldade. Não se tratou de uma "repreensão" por alegadas desconformidades administrativas, mas de um castigo e de uma humilhação que repugna. Por isso, repito, é tão culpado quanto o secretário.


Para que fique claro, conheço o Professor Joaquim José de Sousa (que a secretaria, malevolamente trata por Joaquim Batalha) por duas ou três conversas pessoais. Uma, no Funchal, outra, na cidade do Porto, esta quando lá vivi cerca de ano e meio. Ambas a meu pedido. Interessei-me em conhecer os contornos do processo. Colocou tudo em cima da mesa para minha análise e que eu retirasse as conclusões. Não se esforçou em provar fosse o que fosse. Estava ali escrito, nas actas que desapareceram e nos resultados que a escola apresentava. Pois bem, tudo quanto escrevi até hoje sobre o Professor Joaquim José de Sousa, não o fiz por razões de uma qualquer amizade pessoal de anos, mas na defesa de um docente que estava a ser vítima de um jogo sujo e de uma "novela" de péssima qualidade. Escrevi na defesa da dignidade e do respeito que os professores merecem. Escrevi sobre o professor em causa, como escreveria sobre qualquer um outro que, sem culpas no cartório, fosse vítima de uma perseguição.

É, por isso, que o Dr. Jorge Morgado é tão culpado quanto o secretário. Deveria ter aconselhado o diálogo e não o castigo; deveria ter ajudado a corrigir alguma desconformidade organizacional e não partir para um quadro antecipado de punição. Leio no sítio da internet da Inspecção, com uma fotografia do director, que uma das missões da Inspecção é a de: 

"(...) Propor ou colaborar na preparação e execução de medidas que visem o aperfeiçoamento e a melhoria do funcionamento do sistema educativo regional e da qualidade dos estabelecimentos de educação e de ensino, numa perspetiva de promoção do sucesso escolar dos alunos, de alteração da cultura de retenção, de promoção do espírito crítico e da assunção do compromisso ético de transformação da realidade socioeducativa; (...)"

Propôs alguma coisa? Não. Deixou que o marfim corresse até à punição. Pior, em um estabelecimento de aprendizagem "com sucesso escolar" com uma "cultura de não retenção", com "espírito crítico", um estabelecimento com "compromisso de transformação da realidade socioeducativa", pergunto, se é com silêncios comprometedores e perseguições que se atingem tais objectivos por ele próprio enunciados? Portanto, uma vez mais, o Dr. Jorge Morgado, talvez por omissão, é tão culpado quanto o secretário. Daí que, não seja inteligível só agora o seu lavar de mãos. Depois, colocar o lugar à disposição por uma decisão do Supremo? É risível e caricato, quando o Dr. Jorge Morgado, sendo licenciado em Direito, sabe que, em todos os processos, de acordo com a Lei, ou se ganha ou perde. E a vida continua. Sendo assim, pergunto, demitiu-se por estar contra o Supremo ou demitiu-se por não concordar com o secretário? A questão é esta e não outra. Só a sua consciência está em condições de esclarecer toda a comunidade. Tudo o resto é paleio para tentar sair bem de cena.


Aliás, o Dr. Jorge Morgado é um caso paradigmático consequência de muitos anos no governo. No seu caso, já são trinta e sete consecutivos na Educação, saltando de serviço em serviço. As raízes políticas e as cumplicidades um dia rompem-se. Romperam-se, com "naturalidade" e "normalidade", duas palavras recorrentes no discurso do secretário! Porém, voltou atrás, e lá continuará, segundo as notícias de hoje. Tudo isto é lamentável, Dr. Jorge Morgado.

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Depois disto, ainda é secretário?

 

Escrevo este texto revoltado, embora sem perder o discernimento. O caso do Professor Joaquim José Sousa, visado pelo actual secretário da Educação da Madeira, em um processo de claríssima perseguição, inacreditavelmente, paradoxal que possa parecer, por ciúme em função do êxito da escola, por escapar ao seu controlo, deveria servir de exemplo para todos os professores que trabalham na Região. Desde retirar a autonomia da escola, fundindo-a com uma de um outro concelho, engendrar um processo por infundadas e ridículas questões administrativas e, finalmente, puni-lo com seis meses sem salário, sem direito ao contraditório, com isto, enxovalhando-o publicamente e molestando a família, fazendo-o gastar, certamente, alguns milhares de euros para se defender nos tribunais, tudo foi possível no sentido de manter o secreto desejo de manter a classe profissional amarrada à sua estrábica visão do que deve ser uma Escola autónoma e portadora de futuro.



A secretaria da Educação perdeu em todos os patamares da Justiça: no Tribunal Administrativo, no Tribunal da Relação e, finalmente, no Supremo. A secretaria foi recorrendo, desajeitadamente, sem fundamentação credível e perdeu em toda a linha. 

A história é complexa, está cheia de inverdades e de situações cobardes, com alguns anos de "bullying" e de massacre emocional, extensivos à família, e agora, pergunto, toda aquela encenação maldosa para quê? O que é que a secretaria, que no habitual paleio político, se diz "amiga dos professores", ganhou com esta patifaria que mais não teve por objecto se não a humilhação pessoal? O que é que a Escola e o sistema ganharam com esta perseguição?

Conclusão: terá de devolver os salários, corrigir o tempo de serviço prestado, certamente, todas as custas do Tribunal e não se livra, suposição minha, de um processo indemnizatório. Serão os madeirenses a pagar esta leviandade que teve por base um condenável ciúme. Fique o secretário ciente disto: quer nos prazos para reclamar (matéria processual) quer, sobretudo, repito, sobretudo, na matéria de facto (e este é, indiscutivelmente, o mais importante), este processo foi uma vergonha com todas as letras! A secretaria deve um pedido de desculpas e, do meu ponto de vista, politicamente, o secretário deveria demitir-se. Por dignidade. Aliás, o comunicado de ontem do secretário regional, arrazoado que ignora as causas, sobre a decisão do Supremo é de uma indisfarçável infantilidade e fuga às responsabilidades maiores, como se os juízes não conhecessem a matéria razão principal do processo. Mete dó!

Ora bem, todos os professores estão sujeitos aos deveres que a sua profissão implica, inclusive, o respeito pelas suas hierarquias, mas também é preciso que não se esqueça que têm direitos, entre os quais, no mínimo, o de serem respeitados enquanto pessoas, nos planos organizacional e pedagógico. Quem se der à curiosidade de ler todo o processo verificará a cabala montada e consubstanciada em manobras desprestigiantes (até as actas das reuniões, enquanto meio de prova, desapareceram), as quais, só poderiam resultar nesta decisão do Supremo Tribunal. Apenas um exemplo: em tempo tecnológico, pasme-se, a secretaria condenou-o por ter remetido os horários dos professores por e.mail e não por carta. Espantoso! O Professor Joaquim Sousa e todos os que desenvolveram, nesse período, na Escola do Curral, a sua actividade, mereciam outro respeito e consideração pelo trabalho que, em conjunto, desenvolveram. 

Relembro o que li (2016) em um trabalho do jornalista Márcio Berenguer (Público) sobre a Escola Básica 123 do Curral das Freiras (Madeira). Apesar de eu não ser favorável à existência de ranking's não deixo de os analisar, enquanto mero indicador, no quadro, repito, do actual sistema. Aquela escola que se encontrava no lugar 1207º do "ranking" (lugares últimos a nível nacional) saltou, no tempo do Professor Joaquim e da sua equipa, para as da frente, com a melhor média entre os estabelecimentos públicos no exame nacional de 9.º ano. O interessante é que, assume o jornalista, "tem 300 alunos, não tem campainha, nem trabalhos de casa e os horários das aulas batem certo com os do autocarro". Esta uma síntese, certamente, compaginada com muitas outras que tornaram possível um melhor conhecimento, apesar de 92% dos alunos terem Acção Social Educativa (pobreza) e a internet não fazer parte das prioridades da maioria das famílias".  

O problema é que este facto levou a Escola a receber prémios e o Professor Joaquim de Sousa a ser convidado para um programa da RTP - Fronteiras XXI. O secretário ficou possesso e aí tudo descambou. Por que razão foi o Professor Joaquim o convidado e não ele? Tudo começou aí.

Mas no fundo, o que mais me aborrece, não são as ânsias do secretário regional, mas um certo silêncio da classe profissional a que o Professor Joaquim de Sousa pertence. Na Madeira trabalham mais de seis mil professores e, infelizmente, não assisti a uma vaga de contestação pública, justa e de natureza profissional. Este facto, enquanto professor que fui, deixa-me triste. Era expectável que assim acontecesse, em uma terra tendencialmente controlada, onde o medo ainda persiste para gáudio de gente que não sabe ser líder. Oxalá tomem este caso como exemplo e que nunca se deixem ficar pelas arbitrariedades de figuras circunstanciais da política que são consequência de uma intolerável formação pessoal e política. 

Acresce dizer que, no plano meramente político, uma democracia decente, por estas e por outras situações, já deveria ter expurgado do sistema pessoas que nada acrescentam, antes são geradoras de insatisfação e de silêncios que acabam por ser cúmplices. Parabéns Professor Joaquim pela sua luta. Ao contrário de outros, constatou-se que a sua coluna não é de plasticina e a sua consciência sempre esteve tranquila. A do político, não está, certamente.

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Reinventar a Escola

 

FACTO

"(...) Aquela ideia, muitas vezes, quase chavão, argumento fácil, que esta crise (pandémica) é uma oportunidade, para as escolas não é. (...)" - Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, TVI, a propósito do "regresso" às aulas presenciais.

COMENTÁRIO

Escutei e reflecti para dentro com uma série de perguntas: este ministro, afinal, que livros anda a ler? O que leu sobre políticas educativas? Que pensadores e autores o inspiram? Que filmes ou séries sobre Educação teve a oportunidade de seguir? Quem são as personalidades que o rodeiam? Qual é o seu pensamento? O que deseja atingir com a sua política educativa? 



Bastaria que tivesse presente a "Curva Sigmóide" de Charles Handy e aquele disparate do "chavão" e do "argumento fácil" não sairia boca fora. 

Independentemente da estrutura deste sistema ter origem há mais de duzentos anos, deveria o ministro situar-se no tempo que estamos a viver. E assim sendo, dir-se-á que tudo tem uma fase de implantação, a que se segue um crescimento. No caso da Educação essa fase de crescimento, grosso modo, podemos considerá-la no preceito constitucional que garante o direito e a acessibilidade de todos ao sistema. 

Depois, todos os sistemas, Senhor Ministro, atingem um ponto (fase de maturação) a que corresponde, naturalmente, a uma zona de turbulência. Isto é, gera-se entre os pontos A e B uma situação que pode ser sumariamente definida da seguinte maneira: uma dada situação já não corresponde às experiências vividas, ao conhecimento e aos anseios, pelo que, o sistema, tem de partir para uma nova curva sigmóide, sob pena de entrar na fase de declínio. Certo, Senhor Ministro? 

Fácil é pois de entender que o actual quadro já não corresponde ao conhecimento e aos interesses da comunidade educativa, particularmente, dos alunos. O que ontem parecia constituir uma solução, hoje, manifesta-se de forma completamente desadequada. Portanto, não se trata de um "argumento fácil" ou, repito, de "um chavão", mas uma necessidade de gerar uma nova curva de crescimento, a qual, inevitavelmente, dentro de alguns anos, cairá em uma nova zona de turbulência. É assim que o desenvolvimento acontece, pelo que, alguns momentos, devem constituir uma oportunidade. 

O que o Senhor Ministro faz são puros actos administrativos do sistema educativo que nada ou muito pouco têm de política educativa. Esta é muito mais complexa, porque obriga a estudos, convida ao debate, exige pensamento e a necessidade de seguir novos caminhos que são sempre de ruptura, total ou parcial, com o passado. Não aceitar este pressuposto significa que se prefere a rotina ao acto inovador, o passado à alegria da descoberta. 

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Uma deliciosa abertura ao mundo face a uma escola "deficiente intelectual"

 

Sabes, avô, "quem engendrou este sistema educativo foi muito inteligente." Pois, tens razão, tanto assim é que ele perdura e ninguém quer alterá-lo, adiantei. E continuou: "isto está pensado para uma sociedade de empregados e não para uma sociedade em que cada um possa seguir o seu sonho". Os que sobrevivem, queres tu dizer, acabam por dar emprego aos outros. Sou capaz de calcular que "mais de 70% dos países são assim", replicou. Setenta? Não, 90% ou mais. Vivemos em uma sociedade de subordinados à vontade de uns quantos. A escola é um fatinho igual para todos. Fazer por medida, meu querido, é complicado pois coloca em causa poderes instalados. E a classe dominante não está para aí virada. E a conversa continuou.



Mais tarde, uma vez mais, fiquei a conversar com os meus botões, cruzando esta deliciosa abertura ao mundo, com outros interessantes diálogos. Há dias, quando a um outro perguntei sobre o "regresso" à escola, disse-me: "mais do mesmo, avô (...) para ouvir o que está nos livros não preciso de lá ir". Pois, compreendo, para responderes às perguntas, basta que leias os livros e procures na net as eventuais dúvidas! Respondes e já está! Outro, ainda, falou-me, recentemente, de uma "santa vida" que a pandemia lhe trouxe, onde não deixou de estudar e compreender as diversas matérias, mas com liberdade para organizar o dia.

São alunos que, dentro deste sistema, cumprem exemplarmente. Mas, tal como outros, insatisfeitos. Ora, o que isto significa é que, para muitos, arristo dizer para a maioria, a escola é limitadora e estática. É uma maçada. Os pais libertam-se para poderem trabalhar, ficam descansados, mas a escola para eles é geradora de desagrado. Não responde aos seus anseios, porque os seus mundos estão para além dos muros da escola. É socializante, sim, isso é, factor de extrema importância, mas falta o resto. Aliás, são tantos e tantos os testemunhos dos jovens. Felizmente, vários programas de televisão, inclusive, séries, têm vindo a testemunhar o desajustamento, o descontentamento e a concomitante necessidade de romper com esta escola desconfortável, repetitiva, eu diria, deficiente intelectual.

Regresso ao neto "mais velhinho" como, carinhosamente, lhe chamamos. Sou assinante da revista Exame. O último tema de capa foi: "Bitcoins - Para onde vão as criptomoedas". Um bitcoin vale € 52.988,28 - cotação de ontem. Como ele dispõe de uma boa informação, disponibilizei-lhe a revista. Mal folheou, disparou: "avô, devias ler isto". Dei uma gargalhada. Então ofereço-te e tu mandas-me ler? Tens razão, eu nada ligo e devia inteirar-me, pelo menos para conhecer o funcionamento do "ouro digital", disse-lhe. Mas, já agora, explica-me. A nossa diferença de idades é de 54 anos. Para mim foi um regalo ouvi-lo desbobinar o seu conhecimento.

Mas à medida que o "explicador" me dava a aula, tintim por tintim, a minha cabeça, mais virada para outras coisas do que para as criptomoedas, alertava-me para o conhecimento de que era portador e que não provinha da escola. Aqui está um exemplo, por ínfimo que seja no contexto geral, da falência do sistema educativo. Muitos sabem mais do que o manual. Mas é perante o manual que são avaliados. É por isso que a escola, são eles que o dizem, é desinteressante, porque coarcta e não faz a ponte com a vida real. O ciclo eterniza-se, ano após ano: matéria, "estudo", teste, avaliação e regresso à matéria. 

No início do ano escolar, julgo que há dois anos, um dos meus netos chegou à escola e cumprimentou um colega. Sabes, avô, o que ele me disse: "bem-vindo ao inferno". E ele tem razão, complementou. Ora bem, se eu, adulto, racional e friamente, conjugar o que oiço no meu "laboratório familiar" com aquilo que acompanho em várias séries televisivas e, ainda, com os notáveis textos e entrevistas de autores e investigadores, tenho de concluir que o sistema educativo é um desastre ou próximo disso. Não tem ponta por onde se pegue, por melhor que seja o empenhamento dos professores. É um sistema que, intencionalmente, olha para o passado e desvia os olhos do futuro. Demonstra medo, porque está, de facto, vocacionado para formar "empregados" e não pessoas cultas. Escolas com 1.000, 1.500 e mais de 2.000 alunos não são escolas, são fábricas. Por outro lado, a escola continua a ser o ponto de encontro das gritantes desigualdades sociais. Depois querem criativos, inovadores e empreendedores! Uma falácia. A escola continua incapaz de olhar para as novas gerações, salvo raríssimas e boas excepções, com tudo o que preocupa, mas também com todas as virtudes. A escola não tem voz. Os professores não têm voz. Os alunos não têm voz. A escola que deveria ser fantástica, motivadora e favorecedora da curiosidade, acaba por não corresponder e satisfazer os múltiplos interesses (vocações) do que se entende por verdadeiro e duradouro conhecimento. 

Tantas vezes imagino uma escola que, neste complexo momento que estamos a viver, decida esquecer muita da tralha dos programas e resolva abordar o tema: "pandemias". Reflictamos um pouco sobre quantas "matérias" estariam envolvidas de forma integrada e transversal. Quase inesgotável. E o professor só precisava de ser moderador. 

Para continuar a reflectir.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

"A qualidade do ensino em Portugal é razoável"



A plataforma EDUSTAT - Observatório da Educação, que a Fundação Belmiro de Azevedo apresenta hoje, vai permitir ter informação detalhada sobre o sistema de ensino nacional. Para Alberto Amaral, porta-voz global do EDULOG e antigo reitor da Universidade do Porto, a falta de equidade no ensino é preocupante e a pandemia serviu para acentuar as desigualdades. Desigualdades que, no caso do superior, existem entre cursos ou entre universidades e politécnicos.



O EDULOG, o think tank de Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, apresenta esta quarta-feira (14 de abril) a plataforma EDUSTAT - Observatório da Educação. Em que consiste este projeto?

O Observatório tem, neste momento, perto de 200 indicadores, e espera-se que até meados deste ano suba para 300, e irá ter informação sobre as coisas mais diversas, percentagem de alunos do ensino superior, origem dos alunos, origem geográfica, origem de acordo com a formação dos pais, frequência do secundário, até percentagens de reprovação, e aí por diante. Vai ter informação sobre todo o sistema de ensino de forma detalhada. E aqui nós tivemos um problema de organização do EDUSTAT, porque queremos que ele tenha dois fins: um fim para o público em geral e, por outro lado, informação para pessoas que são investigadoras e trabalham nestas matérias. O que tornou a implementação do EDUSTAT relativamente complexa. Mas faz-se.

Qual é o estado do ensino em Portugal?

A qualidade do nosso ensino é razoável. Nunca me esqueço de um colega holandês me dizer que pelo preço de um Fiat não se compra um Mercedes. E isto significa que há determinadas áreas onde nós conseguimos competir, mas partindo de uma situação de desvantagem, nomeadamente de natureza financeira. Se olhar, por exemplo, para a questão da investigação, uma universidade como Oxford ou Cambridge tem um orçamento de investigação que, se calhar, é igual ao de Portugal. É difícil. Essas grandes universidades têm recursos que nós não temos. E, portanto, é inevitável que isso aconteça. No entanto, os produtos que saem, por exemplo, do ensino superior são altamente apreciados por todo o mundo. Por exemplo, na área da saúde, as enfermagens, as tecnologias da saúde, as medicinas, etc., qualquer indivíduo com uma licenciatura portuguesa arranja facilmente colocação no estrangeiro.

No âmbito do EDULOG, teve acesso a dados que o tivessem surpreendido?


Quando se estuda este tipo de matérias, há sempre surpresas, tanto a nível nacional, como internacional. Por exemplo, está agora a ser discutida a criação de quotas de acordo com a etnicidade, sendo que isto já é feito nos Estados Unidos e no Brasil, mas as pessoas esquecem-se que nos Estados Unidos o Supremo declarou inconstitucional a atribuição de quotas com base na etnicidade e no Brasil os resultados também não têm sido aquilo que se esperava. O que aconteceu no Brasil foi que a expansão do sistema saiu essencialmente do lado do privado e, pior do que o privado, a distância. Hoje, a percentagem de alunos em ensino à distância no privado é superior àqueles que têm aulas reais. E, portanto, o que acontece é que, embora o sistema se tenha expandido e permitido a entrada de muitos alunos de classes que normalmente não entrariam no ensino superior, eles vão sempre para segundas e terceiras escolhas. Se olharmos para o caso português, temos também uma situação de equidade muito complexa. Houve um ano em que fizemos um estudo em que comparámos a Medicina com a Enfermagem e, enquanto na Medicina 75% dos alunos têm pais com cursos superiores, na Enfermagem 75% dos alunos têm pais sem curso superior. Nas Ciências Farmacêuticas, que são universitárias, com a Farmácia, que é politécnica, verá o mesmo tipo de situações. E se havia tradicionalmente casos em que a percentagem de alunos das classes favorecidas era muito alta, como é o caso de Medicina, isso hoje já se está a espalhar a outras áreas, até nas engenharias. Se comparar, por exemplo, o universitário com o politécnico, verá que a percentagem de alunos com bolsas no universitário é bastante mais baixa do que no politécnico. O que se traduz em que as classes desfavorecidas muitas vezes acabam por ir parar a cursos de menor valor. Outro exemplo, há três ou quatro cursos no Instituto Superior Técnico e na Universidade Nova de Lisboa, e aqui no Porto, em que a percentagem de bolseiros é na ordem dos 10%. Se for ver os mesmos cursos em Trás-os-Montes, a percentagem de bolseiros é de 50%. Durante o período em que o ensino era elitista - na altura do 25 de Abril havia 45 mil alunos no superior e hoje há 10 vezes mais -, essa distinção de classe fazia-se entre o entrar e o não entrar. A percentagem de alunos que entrava e vinha das classes mais favorecidas era muitíssimo superior à das classes desfavorecidas. Quando o ensino se expandiu, passou a haver muito mais lugares para toda a gente e passou-se a olhar não propriamente para a entrada ou não entrada, mas sim para o curso e para a instituição. Aquilo que antigamente era a coisa do "senhor doutor" entrou, agora passou-se a ver em que sítio entrou, se entrou no Técnico ou numa privada, ou se fez um curso de Medicina ou um curso de Enfermagem ou de Tecnologias da Saúde. Há sempre uma forma de falta de equidade que é preocupante. E que é um problema que não está resolvido em sítio nenhum do mundo. Há quem diga que só poderão ser corrigidas a médio prazo. E porquê? Porque, à medida que vamos avançando no tempo, a percentagem de indivíduos com licenciatura aumenta e, portanto, os filhos de pais com licenciatura também aumentam, e isso, eventualmente, permitirá criar alguma correção.

Como estamos em Portugal em termos de equidade?

Estou a olhar para uma situação em que estou a avaliar o capital das famílias com base nas bolsas. Se eu comparar em Enfermagem, a percentagem de bolsas é na ordem dos 40,4%, e em Medicina é de 15%. Se comparar a Solicitadoria com o Direito, a Solicitadoria tem 50% de bolsas de estudo e o Direito tem 28,3%. Se comparar Farmácia com Ciências Farmacêuticas, Farmácia, que é um curso politécnico, tem 44% de bolsas de estudo e as Ciências Farmacêuticas têm 21%. Olhando-se simplesmente para a percentagem de alunos com bolsas de estudo, verifica-se que há uma discrepância muito grande entre cursos. E o politécnico tem, de facto, uma maior percentagem de bolsas de estudo do que o universitário. Ou seja, a composição do corpo dos alunos no politécnico é muito mais próxima da composição da população nacional. Basicamente, na universidade há claramente um favorecimento de alunos que ou não têm bolsas de estudo ou cujos pais têm uma licenciatura. Não esperava que fosse tão nítida esta situação.

Qual será o impacto da pandemia no ensino em Portugal?

Vai haver uma diminuição da qualidade do ensino. A nível do ensino não-superior, foram feitos exames que demonstraram que os alunos perderam significativamente pelo facto de terem ensino à distância e não ensino presencial. Portanto, é óbvio que aquilo que aprenderam tem menos valia do que teria em ensino presencial. Depois, como é óbvio, o mudar para este tipo de ensino vai aumentar de novo as desigualdades. Os meus netos desde os dois anos que tinham computadores, tablets, consolas de jogos e telemóveis e mais não sei o quê. E é uma diferença muito grande entre quem está nesse ambiente e quem tem dificuldades até de acesso à rede. Por outro lado, também o facto de os alunos serem filhos de pessoas com uma licenciatura faz uma enorme diferença, porque o apoio dos pais é completamente diferente daqueles que não têm esse tipo de situação. Claramente, esse tipo de ensino vai aumentar as diferenças de classe.

Que medidas se podem tomar para minorar ou anular estas desigualdades?

Aquilo que se tem verificado em qualquer país é que corrigir as desigualdades é extremamente difícil. O ensino, nomeadamente o ensino superior, é classificado como um bem posicional, ou seja, é um bem que permite atingir uma determinada posição. Se eu tiver uma licenciatura em Matemática ou em Medicina ou se tiver uma licenciatura em Harvard ou em Oxford, tenho uma posição dentro da sociedade e, portanto, os bens posicionais tendem a ser captados pelas famílias de mais recursos, quer culturais, quer financeiros. Há, no entanto, um conjunto de medidas que podem ser tomadas. A OCDE mostra que muito do que se passa no acesso ao ensino superior tem a ver com a formação anterior e, se reparar, há situações de alunos que são colocados em colégios para fazerem subir as notas e, portanto, concorrer em melhores condições. Há que corrigir as diferenças pré-ensino superior. Depois, a forma de acesso pode condicionar muito as igualdades. Se eu tiver um determinado curso, Medicina, por exemplo, com numerus clausus, isso aumenta as desigualdades. Uma área em que o governo deveria atuar forte e feio é no caso de instituições que, nomeadamente nas disciplinas que não têm exame nacional, dão notas extremamente elevadas - como Educação Física ou Filosofia, onde são todos corridos a 19 e 20 -, e isso traduz-se depois em facilitar o acesso. Deveríamos atuar de forma a corrigir tudo o que está antes, na medida do possível diminuir as desigualdades nessa área. Não percebo porque é que não se atua mais naqueles casos em que há uma grande diferença entre a nota interna e a nota do exame. E, infelizmente, também em algumas instituições públicas já há essa situação dos alunos corridos a 19 e 20. Na medida do possível, eliminar ou aumentar os numerus clausus, porque sabemos que quanto mais restritos forem os numerus clausus maiores serão as dificuldades em entrar e maiores os problemas em termos de equidade, melhorar tudo o que é ensino até ao superior, uma vez que a carreira anterior do aluno se irá refletir na facilidade ou dificuldade com que ele ingressa no ensino superior... O que vai acontecer, de geração para geração, é que a percentagem de pais com licenciatura vai aumentar, o que significa que cada vez mais os alunos que vão concorrer ao ensino superior têm pais com formação superior, e isso terá influência. A questão das quotas é muito discutível, pois repare que nos próprios Estados Unidos foram declaradas inconstitucionais, isto porque criam situações de revolta.

Como é que o impacto que a pandemia teve no ensino se irá refletir no estado do país?

É evidente que de forma negativa. Hoje vivemos numa sociedade onde o conhecimento e a inovação têm cada vez maior importância. Hoje vivemos numa situação em que muitas pessoas, para exercerem a sua profissão, precisam de conhecimento, precisam, nomeadamente, muitas vezes de uma licenciatura, e isso significa que se essa componente se degradou por força de ensino que não é feito nas melhores condições, isso depois vai refletir-se na qualidade do trabalho e na competitividade do país em termos internacionais.

No que ao ensino diz respeito, como define as medidas do governo durante esta pandemia?

Acho que se fez o possível. O país estava relativamente mal preparado, nomeadamente porque as metodologias de ensino à distância ainda eram muito incipientes, porque há uma percentagem significativa de alunos que não tinha computadores nem estava habituada a utilizá-los. E, portanto, eu acho que, dentro do possível, foi um comportamento relativamente correto. Vamos ver agora o que é que acontece com o desconfinamento. Vamos ver se não há de repente uma subida do número de pessoas infetadas como resultado desta reabertura. E é fundamental fazermos uma coisa, que já devíamos ter feito há mais tempo, e que é uma testagem muito mais numerosa do que a que temos hoje.

Além da testagem, já se devia ter feito mais alguma coisa?

Acho que já devíamos ter avançado mais rapidamente na correção da falta de computadores e internet, quando nós sabemos hoje que há zonas do país onde é quase impossível ter acesso à internet porque também não existem disponibilidades de ligação. E isso tem de ser corrigido rapidamente.

Para que ensino caminhamos em Portugal?

O que tenho estado a verificar é que, de uma maneira geral, a qualidade do nosso ensino superior é perfeitamente aceitável e razoável e, como se sabe, os licenciados das nossas instituições não têm dificuldade nenhuma em encontrar emprego em qualquer país europeu. Sabemos perfeitamente que países como a Alemanha e a Inglaterra recrutam no setor na saúde, recrutam no setor da engenharia ou noutras áreas, nomeadamente a informática, que muitas vezes há dificuldade em encontrar pessoas em Portugal porque foram contratadas por outros países. A Alemanha é um exemplo típico de recrutamento na área da engenharia. França e Inglaterra são conhecidas, por exemplo, pelos recrutamentos na área da saúde. Acho é que tem havido um progresso muito significativo. Hoje há uma grande diferença, até no setor da investigação. Hoje, Portugal tem algo a dizer na área da investigação, apesar de, em termos totais de financiamento, o país ainda ter dificuldades.

Fonte: DN

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Debate (?) sobre a Educação

  

Resumo: mais do mesmo. Pandemia, vacinação, poncha, comunismo, ensino presencial vs a distância, famílias ricas e famílias pobres, "Pai Natal", trincheiras, transportes, estacionamentos, Continente, Madeira e Venezuela, agricultura, ambiente, elogios, bocas desagradáveis, números, discurso fofinho e, no final, "tudo como dantes... quartel-general na Avenida Arriaga". Novas ideias? Zero. Qual o caminho que estão a percorrer para atingir um objectivo? Zero. Qual é o objectivo? Zero. O que dizem os investigadores e autores face à necessidade de desenhar um novo sistema mesmo no quadro constitucional? Zero. Se alguém estava à espera de uma resposta, mesmo que ténue, por exemplo, sobre o que disse, em recente entrevista, o Matemático Salman Khan, que "(...) a escola tradicional não responde ao funcionamento do cérebro, porque as redes neuronais funcionam com a associação de ideias, não com temas estanques" e que "esse é outro dos problemas da sala de aula actual, onde persiste a mentalidade de que é preciso seguir o programa e respeitar o calendário (...)", ora, se alguém estava à espera de uma resposta, repito, obviamente que não a obteve. Um "debate" que valeu zero!



Se ali estivessem a assistir alguns dos grandes pensadores, os que investigam, compaginam, experimentam, que vivem dentro da realidade científica, social e publicam, certamente que abandonariam a sessão. 

O conhecimento "andou quilómetros", porém, a escola, diriam, permanece no cruzamento sem denunciar interesse em seguir um caminho. Não é preciso sequer falar Salman Klan, mas ter presente o Professor Joaquim Azevedo, investigador da Universidade Católica que, em um outro momento, já aqui referi: "A escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito". Ou, então, ter presente o recente artigo de opinião (Dnotícias) da aluna madeirense, estudante de Medicina na Universidade da Madeira que, se dirigindo à classe política assumiu: "ousem criar a escola que a sociedade vos exige". Ela pediu que dissessem "não à passividade, à inércia e à continuidade". Ninguém leu? Ninguém interpretou a profundidade das palavras escritas? Obviamente que leram. O problema é que é mais fácil a opção pela rotina, mesmo que doentia, a qualquer rasgo inteligente, inovador e portador de futuro. 

Não sinto frustração enquanto professor que fui. Mas sinto que não fiz o esforço necessário na ajuda na mudança de mentalidade. Em algumas circunstâncias sinto que fui "padre" em uma freguesia de "ateus". Jamais desejei tornar a minha como a única "verdade". Isso nunca. Tenho presente as turmas de 4º ano na Universidade da Madeira onde, invariavelmente, começava a primeira aula do ano dizendo-lhes que estava ali para contrariar alguns conhecimentos transmitidos e avaliados, face a outros que entendia como consistentes em função do mundo que estava a desabrochar. Que não desejava que, conceptualmente, seguissem o que lhes transmitia, mas que estudassem e construíssem o seu próprio caminho. Uns estudaram...

A sessão de hoje na Assembleia foi, tal como outras, para esquecer. Amanhã tudo continuará igual. No próximo ano, idem. Foi tempo perdido. Ora, o problema da Educação não é consequência da pandemia; o problema não reside em dois anos que dizem ter sido "perturbados" pelo ensino a distância (então não foi dito que tinha sido um sucesso?); o problema não reside em recuperar as tais ditas "aprendizagens" que não foram concretizadas à luz dos programas (porventura sabem outras e importantes); o problema não se situa no que consideram ser o drama da avaliação; o problema não está na gratuitidade dos manuais (está tudo na net); o problema não é de taxas e de percentagens disto e daquilo; o grave problema organizacional e pedagógico não tem nada a ver com a Constituição da República; o problema do número de alunos por estabelecimento de aprendizagem não tem nada a ver com a Constituição; o problema não reside na criação de um "plano de saúde mental escolar" e o problema não está, exclusivamente, nas desigualdades sociais, porque elas sempre existiram. Apenas há que combatê-las com políticas integradas e transversais; o problema não está na necessidade de mais psicólogos ou de mais auxiliares de acção educativa. Centrar o debate nesse campo pode significar a falência do sistema. O problema é muito mais profundo, isto é, quando as escolas matam o potencial de cada um, peneirando e excluindo, através de uma orientação que torna os espaços escolares em "gaiolas", na feliz expressão do pedagogo Rubem Alves. E os "pássaros em gaiolas não aprendem a voar". E isso tem a ver, aí sim, com a organização das escolas e com a sua autonomia. O problema, como expressou o Professor António Nóvoa, é a escola que não consegue romper com o passado para apresentar-se, adequadamente, prospectiva (...) Precisamos de vistas largas, de um pensamento que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito", salientou. 


Ainda recentemente publiquei aqui um texto onde trouxe à colação Amélia Veiga, que falou de Richard Feynman, Nobel da Física, em 1965, figura que destacou dois tipos de conhecimento: o que se foca em conhecer o nome que se dá à ‘coisa’ e o conhecimento sobre a 'coisa'. O nome que se dá à 'coisa', em uma leitura sistémica, portanto, mais alargada e abrangente, significa o enciclopedismo da escola, onde fazem crer que tudo é importante. Daí a repetição até à exaustão da 'coisa', para que ela seja objecto de avaliação e atribuição de um nível ou de uma nota. O conhecimento da 'coisa', paradoxalmente, torna-se irrelevante. E ele é, indubitavelmente, fundamental. Ele transforma, molda, liberta e torna melhores os seres humanos e, na esteira de Eduardo Lourenço, mais sábios. O problema reside, portanto, em dois tipos de escola: uma, embora dizendo que não, que se fecha ao mundo e outra que se abre tal como uma espiral que cresce do centro (aluno) para fora e jamais tem fim. É essa a escola e a aprendizagem libertadora.

O escritor António Lobo Antunes, em artigo, referiu-se à pergunta de Dumas: 
"Porque é que há tantas crianças inteligentes e tantos adultos estúpidos? A minha resposta a esta questão, diz Lobo Antunes, é outra. Há muitas crianças inteligentes e muitos adultos estúpidos, porque perdemos muitas crianças quando elas começaram a crescer. Por inveja, claro. Mas, sobretudo, por medo." A questão é esta, "porque a sociedade precisa de medíocres".

Como se depreende, se quisessem, o debate poderia ter sido elucidativo e promissor. De resto, enunciar dados e ou percentagens que, aliás, são públicos, de pouco interesse se reveste, esgrimindo argumentos assentes na preocupação de ludibriar e de parecer ter uma razão insofismável. Preferível seria trazer para o centro do debate as grandes preocupações na construção de uma escola de verdadeira aprendizagem. Isso equivaleria à preocupação de romper, eu diria mesmo destruir, o actual sistema e, paulatinamente, sair do cruzamento, deixar o ar apalermado e optar por um caminho. Só que não desejam. Preferem comparações anquilosadas... que, em 2015, o quadro era este e em 2021 é outro. Pois, dir-se-á, que no tempo do Afonso Henriques estavamos bem piores, quando não é isso que está em causa.

Razão tem António Lobo Antunes: "Gostamos dos idiotas porque não nos colocam em causa". Sair do convencional torna-se perigoso; discutir o actual conceito de escola é doloroso; discutir o actual conceito de turma, causa sofrimento; discutir o conceito de aula, para alguns, é aflitivo; discutir uma autêntica autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem é pernicioso porque se perde a rédia; discutir a burocracia levada ao extremo é angustiante; discutir que o professor deve falar menos, para alguns, é colocar em causa o saber e a autoridade. Enfim, sirvo-me das palavras de Merli Bergeron: "Há qualquer coisa de podre na Educação" e não há ninguém que ponha ordem no sector de uma região autónoma política e administrativamente. Há qualquer coisa de podre quando, deliberadamente, se mente dizendo que existe "um ensino à medida de cada um". Mais. Parafraseando, eu diria que há qualquer coisa de podre na sociedade, quando os políticos falam da escola e ignoram a taxa de pobreza infantil que tem estado sempre acima da taxa de pobreza geral. Portanto, se a sociedade está errada, a escola não pode estar melhor. Discutam isso. A própria pandemia, tenham isto presente, poderia ser uma oportunidade e não uma ameaça. Mas para isso, inteligência e coragem, dão-se alvísseras! Hoje, pasme-se, até restou tempo regimental para discutir os temas da Educação. E o "debate" foi dado por encerrado.

Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Maus resultados: menos de metade dos alunos atinge nível esperado em conhecimentos elementares


Menos de metade dos alunos do 6.º e 9.º ano mostrou ter o nível esperado em conhecimentos elementares no diagnóstico feito pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave), destinado a aferir o impacto do primeiro confinamento nas aprendizagens. Os testes incidiram sobre Matemática, Leitura e Ciências. Os resultados, apresentados esta segunda-feira, são ligeiramente melhores no 3.º ano, o outro nível de ensino avaliado.


NOTA
Estes resultados têm pouco a ver com o "confinamento". As razões são mais profundas e há que explicá-las à luz do sistema organizacional, curricular, programático e sobretudo pedagógico. 



Na Leitura, só 47,1% dos alunos do 9.º ano passou a “linha de corte”, demonstrando ter os conhecimentos esperados no nível 1. Este é o nível mais elementar que avalia a capacidade de “identificar informação explícita num texto”. Já no 6.º ano, foram 41,9% os alunos a atingir o nível esperado para os conhecimentos de nível 1.

O Iave hierarquizou as questões feitas aos alunos em Janeiro em quatro níveis, em função da sua dificuldade. Por exemplo, no 6.º ano só 27,4% dos alunos consegue atingir o patamar de conhecimentos desejado no nível mais elevado.

Na apresentação dos resultados do estudo diagnóstico, o secretário de Estado da Educação, João Costa, sublinhou que as dificuldades demonstradas pelos alunos nos níveis mais elevados “não é diferente” da registada em outros instrumentos de avaliação, nomeadamente em testes internacionais como o Programme for International Student Assessment – PISA. No entanto, o governante manifestou a sua preocupação com as “percentagens elevadas” de alunos com uma performance inferior ao esperado “em itens de nível mais simples”.

Esta tendência é comum às três áreas que foram avaliadas – Leitura, Matemática e Ciências –, tanto no 6.º como no 9.º anos. Por exemplo, na Literacia Científica há apenas 44,1% dos alunos do 9.º e 48,7% dos alunos do 6.º ano a demonstrar os conhecimentos esperados no nível mais elementar. Na Matemática, 39,5% (9.º ano) e 44,4% (6.º ano) atinge esse patamar no nível 1.

É preciso, no entanto, notar que o Iave colocou a “linha de corte”, como lhe chamou o presidente daquele organismo, Luís Pereira dos Santos, num patamar que classificou de “exigente”. Ou seja, os alunos tinham que responder correctamente a dois terços das tarefas para serem colocados em terreno positivo.

Os resultados são melhores no 3.º ano, onde a maioria dos alunos esteve acima do patamar de conhecimentos esperado tanto a Ciências (62,3%), como a Matemática (62,6%) e na Leitura (51,4%).

Peritos propõem soluções

Estes testes de diagnóstico foram promovidos para avaliar o impacto do primeiro confinamento nas aprendizagens dos alunos. A forma como foram desenhados avalia transversalmente as literacias. Por isso, alguns dos resultados são obtidos “independentemente da pandemia”, reconheceu o secretário de Estado da Educação. Ou seja, correspondem a debilidades estruturais dos alunos.

No entanto, João Costa considera que os indicadores permitem já perceber que “há um impacto” do ensino remoto no nível de conhecimento. São já “dois anos bastante perturbados pela pandemia”, o que “implica uma acção para os próximos anos”, sustenta o governante.

O secretário de Estado diz, no entanto, que “é prematuro neste momento estar a apontar para qualquer solução”, tendo o Ministério da Educação nomeado um grupo de trabalho que, até ao final do mês de Abril, vai desenvolver um plano para a recuperação das aprendizagens, que terá especial incidência nas escolas no próximo ano lectivo.

Uma das pessoas convidadas pelo Governo para este grupo de trabalho é a professora da Nova School of Business and Economics (Nova SBE) Susana Peralta, uma das economistas que, na semana passada, apresentou um plano de recuperação das aprendizagens dos alunos que inclui escolas de Verão e um reforço de tutorias. A implementação desse programa custaria, pelo menos, 200 milhões de euros.

No grupo têm também assento a especialista em Saúde Mental Margarida Gaspar de Matos e a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, Sofia Ramalho, sinal da preocupação do Ministério da Educação de centrar o plano “não só nas aprendizagens, mas também nas competências emocionais” que possam também ter sido afectadas pela pandemia, de acordo com o secretário de Estado.

Neste grupo estão outros académicos como Domingos Fernandes (ISCTE), João Pedro da Ponte (Universidade de Lisboa), Sónia Valente Rodrigues (Universidade do Porto) e professores do ensino básico e secundário – José Jorge Teixeira, professor de Física e Química no agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins, em Chaves, e vencedor do prémio Global Teacher Award 2020, David Sousa, director da escola Frei Gonçalo de Azevedo, em Cascais, e Júlia Gradeço, directora do agrupamento de escolas de Oliveira do Bairro.

O relatório divulgado esta segunda-feira é o primeiro resultado do estudo diagnóstico conduzido pelo Iave. Os testes feitos em Janeiro vão permitir análises mais aprofundadas, permitindo nomeadamente cruzar estes resultados com indicadores socio-económicos. O Ministério da Educação anunciou também a intenção de “ouvir a voz dos professores” neste exercício de avaliação dos efeitos da pandemia sobre as escolas.

13 mil respostas

Este estudo de diagnóstico foi anunciado para o 1.º período e chegou a ter as duas primeiras semanas de Dezembro previstas para a sua realização, mas acabou por ser adiado para Janeiro. Estava previsto que participassem 30 mil alunos, 10 mil por cada um dos anos de escolaridade em que este será realizado (3.º, 6.º e 9.º anos). O período de avaliação acabou por ser encurtado porque as escolas foram encerradas a 22 de Janeiro, o último dia para o qual estava prevista a aplicação dos testes de diagnóstico.

A amostra foi, por isso, reduzida a 23 mil estudantes, mas só 12.960 responderam. O número ficou “ligeiramente abaixo da taxa de resposta esperada”, admite o presidente do Iave, Luís Pereira dos Santos, que garante que esse facto “não coloca em causa a representatividade da amostra”.

O diagnóstico dos impactos da pandemia nas aprendizagens vai ser prolongado. As provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º anos, previstas para os meses de Maio e Junho, foram oficialmente canceladas devido às mudanças no calendário lectivo, mas serão aplicadas nas mesmas datas, apenas a uma amostra de alunos, como forma de avaliação do impacto do segundo confinamento.

Os enunciados serão os mesmos, que já se encontravam finalizados, e que estão “perfeitamente adequados” para cumprir a função de diagnóstico das aprendizagens agora pretendida, assegura o presidente do Iave.

Fonte: Público