sexta-feira, 30 de junho de 2017

CARTA DE CONVIVIALIDADE ESCOLAR OU CARTA REMEDIADORA DOS COMPORTAMENTOS ANTI-SOCIAIS?


Hoje terá lugar o V Encontro da Convivialidade Escolar, uma iniciativa da Secretaria Regional da Educação da Madeira. No DN-M li: "(...) Este encontro contará com um painel de oradores de diversas áreas profissionais, nomeadamente, da educação, psicologia, psicomotricidade e saúde, que abordarão temas relevantes em prol do desenvolvimento psicossocial do aluno, do seu sucesso educativo, da redução da incidência dos vários tipos de comportamentos antissociais que constituem um obstáculo ao adequado desenrolar do processo de ensino-aprendizagem, sendo de destacar os seguintes: aprendizagem socioemocional, relação pedagógica, aproveitamento escolar, bullying, dependências e família, entre outros (...)". É sempre bom discutir estes assuntos, mesmo que de forma unilateral, e ouvir quem a estes temas se dedica. Por isso, nada tenho a obstar. Pelo contrário. O problema é, no entanto, outro e esse preocupa-me: quais os resultados práticos das quatro edições anteriores? Que repercussões tiveram? Terão sido elaborados relatórios de acompanhamento? Mas mais importante que isso, interrogo-me, finalmente: será que é por aí que se gera uma comunidade escolar distante dos problemas apontados, que pela sua real existência, conduzem os especialistas a se debruçarem sobre os mesmos?


Não acredito no êxito de uma tal "carta de convivialidade escolar". Não é a jusante que os problemas devem ser resolvidos ou atenuados. A questão é muito mais profunda e tem raiz nas inexistentes políticas de família, na incapacidade demonstrada para corrigir a mentalidade criada ao longo de muitos anos, a tal que joga para a escola quase todas as responsabilidades da educação, na ausência de princípios e de valores, não os da irreverência, mas os do respeito e tolerância. Neste quadro de preocupações o que fizeram ou têm feito os sucessivos governos? Pouco ou nada, dirá quem no palco da escola actua e que se confronta com múltiplas situações. 
Custa-me ver pessoas, hoje com 40/50 anos de idade, nascidas no pós Abril de 1974, que mantêm os traços desconformes com uma sociedade de muitos direitos, face aos seus elementares deveres, cimentados em atitudes responsáveis. Teria sido possível, estou certo, com outras preocupações de natureza política. Portanto, a "convivialidade escolar" apresenta-se como um penso rápido colocado em uma ferida profunda. Que não resolveu, não resolve, nem atenua(rá) a dor. Não torna a escola em um local mais aprazível "seguro, inclusivo, respeitador e propício às aprendizagens" como salientam os seus promotores. A escola só estará mais bem preparada, a prazo, se existir uma bem sucedida actuação a montante (responsabilidade parental) e, a jusante, em uma política educativa que rompa com o conceito tradicional de aprendizagem, como já alguém designou por política do autocarro: professor à frente e alunos sentados atrás. Metáfora que implica colocar em causa a actual organização da escola, os currículos, os programas, os erróneos conceitos de aula, turma e de avaliação, o próprio número de alunos por escola, a centralização e padronização do sistema como se as escolas não fossem capazes de criar o seu paradigma no quadro da autonomia. Em tempo de tecnologia que todos os dias nos surpreende, deveriam, os governantes de turno, ter presente que se se mantiverem no desadequado modelo de ontem, obviamente que, na linguagem dos jovens, a escola, para muitos milhares, só pode ser uma "seca" e um caminho aberto para os comportamentos inapropriados, para o insucesso e abandono.
Depois, a "convivialidade" discutida por adultos acabará sempre por falhar. Melhor seria se ouvissem as crianças e os jovens e menos os adultos. Elas acabariam, espontaneamente, por dizer na cara dos adultos prelectores, as causas do problema e como deles sair. Ademais, o que parte da base, construído de forma democraticamente consistente, tem sempre melhores hipóteses de sucesso do que tudo aquilo que é produzido por adultos para aplicação na base. Há experiências bem sucedidas em escolas portuguesas, cujos regulamentos internos foram elaborados pelos alunos. Hoje, sabe-se que aquilo que é produzido por eles tem menos possibilidades de ser violado. Porque foram actores do processo. Enquanto assim não acontecer a "carta de convivialidade" manter-se-á como uma "carta remediadora dos comportamentos anti-sociais".  
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

TUDO SE APRENDE. O PROBLEMA ESTÁ NO PROCESSO.


Gosto do escritor e médico António Lobo Antunes. Soube-me ler seu último texto publicado na revista Visão. Ele narra uma parte da sua história pessoal que, a espaços, já tinha lido algures. O que me fez reter e conjugar com algumas posições que de longa data tenho vindo a assumir, foi a sua vivência nos primeiros anos de escola. Diz o escritor: "(...) a seguir (a mãe) meteu-me na escola onde me aborrecia de morte, porque nada daquilo me interessava. Uma ocasião resolveu espreitar a aula e eu estava sentado ao contrário na carteira a olhar para o tecto (...) já sabia o que iam me dizer, portanto ia-me embora antes de acabarem as frases. Em resumo devia ser um chato para os outros e era também um chato para mim. Tirando escrever não me apetecia mais nada, e as pessoas eram tão óbvias. Portanto fui um aluno péssimo, uma  criança esquisita, uma entidade insólita e sofria como um cão com isso. (...) Como num  instante metia meia dúzia de noções no caco, aos dezasseis anos matricularam-me na Faculdade de Medicina, eu a quem a ideia de continuar a ouvir professores me aborrecia de morte (...)".




Estas partes do texto encheram-me, porque passados quase sessenta anos continuam, grosso modo, actuais. Dali se depreende a existência de uma escola sempre igual, rotineira, que não surpreendia, que não apaixonava, não motivava, "porque sabia o que me iam dizer". Tão "óbvia" na palavra da então criança Lobo Antunes, que "sofria como um cão com isso". Depois, ouvir professores "aborrecia-o de morte". Certamente, outro posicionamento teria em relação à aprendizagem se a escola fosse o espaço de libertação, de inovação, de respeito pelos interesses dos alunos, fosse o professor um moderador e catalizador e não um debitador de uma matéria muitas vezes irrelevante e desinteressante. Fosse a escola o lugar de uma aprendizagem sentida, de dentro para fora, comungada com os outros, contextualizada com a vida e com que realmente interessa, António Lobo Antunes tal como milhares de crianças que vivem, hoje, a escola verticalizada, padronizada e centralizada seriam muito mais felizes. Creio que não teria escrito o texto que escreveu. Um texto esclarecedor da mágoa da escola não aproveitar os diversos talentos. Porque tudo se aprende, a questão está no processo, isto é, ou a espiral parte do aluno (centro) e fá-lo desabrochar em movimento sem fim (centrífugo), ou a espiral parte do professor que, ao descrever um movimento de fora para dentro em direcção ao aluno, irremediavelmente, o condiciona. O artigo de Lobo Antunes dá para pensar, ele que foi um bom médico e é um escritor de excelência.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

PUBLICIDADE ENGANOSA QUE ESCONDE OUTRAS REALIDADES


Leio declarações de políticos embevecidos com alguns resultados académicos. O presidente do governo regional e o secretário regional da Educação aproveitaram a iniciativa da Escola Jaime Moniz para falar de mérito escolar e do "investimento" de 348 milhões de euros no sistema educativo. Confesso que este tipo de discurso tem o condão de me deixar triste, não só pela sua face repetitiva como também por aquilo que já alguém referiu: "se a educação é cara, experimentem a ignorância". O peso da Educação no conjunto do orçamento é significativo, de resto em qualquer país, tal como o é o sistema de Saúde. São pilares no campo civilizacional dos direitos humanos, pelo que se torna ridículo andar a repetir amiudadas vezes os respectivos encargos.


Mas ao invés de ver o copo meio cheio, isto é, alguns resultados, poucos, que tapam a floresta dos desencantos, dos professores aos alunos, bom seria que o governo visse o copo meio vazio, isto é, os milhares que abandonam o sistema, os milhares com insucesso, as taxas que colocam a Madeira em lugares desprestigiantes no panorama nacional. Quando se olha, apenas, repito, apenas, para o mérito de uns (todos os sistemas, mesmo os estruturalmente maus, apresentam sempre, qual metáfora, uma ponta do icebergue fora de água que esconde a enorme parte submersa) e não se consegue ver os milhões de euros anuais perdidos no escândalo dos números das retenções, não se me afigura sério. Não disponho de números actualizados, mas há dois ou três anos, foi público que 6.000 repeti(r)am o ano. Ora, se cada aluno custa, anualmente, cerca de € 3.500,00 (para mais e não para menos), significa que vinte e um milhões foram ou são completamente desperdiçados. E são esses que nos devem preocupar, se em conta tivermos o que se sabe ao nível da impreparação profissional, a todos os níveis, que acabam por reflectir consequências gravosas no crescimento e desenvolvimento da Região. Os números da estatística provam-no. Por outro lado, ignoram que existem estudos sobre os efeitos de uma intervenção pedagógica precoce, compaginada com um outro paradigma de organização escolar, curricular e programática. Sabe-se, hoje, o que significa, no futuro, o efeito multiplicador de cada euro investido nas idades mais jovens.
Mas há mais, compaginado com este problema. Em 2008 disse-o na Assembleia Legislativa, perante um coro de protestos vindos do lado da maioria, que a Acção Social Educativa era "manifestamente indecorosa". E justifiquei à luz dos 30% de pobres da Região. Nove anos depois vem o governo, quase como dádiva, sublinhar que as famílias vão pagar menos 7,5% nas mensalidades das creches. Paulo Freire Freire (1921/1997) tinha razão. O texto aqui ao lado diz tudo, isto para não falar do que a Constituição da República assume quanto à gratuitidade do acesso ao sistema educativo. Aos olhos  da pobreza, dos baixos salários, do actual custo de vida, constitui uma ignomínia o governo falar de alívio dos encargos das famílias. Propositadamente, esquecem-se ou fazem-se esquecidos que a JUSTIÇA FISCAL faz-se em sede de IRS. Pagar IRS e, depois, pagar a acessibilidade a um sistema que deveria ser gratuito, é, repito, indecoroso, para além de ser passível de ser interpretado como uma dupla tributação.

Uma peça jornalística, publicada na edição do Dn-Madeira de 06 de Setembro de 2008, sublinhava o seguinte:

"Manifestamente indecorosa". É desta forma que o Grupo Parlamentar do PS define a Portaria da Secretaria Regional da Educação que regula os escalões da Acção Social Educativa. Referindo-se à notícia do DIÁRIO de que metade dos alunos matriculados na RAM beneficia de apoio público para alimentação, transportes e manuais, o PS refere que este número explica a dimensão do fenómeno da pobreza, "e a necessidade de políticas integradas de família que não podem se esgotar num apoio de natureza caritativa". Até porque nestes 47%, que beneficiam de apoio escolar, não estão contemplados os agregados familiares com um rendimento 'per capita' igual ou superior a 261 euros. Valor que, à luz do actual custo de vida das famílias, significa "um evidente estado de pobreza". Com estes indicadores, o PS considera que o governo mostra-se cego à realidade económica e social, preferindo distribuir umas migalhas aos pobres e excluídos. "O governo aposta na obra física, em estádios, naquilo que não é socialmente relevante, e deixa de lado a obra educativa que é a base do futuro da Região", salientam os socialistas. Recordam, a propósito, que sempre que o PS defende o princípio de políticas integradas, tal significa a necessidade de um novo olhar para a estrutura familiar, para o modelo económico vigente, para a segurança no trabalho, para a exigente educação dos valores e respectiva co-responsabilização no projecto educativo de longo prazo, para a legislação regional de combate ao consumo de álcool, para o rigor e disciplina que devem nortear as condutas gerais e específicas, criminalizando o que for de criminalizar.Entendem os socialistas que todos deverão estar em pé de igualdade no tiro de partida para a vida. Neste pressuposto, dizem ser indecoroso o governo apresentar uma tabela de Acção Social Educativa quando sabe que os rendimentos familiares são baixos face ao alto custo de vida, e face ao crescimento do número de desempregados. "Há muita miséria escondida ou disfarçada que condiciona o sucesso escolar. Há, no meio de uma aparente vitalidade e bem-estar que os mais distraídos podem ser levados a percepcionar nos pátios das escolas, muita carência a todos os níveis. O telemóvel e o vestuário que trazem no corpo nada significam em relação ao mundo de carências, afectivas, económicas, sociais e culturais que transportam", salientam os socialistas. E é partindo deste pressuposto que dizem ser necessário que o governo tenha em atenção que as crianças e jovens não têm culpa do seio familiar onde nascem. Por isso "devem estar em pé de igualdade quando partem, neste caso, para o conhecimento, e a escola pública existe para garantir essa igualdade de oportunidades. O PS defende, por isso, que a acção social educativa, mais do que um apoio à família, constitui um apoio directo no enquadramento formativo do jovem. E aqui, sublinham, não deve haver lugar a dúvidas por razões orçamentais. "Exige-se rigor na atribuição dos apoios, bons resultados escolares mas, simultaneamente, a convicção da importância do investimento junto de quem teve a pouca sorte de nascer pobre". O que actualmente acontece é que "o Governo está resignado a ver crianças e jovens a viver da esmola e da caridade". Exemplo disso, diz o PS, são as 73 instituições de solidariedade social espalhadas pela Região e que constituem a prova dos constrangimentos familiares que urge combater. "A continuar assim, com este olhar do governo sem contemplações para a pobreza, a Região caminha no sentido da tragédia: abandono escolar e precoce, insucesso, ausência de qualificação profissional, comportamentos desviantes, crime, enfim, insegurança".

NOTA
Em 2008 eram 47% os apoiados pela Acção Social Educativa. Hoje, diz o governo, que dois em cada três beneficia de tal apoio. Isto pode significar que a pobreza está a se tornar paisagem, com efeitos negativos no sucesso escolar.
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

RETENÇÃO: SIM OU NÃO?


“Aprender a Ler e a Escrever em Portugal” é o nome do supracitado estudo, coordenado pela ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, onde é referido também que há 907 escolas do 1ºciclo em que, no ano letivo de 2013-2014, todos os alunos foram bem-sucedidos. A incidência do insucesso é maior nos concelhos do Sul e também nos do interior, aparecendo muitas escolas de Lisboa na lista negra. O estudo aponta para uma grande diversidade de resultados, como os dados aqui apresentados podem deixar antever: de um lado, escolas paradisíacas e, do outro, “as ovelhas negras” que mancham a realidade nacional. Com este estudo por pano de fundo, o Governo define como objetivo tornar o insucesso no 1º ciclo “meramente residual”. E agora? Uma vez que os dados estão lançados, o que fazer com eles? 


Em primeiro lugar, ocorre-me dizer que “nem tudo o que brilha é ouro”. Será que há escolas em que os alunos são todos bem-sucedidos? Ou será que há escolas em que as orientações dadas aos professores vão no sentido de as retenções não existirem? A retenção é conotada negativamente: o estudo, por exemplo, caracteriza as escolas com elevada taxa de retenção como escolas de insucesso. Cada vez mais, as escolas querem ter alunos, ou melhor, bons alunos e, por isso, é fundamental que sejam percecionadas como escolas de sucesso. Como se viu, este atributo anda associado à passagem dos alunos, mesmo que, na verdade, eles não tenham feito as aquisições estipuladas para aquele ano de escolaridade. Cada vez mais o que importa são os números, mesmo que estes resultem de manobras de bastidores e não do sucesso real! Que medidas terão adotado as escolas ditas de sucesso para que os seus alunos sejam todos bem-sucedidos? Será que implementaram medidas promotoras dos tão desejados bons resultados ou será que os alunos que as frequentam integram, na sua maioria, famílias que valorizam a escola e que podem por seus próprios meios recorrer a apoio extraescolar, logo que surgem os primeiros sinais de insucesso? Ou outra hipótese qualquer… 
Uma vez identificadas, o que vai acontecer às escolas em que o insucesso parece ser a palavra de ordem? Serão encandeadas pelo desejo de “sucesso” e adotarão como medida a não implementação da retenção? Serão dotadas de meios e recursos para que, logo no primeiro ano de escolaridade, os alunos com dificuldades possam de imediato ter apoio suplementar na escola? Na verdade, e para quem trabalha nas escolas há muitos, muitos anos, é mais que evidente que o insucesso só se pode tornar verdadeiramente residual se alunos que se mostrem com dificuldades em adquirir competências de leitura e escrita sejam apoiados no momento imediato do seu surgimento. Espera-se que os alunos cheguem ao segundo ano para se lhes dar apoio, porquê? Mais uma vez, e para quem anda imerso no contexto escolar, é mais que lógico que se devem atalhar as dificuldades mais precocemente, logo à sua nascença. 
Ainda a propósito do estudo que tem vindo a ser citado, nele se diz que, para os professores, persiste a ideia de que “sempre existirá um número de crianças que não aprendem ou que aprendem mais lentamente” e que “repetir é uma melhor alternativa do que passar sem saber”. Na verdade, os professores gostariam de ter alternativas à retenção, como solução para o problema dos alunos que não fizeram as aprendizagem necessárias. No exercício das minhas funções de psicóloga escolar, tenho contactado com variadíssimos professores que sentem muita angústia sempre que têm de reter alunos. Reter não é uma solução que os professores do primeiro ciclo usem de ânimo leve. O que acontece é que há crianças que, no final dos dois primeiros anos de escolaridade, não adquiriram o mecanismo de leitura e escrita, e a distância a que se encontram dos outros colegas é imensa. Que fazer com estes alunos? Passá-los, contribuindo que a tal distância se acentue cada vez mais? Ou retê-los, na esperança de que essa distância se atenue e o restante edifício da aprendizagem não fique comprometido? Todos sabemos que a retenção tem muitos efeitos secundários e que deve ser uma medida a aplicar excecionalmente. O ideal seria que outras medidas preventivas fossem aplicadas, para que os professores não precisassem de chegar ao final do 2º ano de escolaridade dos seus alunos e terem de se deparar com o dilema de usar a retenção como potencial “tábua de salvação”, que muito frequentemente até acaba por não o ser!!!!
Fonte: Educare por indicação de Livresco/Blogue Incluso

NOTA
Não me revejo no essencial deste artigo, à excepção da parte que equaciona a intervenção precoce. Deixo a pergunta para reflexão: e se outra fosse a organização do sistema e se outro fosse o enquadramento pedagógico? 

quinta-feira, 15 de junho de 2017

O TEMPO DOS PROFESSORES DEVE SER OCUPADO NO PROCESSO DE ENSINO E NÃO EM BUROCRACIAS


A ESCOLA BUROCRÁTICA

O Conselho Nacional de Educação (CNE) defendeu (...) que para garantir o sucesso escolar dos alunos é necessário “recentrar a missão docente no essencial ou seja, no processo de ensino/aprendizagem”, em vez de se sobrecarregar os docentes, cada vez mais, com outras tarefas que nada têm a ver com aquele que deve ser o exercício da sua profissão. “Torna-se evidente que a condição docente não se compagina com a multiplicidade de tarefas que lhe são presentemente atribuídas, antes exige que beneficie de condições de trabalho e de aperfeiçoamento, permitindo-lhe cumprir melhor a sua missão e adaptar-se de forma contínua às novas situações”.


Entre estas tarefas que atualmente desviam os professores da sua “missão essencial”, figuram “a sobrecarga de reuniões e de múltiplas tarefas de natureza burocrática”, como por exemplo o preenchimento de aplicações instaladas em plataformas eletrónicas, que “poderiam ser desenvolvidas por assistentes técnicos”, destaca o CNE num parecer sobre a condição docente.
Segundo o CNE, recentrar a missão docente no processo de ensino/aprendizagem exigirá também que se defina “com clareza, as funções e as atividades que são de natureza letiva e as que são de outra natureza, substituindo os normativos vigentes sobre esta matéria por um diploma claro, conciso e completo”. "O estatuto dos professores já vai na 15.ª revisão", exemplificou, (...) a conselheira Conceição Ramos, que foi a relatora deste parecer, lembrando que estas mudanças “afectam o que faz o professor”.
O CNE (...) alerta que “nos últimos anos, as condições de trabalho dos docentes nas escolas têm vindo a tornar-se mais difíceis”, o que contribui para que se registem “processos de stress e burnout [exaustão] ”. Para o agravamento das condições de trabalho dos docentes têm pesado a existência de salas de aulas “que não respeitam a norma que limita a dois por turma os alunos com necessidades educativas especiais e o número elevado de turmas, alunos e níveis atribuídos a muitos docentes, designadamente os quem lecionam disciplinas com cargas horárias mínimas”.
Por outro lado, refere o CNE, “não deve ser esquecida a realidade gerada pelos agrupamentos que, amiúde, deu lugar a deslocações de professores entre escolas que, em alguns casos, distam dezenas de quilómetros entre si”. O conselho destaca também a “degradação da vida familiar e social dos alunos, que hoje está muito associada a situações de desemprego e empobrecimento”, que têm contribuído “para gerar um clima de conflitualidade na escola”.
O Conselho Nacional de Educação lembra neste parecer algumas das características do “perfil demográfico” atual do universo dos docentes, nomeadamente o seu “envelhecimento crescente e constante” e o “desequilíbrio quanto ao género em todos os níveis de ensino, sendo o corpo docente maioritariamente feminino”. (...)
Fonte: Público

terça-feira, 13 de junho de 2017

AFERIÇÃO DE QUÊ? AFERIÇÃO A UM PROCESSO QUE ESTÁ ERRADO?


A pergunta é esta: para que servem as provas de aferição de conhecimentos? No quadro do actual sistema, nem contam para o nível a atribuir ao aluno. Se não produzem qualquer efeito na reflexão programática ou no plano pedagógico, então, repito, para que servem? Depois, aferir o quê? Um sistema que está errado e que até o Ministério está a tentar reconverter? Não tem sentido. Portanto, das duas, uma: ou servem para "aferir" o trabalho dos professores ou, então, como fase política transitória que tende a amenizar qualquer contestação de pessoas menos esclarecidas. Não vislumbro outras razões.


Pura perda de tempo. Pior, ainda, submeter os alunos a provas de aferição corresponde à manutenção de um sistema que perverte a verdadeira aprendizagem. O acto repetitivo da pergunta que exige a resposta que se encontra algures no manual, nada acrescenta à aprendizagem. Nunca acrescentou. A aprendizagem tem de ser contextualizada, vivida e cruzada, globalmente, entre as múltiplas áreas do conhecimento. Porque lá virá o tempo da especialização, o qual, obviamente, não é este. Hoje, os aferidos, estão em uma idade de eles próprios questionarem e de procurarem respostas. Não estão no tempo de darem as respostas exigidas pelos adultos. A isso chama-se coarctar o pensamento baseado na dúvida, restringir as crianças a um inconsequente papaguear enciclopédico. O desenvolvimento infantil assenta em um enorme lastro (alicerce) que deve servir de suporte aos pilares do conhecimento superior, quer no âmbito da motricidade quer no do domínio embrionário das ciências.
O que é que as crianças ganham com todo o cerimonial feito de silêncio, de controlo à entrada da sala do "exame" disfarçado, com o cartão de cidadão em punho, de meticuloso preenchimento do cabeçalho da folha de prova, com todo o nervosismo que tal enquadramento suscita, com espaços medidos para que não copiem, com vigilantes junto ao quadro preto com olhos de coruja, com o deslocamento de crianças para outros zonas das infra-estruturas para que o silêncio seja de imaculada pureza, pergunto, para quê? O que é que isto resolve no plano da aprendizagem? E os adultos, governantes e professores, porque por isso passaram, talvez considerem que é deles a hora de fazerem aquilo que em outro tempo não gostaram que lhes tivessem feito. Pura perda de tempo. Para que serviram e para que servem estas aferições?
Ilustração: Google Imagens.  

sexta-feira, 9 de junho de 2017

UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO: A ESCOLA DO PRESENTE


Na nova sala de aulas todos ensinam, todos aprendem. As escolas do futuro já estão aí. O professor perde protagonismo, as carteiras não estão alinhadas, os alunos vão juntos à procura do conhecimento. Tablets e smartphones entram nas salas de aulas e aprender não se faz apenas dentro de quatro paredes.



BERNARDO MENDONÇA
ISABEL LEIRIA
EXPRESSO

Se as máquinas estão a roubar o emprego aos homens, então o melhor é parecermo-nos cada vez menos com elas. Em muitas circunstâncias, elas farão o trabalho melhor, mais rápido e com menos custos. Temos de saber dominá-las e usá-las em nosso proveito. Mas é preciso algo mais. Criatividade, pensamento crítico, competências sociais são argumentos cada vez mais valiosos no mundo do trabalho. E, se assim é, que sentido faz as escolas continuarem a ensinar alunos como se fossem máquinas de armazenar e debitar conhecimentos?
Justifica-se continuar a pedir a crianças e adolescentes que fiquem sentados numa sala de aulas, de forma passiva, enquanto o professor os inunda com saber enciclopédico debitado e factos a que podem aceder rapidamente em qualquer site ou vídeo na internet? Justifica-se que os alunos não possam falar uns com os outros para debater matérias?
“Enquanto adultos, somos bem-sucedidos através da colaboração com outros. Então porque é que se considera que uma ajuda entre colegas num teste ou exame é batota?”, interroga George Monbiot, colunista no “The Guardian”, num artigo recente intitulado “Na idade dos robôs, as escolas estão a formar as crianças para se tornarem redundantes”.
Monbiot pode estar a simplificar, a ser demagógico, a olhar apenas para a realidade que conhece. Mas um pouco por todo o mundo, governantes, professores, especialistas, investigadores estão a fazer a mesma pergunta. Num mundo em acelerada mutação, como deve a escola formar jovens que são diferentes das gerações anteriores e de quem se exigirá também algo de diferente? “Nos últimos anos, apareceu a realidade aumentada, as impressoras 3D, a biogenética, há carros elétricos e sem condutor. Mas continuamos a ensinar ciência da mesma forma”, diz Andreas Schleicher, responsável pelos testes PISA (Programme for International Student Assessment), a maior avaliação internacional educativa, realizada pela OCDE, em 88 países e regiões.
Por cá, a inquietação não é diferente. Será injusto dizer que nada mudou, que as escolas continuam a funcionar como no século XIX, quando pelas suas portas entram hordas de crianças nascidas no século XXI, que não sabem o que é um mundo sem internet e sem telemóveis.
A verdade é que, num modelo que permanece muito formatado e limitado pelas regras, despachos e circulares emanados da 5 de Outubro, há escolas e professores que põem em prática outras abordagens. Umas começaram há mais de duas décadas, outras dão os primeiros passos.
O Ministério da Educação promete agora dar mais liberdade às escolas para abordarem o currículo de outras formas, sem arriscarem uma inspeção de cada vez que fugirem à norma. Flexibilização, competências além de conhecimento, trabalhos de projeto que obriguem os alunos a irem eles próprios à procura da informação, atividades que juntem várias disciplinas são as orientações em cima da mesa. Porque na vida real é assim que se trabalha.
A simples desconstrução de uma sala de aulas tradicional pode ser o primeiro passo para algo novo. E tudo pode começar por uma cadeira. Ponham-lhe umas rodas, juntem-lhe uma minimesa e coloquem apenas 15 numa sala que acolhe turmas com 26 alunos. “Não havendo lugar para todos, o professor automaticamente vai ter de pensar a aula de maneira diferente”, exemplifica Luís Fernandes, diretor do Agrupamento das Escolas do Freixo, no concelho de Ponte de Lima.
O Espaço de Aprendizagem Personalizada é a mais recente novidade numa escola pública que se habituou a ganhar prémios pelos projetos inovadores que põe em prática e dinheiro para equipar a escola e ultrapassar a limitação das verbas transferidas pelo Estado. Este ano foi distinguida pela quarta vez consecutiva com o selo da Microsoft de ShowCase School, pelo uso inovador da tecnologia na educação.

UMA SALA À MEDIDA

Lá fora, veem-se vinhas e a serra. Dentro da sala, há um quadro e uma mesa interativos do mais moderno que existe no mercado, uma smart TV, tablets. As cadeiras azuis, verdes e vermelhas estão espalhadas aleatoriamente pelo espaço. O conceito de desarrumação não existe ali. Os alunos tanto tocam no ecrã do tablet como folheiam os velhos manuais escolares. Uma bancada amarela e outra azul, também com rodas, podem ser deslocadas para improvisar um auditório. Há carteiras altas para se trabalhar em pé. E uma prancha que parece um skate basculante a fazer de estrado, onde o professor dá a aula ou o aluno apresenta um trabalho. Ao lado fica a sala para gravação de vídeos. O espaço adapta-se à medida de cada aula.
Em Portugal, há pelo menos 23 salas assim — o Ministério chama-lhes Ambientes Educativos Inovadores —, número que duplicará até ao final do ano. Inspiradas na Future Classroom Lab, projeto europeu nascido em Bruxelas, têm como objetivo desafiar os professores a repensar o papel da pedagogia e da tecnologia nas salas de aulas. São todas diferentes entre si, mas com algo em comum: o centro da atividade é o aluno em interação com outros colegas e professores. Não é um espaço para ouvir matéria, mas para pôr os miúdos a investigar, interagir, criar, desenvolver, partilhar e apresentar.


Equipa. Na biblioteca da Escola Básica e Secundária Gama Barros, no Cacém, os alunos juntam-se em duplas para criarem um ebook sobre fadas e elfos. Resumir, interpretar, pesquisar imagens na internet e gravar uma leitura no iPad fazem parte deste desafio
Dada a proximidade do teste, a aula é de revisão da matéria de Físico-Química do 8º ano. Ouve-se uma música tipo concurso e um relógio a fazer a contagem decrescente de cada vez que é lançada uma pergunta no quadro interativo. O que mede um sonar? Os alunos tocam no ecrã do tablet para escolher uma de quatro opções possíveis. O tempo acaba. No quadro aparece o número de respostas certas e erradas. Logo de seguida, o nome das equipas que lideram o quiz. Os Blood Dragons do Miguel e do Luís dominam.
Surgem dúvidas quando à morfologia do ouvido. Há demasiadas respostas erradas. O professor, João Cunha, pede aos alunos que se virem para a televisão no canto oposto da sala. As cadeiras rodopiam em silêncio graças às tais rodinhas. A imagem de um modelo 3D de um ouvido surge no ecrã. Com os dedos, João Cunha roda-o 360 graus, amplia até se ver perfeitamente os ossos constituintes do ouvido interno, médio e externo. Mas também podia mostrar uma secção de um folículo capilar, a coluna vertebral ou um embrião com seis semanas.
“As empresas pedem cada vez mais soft skills (competências além do conhecimento técnico). Como é que um aluno pode ser criativo, por exemplo, se estiver sentado numa sala apenas a ouvir a matéria que tem de saber para o exame? Com estas novas abordagens, eles ganham uma facilidade em mostrar o que fazem e a comunicar que será sem dúvida uma mais-valia para eles”, argumenta João Cunha. Além do que ajuda a resolver um outro problema sentido por muitos professores. “Hoje em dia, é complicadíssimo dar uma aula de 90 minutos. Ao fim de 20, os miúdos desligam. Mesmo que estejam ali calados a olhar para nós.”

O DESAFIO DE CRIAR UM EBOOK

Na biblioteca da Escola Básica e Secundária Gama Barros, no Cacém, estão mais de vinte miúdos do 5º ano mergulhados no mundo das fadas e dos elfos. Na verdade, parecem estar mesmo no fundo do mar, pelas imagens de peixes e algas coloridas que decoram as paredes. Divididos em pares, com iPads na mão, têm a desafiante tarefa de criar um ebook a partir de livros desse universo de fantasia. O desafio desta aula de Português é escreverem no iPad, pelas suas próprias palavras, resumos da história que cada livro conta, atribuindo-lhe um título, pesquisando imagens na internet para a ilustrar e respondendo a questões de uma ficha.
Cada aluno conversa com o parceiro do lado, em voz baixa, ajudando-se entre si, empenhados em chegar a bom porto. Os dois professores respondem às dúvidas de alguns. No final, cada dupla grava uma leitura em áudio do texto que acabam de escrever, com a ajuda da professora bibliotecária Filomena Lima, organizadora e mentora desta atividade. “Gana” e “Varinha” revelaram-se palavras difíceis para Rita, de 11 anos. “Nunca tínhamos ouvido a nossa voz gravada. Queremos repetir a leitura para a melhorar”, diz Yara, de 10. Na mesa ao lado, Ângelo, de 11 anos, está ansioso por ler a sua parte. “Este exercício puxa mais por nós, pela nossa autonomia. E é mais divertido”, explica.
“Nestes grupos de trabalho, há sempre um mais ágil do que o outro, e isso puxa por ambos”, defende Filomena Lima. Há cinco anos que este projeto é desenvolvido por ela na biblioteca da escola. Foi com a verba ganha no projeto Ideias com Mérito que Filomena conseguiu adquirir os iPads. Começou por dinamizar uma atividade com o guloso nome “Tablets de Chocolate”, em que dava a trabalhar textos ligados à temática do chocolate, como “Chocolate à Chuva”, de Alice Vieira, ou “Como Água para Chocolate”, de Laura Esquível, e os alunos tinham de pesquisar os temas através dos iPads. O projeto visa a promoção da literacia digital, a leitura e a motivação no contexto escolar. Mas não é fundamentalista. A professora acredita que é preciso que os alunos mantenham “o contacto com os livros em suporte papel”, ao mesmo tempo que vão desenvolvendo essa literacia digital.
“Isto dá um entusiasmo extra à turma, com resultados bastante positivos. Mas as escolas não têm qualquer capacidade financeira para adquirir estes equipamentos tecnológicos. Devia depender de uma política nacional que ainda não existe.” O que existe são projetos a que cada escola está livre de se candidatar, dependendo das ideias e motivação dos diretores e professores, lembra Filomena Lima. “Querer ensinar de forma diferente, com recurso às novas tecnologias, dá um trabalhão, exige mais de nós. O que me move a mim e a muitos professores que o fazem é um espírito de missão, o gosto por ensinar, de fazer melhor, de ver que com este projeto conseguimos motivar e obter resultados.”
O que é também claro para ela é que a sala de aulas tem de ser reinventada. “Estamos a ir ao encontro das capacidades e autonomia de cada um, dando-lhes para a mão os aparelhos que alguns já usam para jogar. Mas aqui usam-nos para aprender. Os miúdos estão diferentes. Não dá para usar métodos de há 10 ou 20 anos.” À saída, alguns comentam entre si que o exercício foi giro. “O mais complicado foi interpretar o texto e fazer o resumo.” Mas a dois tudo se torna mais fácil.
Não raras vezes, as crianças com mais dificuldades surpreendem quando são convidadas a trabalhar de forma menos tradicional e com recurso a outras plataformas, considera João Henriques, professor de Inglês no Colégio dos Plátanos (Sintra). Foi o que aconteceu com uma das suas alunas mais tímidas, de quem pouco tinha ouvido a voz. Desafiada a apresentar-se, em inglês, através de um vídeo caseiro, Catarina, aluna do 8º ano, deu a conhecer mais dela em dois minutos do que no resto do ano letivo.
“Há o mito de que se algo é divertido não dá trabalho, de que se é motivador não exige esforço”, critica João Couvaneiro, assessor no gabinete do secretário de Estado da Educação e que este ano integrou a short list dos 50 candidatos a ‘melhor professor do mundo’, atribuído pela Varkey Foundation — uma espécie de Nobel da Educação, que vale ao vencedor um milhão de dólares. School in a Box é o nome do projeto em que está envolvido e que pretende fazer chegar a tecnologia a regiões remotas de Moçambique como forma de melhorar a educação. Na caixa seguem iPads e painéis solares.
Não é que a tecnologia em si seja a solução, salvaguarda. Mas pode ser uma ajuda preciosa como “transformadora das práticas pedagógicas”. “A tecnologia não vem substituir nada. Vem acrescentar coisas. Com os tablets e dispositivos móveis, o processo de ensino não fica amarrado a uma sala específica. Permite levá-lo para fora das quatro paredes. E motivar os alunos”. O que é meio caminhado andado para que eles aprendam de forma efetiva e mais sólida. “Porque é que as crianças sabem os nomes dos dinossauros, que são complicadíssimos? É porque estão motivados para o saber.”
Durante dois anos, os alunos do Agrupamento do Freixo também saíram da sua escola e foram à descoberta de percursos pedestres possíveis de fazer ali à volta e com interesse histórico e cultural. Sinalizaram-nos, tiraram fotografias, estudaram o património, escreveram os textos e juntaram tudo numa aplicação para telemóveis chamada Trilhandando, feita com a ajuda de uma empresa de software local. E, claro, receberam mais um prémio.

O FIM DA SALA AUTOCARRO

A questão já não é saber se as tecnologias devem ou não entrar nas salas de aulas. É perceber de que forma podem trazer valor acrescentado. E é aí que tem de entrar o professor como orientador, argumenta Teresa Salema, mentora do CoderDojo, movimento internacional que promove a aprendizagem da programação junto dos jovens, usando a tecnologia de forma gratuita e segura.
“Quando temos o Estado a exigir que todos os cidadãos entreguem os seus impostos online e quase um terço dos portugueses tem iliteracia digital, estamos perante um problema. A educação já não pode excluir a tecnologia, e a sala de aulas não pode estar fechada num quadro, numa sebenta e num professor, no velho modelo do autocarro” — professor ao volante, alunos sentados nos bancos de trás. “A sala de aulas deve estar centrada no aluno, respeitando as suas capacidades, ritmos e limitações de cada um, e aberta ao mundo da internet, dotando os alunos de ferramentas digitais, essenciais no mundo em que vivemos”, defende.
É este apport tecnológico que faz com que muitas ideias, algumas com mais de um século, voltem agora a ser discutidas “com entusiasmo”, nota João Couvaneiro. Será relativamente consensual que há muito que a educação deixou de ter apenas a ver com os chamados três ‘r’— reading, writing, aryhtmetics (em português, ler, escrever e contar). A trilogia deu lugar à teoria dos quatro ‘c’ da aprendizagem — comunicação, colaboração, criatividade e pensamento crítico integram agora a cartilha.
Claro que sempre se ensinou nas escolas a comunicar. Mas, num mundo onde a comunicação, social mas também profissional, passou a fazer-se através do Skype, do Twitter, do LinkedIn, do e-mail, do Messenger e do WhatsApp, a escola deve limitar-se a ensinar como se escreve uma carta com o remetente colocado no sítio certo? Fazer trabalhos de grupo é outra das mais clássicas tarefas escolares. Só que as potencialidades são outras, já não limitadas nem no tempo nem no espaço.
“A reprodução do conteúdo disciplinar, algo em que os alunos portugueses são bastante bons, está a tornar-se menos importante. As coisas que são fáceis de ensinar e testar são também as que são fáceis de digitalizar e automatizar. No passado recebia-se a sabedoria dos professores. O futuro passa por cada um gerar o conhecimento. O passado era hierárquico, o futuro é colaborativo. O passado dividia as matérias por disciplinas e os alunos pelas suas expectativas. O futuro tem de integrar ambos. Precisamos de educar os jovens a criar o futuro e não apenas a aprender o passado”, defendia Andreas Schleicher, em entrevista recente ao Expresso.


 


O professor Horácio dá uma lição de Ciências na Escola Carlos Gargaté (em cima); a professora de Português ajuda os alunos do mesmo Agrupamento a interpretar o que está no blogue (ao meio); o novo Espaço de Aprendizagem Personalizada da Escola Básica do Freixo, que abriu em janeiro (em baixo)

Foi precisamente isso que observámos numa aula de Português de uma turma do 7º ano, na Escola Carlos Gargaté, na Charneca da Caparica (Almada). Os alunos formam grupos, podem usar o smartphone e o tablet para tirar dúvidas, acedem a um blogue onde estão as indicações para as tarefas da aula e é-lhes entregue uma ficha para preencherem. Desta forma, o professor é mais um orientador, mas são os alunos que se organizam para obter as melhores respostas. “Eu tento que eles sejam autónomos e que resolvam sozinhos os problemas, sob a minha supervisão. Na última aula dei-lhes 15 ferramentas digitais para trabalharem a biografia da escritora Alice Vieira: desde mapas a editores de vídeo, desenhos animados, jogos. Tudo isso é válido para contar a biografia da autora, e eles trabalham de forma mais motivada o conhecimento”, descreve Teresa Pombo.
A professora de Português é adepta do cruzamento de saberes e de disciplinas. Quando dá “Os Lusíadas”, usa o Google Earth para mostrar aos alunos onde decorre cada canto narrado por Camões. Como a passagem pelo Congo: “Por onde o Zaire passa, claro e longo/ Rio pelos antigos nunca visto.”
Por vezes, divide as suas aulas com o colega de Inglês ou com o de Matemática. “Para mim, é o que faz sentido, e não passar a matéria aos alunos de forma compartimentada. No primeiro caso foi uma aula bilingue, em que lhes apresentámos uma banda desenhada em inglês sobre a história de uma criança privilegiada e outra desfavorecida. Os alunos interpretaram o texto em inglês e depois discutiram o tema oralmente em português. Com o professor de Matemática celebrámos o dia do ‘pi’ e criámos frases coerentes com aqueles números.”
Na aula a que assistimos, Teresa repete inúmeras vezes a pergunta: “Mas vocês não leram o que está à vossa frente? Basta lerem. Não vou desistir do blogue e das instruções e matéria que lá coloco, vocês é que vão ter de mudar de atitude.” E depois comenta connosco que este é um dos principais males desta nova geração. Têm dificuldade na leitura e interpretação de textos, por estarem mais treinados para o clique e para o estímulo rápido e imediato.
A aula termina com um flashmob, com alguns alunos a irem ao quadro para gritarem o poema ‘Urgentemente’, de Eugénio de Andrade, que apresentariam horas mais tarde, com bandeiras e palavras de ordem, num pavilhão para todos os alunos da escola. “É urgente o amor”, escreveu Eugénio. É urgente a mudança, dizem os professores.
“Se eu fosse uma professora tradicional já tinha perdido dois dos meus alunos que têm défice de atenção. E, na verdade, perderia mais. Se a minha aula fosse só debitar, quem iria ouvir-me? Sou da opinião de que as tecnologias podem devolver algum encanto e motivação aos professores. E isso passa para os alunos. Mas a sensação que eu tenho é que a maioria dos professores ainda não está sensibilizada para estas novas formas de passar o saber. Seja através dos jogos ou das ferramentas digitais.”

APRENDER ATRAVÉS DA PESQUISA

No Colégio Luso-Internacional do Porto (CLIP), que segue o currículo britânico, há muito que os alunos se habituaram a trabalhar de forma transdisciplinar. Tal como está a ser feito para o ensino público, também lá se definiram 21 competências para o século XXI que os alunos devem adquirir ao longo da escolaridade e que os professores devem trabalhar nas disciplinas tradicionais, mas não só.
Desde o pré-escolar até ao equivalente ao 9º ano, os alunos passam por uma unidade curricular que integra conteúdos programáticos de todas as cadeiras e que utiliza o método de Concept Based Learning. Ou seja, parte-se de um conceito e de um tema e a partir daí trabalham-se várias áreas, explica Isabel Morgado, um dos elementos da direção do CLIP. A unidade dura duas a três semanas e foi este ano letivo dedicada à liberdade e aos direitos das crianças.
Mas o expoente máximo desta articulação de saberes acontece nas aulas de Learning Through Research (Aprender Através da Pesquisa) e que integra o currículo do 6º, 7º e 8º , com uma carga de sete horas por semana. Os alunos são divididos em grupos de quatro, misturando turmas diferentes, mais novos e mais velhos, fortes, médios e com mais dificuldades. Quando se inicia um novo tema, que tem sempre associado uma disciplina base, mudam as equipas. A ideia é que todos aprendam com todos e trabalhem em conjunto.
Na sala, há um barulho e uma confusão controlados. Se as vozes sobem de mais, Andrea Reis, professora de História e uma das responsáveis por esta cadeira, bate três palmas secas. De imediato, todos os alunos imitam o gesto, e o silêncio instala-se. O tema chama-se “Lei e Criminalidade” e tem a disciplina de Inglês como base. Já criaram uma personagem, uma arma, um crime, um local (real e que os leva, por exemplo, a usar o Google Maps e a identificar uma rua) e um motivo. Já escreveram o guião e o storyboard e estão agora a decorar as falas para a representação à turma.
Na unidade anterior tiveram de estudar as matérias-primas de um país em desenvolvimento e pensar num produto final, passando por todo o processo, desde a extração dos produtos, circuito de distribuição, logística, até à venda, incluindo o custo por unidade e o marketing. No final, venderam-se no colégio velas de café, chocolates, sabonetes de mel. “São eles que têm de fazer toda a pesquisa. O professor é um facilitador, ajuda a tomar decisões”, afirma Andrea Reis.
Os temas escolhidos estão alinhados com a disciplina de Global Perspectives que terão no secundário e que desde há dois anos passou a ser obrigatória no 11º e 12º para obterem o diploma final que é reconhecido internacionalmente. Tal como o nome indica, a ideia não é trabalhar uma área isoladamente, mas analisar e refletir sobre um problema global, desde a energia ao emprego ou às mudanças demográficas.

UM MANTRA PARA LIMPAR ENERGIAS

Passam poucos minutos das 11h da manhã. Na sala de aulas da turma do 1º ano da Escola Básica Louro Artur (do Agrupamento Carlos Gargaté), os rapazes chegam do recreio agarrados às cadernetas de cromos e algumas meninas vêm acompanhadas de bonecas. A professora Ana Paula Figueiredo pede com voz serena que as crianças façam o mantra para ‘limparem’ as energias da rua. E, como num filme, toda a turma de pequenotes sobe para cima das mesas, de forma ordeira e em silêncio, sentando-se de pernas cruzadas. A professora põe a tocar uma música de relaxamento, e os meninos, como numa coreografia bem ensaiada, cerram os olhos e erguem o braço direito por cima da cabeça, enquanto o braço esquerdo faz um movimento circular no peito. Cinco minutos disto. A meio chega uma aluna atrasada, que arruma a sua carteira, sobe à mesa e junta-se ao mantra, sem precisar de qualquer instrução. Parece ficção ou impossível, mas acontece todos os dias naquela turma.
“Assim fazemos o trabalho melhor e concentramo-nos mais”, explica-nos uma menina. “E a mim tira-me as dores de barriga”, acrescenta outra. Logo depois a professora começa a aula e pede a quatro alunos para irem ao quadro para formarem com o corpo a palavra ‘cão’. Uma delas faz com o corpo o til. Outros formam a palavra ‘caramelo’. Tanto os que estão sentados como os que formam a palavra estão atentos e divertidos com a tarefa.
Ainda vemos as crianças a mimetizarem uma canção num vídeo com linguagem gestual. Isto porque naquela aula aprende-se o alfabeto de três formas: a clássica, em braille tátil e visual e em língua gestual portuguesa.
Ana Figueiredo recorda que foi depois de tomar contacto com as “Ekui Cards”, 26 cartas do alfabeto que incluem o braille, a dactilologia (alfabeto da língua gestual portuguesa) e o fonético, que adaptou a sua aula. “Este ano tive liberdade total. E posso dizer que com este método tenho obtido resultados muito positivos na aprendizagem da leitura e escrita destas crianças. As aulas são lúdicas e apelativas, porque interagimos brincando com as letras, sílabas e palavras. As crianças manifestam alegria e vontade de descobrir novas palavras dramatizando para os colegas.”
Como complemento, Ana Figueiredo introduziu o relaxamento orientado com músicas e respiração adequada, conseguindo desta forma que as crianças se acalmem depois do recreio e recuperem a sua concentração para as tarefas da aula.
A professora, que na escola anterior não teve o mesmo apoio, é agora uma referência na nova escola. E os pais agradecem. “De manhã utilizo mandalas e imagens de Miró para eles colorirem que os ajuda a descontrair. Valorizo os manuais como um complemento de consolidação. No entanto, num 1º ano, acho que há uma dependência exagerada, o que condiciona os professores a abrir a sua mente para novas estratégias mais inclusivas para todas as crianças.”



 


 


Inovação Na Escola Básica Louro Artur, as crianças do 1º ano fazem um mantra a seguir ao recreio para ‘limparem’ as energias da rua (em cima); na biblioteca da Escola Gama Barros, uma aluna prepara um ebook (ao meio); no Colégio Luso-Internacional do Porto, os alunos aprendem através da pesquisa e treinam várias disciplinas numa só aula (em baixo)
Nesta mesma escola assistimos a outra atividade singular. Conhecemos o professor Pardal de carne e osso. Na verdade, este professor primário chama-se Horácio, tem 60 anos e 37 de profissão. Há um ano as lágrimas corriam-lhe pelo rosto e estava a perder o gosto pelas aulas e pelos alunos. “Estava desmotivado. Estar mais de 30 anos a dar aulas deixa-nos saturados.”
Foi a direção da escola que o ouviu e apostou nele para um novo desafio. Deixaria de dar aulas a uma só turma e passaria a fazer o que sempre gostou de fazer, passar conhecimento científico de turma em turma. E é um gosto vê-lo de bata branca entre um monte de geringonças a explicar a magia do ar e as suas propriedades. “Se mergulharmos este recipiente fundo na água com um algodão na base, porque é que o algodão continua seco? É por causa do ar, pois é.” O ar é de todos, e o que este professor gostaria é que o bichinho pela ciência ficasse em todos aqueles alunos.
Em Portugal, decorria a década de 70 e uma escola pública começava a experimentar uma forma diferente de se organizar, de ensinar e de trabalhar com os alunos, na altura apenas da primária. Conhecida como Escola da Ponte, em Vila das Aves/São Tomé de Negrelos (Santo Tirso), foi buscar inspiração ao Movimento da Escola Moderna e durante anos tentou convencer o Ministério da razão de ser de alargar o seu projeto a todo o ensino básico, sem turmas, sem anos de escolaridade (os alunos estão integrados em três núcleos — iniciação, consolidação e aprofundamento — e podem transitar de um para o outro em qualquer momento do ano) e onde os alunos assumem um papel central na vida da escola.
São eles que definem com os professores os planos de aprendizagem, os momentos e a forma de avaliação, sendo que o trabalho é feito essencialmente em grupo, com três ou quatro colegas. São também eles que, em assembleia de escola, definem direitos e deveres e gerem conflitos entre colegas. Têm tarefas atribuídas, como a organização de eventos, cuidar do jardim, a produção do jornal ou guiar as visitas à escola. Objetivo: promover a autonomia e a consciência cívica dos alunos, explicam os elementos da direção.
Em 2005, já com autorização de funcionamento até ao 3º ciclo do ensino básico, a Escola da Ponte assinou o primeiro contrato de autonomia com o Ministério da Educação, ou seja, a diferença passou a ser reconhecida oficialmente. Hoje são cerca de 300 as escolas e agrupamentos que também têm um contrato de autonomia com o Ministério. Mas os constrangimentos continuam a ser muitos, lamentam os diretores.
E os resultados de tudo isto? Sem surpresas, os alunos são os primeiros a dizer que preferem trabalhar assim. Significa que vão passar todos a ter boas notas? Não há ilusões. “É difícil estabelecer um nexo de causalidade entre os projetos que desenvolvemos e esta nova forma de trabalhar e os resultados académicos. Mas o que sabemos é que os alunos estão a desenvolver competências que lhes vão ser úteis quando forem para o mercado de trabalho e que estão a aprender coisas que não vão esquecer. Isto para nós também é sucesso académico”, resume Luís Fernandes.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

EDUCAÇÃO DESPORTIVA, PRECISA-SE!


"O jogo da meia-final da Taça da Madeira de juniores, entre Nacional e Marítimo, que foi disputada na noite de terça-feira terminou com graves confrontos entre jogadores de ambas as equipas. Uma vez que nenhum dos conjuntos conseguiu alcançar os objectivos da época – Nacional desceu aos regionais e o Marítimo falhou a subida aos nacionais -, as duas equipas encararam o encontro da Taça como uma ‘tábua de salvação’ da época, que terminou com vitória do Nacional por 2-1, que foi seguido de cenas pouco dignas protagonizadas por jovens dos dois lados da ‘barricada’, num dos episódios mais negros da história recente do futebol jovem madeirense. O jogo foi, segundo apurámos, bem disputado, muito renhido e decorreu com lealdade até bem perto do final quando se deu início a cenas de pugilato entre jogadores que só a muito custo foram travadas pelas equipas técnicas e elementos da PSP presentes (...)" - DN-Madeira.


Educação Desportiva, precisa-se! Desde a mais tenra idade. Da escola ao clube, da baixa à alta competição. Lutar pela vitória e vencer deveria ser interpretado com generosidade, da mesma forma que a derrota deveria ser assumida com bom humor. Aprendi isto em idade muito jovem, porque souberam transmitir esse valor que o desporto encerra. O problema é que a formação está a falhar. E quando falha a formação é a cultura desportiva que se esvai. São inúmeros os factores que aqui não vou,  hoje,  dissecar. Apenas deixo aos formadores da juventude a Ode ao Desporto de Pierre Frédy, mais conhecido pelo seu título nobiliárquico de Barão de Coubertin (1863/1937). Leiam-na aos jovens e expliquem palavra a palavra.

I Ó Desporto, prazer dos Deuses! Essência da vida (...)
II Ó Desporto, tu és a beleza! És o arquitecto deste edifício que é o corpo, que pode tornar-se abjecto ou sublime, se degrada na vileza das paixões, ou saudavelmente se cultiva no esforço. (...)
III Ó Desporto, tu és a Justiça! A equidade perfeita, em vão perseguida pelos Homens nas instituições sociais, estabelece-se, por si própria, à tua volta. (...)
IV Ó Desporto, tu és a audácia! Todo o sentido do esforço muscular se resume numa única palavra: ousar. (...)
V Ó Desporto, tu és a Honra! Os títulos que tu conferes não têm qualquer valor se adquiridos por meios diferentes da lealdade absoluta. (...)
VI Ó Desporto, tu és a alegria! Ao teu chamamento o corpo alegra-se, os olhos sorriem e o sangue circula. (...)
VII Ó Desporto, tu és a fecundidade! Por vias indirectas e nobres, encaminhas ao aperfeiçoamento. (...)
VIII Ó Desporto, tu és o progresso! Para bem te servir é necessário que o Homem se aperfeiçoe no corpo e na alma. (...)
IX Ó Desporto, tu és a paz! Estabeleces relações felizes entre os Povos, aproximando-os no culto da força dominada. (...)"
Ilustração: DN-Madeira/CDN Formação.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

POR FAVOR, APLIQUEM ALGUMA COISITA!


Já perdi a conta a tanta iniciativa. São seminários, encontros, jornadas, eu sei lá, todos os meses centenas de professores respondem às diversas iniciativas, todas no quadro de uma putativa formação. Há dias aconteceu mais uma. Encontros que registam a presença de nomes "sonantes" que transmitem conhecimentos para reflectir, porém, no dia seguinte, nas semanas, meses e anos seguintes, tudo continua igual. Como se nada tivessem escutado. Cumpre-se o curtíssimo ciclo: nasce e morre ali. Não cresce, não vive e, já agora, não se multiplica. De facto está a perpassar a ideia de estarmos a assistir a uma espécie de competição para ver quem mais e melhor organiza. Quem traz para figura de cartaz o nome mais publicitado. Cumprido o "calendário" volta tudo à estaca zero.

A Escola já não deve funcionar assim! Uns falam e outros escutam.
Na verdadeira Escola "todos ensinam e todos aprendem"....

Assisti, por exemplo, em Fevereiro de 2015, a uma importante iniciativa cujo conferencista foi o Professor José Pacheco. Com o anfiteatro a abarrotar, o Professor discorreu pensamento durante três horas. Feito o diagnóstico do sistema educativo, sobreveio a experiência de mais de 40 anos intensamente vividos e actualizados. De resto, com resultados. Foi aplaudido de pé, pela sensibilidade e coerência dos argumentos. José Pacheco "refugiou-se" no Brasil onde é acarinhado e distinguido. Por cá, passados dois anos, curiosamente, na mesma escola, no mesmo anfiteatro, no mesmo palco, foi anunciada uma iniciativa da responsabilidade da Associação Nacional de Professores. Não li qualquer reportagem sobre o evento mas presumo que, certamente, foi realizada com êxito. Porém, em Setembro, a escola, todas as escolas, reabrirão para mais um ano lectivo e tudo continuará exactamente igual. Pergunta-se, então, para quê tantas iniciativas sem que delas resultem qualquer coisa diferente? Uma janela de esperança, uma frestazinha por onde passe uma aragem de inovação!
E já que falo de uma janela de esperança, deixo-vos com um excerto de um texto que li recentemente. A páginas tantas interroga-se George Monbiot, colunista no "The Guardian", em um artigo intitulado "Na idade dos robôs, as escolas estão a formar as crianças para se tornarem redundantes". Escreveu o colunista: "Enquanto adultos, somos bem-sucedidos através da colaboração com outros. Então, porque é que se considera que uma ajuda entre colegas num teste ou exame é batota?" De facto, como li nesse trabalho de Bernardo Mendonça e Isabel Leiria, "que sentido faz as escolas continuarem a ensinar alunos como se fossem máquinas de armazenar e debitar conhecimentos?" No mínimo, dá para pensar!
Por favor, apliquem alguma coisita. 
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

OH ROTINA QUE MATAS E FAZES TANTA GENTE INFELIZ!


O ano escolar está a terminar. Mais do mesmo. Obviamente, cada estabelecimento de educação e de ensino tentou fazer pelo melhor, mas com o espartilho institucional, com as convenções que determinam, em síntese, se sempre foi assim, por que raio havemos de fazer de forma diferente? E este aspecto é extremamente condicionador. Sempre foi. Nem o governo, assumidamente, quer ou deseja uma mudança estrutural, tampouco existe mentalidade galvanizadora para romper com as amarras do passado. Contenta-se com acertos marginais. E a rotina mata, mas muitos preferem "morrer aos poucos" a dar passos em direcção a um paradigma sistémico que coloque a escola como centro de vida e de aprendizagens significativas. 


Qualquer sistema, por mais ultrapassado que esteja do ponto de vista do conhecimento científico, acaba sempre por produzir alguns resultados. Ora são as "olimpíadas" disto e daquilo, ora as distinções por mérito neste ou naquele concurso, outras vezes é "glória" de uma palavra de simpatia da OCDE (!) enfim, por variadíssimas razões, sempre houve quem se destacasse dos demais, o que leva a  confundir a árvore com a floresta. E isto conduz, inevitavelmente, à perversidade de julgar-se que o sistema funciona bem e que se recomenda.
Colocar em cima da mesa, em contraponto, as impressionantes taxas de insucesso, de abandono, de qualificação profissional e, com honestidade intelectual, procurar discuti-las para perceber as suas causas, a montante e a jusante, normalmente, pouca relevância acaba por ter. Os governantes fogem a sete pés! Convencido estou, por isso, que mais vale uma notícia ou um título que escorra, como mel, garganta abaixo do governante do que contextualizar as razões mais profundas da manutenção de um sistema que assenta, sem significativas alterações, desde o Século XIX aos nossos dias. Há políticos que vivem ou preferem sobreviver nesse quadro de poucas ondas. Essa mentalidade faz escola. Ruy Barbosa (1849/1923) escreveu um dia: "(...) De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto." É, de facto, um  problema de honestidade, neste caso, de desonestidade, querer meter, como escreveu Alvin Toffler, cito-o de cor, "o mundo embrionário de amanhã nos cubículos convencionais de ontem". 
Tenho quatro netos que me falam da escola. Subtilmente puxo-lhes pela língua e lá desatam a dizer o que pensam. As crianças são espontâneas. Ainda ontem tive um deliciosa conversa com um deles. A informação que dispõem e que lhes chega (a eles e a todos os outros), diariamente, pelos mais diversos canais, a capacidade que demonstram para discutir, questionar e interligar os temas conduz-me a (re)pensar a estrutura organizacional, curricular e programática da escola, completamente divorciada do tempo que estão a viver. Para as crianças deste tempo, a Escola não está para elas. Pode estar para os governantes (e está) e para os professores que têm de cumprir, no centro operacional, embora com sacrifício, o que o vértice estratégico determina. É mais fácil cumprir uma tarefa do que nela se envolver. Às crianças e aos jovens compete-lhes escutar e decorar mesmo que seja para esquecer. Decoram sem sentir e interiorizar. Decoram para responder o que está no manual. Decoram para o teste e para as percentagens convertidas em níveis ou notas. Vivem dentro de um fatinho, de tamanho único, quando a aprendizagem quer-se feita à medida de cada um. Confrontam-se com a escola pronto-a-vestir, sempre com o mesmo padrão. A diversidade e a possibilidade de desenvolver o acto de PENSAR e de, permanentemente, questionar, não existe. Olho para o mais novinho, de apenas dois anos, e observo-o a mexer no tablet e no telemóvel de tal forma que me leva a interrogar se esta criança não será mais uma desajustada quando estiver sentada, olhando para o quadro preto, enquanto o professor debita, debita e complementa a dita "sabedoria enciclopédica" com "trabalhos para casa", roubando-lhe o tempo para ser criança, tempo fecundante da vida. Ela e todas as outras. Há quem se esqueça que "brincar é um alicerce essencial da cultura humana". O panorama geral é este e aprender a desaprender, HOJE, não faz parte, grosso modo, do cardápio que lhes apresentam. Ah, a robótica... claramente, uma "casinha" construída do telhado para baixo. Em que paradigma sistémico se enquadra? Se alguém descortina as ligações sustentáveis, interligadas e transversais faça o favor de elucidar-me. Confesso a minha ignorância. 
Entretanto, a par do imenso trabalho burocrático (tarde ou cedo destinado ao arquivo morto) já começaram as ditas "festas" disto e daquilo, trabalhadas ao pormenor, com alguma competição entre escolas, ao jeito de "a minha foi melhor que a tua", tudo concebido para uma função político-mediática, porque o governante faz questão de estar presente. Festas de enaltecimento do trabalho dos adultos, porém, de resultados pouco convincentes para o futuro das crianças e jovens. As estatísticas são o algodão que prova a mancha negra, melhor dizendo, o desajustamento do sistema educativo em função do presente e do futuro.
Este ano está a terminar. O próximo está aí ao virar da esquina. A estrutura será, obviamente, a mesma, aqui e ali com mais pincelada menos pincelada de cores garridas. Oh rotina que matas e fazes tanta gente infeliz! 
Ilustração: Google Imagens. 

quinta-feira, 1 de junho de 2017

A CRIANÇA NÃO TEM SIDO A PRIORIDADE. SE FOSSE...



Hoje seria o dia ideal para um debate na Assembleia Legislativa da Madeira sobre a CRIANÇA. Discutiram-se temas requentados e um debate de oportunidade nem pelas intenções ficou. Os estabelecimentos de educação cumpriram o ritual, levando-as para a rua, melhor dizendo, deram-lhes folga. Aqui e ali falou-se de direitos, com laivos de hipocrisia, porque o essencial, uma vez mais, não foi discutido. E o essencial é, paulatinamente, repensar e mexer em toda a organização social e no que se esconde a montante no que concerne à estrutura familiar (direitos e deveres), para que a criança beneficie de um saudável crescimento. Sem distinções de famílias onde foram geradas. Enquanto faltar a coragem para pensar como resolver a desorganização social na busca de novos equilíbrios; enquanto alguns políticos viverem o momento que mais jeito dá aos seus interesses; enquanto muitos pensarem que a este quadro de referências não existem alternativas, é óbvio que se continuará a falar do dia da criança no plano das margens e não dos muros que a comprimem. Sejamos claros: a criança não tem sido a prioridade. Se fosse, como vulgarmente se diz, outro galo cantaria. Desde os estabelecimentos de educação, onde entra aos primeiros meses de vida, porque os pais têm de trabalhar horas a fio sem uma recompensa salarial digna, até ao cumprimento do pré-escolar onde são submetidas, desde logo, a um quadro programático, de onde saltam para a escolarização a "tempo inteiro" que as "condena" a 40/50 horas semanais de actividades (internas e externas), isto quando os adultos reclamam 36/40 de trabalho, fica claro que o sistema político prefere manter o existente do que dar passos na perspectiva de uma sociedade defensora da construção do seu próprio futuro. Disse a Professora Rachel Niskier: "se você não cuida da infância e da adolescência, que tipo de cidadão você terá?