quinta-feira, 27 de abril de 2017

O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO REGRESSA A 1932? NA EDUCAÇÃO DESPORTIVA ESTÁ LÁ TUDO!


Li AQUI: "(...) Pela primeira vez na Europa toda uma geração de estudantes - no caso os alunos portugueses do 2.º ano - será sujeita a uma prova de Educação Física. O Ministério da Educação admite que a avaliação de expressão físico-motora, integrada nas aferições de Expressões do 1.º ciclo, revela fragilidades na preparação dos alunos nesta área. "Temos recebido impressões, nas reuniões que temos feito, incluindo com os professores de Educação Física, que vão exatamente no sentido de que esta área específica do currículo não tem sido muito trabalhada" (...) "Mas até agora têm sido impressões. A partir de agora vamos ter dados sistemáticos sobre o que existe". Há já um mês que o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) tem online um conjunto de recursos para a preparação dos testes - que não contam para a nota -, desde um "mapa" do percurso de exercícios que será montado a uma lista de materiais a utilizar e um vídeo - desenvolvido em articulação com professores de Educação Física - ilustrando os exercícios que os alunos terão de fazer. (...) As provas, organizadas turma a turma, decorrem entre 2 e 9 de maio. Nesta quinta-feira será divulgado online o "guião" dos testes - que só costuma ser revelado após a avaliação. Isto, explicou o diretor do IAVE, Helder de Sousa, para garantir que todos os alunos têm a mesma informação antes dos testes. E também porque não é expectável que, em provas que avaliam sobretudo a aquisição de competências físico-motoras, este conhecimento prévio do teste faça a diferença nos desempenhos".


Ao ler esta notícia que consubstancia as preocupações do Ministério, fui levado a ter presente o famigerado Decreto 21.110 de 16 de Abril de 1932. O diploma do Estado Novo que aprovou e mandou pôr em execução o regulamento da Educação Física. Decreto este que, no essencial, "proibiu" o desporto na escola. Tenhamos em atenção algumas passagens da introdução ao citado documento: "(...) Eis porque nas escolas primárias e secundárias os desportos devem ser afastados com toda a energia, porque os organismos infantis depauperados não os suportam sem graves perigos" (...) não podem ser aceites os desportos anglo-saxónicos e os jogos atléticos e os desafios e matchs em geral, especialmente os de foot-ball, visto ser nulo o seu papel educativo e cujos malefícios são óbvios (...)". E isto porquê? Cito, novamente, o DL em causa: "(...) Foi deveras impressionante, ainda há bem pouco tempo, o resultado do apuramento de rapazes para a marinha portuguesa. Os médicos que  que procederam ao exame respectivo pronunciaram-se até publicamente, na imprensa diária, contra o abuso da MANIA DESPORTIVA definindo-a como uma das causas mais importantes do definhamento do nosso povo" (...) A Educação Física tem sido até hoje feita às avessas e prejudicando a educação intelectual e moral (...)"
Salvo as devidas proporções e implicações da decisão do actual ministério face ao Decreto-Lei de 1932, no essencial, coexistem aqui graves erros de avaliação da situação. Pretende o ministério avaliar o quê? E, na decorrência da avaliação, implementar o quê? Este é um assunto sobre o qual tenho, desde há muito, vindo a escrever. Deixo aqui uma parte de um texto publicado no meu blogue www.comqueentao.blogspot.com.    
Decreto-Lei 21.110... uma delícia!
"(...) Há dois caminhos que há muito se cruzam. Um que defende a manutenção da Educação Física curricular que submete os alunos a testes, níveis e notas de avaliação, como se aquela disciplina fosse comparável com as outras disciplinas curriculares. É meu entendimento que é diferente e que é na diferença que terá de buscar o seu caminho; outro, que assume uma ruptura com o passado no sentido da mudança da Educação Física para Educação Desportiva. Eu estou com a mudança. Para quem conhece a longa História das correntes filosóficas e a influência que tiveram no pensamento pedagógico, dominando, sobretudo, as razões mais substantivas desde os primórdios do Século XX até ao seu último quartel (evolução para sociedade da tecnologia e da informação), concluirá que a Educação Física deixou de fazer sentido há muitos anos! Hoje, confronta-se com uma "crise de identidade e de reconhecimento social" (relatório conduzido por K. Hardeman, da Universidade de Manchester, patrocinado pelo Conselho Internacional de Ciências do Desporto e Educação Física e suportado pelo Comité Internacional Olímpico, que teve por objectivo investigar a situação mundial da Educação Física. As respostas ao questionário, aplicado em 126 países, alertou para o facto da Educação Física encontrar-se numa profunda crise de identidade e de credibilidade social). Há vários estudos sobre esta matéria.
O Filósofo Manuel Sérgio disse-me um dia uma frase que, genericamente e qual metáfora, atinge o centro do alvo: "tirem a bola à Educação Física e digam-me lá o que resta". Em um artigo que publicou assumiu: “(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração” - O DESPORTO Madeira, 27.06.03. Nem mais. Há treze anos! É, por isso, que um outro investigador e pensador e que muito tem escrito sobre este dilema, o Doutor Gustavo Pires, a 12.09.2008, em um artigo publicado também no "Desporto Madeira" salientou: "(...) Enquanto o governo, este ou outro qualquer, não tiver a coragem de desmantelar a super estrutura de concepção dos actuais programas de Educação Física do Ensino Básico e Secundário, nunca o País há-de ter um sistema desportivo minimamente aceitável e taxas de prática desportiva que não o envergonhem (...). Em um outro artigo: "(...) Defender a Educação Física é sermos capazes de encontrar soluções de acordo com as realidades do nosso tempo. Numa dinâmica de futuro. E o futuro é o ensino do desporto (...)". 
Em Maio de 2008 escrevi neste blogue: "(...) Trata-se, de facto, de uma luta contra um poderoso lóbi corporativista, obsoleto e medíocre, entrincheirado nas universidades e em posições estratégicas de decisão política, que não consegue entender que as respostas encontradas nos anos 30 e melhoradas a partir da década de 70 já não se adequam, por um lado, ao actual conhecimento científico, por outro, às expectativas que o desenvolvimento determinou. Daí que não me espante nem me cause qualquer embaraço que aqueles que consideram que a mudança de paradigma terá de ser operada, sejam muitas vezes visados com graves dislates os quais, penso eu, não são mais do que o estertor de quem perdeu todos os argumentos e, naturalmente, sente que os alunos, paulatinamente, os das universidades e outros de idades mais jovens, estão a voltar-lhes as costas, por sentirem que há um mundo novo de possibilidades de prática que não se restringe ao espaço de uma Educação Física bafienta, repetitiva, desmotivadora e sem futuro (...)" Por tudo isto sou pela mudança de paradigma" (...), até porque na Educação Desportiva está lá tudo. Lamento que o ministério alinhe nesta limitada visão do problema. É caso para deixar a provocação: perguntem ao Ronaldo se ficou a dever alguma coisa à Educação Física!

domingo, 23 de abril de 2017

JOSÉ PACHECO: "PROCUREM NAS ESCOLAS PROFESSORES QUE AINDA NÃO TENHAM MORRIDO"



José Pacheco, professor, pedagogo, defende uma escola sem turmas, sem ciclos, sem testes, sem chumbos, sem campainhas. Aos críticos, pede alternativas e conta histórias de sucesso. Fundou um projeto inovador na Escola da Ponte, em Santo Tirso, em 1976, quando percebeu que não podia continuar a dar aulas. Derrubou paredes, juntou alunos, ergueu um método em que quem aprende define o seu ritmo de aprendizagem. Foi ameaçado, ouviu coisas feias, disseram-lhe que quando fosse mais velho iria ganhar juízo. Tem agora 65 anos e não mudou de ideias. Toda a entrevista AQUI.

Portugal habituou-se a olhar para os exemplos educativos da Europa do Norte. É tempo de olhar para outros lados?

Portugal não precisa ir ao estrangeiro procurar as suas soluções. Elas estão cá dentro. Quais são hoje os autores que influenciam as escolas? Vygotsky, Piaget? Onde estão os portugueses? Nunca vi Agostinho da Silva numa sala de aula. A Finlândia extinguiu a Inspeção de Ensio e os exames, mas esqueçam a Finlândia. Dai atenção ao que se passa nos colégios jesuítas da Catalunha. A Europa do Norte e os Estados Unidos são pródigos na divulgação de absurdos e a última «inovação» veiculada pelos media foi a da aula invertida. O que vem a ser isso? Nas palavras do seu «criador«, flipped classroom, ou sala de aula invertida, é o nome que se dá ao método que inverte a lógica de organização da sala de aula. Os alunos aprendem o conteúdo no aconchego dos seus lares, digerindo videoaulas e jogos. Na sala de aula, fazem exercícios. Diz-nos a media especializada que o trabalho de pares foi inventado há cerca de vinte anos. Vinte anos? Há quase um século, o Vygotsky dizia-nos que a aprendizagem é resultante de um processo interativo. Também sabemos que, há mais de trinta anos, o Papert escreveu sobre o assunto. E que, há cerca de quarenta anos, o trabalho de pares era prática comum no quotidiano de uma escolinha de Portugal, muito antes de um professor de Física o ter «inventado.» Os professores portugueses deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro. Novidades importadas não passam de inovações requentadas.

QUATRO DESTAQUES
PARA REFLECTIR

«Qualquer pessoa minimamente avisada, minimamente conhecedora dos ainda ocultos saberes das ciências da educação – bode expiatório de todos os males que apoquentam a educação deste país – sabe que a solução não passa por mais exames.»

«As escolas são pessoas, mas o Ministério da Educação crê que uma escola é um edifício. E uma crença não se discute, deve ser respeitada. Porém, crenças e «achismos» não deverão ser suportes de política educativa.»

«A velha escola há de parir uma nova educação. Mas as dores do parto serão intensas, enquanto as “naturalizações”, as “certezas”, as crenças ministeriais, a tecnocracia e a burocracia continuarem a prevalecer em domínios onde deveria prevalecer a pedagogia.»

«O despertar da atenção do professor será o despertar da atenção do aluno. As escolas dispõem de excelentes professores a trabalhar do modo errado. E acontece o inevitável: doenças profissionais, idas ao psiquiatra, burnout…»

«Os professores portugueses deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro. Novidades importadas não passam de inovações requentadas.»

quarta-feira, 19 de abril de 2017

"DESCUBRA A MADEIRA - TURISMO NA ESCOLA". AINDA EXISTE SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO?


Um Colega de profissão, em um dos nossos diálogos sobre planeamento e desenvolvimento, a páginas tantas, com o seu refinado e sempre presente humor, disparou mais ou menos isto: sabes, vive-se muito de fases orgásmicas (...) o entusiasmo cresce, atinge-se o clímax e esmorece-se de imediato. Mensagem perfeita na dinâmica das acções educativas. Alguém produz uma ideia, à volta poucos equacionam, ela vai por diante e, depois, passado algum tempo, tende a desaparecer por ausência de respeito pelos princípios do desenvolvimento, entre outros, o da integração e o da sustentabilidade. Ora bem, li, hoje, que a secretaria da Economia, Turismo e Cultura vai lançar um projecto sensibilizador da importância do turismo para a Região, através da iniciativa "Descubra a Madeira - Turismo na Escola". Fui lendo e, em simultâneo, fui relacionando e questionando-me sobre a sua putativa importância, colocando em memória activa a síntese daquele meu Colega: não será esta mais uma fase orgásmica do governo?
  

Concluo que sim. Alguém pensou, deu corpo e o secretário pespegou na comunicação social. Qual o fundamento, quais as razões mais substantivas da iniciativa, se a mesma se justifica no quadro do processo educativo, se isso vai ou não criar mais uma responsabilidade para os professores entre tantas solicitações que à escola chegam, para além do cumprimento dos programas, claro, isso parece não ter sido devidamente considerado. Aliás, os madeirenses têm uma secular relação com o turismo. O primeiro guia turístico da Madeira "surgiu em 1850, e focava já elementos sobre a história, a geologia, a flora, a fauna e os costumes da ilha". Cerca de 30% do PIB deriva da indústria turística, pelo que são milhares os que trabalham e dependem, directa ou indirectamente, desta indústria. A Madeira dispõe de uma Escola de Hotelaria (a primeira começou a funcionar em 1967 - Escola Basto Machado). Há estabelecimentos de ensino que, através de protocolos, promovem cursos com saída profissional ligados ao turismo. Há escolas profissionais privadas e o sistema público aflora este tema no âmbito curricular. Para além disso, a Madeira apresenta, anualmente, um calendário de festividades promotoras da sua imagem, também, da importância do turismo para a Região, concretamente, a festa de fim-de-ano, festa da flor, festival do atlântico, festa de carnaval, festa do vinho Madeira, entre outras, dinamizadoras da conjugação entre a oferta turística e a participação do povo. São os próprios meios de comunicação social que divulgam, sistematicamente, a percentagem de visitantes tendo em consideração as camas vendidas, o número de passageiros entrados no aeroporto ou o número em trânsito através dos cruzeiros que passam pelo porto do Funchal. Por outro lado, ainda, somos tidos como um povo aberto e que sabe receber com qualidade e sem subserviências bacocas. Pergunta-se, então, se todos nós, desde crianças, estamos envolvidos pela importância do turismo, para quê colocar à escola mais esta tarefa? 
Assistimos, durante duas semanas, ao "orgasmo" do "robot". O secretário da Economia, junto de crianças, desdobrou-se em iniciativas sensibilizadoras da robotização. Segue-se, agora, a fase orgásmica do turismo na escola. Depois da excitação ficará a memória. Foi sempre assim. O mais interessante, ou talvez não, é que estas iniciativas, empurradas para a escola, parecem não derivar de uma acção conjunta com a secretaria da Educação. Fica a ideia que o secretário da Educação não existe e que o da Economia domina ambas as pastas. Pior, ainda, que não existe uma ideia clara sobre a construção do futuro. 
Ora, nem a escola nem o turismo precisam de iniciativas desta natureza. A ESCOLA precisa, isso sim, de um outro paradigma. De um paradigma organizacional, curricular e programático assente na CULTURA. O Ensino Básico serve para isso mesmo, para gerar o alicerce sobre o qual poderão ser edificados os pilares de suporte dos andares superiores do conhecimento e da sensibilidade para tudo, inclusive, para o turismo. É o sistema educativo que tem de mudar, pelo que de nada valem iniciativas que não se enquadrem em uma ideia maior. É o sistema que tem de derrubar os muros da escola e a mentalidade de um ensino espartilhado em disciplinas, quando a vida é um aglomerado de tudo. É a escola básica que tem de vir para a rua, para o museu, para o jardim, para vida real que envolve todos os sectores, negando-se ao reduto em que está mergulhada, por ausência de projecto aglutinador entre sistemas e por falta de financiamento, convenhamos. Mas, aí, ninguém quer mexer, antes preferem a manutenção de um sistema caduco, uma escola fechada, com mais de duzentos anos, embora pintada de fresco com iniciativas deste género, absolutamente desconjuntadas. 
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

APRENDIZ DE UTOPIAS - Uma atitude – Dicionário de Valores


Uma atitude é uma atitude. E uma vida feita da constante demissão de atitudes é uma vida... sem atitude. Para salvar a pele, perde-se o sentido da vida; para poupar incómodos, perdemo-nos a nós mesmos. São os valores que definem o rumo de um projeto pedagógico e traduzem-se em atitudes. Se tal não suceder, um projeto não ultrapassará o nível das intenções.


O André estava prestes a reprovar, porque já quase havia ultrapassado o limite permitido de “faltas disciplinares”. O pai do André foi saber o que se passava. Foi-lhe explicado que o filho saía da sala de aula sem autorização da professora. Chegando em casa, o pai do André perguntou-lhe se ele tinha consciência do risco que estava a correr. O jovem respondeu afirmativamente.
Ainda mais preocupado, o pai voltou à escola, tentando entender a obstinação do filho. Um professor amigo acolheu-o e explicou o que vinha acontecendo, desde que uma professora nova tomara a responsabilidade de dar aulas à turma do André. A professora era uma senhora insegura. No início da aula, gritava, ameaçava de mandar sair da sala, com falta disciplinar, todo o aluno que perturbasse a aula. Havia na turma um aluno, que parecia estar sempre de bem com a vida, dado que um sorriso permanentemente lhe enfeitava o rosto. A professora, supondo que o sorriso correspondia a desafio, pusera esse aluno fora da sala várias vezes. Tantas vezes quantas o André havia saído e, consequentemente, sido punido com “falta disciplinar”. Na primeira vez, o André tentara explicar que o sorriso do colega era natural, uma característica. Não conseguira fazê-lo. A professora o mandou calar. O André saiu tantas vezes quantas o colega havia sido expulso, porque não concordava com a atitude injusta da professora e manifestava-se deste modo: num protesto mudo. Porque a solidariedade era um dos valores do quadro axiológico do projeto da escola que o André frequentara antes de ingressar naquela, onde... quase reprovara por excesso de “faltas disciplinares”.
Uma atitude é uma atitude. E uma vida feita da constante demissão de atitudes é uma vida... sem atitude. Para salvar a pele, perde-se o sentido da vida; para poupar incômodos, perdemo-nos a nós mesmos.
Em 1934, a primeira Constituição, que atribuiu ao Estado a responsabilidade pela Educação do povo, inspirava-se em valores e princípios na época prevalecentes. Decorrente de tais valores e princípios, o Brasil da Educação formal cuidou de formar elites e descuidou da Educação do povo. Hoje desdenha-se a ética (muitos membros da elite cometem crimes de colarinho branco…), num jogo de salve-se quem puder, porque a Educação escolar fragilizou a responsabilidade social.
Poderá haver Educação em práticas sociais que impedem a assunção de uma vida plena quando não fazemos aquilo que se pode e se sonha poder fazer?
Num tempo em que a Escola da Ponte começava a deixar de ser uma “escola dos pobres e deficientes”, passando a ser uma escola de todos, um pai, juiz de profissão, confidenciou-me: A minha filha aprenderá nesta escola aquilo que outras escolas lhe poderiam ensinar. Mas pode aprender aqui coisas que outras escolas não lhe ensinariam...
Na sua primeira visita à Escola da Ponte, Rubem Alves deteve-se a observar uma menina, que consultava um dicionário. Perguntou por que o fazia.
A menina respondeu: Estou fazendo uma lista de palavras “difíceis” deste texto e escrevendo-as de uma maneira mais simples.
O Rubem insistiu: — Foi um professor que te mandou fazer essa tarefa?
— Não! – disse a menina – Eu sei o sentido destas palavras. Mas os meus colegas menores ainda não sabem consultar o dicionário e eu decidi ajudá-los, para que eles compreendam o texto, que é bem bonito.

Um artigo de JOSÉ PACHECO
Mestre em Ciências da Educação pela Universidade do Porto, foi professor da Escola da Ponte. Foi também docente na Escola Superior de Educação do IPP e membro do Conselho Nacional de Educação.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

MANUEL SÉRGIO E O SENTIDO DE TRANSCENDÊNCIA NO DESPORTO


Na linha de pensamento de Manuel Sérgio, defendemos que a motricidade humana, nas suas especialidades, ao integrar o desporto, tal como, entre outras, a dança, a reabilitação, as atividades físicas e recreativas, a ergonomia, a disciplina curricular de educação física que se devia designar de motricidade humana bem como os trabalhos oficinais e os trabalhos circenses, fundamenta uma visão filosófica do Movimento Olímpico uma vez que este se trata de “um processo, adaptativo, evolutivo e criativo” em que o atleta é um “ser práxico”, carente dos outros e do mundo em busca da sua própria superação e transcendência. 


É neste sentido que entendemos a expressão “citus, fortius, altius”, idealizada com esta ordem das palavras pelo frade Henri Didon que, pela primeira vez, surgiu associada ao MO no frontispício do nº1 do “Bulletin International des Jeux Olympiques” publicado em 1894 que é uma espécie de relatório daquilo que se passou no 1º Congresso Olímpico realizado, naquele ano na Sorbonne em Paris, por iniciativa de Pierre de Coubertin. A primeira vez que Coubertin utilizou a máxima olímpica aconteceu na edição de 25 de Outubro de 1894 do jornal “Les Sports Athlétiques” através de um artigo intitulado “Le Bilan du Congrès de Caen” onde se manifestou contra os ataques dos prosélitos da educação física, sobretudo dos médicos, que acusavam a prática desportiva de causar desvios e deformidades. Coubertin arguia que os jovens desportistas recebiam como palavras de ordem o famoso “citius, fortius, altius” pelo que, para além das deformidades inventadas pelos médicos, o que os desportivos ambicionavam era serem mais rápidos, mais fortes e mais ágeis. Posteriormente, Coubertin ainda utilizou o lema olímpico com o “altius” em último lugar na revista “Cosmopolis” de Abril de 1896 tendo, inclusivamente, feito uma alusão ao próprio frade Didon. Disse ele: “Todo o atletismo está contido nessas três palavras que o frade Didon ofereceu como lema do desporto aos estudantes da sua escola no final de um jogo de futebol: Citius, fortius, altius, mais rápido, mais forte, mais alto. Elas formam um programa de beleza moral. A estética do desporto é uma estética imaterial”.
Depois da morte do frade Didon, que aconteceu a 13 de Março de 1900, num texto publicado em 1901 onde abordava a problemática da educação pública, Coubertin voltou a referir-se o lema olímpico. Contudo, já não o fez utilizando a mesma ordem das palavras. Utilizou a ordem das palavras que hoje é conhecida: “Citius, Altius, Fortius”. Referiu-se ainda ao lema olímpico com a mesma ordem das palavras, em 1912, a propósito dos Jogos Olímpicos de Estocolmo (1912) num texto intitulado “Une Olympiade à Vol d`Oiseau”.
Entretanto, a Europa estava em vésperas de viver a catástrofe da 1ª Guerra Mundial. Pelo que o lema olímpico teve poucas possibilidades de se afirmar enquanto rutura do desporto relativamente às escolas de ginástica integradas na educação física. Por isso, a divisa olímpica só começou a ser formalmente utilizada a partir de 1921 quando passou a constar na capa da Carta Olímpica com as palavras ordenadas da maneira que hoje é conhecida: “citius, altius, fortius”.
Do exposto, resulta uma questão fundamental: Porque é que a palavra “altius” deixou de estar colocada em último lugar? A palavra-chave que nos pode ajudar a resolver este imbróglio é a palavra transcendência, caída em desuso no Movimento Olímpico sobretudo a partir dos anos sessenta com a entrada da televisão nos Jogos Olímpicos e o consequente processo esquizofrénico de comercialização dos Jogos Olímpicos como Guilherme de Oliveira Martins referiu no recente Colóquio sobre Manuel Sérgio que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian.
O conceito de transcendência foi introduzido no desporto moderno através do designado Cristianismo Muscular enquanto corrente filosófica e religiosa que surgiu em Inglaterra nos anos cinquenta do século XIX a fim de envolver o desporto numa dimensão religiosa e ultrapassar as dificuldades levantadas pelas igrejas cristãs relativamente à prática desportiva ao Domingo desenvolvida, desde o início do século, nas Escolas Públicas em Inglaterra cujo principal percursor foi Thomas Arnold (1795-1842) quando, de 1828 a 1841, exerceu as funções de diretor da Escola Pública de Rugby.
A pergunta que desencadeou o Cristianismo Muscular foi a seguinte: Porque é que não se pode praticar desporto ao domingo? Tudo começou com uma polémica. Num primeiro momento foi desencadeada pela publicação de um livro da autoria do clérigo Charles Kingsley intitulado ˝Two Years Ago” onde o autor teceu algumas reflexões de carácter positivo relativamente ao desporto tais como a de considerar que a prática desportiva era um excelente cartão de apresentação. Ele defendia que: “... nos campos de jogos, os rapazes adquirem virtudes que nenhum livro lhes pode dar; não apenas ousadia e perseverança, mas, melhor ainda, calma, autodomínio, justiça, honra, aprovação sem invejas do sucesso do outro, e todos os aspetos da vida que sustentam o homem numa boa posição quando ele vai para vida, sem a qual, de facto, o seu sucesso será sempre mutilado e parcial”.
Num segundo momento, outro clérigo, de seu nome T. C. Sandars um tradicionalista que reprovava a prática desportiva ao Domingo, publicou no jornal ῎Saturday Review῎ (21-02-1857) uma crítica contundente ao livro de Kingsley lançando um anátema sobre os desportistas que não respeitavam o Domingo, o dia do Senhor, dedicando-se, sem qualquer pudor religioso, à prática desportiva que Sandars, de uma forma pejorativa, designou de Cristianismo Muscular.
No terceiro momento, perante os receios do clérigo Kingsley quanto às reações negativas que a expressão Cristianismo Muscular podia desencadear relativamente ao desporto, Thomas Hughes que era amigo e companheiro político de Charles Kingsley, com um sentido operacional da vida próprio de um treinador de boxe que era, passou ao ataque e começou a utilizar a expressão Cristianismo Muscular atribuindo-lhe um sentido eminentemente positivo. E Hughes até era a pessoa mais indicada para o fazer na medida em que, de 1834 a 1842, havia sido aluno da Escola Pública de Rugby, quer dizer, ao tempo em que Thomas Arnold foi seu diretor. E, em 1857, publicara o livro “Tom Brown’s Schooldays”, uma espécie de autobiografia que descrevia a vida dos estudantes da Escola Pública de Rugby. E, a fim de reagir às críticas de Sanders, em 1861, escreveu o livro “Tom Brown at Oxford“ que era a continuidade do anterior onde acabou por conferir à expressão Cristianismo Muscular uma conotação positiva uma vez que fez uma distinção entre “cristãos musculados” (muscular Christians) e “homens musculados” (musclemen) quer dizer, entre atletas cristãos com convicções religiosas relativamente aos ensinamentos de Cristo e atletas sem convicções para além da prática desportiva, isto é, desprovidos de doutrina cristã à qual deviam subordinar o seu entusiasmo pelo desporto.
Para Thomas Hughes “o corpo era dado por Deus ao homem para ser treinado e subjugado para, de seguida, ser usado na proteção dos fracos e na promoção de todas as causas justas”. A partir de então, o desporto, na lógica do Cristianismo Muscular, passou a ser entendido como um meio com vista à transcendência religiosa da pessoa humana que, do ponto de vista filosófico, encontrava as suas raízes no Novo Testamento, entre outros em São Paulo que utilizava metáforas de conteúdo atlético a fim de exemplificar os desafios de uma vida cristã. Vejamos alguns exemplos:
• A busca da transcendência: “não sabeis que os vossos corpos são templos do Espírito Santo, que habita em vós, o qual tendes da parte de Deus? Tu não és propriedade de ti próprio”. 
• A necessidade de auto-disciplina: “não sabem que numa corrida todos os corredores correm, mas um só leva o prémio? Correi de maneira a ganharem o prémio. Todos os que competem nos jogos fazem-no devido a um treino rigoroso. Eles fazem-no por uma coroa que não durará muito, nós fazemo-lo para obter uma coroa que durará para sempre. 
• O cumprimento do dever: Travei uma boa luta, terminei a corrida, mantive a fé. 
• Atingir o objetivo: Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prémio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.”
Posteriormente, o Cristianismo Muscular também foi influenciado pelo pensamento de Jean Jacques Rousseau (1712-1778) através do clássico “Emile” (1762) onde o pedagogo enfatizava a importância da atividade física no desenvolvimento do caráter moral. Para Rousseau “quanto mais fraco era o corpo, mais tirano se tornava; quanto mais forte era o corpo, mais ele obedecia”. O que aconteceu foi que, o Cristianismo Muscular deu lugar a uma tríade virtuosa que desencadeou a promoção do modelo inglês de prática desportiva por todo o mundo, constituído: (1º) Pelo desporto que atraia a juventude; (2º) Pelo cristianismo que lhe dava uma orientação de vida; (3º) Pelo imperialismo que colocava a prática desportiva ao serviço dos desígnios da fé Cristã e do Império Britânico.
Foi este sentimento de transcendência simbolizado pelo Cristianismo Muscular que Coubertin foi buscar às Escolas Públicas inglesas nas suas várias visitas a Inglaterra. E foi, certamente, este sentimento que Pierre de Coubertin transmitiu ao frade Henry Didon quando, a partir de 1890, com ele travou conhecimento do qual resultou uma forte amizade entre ambos. Didon não era um frade qualquer. Era um frade dominicano com uma extensa e profunda obra teórica no domínio do cristianismo. Por isso, não é de estranhar que tenha refletido profundamente sobre a máxima que transmitiu aos seus alunos na distribuição dos prémios no final de uma competição desportiva. Assim sendo, a palavra “altius” no sentido da entrega a Deus certamente que não surgiu por mero acaso em último lugar. Esta é, de resto, a opinião dos diversos investigadores que se têm dedicado ao tema.
CFoubertin, como já referimos, adotou o lema e nos seus discursos respeitou a ordem das palavras até 1900 ano em que Didon faleceu. Posteriormente, começou a utilizar a ordem que hoje é conhecida: “Citius, altius, fortius”. Porquê? Norberto Muller um dos mais conceituados investigadores no domínio do Olimpismo e do pensamento de Pierre de Coubertin, nos comentários que faz à obra de Coubertin, afirma não saber porque é que aconteceu tal mudança. Quanto a nós, e, a partir de agora, entramos no domínio da especulação, Coubertin mudou a ordem das palavras na medida em que a dimensão internacionalista do projeto olímpico a isso o obrigou. Ele desejava uma dimensão transcendental para o Movimento Olímpico, contudo, não era qualquer sentido de transcendência que lhe interessava instituir.
Quer dizer, a Charles Kingsley, a Thmas Hughes e a Henri Didon interessava-lhes uma transcendência religiosa cristã, todavia, a Coubertin, interessava-lhe uma transcendência que não estivesse comprometida com nenhuma religião em especial, quer dizer, uma transcendência laica, temporal na medida em que o que ele desejava era instituir um nova religião, a religião olímpica, à margem de quaisquer outras religiões, condição “sine qua non” para o êxito do processo internacionalista que ele desejava para o Movimento Olímpico. À pergunta, “O que é o Olimpismo?”, em 1918, Coubertin respondeu com a seguinte definição: “É a religião da energia, o cultivo de uma intensa vontade desenvolvido através da prática dos desportos masculinos, com base na higiene adequada e espírito público, rodeado de arte e pensamento...”.
Ele via a competição olímpica como um instrumento de ação ecuménica quando, no livro “Memórias Olímpicas” afirmava o Olimpismo como uma religião que, enquanto superestrutura ideológica, devia representar: (1º) Uma doutrina: os princípios do Olimpismo; (2º) Os dogmas: os valores do Olimpismo; (3º) Um culto: o da competição em busca da excelência; (4º) Uma igreja: o COI, desde 1913 com sede em Lausanne onde se reúne a nomenclatura eclesiástica. Neste sentido, o atleta, antes das performances, dos recordes e das medalhas, devia conhecer-se a si próprio. Nesta perspetiva, Coubertin, em 1923, até fez cunhar numa medalha que designou de “penetração desportiva” a ser distribuída por todo o continente africano. Dizia a medalha numa das suas faces: “Athletae proprium est se ipsum noscere, ducere et vincre”, quer dizer, “é dever e essência do atleta conhecer-se, conduzir-se e superar-se.
Embora o “citius, altius, fortius” tenha, como já referimos, acabado por ser instituído a partir de 1921 ainda ao tempo da liderança de Coubertin, contudo, a sua dimensão transcendental acabou por se perder em virtude do racionalismo utilitarista que passou a envolver o desporto. O culminar do processo aconteceu nos Jogos Olímpicos de Roma (1968) quando, pela primeira vez, a televisão surgiu com uma forte carga comercial. O dinheiro, a partir de então, tomou conta do Movimento Olímpico que, hoje, tal como muitos Comités Olímpicos Nacionais (CONs) se encontra numa situação muito complicada não por ter dinheiro a menos mas, precisamente, por ter dinheiro a mais.
Dinheiro a mais que tem vindo a destruir os seus princípios e os seus valores e a afastá-los de uma verdadeira ética de autenticidade.
Manuel Sérgio, ao avançar para uma Epistemologia da Motricidade Humana tem vindo de há mais de trinta anos a esta parte a chamar a atenção para a necessidade de, em matéria de desporto, se recuperar uma ética de transcendência laica sustentada nos valores da condição humana que, para além da obsessão política pelos recordes e pelas medalhas olímpicas, lhe dê o sentido espiritual a fim de, verdadeiramente, o colocar ao serviço do Homem. Assim sendo, na linha de pensamento de Manuel Sérgio diremos que o Movimento Olímpico do século XXI, para além das medalhas olímpicas e dos rankings dos países ou será ético-espiritual ou não será.
NOTA
Um artigo de Gustavo Pires, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana

segunda-feira, 10 de abril de 2017

DIVERSÃO CONFUNDIDA COM VANDALISMO. QUE FAMÍLIAS E QUE ESCOLA TEMOS!


Os recentes acontecimentos no sul de Espanha, protagonizados por estudantes portugueses em "viagem de finalistas", deixa qualquer pessoa apreensiva. A situação não é nova, repete-se todos os anos com maior ou menor gravidade. Chocou-me ouvir um desses "viajantes" dizer que "é normal" que aconteçam estragos, por isso, existem cauções. É francamente espantoso e preocupante quando um jovem confunde diversão com vandalismo e perturbação dos outros (hóspedes) que têm direito ao descanso. Ora, este quadro, independentemente das posições entre agentes de viagens e responsáveis pelos hotéis, levanta uma questão essencial: que princípios e valores estão a ser transmitidos pelos pais e familiares e o que é que o sistema educativo tem ou deveria ter a ver com a formação básica destas gerações?


Ouvi um senhor, representante da Confederação dos Pais, dizer que a organização das viagens é independente das direcções das escolas. Que não há que confundir as responsabilidades. Esperava ouvir de uma confederação de associações de pais, o pedido de uma séria reflexão sobre as políticas de família, as políticas de transformação de uma mentalidade absolutamente condenável e, por fim, o que é que o sistema educativo pode e deve fazer para que a formação básica não se confine aos conhecimentos dos manuais, mas no plano da estrutura da personalidade, enquanto "modo constante e particular do indivíduo perceber, pensar, sentir e agir" (Simone Reis). Mas não, acabou por ser um mero "advogado de defesa" da instituição escola. Nem em causa colocou, no que escutei, os próprios pais, o ambiente familiar e tudo o que não fazem no sentido de uma liberdade responsável. 
A gravidade das situações, em função das declarações dos hóspedes que lamentaram não pregar o olho até às cinco da manhã, deveria conduzir os responsáveis pelas políticas educativas a um olhar muito felino sobre as razões mais profundas do desenquadramento entre o que a escola transmite e os comportamentos inadequados. O que é que mais portador de futuro, meus senhores: a memorização de conteúdos programáticos para esquecer ou as aprendizagens (reflexão e interiorização) sobre as formas apropriadas ao comportamento civilizado? Ao discutirmos esta simples pergunta, estaremos, com toda a certeza, a discutir currículos, programas, os formatos organizacionais da aprendizagem, os princípios e os valores estruturantes do ser humano, a escola centro de vida, vivência e convivência e até a formação dos professores. Se existem graves desequilíbrios a montante (família), então, uma escola com os olhos colocados no amanhã, tem de renegar a estrutura do passado e apostar na formação humana. Tão simples quanto isto!
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 8 de abril de 2017

"CAMAS DE PEDOPSIQUIATRIA ESTÃO SEMPRE OCUPADAS"


É o título de mais uma importante, porque muito oportuna, entrevista ao Psiquiatra Dr. Ricardo Alves. Clarificou: "(...) É algo preocupante (...) que tem a ver com vários factores. A sociedade quer tudo para ontem. As pessoas não têm tempo para respirar, para falhar, para aprender e lidar com a frustração. A nossa geração aproveitou a adolescência para brincar, para errar, para fazer asneiras e aprender. Hoje não há essa hipótese e ao falharem julgam que já nada faz sentido (...)". Excelente síntese. Palavras do médico, que não não deixou de conseguir o seu objectivo académico e toda a sua formação até à especialidade, tendo desfrutado de tempo para "brincar, errar, fazer asneiras e aprender". Será que ninguém consegue ouvir este especialista, os investigadores, os professores, os psicólogos, os sociólogos ou a mensagem dos grandes pedagogos?


Nos últimos sete anos, segundo os dados recolhidos pelo jornalista Élvio Passos (DN-Madeira) a média de suicídios na Região foi de dois por mês e as tentativas de suicídio de 39 também por mês. São múltiplos os factores que estão nas causas, mas o significado maior, em síntese, parece-me ser este: a sociedade está profundamente doente. E o que é mais preocupante, para além dos graves dramas sociais vividos por toda a Região, é o facto dos jovens estarem a ser vítimas deste colapso social. O drama não é novo. A 22 de Novembro de 2009 escrevi no meu blogue: "(...) Hoje, com grande oportunidade, o DN-M insere um importante trabalho da autoria do Jornalista Ricardo Duarte Freitas sobre as causas do suicídio. A páginas tantas, o juiz do Tribunal de Família e Menores, Dr. Mário Silva, sugere uma reflexão sobre o actual modelo de sociedade que estamos a construir para os jovens. "O suicídio e o parassuicídio (tentativa de suicídio) são problemas que, naturalmente, me preocupam e que me levam a reflectir sobre o modelo de sociedade que estamos a construir, nomeadamente para os nossos jovens, com a busca exaustiva da perfeição aos vários níveis e com expectativas por vezes excessivamente altas". Passados sete anos, questiono, o que mudou perante tão sério alerta? Que medidas estruturantes foram tomadas? O que mudou no sistema educativo no quadro da Autonomia? Que políticas sociais, onde se incluem as políticas de emprego e de família, travaram este tenebroso caminho? Responda quem souber.
O que se constata, cada vez mais, é o aumento de antidepressivos. Desconheço o consumo na Madeira, mas, Portugal no seu todo, no ano passado, o consumo foi de quase oito milhões de embalagens. Significativo! Passámos da "Sociedade da Manufactura para a Sociedade de Mentefactura", na feliz síntese de Luís Cardoso. É verdade que, o que hoje está em causa, não é o músculo mas a cabeça e sobretudo a FACTURA. E as crianças começam, desde muito cedo, embaladas nessa lógica competitiva e suicidária. Pressionadas até ao tutano pelas acéfalas avaliações escolares, por uma abstrusa meritocracia e quadros de honra, por currículos e programas que não respeitam o tempo e a sua cadência. Importante é a medição como se a educação fosse uma corrida. A folha de Exel, meticulosamente criada com percentagens para isto e para aquilo que ditam um nível ou uma nota final, está primeiro que a criança e o verdadeiro conhecimento. Cumprir o manual tornou-se paranóico, quando se sabe que a maioria do que é transmitido e respondido nos testes de avaliação (fundamentalmente no Ensino Básico), é para esquecer ou pouca relevância tem para a vida. O adulto é que manda e com enorme desfaçatez assume que a criança está no centro das preocupações educativas! Não está. A criança está cada vez mais na margem e, portanto, não é estranha uma revolta silenciosa que alguns designam por indisciplina. Dizem: não sabe estar quieta, perturba, fala muito com os outros, faz muitas perguntas, etc., curioso, porém, é que ninguém se questiona sobre as causas, se é no processo que está o erro! Porque há uma diferença muito significativa entre a má educação (cumprimento de regras) e o desajustamento ao processo imposto e que a muitos nada diz. Há tempos o Juiz Conselheiro, hoje jubilado, Laborinho Lúcio, ele que não é docente, mas evidencia uma leitura sistémica do processo, veio transmitir que não tarda o dia que as crianças dirão que têm um adulto dentro de si. E nesta anormal perspectiva do sistema educativo, lamentavelmente, embarcam governantes, professores e muitos pais. Que os governantes não saibam ou não queiram, bom... tolero-os. Já dos professores, não aceito. Eles que às centenas recorrem ao atestado médico por depressão, esgotamento, exaustão emocional, mental e física intensa (síndrome de Burnout - "queima até ao fim" que afecta 30% dos docentes portugueses)eles que sofrem a dureza do trabalho em função do desajustamento dos alunos por causas sociais diversas, sofrem com a violência da escola e na escola, que muitas vezes se sentem sós, perdidos entre a loucura das exigências e a incompetente atitude dos governantes, entendo eu, aos professores deveria competir-lhes a revolta expressa em uma só palavra: CHEGA! Têm preferido o silêncio. A doença ao grito.
Ilustração: Google  Imagens.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

PROFESSORES OIÇAM E REVOLTEM-SE CONTRA O VOSSO SOFRIMENTO

Este vídeo tem origem no Brasil, mas isso pouco importa, pois o que está em causa é o conteúdo. Aplica-se, totalmente, a Portugal, ao nosso sistema educativo e à necessidade de uma profunda reflexão.

 

segunda-feira, 3 de abril de 2017

AGRESSÕES A ÁRBITROS. ESTAVAM À ESPERA DE QUÊ?


Ontem fiquei furioso ao visionar as imagens de mais uma bárbara agressão a um árbitro de futebol. A situação desde há muito que vem em crescendo, desde ameaças até à concretização. Árbitros em risco e famílias, também. Um quadro absolutamente pavoroso e que diz bem da cultura desportiva do nosso povo. Mas, a verdade é que isto era previsível. Tenhamos presente: cerca de 70% da população não tem hábitos culturais de prática física e desportiva; os vários canais de televisão, que enchem o povo de bola, com comentadores que acicatam os ânimos dos mais vulneráveis; dirigentes de  clubes que colocam, intencionalmente, o norte contra o sul e vice-versa; canais que repetem até à exaustão situações que o árbitro teve de decidir em brevíssimos segundos, especulando-as de forma anormal; são os jornais desportivos, diários, que fazem do sensacionalismo o objecto de venda; são as claques que entram nos estádios como gado no curral orientado pelo bastão dos pastores (polícias); é o tresloucado financiamento público à actividade profissional gerador de interesses e de conflitos; é a falência do processo educativo onde o desporto não é entendido como bem cultural para a vida; são os pais e familiares, em encontros de crianças, que manifestam um posicionamento antipedagógico, com berros e incentivos negativos, vomitando para dentro do espaço de jogo tudo o que não tem cunho educativo, enfim, pergunto: estávamos à espera de quê?


Li, do meu grande Amigo Professor Doutor Manuel Sérgio, que o desporto, em qualquer patamar, deveria ser "jogo, humor e festa". Eduquei os meus alunos, os praticantes que tive sob a minha responsabilidade, as minhas filhas e alerto os meus netos nesse sentido. Eduquei para o respeito e que a competição implica estar com e não contra, apesar de tudo ser feito pela vitória, mas no respeito pelas regras do jogo, da sã vivência e convivência. Tenho a consciência tranquila, mas quando assisto e traduzo as consequências do que se passa, diariamente, enquanto espectador, concluo do grande trabalho pedagógico que está por fazer. Vejo-os falar de mais polícia nos espaços de jogo, pelo efeito dissuasor, não oiço o discurso pedagógico, tampouco o discurso que ataque as causas do problema. E as causas estão naquilo que se faz a montante, na Escola formadora e na responsabilidade de quem governa, no sentido de uma nova mentalidade. Seria uma tripla vitória: a vitória quando se joga e ganha, a vitória da saúde e a vitória da cultura. 
Ilustração: Google Imagens.