terça-feira, 28 de maio de 2019

A nossa ideia de sucesso torna os adolescentes infelizes


Observador
27/5/2019

Um adolescente de sucesso é um “tecnocrata de mochila” aos 15 e um “ídolo” antes dos 30. É uma ideia gananciosa e vaidosa de sucesso que não devíamos reclamar para os adolescentes.

Noutro dia, perguntaram-me como se educa um adolescente para o sucesso. E eu fiquei embaraçado. “Ter sucesso é eleger um sonho e lutar por ele” — respondi. “Em que mundo é que anda?”, perguntou-me o pai. “Neste”, respondi. Mas, muitas vezes, tenho a sensação de que quem anda “na lua” talvez não seja eu.
Porque aquilo a que se vai chamando sucesso parece supor que não se tenha derrotas, nem dúvidas, nem vitórias “a safar”. E que se tenha, invariavelmente, boas notas, claro. Que se saiba (quase sempre) aquilo que se quer. Que se passe por todas as mudanças da adolescência sem sobressaltos. Que se seja quase indiferente aos diversos momentos maus duma família e aos solavancos que o mundo dá, dentro do corpo e fora da escola. Que se ponha, em primeiro lugar, os estudos e só depois o namoro. Que se seja sossegado e se tenha “bom comportamento”. Que as grandes causas sociais ou a política não passem de “distracções”. Que, mal se terminem os estudos, se comece a trabalhar. Que se seja “bom” naquilo que se faz. E que se ganhe muito dinheiro, de preferência, muito depressa. Mesmo que o sucesso resulte dum “casamento de conveniência” e não de um grande amor.
A nossa ideia de sucesso torna os adolescentes infelizes! Porque “robotiza” a adolescência. E transforma miúdos saudáveis, que entram na escola a perguntar “Porquê?”, em “produtos normalizados”. E faz com que, contra a sua vontade, se tornem, um ror de vezes, exemplos infelizes de “inteligência artificial”. A nossa ideia de sucesso é muito pouco amiga dum pensamento livre, interpelante e “escutador”. Porque não lhes dizemos que não se chega ao sucesso sem fazermos perguntas, sem nos pormos em causa, sem hesitações e sem contradições. Que as escolhas são sempre uma renúncia à omnipotência. E que o sucesso não se constrói à margem do desejo. Sem “um sonho” pelo qual se lute. E sem paixão!
Mais grave, ainda, é que esta ideia de sucesso (que vamos alimentando de forma preguiçosa) pressupõe que os nossos filhos escolham aos 14 ou 15 — sem que vacilem — uma “carreira de sucesso” que vigore pelos próximos 55 anos. E que, tendo os adolescentes o “azar” de terem notas muito altas, eles “só” tenham que optar entre os cursos de medicina, de engenharia bio-médica, de gestão, na Universidade Nova, ou engenharia aero-espacial, no Técnico.
Mas será que os mesmos pais que esperam todo este “sucesso” dos seus filhos são, eles próprios, um exemplo de sucesso em todas as áreas das suas vidas? E não estarão a exigir-lhes aquilo que os próprios pais fazem — hoje, inclusive — com imensa dificuldade como, por exemplo, escolher? E será que lhes dizem que ter sucesso é escolher não uma ou duas ou três mas inúmeras vezes, ao longo da vida?
O que se passa, então, nesta ideia de “sucesso”? Não será que associamos — por vezes, perigosamente — o sucesso às boas notas (independentemente do “pó de arroz” que muitos lhes põem, da adolescência que se hipoteca para as ter e do facto de termos passado a conviver com naturalidade com as equipas de “explicadores” a trabalhar para os adolescentes), como se, em todos os momentos, fosse sempre assim. E como se ter-se vida, autonomia, afoiteza, garra, tolerância à frustração, um pensamento próprio e convicções não fossem componentes indispensáveis para que eles se construam de forma mais saudável?A nossa ideia de sucesso torna os adolescentes infelizes! Porque transforma miúdos saudáveis em “crianças de estufa”. Porque presume que um adolescente de sucesso é um “tecnocrata de mochila” aos 15 e um “ídolo” antes dos 30. A nossa ideia de sucesso torna os adolescentes infelizes porque presume que quanto maior for a notoriedade e mais dinheiro se ganhe, muito depressa, mais poderoso se seja e mais sucesso se tenha.
É uma ideia solitária, gananciosa e vaidosa de sucesso; que não devíamos reclamar para os adolescentes. E de fórmulas do género: “O importante não é viver; é saber viver; muito próxima do modo como “os outros” se transformam em “utensílios descartáveis”. Como se, à escala duma escolha de sucesso, a “fórmula” fosse: “Escolhe uma namorada rica. E, depois, faz como se faz com a água tónica da Schweppes; aprende a gostar”. Ao contrário, se os adolescentes pegarem em tudo aquilo que os encante e interesse, se uma escolha for a síntese de tudo aquilo que tenha a ver com eles, se juntarem sonho e paixão, e fizerem escolhas muito mais baseadas nisso do que, unicamente, nas notas que tenham, tornam-se singulares e inimitáveis em tudo o que fazem. Destacam-se, claro; quase sem quererem. E serão pagos para “brincar”. Não seria mais fácil para os adolescentes se déssemos todos um saltinho “à Terra”?

sexta-feira, 24 de maio de 2019

MAIS PREOCUPADOS COM AS FALTAS DOS ALUNOS DO QUE COM O PLANETA?


A activista sueca Greta Thunberg despertou um movimento à escala global em defesa do planeta. Por todo lado, cresce o entusiasmo pelo grito dos jovens. Quais os resultados concretos, só a História concluirá. De um aspecto não tenho a mínima dúvida, é que esse grito universal se multiplica tal como um eco, pelo que, certamente, embora os interesses sejam gigantescos, alguma coisa acontecerá. 


Ora, a escola deveria estar na dianteira desta luta e das manifestações, quando uma causa maior, a de salvar a Terra, é, neste momento, muito mais importante que o cumprimento dos programas. Mas, parece que não. E a propósito de uma greve às aulas pela defesa da nossa "casa comum" ouvi, uns, dizerem que as as faltas "não seriam justificadas", outros, que teriam justificação se os pais assinassem um documento de permissão. Houve, até, directores de escola que garantiram que os estabelecimentos iriam "funcionar normalmente com a realização de aulas e testes".
Pessoalmente, não entendo estas posições. Ou melhor, entendo, se tiver presente a mentalidade reinante no sistema educativo. Bastaria que alguns pensassem um pouco e logo chegariam, no mínimo, a três conclusões: primeiro, que a Terra não pode esperar; segundo, que uma manifestação pelo ambiente, com tudo o que implica de preparação, estudo, consciencialização e cidadania, é mais importante que muitas semanas de aulas sobre assuntos que pouco ou nada transportam para a vida; terceiro, que a manifestação, no essencial, corresponde à prática do que a escola tenta consciencializar ao longo dos anos. O problema é que, para o sistema, primeiro, estão a burocracia e os manuais, depois... depois tudo o resto, onde se incluem as iniciativas que nascem e vivem como preocupações maiores dos jovens.
Oh Escola por que não mudas? Por que não te associas? Que razões te levam a não te colocares na dianteira da sociedade, puxando-a para o conhecimento?
Ilustração: Google Imagens

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Há que desmantelar o Ensino Básico e reerguê-lo


As editoras não brincam em serviço. Nem aquelas empresas que vendem "salas de aula do futuro". Descoberta a falta de visão e a fragilidade conceptual, o quadro é logo aproveitado para o negócio. Sempre foi assim em qualquer sector de actividade. Procurar alternativas, discuti-las, contextualizá-las para definir um paradigma para o sistema educativo, sério, consistente, duradouro, que vá para além de uma legislatura, dá muito trabalho. Por isso, há sempre quem venda sonhos e quem esteja disponível para comprar, por vezes, gato por lebre. Os que saltam para o palco, falam, enfeitam com cores mil os seus produtos e vendem, cumprem os desígnios empresariais; os que compram, sentem-se bem com isso, porque, no plano mediático, dão a entender que laboram imenso por uma causa. Para o quase nada, digo eu!


Porém, se perguntarmos aos que compram quais são os princípios orientadores da sua acção, para onde pretendem conduzir um determinado processo, qual é a sua visão a oito, doze ou dezasseis anos, talvez não saibam explicá-los. Convicto estou que, de tanto se falar e de apontar a mudança como absolutamente necessária, porque há muitos anos reclamada, eu diria que pegam de empurrão e lá aparecem, embora com alguma desconfiança, a percorrer um caminho, neste caso, o da tecnologia ao serviço da aprendizagem. 
Todavia, o problema é muito mais complexo e não pode ser analisado, apenas, através de uma variável, a dos "manuais digitais". Se me questionarem: mas não será melhor? Responderei: obviamente que as dinâmicas de aprendizagem podem ser diferentes. Só que isso afigura-se-me muito redutor quando a finalidade, no essencial, pela cultura existente, por mais que exprimam o contrário, é a de replicar, travestir e enfeitar o manual de papel. Entendo, por isso, que a estratégia para o conhecimento necessita de uma abordagem muito mais profunda e, porque é complexa, deve ser analisada de uma forma global e transversalmente integrada. Mexer, apenas, em uma das variáveis conduzirá a que o sistema nunca obtenha resultados proporcionais ao investimento. 

Aliás,  o busílis da questão está aí. Interessante e importante seria que o secretário regional da Educação apresentasse, publicamente, o desenho do que pretende, os pressupostos, a conjugação das várias etapas do processo, a interligação entre sistemas e as fases específicas dentro do próprio sistema, os posicionamentos estruturais relativamente a tudo, de onde se percebessem as respectivas dinâmicas, de curto, médio e de longo prazo. Não assisto, e esta não é uma questão de somenos importância, a qualquer preocupação em discutir as limitações da Autonomia ou como contorná-las, em avançar com a preparação de uma futura revisão Constitucional no quadro ambicioso de um País e três sistemas educativos, tampouco preocupações em, paulatinamente, desmantelar e reerguer o Ensino Básico sob os desígnios de uma nova mentalidade, onde o CONHECIMENTO, por via da CURIOSIDADE, rompa com as penosas rotinas "pedagógicas", com os conceitos de aula e de turma, currículos desarticulados, programas minuciosos sem tradução na vida real, rompa com estruturas organizacionais caducas, infindáveis burocracias, sistemas de avaliação abstrusos, balofa meritocracia, obsessão pelos exames, subserviências sem fim, professores que ao invés de moderadores da aprendizagem, são impelidos a falar, falar muito, roubando ou matando o acto fecundante da descoberta. 

Quando tudo isto e muito mais não acontece, consolida-se a ideia que tudo não passa de disparos pontuais no quadro de uma "moda" e não como questões centrais e vitais. Parece-me óbvio que não basta falar de "nativos digitais", expressão muitas vezes metida a martelo no discurso político, porque, relembro Tony Bates (ex-vice-presidente executivo da Microsoft: "(...) o bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino". Por isso, como já aqui salientei em uma outra reflexão, não basta multiplicar as salas de informática ou substituir o quadro preto e o giz por quadros interactivos e multicolores. De nada valerá, qual metáfora, utilizar a tecnologia de hoje como substituição dos antigos acetatos copiados do manual. 
A propósito, regresso a Carl Rogers (1902/1987) que sintetizou tudo isto em uma frase que transporto em memória: "ensinar é mais que transmitir conhecimento – é despertar a curiosidade, é instigar o desejo de ir além do conhecido. É desafiar a pessoa a confiar em si mesma e dar um novo passo em busca de mais. É educar para a vida e para novos relacionamentos". Educar implica, pois, desde logo, criar um alicerce, que não se compagina com memorizações para esquecer, testes à procura do que não sabem, antes implica saber esperar pelo momento do despertar e das opções pessoais. 
Ora bem, embora louváveis todas as iniciativas, sob a forma de conferências, jornadas ou seminários, se o olhar ficar pelas margens e não no âmago dos assuntos, onde se entrecruza uma complexa teia de factores, tarde ou cedo, faltará sempre qualquer coisa ou muita coisa, o que significará que o sistema, tendencial e repetidamente, não passará da fase de arranque. Quando não existe uma ideia para o sistema ou as ideias surgem de forma avulsa, fica claro que tudo se resume a uma corrida conforme as pressões externas e/ou a necessidade de, politicamente, aparecer. A inexistência de um um fio condutor que integre todas as variáveis, só promove picos de entusiasmo e páginas da comunicação social.  
Portanto, falta ao sistema educativo, mais do que "manuais digitais", a capacidade de ver longe, falta ESTUDO, falta utopia e uma estruturada paciência e capacidade de integração das partes no todo. Falta ir ver como resultaram as experiências de sucesso; falta saber ouvir e ler; falta pensamento para uma firme actuação a montante da escola; falta acreditar que a centralização e a padronização constituem barreiras bloqueadoras do conhecimento; falta abrir o sistema à liberdade das escolas se organizarem de forma distintiva; falta acreditar que é fácil preparar para provas de exame e muito mais difícil preparar para a vida e que esta segunda dimensão deve prevalecer. Falta acreditar que a Matemática ou o Português não são mais importantes que a educação artística ou outras áreas de expressão; falta ter como bandeira que a escola deve transmitir aquilo que seja útil para a vida real e que cada aluno deve "pegar naquilo que lhe convém" (...) porque "não podemos dizer que tudo convém a todos" - Filósofo Gilles Deleuze (complicado, não é?). Falta transformar a Educação em uma grande mesa de diálogo. Falta CULTURA e uma outra cultura obsessiva pelo aluno, incutindo-lhe confiança e interesse. Falta uma mentalidade que individualize, com rigor, geradora de "uma escola por aluno", enfim, falta CORAGEM e seriedade. E isso, os "manuais digitais" não resolvem!
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Leiam, pensem e, se concordarem, ASSINEM!


Será que o medo anda por aí entre os professores e educadores? Estarei enganado? Talvez não. Parece-me que a classe está, não diria em coma, mas adormecida. Pelo menos na Região Autónoma da Madeira, consequência de muitos anos de intolerâncias, de subtis perseguições, de abusos de poder, de controlo sobre as direcções das escolas, de uma intencional burocracia que traz acoplada a intenção de os manter em rédea curta, desviando de outras preocupações mais sérias. A classe anda cheia até ao pescoço, mas vive, em silêncio, a engrenagem.


Vem isto a propósito de uma clara ausência de solidariedade perante a VERGONHA de um processo disciplinar instaurado ao Professor Joaquim José Sousa que levou a uma inaudita suspensão por seis meses, o que equivale retirar da sua carteira cerca de € 11.000,00. Uma família foi, miseravelmente, visada. E perante isto, face a uma Petição Pública que está na Internet, segundo julgo saber, criada por pessoas fora da Região (interessante), até agora, só 240 pessoas assinaram o documento. https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=JJSousaCurralFreiras
Na Madeira trabalham mais de seis mil professores, mais de metade estão sindicalizados, portanto, das duas, uma, ou desconhecem a petição e, sendo assim, este texto não tem sentido, ou fica claro o receio, pois sabendo, pensarão, outros que assinem. 
Seja como for, porque há mais professores sob os holofotes dessa tal "inspecção", que de escola pouco ou nada sabe, e não apenas por isso, porque, amanhã, outros poderão ser os visados, convido a entrarem no sítio acima indicado, lerem a justificação e, se estiverem de acordo, assinarem. Simples. Porque lá diz a sabedoria popular: "quem muito se abaixa o rabo aparece". 
Eu já assinei, simplesmente porque me revolta a INJUSTIÇA. Sou aposentado, mas não deixei de ser  um cidadão que exerceu a docência.
Adianto que não gosto da palavra PETIÇÃO. Parece que se está a pedir clemência. E não é disso que se trata. A petição é um instrumento ao dispor dos cidadãos para que se olhe para um caso que nos revolta. Vamos a isso, caros Colegas e cidadãos em geral.
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 19 de maio de 2019

O sistema educativo é muito mais que pianos e xilofones!


Não me deixa irritado, longe disso, mas deixa-me preocupado quando alguém mascara a realidade, ainda por cima deixando pontas soltas, pensando que outros, como alguém referiu, "são parvos ou andam a tirar documentos para estúpidos". Isto a propósito do "Estado da Educação na Madeira", onde o secretário regional tentou, em vão, desfazer (!) "três equívocos recorrentes" derivadas de "percepções incorrectas sobre o abandono escolar, o rendimento dos alunos e o número de licenciados (...)". Face a alguns dados estatísticos apresentados, em função de uma Região Autónoma, dotada de órgãos de governo próprio, com um poder político ininterrupto há 43 anos (estabilidade, dizem), com um número de alunos limitado em função do universo da população, questiona-se, como são possíveis tantas e significativas fragilidades? Como justificar o desencanto?


Uma intervenção que, no essencial, não trouxe rigorosamente nada de novo, no sentido de perceber-se uma ideia, pelo menos uma, mesmo que genérica, para o sector educativo. Fez-me lembrar a velhinha história da mãe de um recruta que, no dia do juramento de bandeira, levando o filho o passo trocado, aos seus olhos, todos os outros do pelotão marchavam de forma incorrecta! Reforcei ainda mais esta ideia, quando li o seu pedido por uma "avaliação rigorosa ao sistema educativo da Madeira". Todos os outros, professores, universitários, investigadores, pensadores e autores, aos olhos do político é que marcham de forma errada. Aliás, obviamente, não era crível que viesse testemunhar as fragilidades, porque o exercício de uma certa política favorece a cegueira, o que impede ser verdadeiro e visionário, eu sei, mas seria honesto que justificasse, politicamente, as suas opções, mesmo com "o passo trocado" aos olhos de outros, relativamente ao que se espera de um processo educativo integrado, desde as políticas de família até ao sistema organizacional, curricular, programático e pedagógico.
O que tem acontecido, isso sim, pegando nas suas próprias palavras, que se voltam contra si, têm sido sucessivos "equívocos recorrentes" de uma hierarquia política que se especializou em processos burocráticos, que o digam os professores, castradora da liberdade e do pensamento crítico, com tiques e atitudes de quero, posso e mando, facilmente provado através da perseguição e da imposição da subserviência, quando, no quadro do sistema, alguns tentam fazer mais e melhor. O que resta deste sistema é a centralização, a maximização e a padronização, algumas das características definidoras da Sociedade Industrial, atributos absolutamente desencontrados do tempo que estamos a viver.

Hoje, infelizmente, continua a não ser possível falar-se de estabelecimentos de aprendizagem. Fala-se de estabelecimentos de ensino. E isso faz toda a diferença, na mentalidade e na forma como se aborda a Educação, como deve ser pensada e gizada para este tempo de conflito entre o velho e o novo. É por isso que assistimos a posicionamentos "esquizofrénicos", pois ora falam de robotização esquecendo outros patamares primeiros, ora de "salas do futuro" (para poucos) esquecendo-se da paulatina transformação da arquitectura dos edifícios escolares, ora falam de uma inexplicável opção pelos "manuais digitais". Neste caso, tendencialmente, pretendem deixar o manual em papel para dar lugar à utilização do "tablet". Ora, se a internet está aí para quê o manual? O "tablet" deve servir para muitas outras coisas e não para replicar os manuais com alguns enfeites que pouco adiantam! 

Por outro lado, intencionalmente, porque não sabem ou porque não desejam, passam ao lado de uma actuação a montante, no sentido da mudança de mentalidade no seio das famílias, contornam a pobreza estrutural que se reflecte na escola e não ligam pevide, também, a uma nova organização da sociedade. O sistema para ser eficaz não pode estar desligado dos outros sistemas. Tem de interagir. A abordagem tem de ser transversal e integrada. E neste processo até se esquecem da autonomia dos estabelecimentos, porque denotam medo em facultar aos professores a capacidade de se organizarem de forma diferenciada. Preferem a uniformização à necessária variabilidade; preferem o controlo à inovação. 
Ora, o sistema é muito mais que taxas e estatísticas. Não sobrevive com máscaras nem com leituras estatísticas onde cada um extrai e enaltece, embora de forma pobre, o que lhe interessa em um determinado momento. Aos políticos pedem-se ideias portadoras de futuro, pede-se pensamento estrutural, pede-se que sejam prospectivos e pede-se que saibam para onde caminham. O sistema está esgotado e quando seria espectável, da parte do presidente do governo, uma posição marcando a diferença, eis que, ainda ontem, veio dizer que "não está aqui para brincar à política nem aos partidos" porque "não há tempo para politicadas (...)". Pois é, senhor Presidente, é exactamente isso que há muito acontece, politiquices e "politicadas". O sistema, saiba, é muito mais que pianos e xilofones!
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

As crianças gostam que a escola goste delas. E nós gostamos que elas “fujam” para a escola!


A escola pode ser mais bonita, mais aconchegante e mais acolhedora! Pode ser séria e exigente, mais amiga do entusiasmo e divertida. Pode ser uma escola comprometida com a troca de ideias, mais centrada na sabedoria com que as crianças lá chegam e mais empenhada com a utilidade e a versatilidade dos conhecimentos com que de lá saem. E pode ser mais atenta ao seu corpo, à sua imaginação prodigiosa, à sensibilidade com que interpretam e à forma como intuem antes, ainda, de perceberem.

A escola vai ter de se reinventar: dos tempos de escola aos manuais escolares. Do modo como avalia aos métodos com que ensina e dá a conhecer. Da forma como prepara para a vida e como transforma em instrumentos úteis as pequenas coisas, aparentemente, insignificantes, que se aprendem todos os dias, quase sem querer.
A escola pode ser mais bonita. E é por isso que estamos tão determinados em transformá-la. Com boas ideias, com novas formas de a vivermos e com pequenos projetos que impliquem os pais e a escola numa parceria de pessoas que se confiem à construção de crianças sábias, humildes, com garra e com paixão, mas que sejam, sobretudo, pessoas melhores. É por isso que ansiamos por uma escola que escute; mais atenta aos interesses das crianças, desde o recreio à sala de aulas. E que as ajude a pensar, a discorrer e a escolher. E é, ainda, por isso que trabalhamos para que as crianças se tornem mais comprometidas, melhor educadas e mais civilizadas. Mais implicadas com o mundo à sua volta e mais solidárias. E mais convictas na forma como, todas juntas, conquistarão para a escola, todos os dias, um rosto mais humano.
É por isso que todos nós acreditamos que com a ESCOLA AMIGA DA CRIANÇA se iniciou uma “revolução tranquila” que, com a ajuda de todos, mudará a escola e transformará a educação. Com os pais, através da Confederação das Associações de Pais, reclamando para si o desafio de se ligarem à escola para que ela se ligue, mais e melhor, a tudo aquilo que leve a que os seus filhos cresçam melhor. Com a LeYa, traduzindo em compromisso social o reconhecimento pela confiança que tem merecido pela produção de conteúdos amigos do conhecimento e antecipando, com arrojo, as transformações que, desde já, a escola está a fazer para que o futuro comece hoje mesmo. E com todos os professores, como pessoas preciosas que vão de estranhos ou desconhecidos a pessoas insubstituíveis e da família, no espaço de alguns meses. Todos juntos, a construir uma escola onde conhecimento e humanidade se entrelacem mais e mais, todos os dias.
As crianças gostam que a escola goste delas. E nós gostamos que elas “fujam” para a escola! É por isso que as crianças agradecem a todos os pais e a todas as escolas que aceitaram juntar-se a este projeto! E ficarão, sobretudo, muito reconhecidas se, na segunda edição da ESCOLA AMIGA DA CRIANÇA, fizerem parte daqueles que sonham e trabalham por uma escola que ligue família, educação e mundo como uma ponte, irrequieta, para o futuro. Fazendo - todos juntos, todos os dias, de forma melhor - uma ESCOLA AMIGA DA CRIANÇA.

Psicólogo

segunda-feira, 6 de maio de 2019

NÃO ÀS NOTAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA A MÉDIA DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR


FACTO

Publicado no Expresso: "No Externado Ribadouro quase todos os alunos de nove turmas tiveram 19 valores ou mais a Educação Física. A Inspecção já está a investigar e o tema da inflacção de notas voltou à ordem do dia. Como controlar as classificações nas disciplinas onde não há exames" - Jornalista Isabel Leiria.

COMENTÁRIO

Desde sempre que assumo um posicionamento que, em síntese, se baseia na minha profunda convicção que a disciplina de Educação Física NÃO deve contar para a média de acesso ao ensino superior. O último artigo que escrevi sobre esta matéria foi, salvo erro, a 15 de Junho de 2012. Essa publicação, sublinho, foi a única vez que estive de acordo com o Ministro Nuno Crato, surgiu a propósito das notas deixarem de contar para a média. Agora, os alunos têm mais essa disciplina para "fazer contas". Deixo aqui esse artigo.

SÍNTESE

"Ao contrário de procurar a igualdade com as outras disciplinas, o professor de Educação Desportiva deveria procurar a diferença. Simplesmente porque os graus académicos de formação sendo iguais (Licenciatura, Mestrado e Doutoramento) a sua prática é substancialmente diferente. De resto, não há Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo ou da Europa de Português, de Ciências ou de História. Mas eles existem no desporto, plenos de beleza estética, de festa, de superação individual e que impelem e influenciam uma prática a qualquer nível. Sendo assim, enquanto uma bola saltitar frente aos olhos de um jovem, jamais alguém precisará de, muitas vezes, “castigar” os alunos com sistemas retrógrados de avaliação, pelo facto da dita bola, volto a ironizar, por um desajeitado pontapé, não ter entrado na baliza, no quadro dos superiores objectivos definidos na complexa Unidade Didáctico-pedagógica. Pois bem, "morra" a Educação Física que hoje constitui uma monumental fraude e viva a Educação Desportiva Curricular.

TEXTO COMPLETO

Provavelmente, a partir do próximo ano lectivo, a nota de Educação Física deixará de contar para a média do aluno no que concerne ao acesso ao ensino superior. A notícia, citando fontes do Ministério da Educação, foi hoje publicada no jornal PÚBLICO. Desde sempre entendi que tal não fazia sentido, pelo que aprovo esta medida. E vou mais longe, nem deveria contar para a média de curso. E cheguei a publicar, em livro, em 2004, exactamente no Ano Europeu da Educação pelo Desporto, definido pela União Europeia. De qualquer forma trata-se de um assunto que levantará muita celeuma entre os profissionais de Educação Física. Deixo aqui uma parte do texto que consta do citado livro publicado.
"Joana [1] teve uma mão cheia de cincos mas, na Educação Física, o nível foi um três “muito fraquinho”; Francisco precisou que outros professores votassem o nível de Educação Física para entrar no quadro de honra da escola; José obteve nível dois porque é um “desajeitado, coitado!”; Fernando, porque é obeso e descoordenado, viu um implacável dois na pauta; Teresa, idem, porque não “não gosta” e conheço o caso da Luísa, estudante de nível cinco, de excelentes predicados nas atitudes e valores, esguia, flexível, de uma grande disponibilidade corporal, expoente no ballet que pratica quase diariamente mas, ironizo eu, certamente porque, em três meses de futebol, não conseguiu acertar com a baliza ou porque teve um teste fraco, também não foi além do três. Ao lado destes casos, entre muitos que me chegam ao conhecimento, há também o daquela turma que, recentemente, registou cerca de 80% de negativas em Educação Física. Ao fim e ao cabo, situações que dão para pensar sobre o fundamentalismo, dito pedagógico, que por aí anda, desvirtuador da vocação primeira desta disciplina curricular e provocador de um enorme rasto de frustração. 
Ora, é por estas e múltiplas outras razões que defendo, há muitos anos, a morte da Educação Física e o nascimento da área curricular denominada por Educação Desportiva que se abrigue, inclusive, num quadro científico mais vasto e sustentado. Razão tem, pois, o Doutor Manuel Sérgio, ele, um filósofo, que melhor que ninguém neste país sabe interpretar e sintetizar as correntes filosóficas, sociais e o pensamento pedagógico ao longo dos tempos, ao assumir que: “(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração” (O DESPORTO Madeira, 27.06.03) [2]. 
Trata-se, de facto, de uma luta contra um poderoso lobi corporativista, obsoleto e medíocre, entrincheirado nas universidades e em posições estratégicas de decisão política, que não consegue entender que as respostas encontradas nos anos 30 e melhoradas a partir da década de 70 já não se adequam, por um lado, ao actual conhecimento científico, por outro, às expectativas que o desenvolvimento determinou. Daí que não me espante nem me cause qualquer embaraço que aqueles que consideram que a mudança de paradigma terá de ser operada, sejam muitas vezes visados com graves dislates os quais, penso eu, não são mais do que o estertor de quem perdeu todos os argumentos e, naturalmente, sente que os alunos, paulatinamente, os das universidades e outros de idades mais jovens, estão a lhes voltar as costas, por sentirem que há um mundo novo de possibilidades de prática que não se restringe ao espaço de uma Educação Física bafienta, repetitiva e sem futuro [3]. 
Não compreendem, nem fazem um esforço por compreender, que a razão da existência de professores está hoje determinada pela necessidade de educar através do desporto e que isso implica, necessariamente, a mudança organizacional dos estabelecimentos de ensino, a completa ruptura com os actuais programas, melhor e mais adequada formação universitária dos futuros docentes, formação permanente e a assunção de uma nova mentalidade pedagógica. Metaforicamente, costumo sublinhar, basta de sopa fria, igual para todos e repetidamente servida. Ofereça-se, pois, o doce mais apetecido: a prática educativa do desporto [4], no pleno respeito pelas diferenças de ambos os sexos e pela segmentação de interesses que existem no meio escolar. Não está, portanto, em causa, beliscar a importância desta área obrigatória dos diversos currículos. Pelo contrário, o que está em causa é, através da mudança, ir ao encontro dos jovens, formando-os com princípios e valores para a vida, possibilitando, inclusive, o inegável direito à excelência através do Desporto Escolar [5]. A própria União Europeia percebeu que a via portadora de futuro é esta, não sendo por acaso que 2004 constituiu o “Ano Europeu da Educação pelo Desporto”. 
Ainda sobre as notas ou níveis que se atribuem aos alunos, eu diria que um professor não se afirma (se se trata de uma afirmação no contexto das restantes disciplinas) no seu mister por essa via. Afirma-se pelo estudo, pela capacidade cultural e crítica, pelo conhecimento, pela qualidade, pela capacidade de resposta aos interesses dos educandos, pelas dinâmicas que é capaz de operar no espaço escolar e pelo gosto que desperta, neste caso, por uma prática desportiva regular. Ao contrário de procurar a igualdade com as outras disciplinas, o professor de Educação Desportiva deveria procurar a diferença. Simplesmente porque os graus académicos de formação sendo iguais (Licenciatura, Mestrado e Doutoramento) a sua prática é substancialmente diferente. De resto, não há Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo ou da Europa de Português, de Ciências ou de História. Mas eles existem no desporto, plenos de beleza estética, de festa, de superação individual e que impelem e influenciam uma prática a qualquer nível. Sendo assim, enquanto uma bola saltitar frente aos olhos de um jovem, jamais alguém precisará de, muitas vezes, “castigar” os alunos com sistemas retrógrados de avaliação, pelo facto da dita bola, volto a ironizar, por um desajeitado pontapé, não ter entrado na baliza, no quadro dos superiores objectivos definidos na complexa Unidade Didáctico-pedagógica. Pois bem, morra a Educação Física [6] que hoje constitui uma monumental fraude e viva a Educação Desportiva Curricular [7]. 
NOTAS DE RODAPÉ:
[1] Todos os nomes são fictícios. 
[2] É no quadro da Ciência da Motricidade Humana que o filósofo fala de “uma nova Renascença, de uma época de construção de novas ciências, que procura encontrar a teoria da prática dos professores de Educação Física. Que (…) há que compreender como Heidegger, que existir humanamente é ser tempo. De facto, tudo é tempo e a Educação Física já teve o seu” – Manuel Sérgio, Da Educação Física à Motricidade Humana (2002). 
[3] (…) Esse estado dá hoje muito que pensar. Com efeito a análise dos dados levantados por várias investigações, bem como as declarações e tomadas de posição de organizações internacionais tornam evidente que esta área disciplinar vive, desde há alguns anos, uma crise sem precedentes na sua história. Esta crise traduz-se num declínio acentuado do seu estatuto, em reduções de tempo no horário escolar, em inadequação de recursos materiais e pessoais, em erosão dos padrões de qualidade e profissionalismo (…) Mas... como configura a Educação Física as suas relações com o corpo e com o desporto? Como é possível que a Educação Física esteja em crise, se o desporto nunca viveu uma fase de tamanha expansão e crescimento e se estamos a assistir a uma conjuntura corporal, a um regresso festivo do corpo trazido pela valorização da imagem, da estética e dos estilos de vida? Como é possível tal crise, se vivemos numa sociedade que nos ensina a valorizar o corpo como nenhuma outra antes dela e se já entrámos numa era que se funda não mais no trabalho, mas antes no lazer e no ócio criativo e em que será cada vez mais nestas referências que se firmará a nova identidade do indivíduo? Estas perguntas encaminham-nos para a necessidade de reconstruir a educação física à luz de novas e actuais premissas. (…) Para manter a sua presença no sistema educativo a área da Educação Física precisa de renovar argumentos que reforcem a sua real importância. E carece de agregar forças capazes de sustentarem que ela é parte genuína e indispensável da educação. Para tanto deverá começar por lançar pontes de cooperação entre a escola e o envolvimento familiar. – Olímpio Bento, Da Educação Física ao Alto Rendimento, pág. 79 e seg.. 
[4] Salienta o Doutor Gustavo Pires no livro Desporto e Política – Paradoxos e Realidades, pág. 352 e 353: “(…) O sistema de valores, os símbolos, a estética, o espaço e a estrutura do tempo são portadores de novas ideias e pensamentos que devem originar outras soluções organizacionais quando se trata de organizar actividades lúdicas, culturais, recreativas e formativas, em ambiente escolar. (…) Defender a Educação Física não é, por isso, insistir nos modelos e nas soluções do passado. Defender a Educação Física é sermos capazes de encontrar soluções de acordo com as realidades do nosso tempo. Numa dinâmica de futuro. E o futuro é o ensino do desporto”. 
[5] No livro Da Educação Física à Motricidade Humana (2002), editado pelo O Desporto Madeira, pode ler-se na pág. 36 a seguinte passagem do Doutor Olímpio Bento: “(…) é, portanto, curial reconstruir esta área à luz de um lema como este: “escolarizar o desporto – desportivizar a escola e a vida”. Mas atenção, como também salienta o Doutor Manuel Sérgio, desportivizar a escola e a vida num projecto que combata uma prática que constitui “uma das grandes alienações do nosso tempo”. Isto é, “para além do desenvolvimento desportivo, é preciso criar um desporto ao serviço do desenvolvimento”. E a Escola, neste aspecto, é determinante essencialmente porque é futuro. 
[6] Do livro Motricidade Humana, do Doutor Manuel Sérgio, pág. 82, cito: “(…) O trabalho prático e teórico (há-de ser sempre as duas coisas simultaneamente) ao nível da motricidade humana, exige uma visão complexa do Homem, da Natureza, da Sociedade e da História; espírito crítico designadamente em relação à própria profissão, descomprometimento com os grandes interesses partidários e empresariais; consciência da dignidade humana; capacidade de intervenção, principalmente através das ideias, na vida política nacional; informação e formação permanentes, quer no plano da preparação científica e pedagógica quer no da articulação prática-teoria; vivacidade de espírito e curiosidade constante em relação ao processo evolutivo da sociedade e da cultura – e não é tudo isto o que se entende por intelectual?”. E adianta: “Um homem é, a meu ver, como um cristal em movimento. Mede-se, acima de tudo, pelo número de faces iluminadas. O mesmo se aplica ao profissional da motricidade humana”. 
[7] Em 1999 foi divulgado um relatório conduzido por K. Hardeman, da Universidade de Manchester, patrocinado pelo Conselho Internacional de Ciências do Desporto e Educação Física e suportado pelo Comité Internacional Olímpico, que teve por objectivo investigar a situação mundial da Educação Física. As respostas ao questionário, aplicado em 126 países, alertou para o facto da Educação Física se encontrar numa profunda crise de identidade e de credibilidade social.
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Nem chumbar, nem passar. Nesta escola, a única alternativa é aprender


Quando for grande, a Laura bem pode ser a diretora desta escola. Tem 7 anos, está no 2.º ano e é mais desembaraçada do que muitos miúdos de 12. Com um brilho nos olhos, pergunta-nos se queremos fazer uma visita guiada pela Escola Básica de Fonte Santa, no agrupamento da Marinha Grande Poente. A resposta é afirmativa e Laura, vestindo a pele de anfitriã, mostra-nos tudo: o refeitório, a sala do pré-escolar, o sítio onde trocam os sapatos da rua pelas socas, os recantos do recreio, a horta do 1.º ciclo, a árvore onde costuma apanhar amoras — “Ou eram framboesas?” — e a sala da CAF. Não hesita quando lhe perguntamos o que quer dizer a sigla. “É a Componente de Apoio à Família, onde ficam as crianças até os pais as puderem vir buscar.”

O que vimos antes desta visita guiada, na escola que fica à beira de um pinhal, tem todos os ingredientes para ser uma receita de insucesso escolar. Antes do recreio, Laura partilhou uma sala de aula com mais 34 alunos, numa turma com crianças do 1.º ao 4.º ano. Na teoria, o cenário soa a péssimo. Na prática, não podia funcionar melhor. As estatísticas confirmam: por aqui, os chumbos são residuais e, garantem-nos os três professores permanentes daquela sala, isso só é possível porque as crianças, de facto, aprendem.
A Fonte Santa é uma das 10 escolas da Marinha Grande Poente, um dos sete agrupamentos do Projeto Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP), que, atualmente, tem 2800 alunos distribuídos entre a educação pré-escolar e o 12.º ano. Com esta experiência, um dos objetivos do Ministério da Educação é perceber se é possível chegar à taxa de retenção zero, como explicou o secretário de Estado da Educação ao Observador, João Costa, em dezembro passado. A alternativa a chumbar tem de ser sempre aprender e nunca uma subida artificial das notas. Mas para isso é preciso inovar e apostar na criatividade porque participar no projeto deu 100% de autonomia à escola, mas nem um recurso a mais.

“Aqui nunca pusemos a questão da retenção em cima da mesa, nunca me pareceu que fosse isso o fulcral. A nossa grande preocupação era a qualidade das aprendizagens dos alunos. A alternativa a chumbar tinha de ser aprender”, explica o diretor do agrupamento, Cesário Silva.

Os resultados estão à vista: “No último ano, no 1.º ciclo, houve sete retenções entre os cerca de 530 alunos. Em alguns casos, tivemos de perceber se a retenção significava um momento de aprendizagem, por exemplo, para alunos estrangeiros e para miúdos condicionais que entraram para a escola com 5 anos… No 2.º ciclo, tivemos apenas uma retenção em 350 alunos. No 3.º ciclo, ficámos nos 2%. E, praticamente, não temos abandono. Mas se me perguntar se fazemos o pino para os miúdos aprenderem, garanto-lhe que fazemos”, argumenta Cesário Silva.
Apresentada como “o problema mais grave do sistema de ensino em Portugal”, em 2015, a retenção dos alunos tem estado sempre no topo dos discursos de vários ministros da Educação. Naquele mesmo ano, o país estava no top 3 dos que mais chumbam na OCDE — sobretudo entre os alunos com mais dificuldades económicas e sociais. Todos concordam que é um erro simplesmente deixar passar os alunos, de forma administrativa. Mas é difícil encontrar a forma certa de conseguir que nenhum aluno tenha de reprovar, simplesmente porque aprendeu.

“Não é combater o insucesso, é promover o sucesso”

Quando começaram a olhar para o problema dos chumbos no agrupamento, onde, conta Cesário Silva, tanto andam os filhos dos operários das fábricas como os dos grandes industriais do concelho, perceberam que as soluções que ofereciam não passavam de remendos. “Antes de as dez escolas fazerem parte do mesmo agrupamento [em 2013], tínhamos um problema na escola secundária: os alunos chegavam ao 7.º ano com muitas lacunas que podiam ter sido resolvidas antes, de forma precoce. Mas não foram. A nossa atuação acabava por ser sempre remediadora.”
Já há muito tempo que o insucesso escolar preocupava Cesário Silva. Enquanto diretor da escola Secundária Engenheiro Acácio Calazans Duarte, uma escola independente por ser TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária), diminuir os chumbos era uma batalha antiga, que estava a ser ganha. Quando as dez escolas se uniram, e o carimbo TEIP se estendeu a todas, a possibilidade de melhorar aprendizagens interessava a todos, da pré ao secundário.
“Identificamos crianças que, logo no 1.º ano e algumas no pré-escolar, têm problemas. As educadoras queixam-se de que as crianças têm um vocabulário muito limitado e que têm de ser muito estimuladas. A nossa aposta começou aí: na comunicação. A intervenção começa no jardim de infância. Hoje estamos cada vez mais a deixar as medidas de remediação. Já tivemos cursos de formação e educação, já tivemos cursos vocacionais [permitem concluir a escolaridade obrigatória com percursos mais flexíveis] e deixámos de os ter porque não precisamos deles. Já não temos público”, sustenta o diretor.
Mesmo antes de integrarem o PPIP, a convite da Direção Geral de Educação, a retenção era cada vez mais residual, conta Cesário Silva. “Esse trabalho começou em 2013, com a entrada no novo agrupamento. O que fazemos não é combater o insucesso, é promover o sucesso. Combater o insucesso é a atitude remediadora. Não podemos perder sucessivas gerações de jovens porque todos falhámos, porque não estivemos atentos, porque não tínhamos recursos, porque a tutela nunca pensou que prevenir era mais barato e eficaz do que remediar. Sermos TEIP trouxe-nos este foco: detetar problemas, investir e ser criativos para os ultrapassar.”
A criatividade manifestou-se de várias formas. No ensino pré-primário e no 1.º ciclo, a grande aposta é na comunicação, garantindo que as crianças ganham gosto pela leitura e pela escrita, que adquirem vocabulário e são fortes na oralidade. As escolas tornaram-se espaços abertos de aprendizagem, onde os alunos também se ensinam uns aos outros.
“No nosso modelo de organização, o ensino pré-escolar funciona de uma forma deliciosa, são os espaços de maior aprendizagem. É ali que percebo que as nossas crianças são capazes de trabalhar de forma colaborativa, são capazes de negociar, de discutir, de correr riscos — nós, adultos, temos de perceber até onde podem ir e estar na retaguarda para os amparar. Temos salas heterogéneas e isso talvez seja um dos segredos: quando valorizamos a diferença, quando mostramos que aprendemos uns com os outros, as coisas funcionam”, explica o diretor.

Na Fonte Santa, a sala de Laura — e dos outros 34 colegas — tem três professores em permanência. Fernando Emídio, Geraldina Silva e Paula Botas têm turmas atribuídas no papel, mas, no dia a dia, as fronteiras diluem-se. “Aqui não há a minha sala, estamos todos juntos e vamos partilhando”, diz a professora Geraldina, que tanto pode estar a dar um conteúdo de 1.º como de 4.º ano. Da mesma forma, se um aluno do 2.º ano souber tudo o que há a saber sobre uma matéria, não há motivo para não poder avançar e até partilhar o que aprendeu com os mais velhos.

“Administrativamente, temos as turmas atribuídas, temos de ter, mas, na prática, elas não existem. Quando fazemos o grosso da planificação, não sabemos qual de nós vai trabalhar que matéria. Não temos essas tarefas definidas. Tem é de haver uma grande cumplicidade para as coisas funcionarem. Mas não estamos sempre de acordo: é a partir dessa discórdia que conseguimos criar mais alguma coisa, porque vamos descobrindo uns com os outros”, acrescenta Paula.
A turma de 35 alunos tanto pode estar toda junta, como tem momentos em que é dividida em grupos mais pequenos e que não têm necessariamente de estar relacionados com o ano que cada estudante se encontra a frequentar. É assim que o trabalho colaborativo passa também para os alunos. “Um dia por semana há o conselho de cooperação de turma, onde fazemos a reflexão semanal entre alunos e professores. Fica tudo registado em ata e eles já sabem como presidir uma reunião: há sempre um presidente e um secretário. É um momento muito importante da nossa semana”, conta Paula.
Outro momento alto é quando os mais velhos vão ensinar os mais novos, conta a educadora Aida Mira, responsável pela sala da pré. “O que mudou mais foi esta articulação entre os diferentes ciclos. Hoje vejo que os miúdos estão mais autónomos e com mais vontade de comunicar. Como os grupos não são homogéneos, aproveitamos os saberes dos mais velhos. Eles sentem-se importantes por estarem a explicar aos pequenos e ficam mais responsáveis.”
Cada ciclo de ensino tem as suas necessidades e não há receitas repetidas. Para o 5.º e o 6.º ano, porque se concluiu que a passagem de um professor para vários era um dos obstáculos às aprendizagens, reduziu-se o número de docentes. Em vez de se ter um professor por disciplina, diminuiu-se o conselho de turma: o professor de matemática passou a dar também ciências, o de português acumula com inglês ou história e geografia, e a educação visual e a tecnológica foram fundidas numa só disciplina.
“Foi fundamental para os professores poderem trabalhar melhor em equipa. Como tínhamos turmas com muitos alunos, decidimos criar as oficinas projetos — acabam por ser semelhantes aos DAC (Domínios de Autonomia Curricular) que a Flexibilidade Curricular trouxe mais tarde para as escolas”, detalha Cesário Silva.
Nesses momentos, as turmas são desdobradas e trabalha-se em grupos mais pequenos, normalmente com dois professores na sala. “A grande mais-valia de trabalhar por projeto é o trabalho colaborativo. É estar sempre a fazer ajustamentos. Os alunos planificam o trabalho, escolhem coisas difíceis e têm de ir arrepiando caminho, vão reajustando o trabalho até chegar a qualquer coisa palpável que vão produzir”, defende Maria Fernanda Cruz, coordenadora do projeto PPIP do 5.º e 6.º ano e que, na Marinha Grande Poente, envolve 16 turmas.
“Quando se apresenta um projeto, pratica-se a oralidade, o à-vontade e nota-se a diferença nos alunos. Estão mais libertos e mais seguros do que estão a fazer. Quando cá chegarem os que começaram com o PPIP logo no 1.º ano, acredito que se vai notar uma grande diferença”, acrescenta a professora de História e Geografia de Portugal.
“Se houvesse uma palavra para distinguir estes alunos dos outros, se fosse um sentimento, eu diria alegria. Até a relação com o professor é diferente e eu tenho 38 anos de serviço. Não são salas de aula silenciosas: se não estou a fazer uma ficha, se estou a fazer uma colagem, uma pintura, a preparar um cenário, é diferente. Até as crianças com necessidades educativas especiais permanentes brilham em coisas que não estávamos à espera. Saem delas talentos que não conhecíamos”, remata Maria Fernanda Cruz.
Nem tudo são mares de rosas, acrescenta. Entre o corpo docente, nem todos acreditam que este é o melhor caminho, nem todos têm a mesma filosofia ou visão de escola. Por outro lado, o PPIP não trouxe mais recursos, nem humanos nem materiais, e alguns espaços não acompanham o andamento do projeto. “É a queixa que mais ouço. Precisamos de mais pessoas, mais recursos, mais tecnologia. Apesar disso, isto não volta atrás. O caminho vai ser por aqui e, entre os sete agrupamentos, há até quem esteja a fazer percursos mais ambiciosos”, conta a professora.
O projeto piloto começou em 2016/2017, um ano zero que serviu para reflexão da equipa. No ano letivo passado, começou a funcionar nas turmas do 1.º ciclo e nas do 5.º ano. Este ano, estendeu-se ao 6.º e, pouco a pouco, ao 7.º ano. Falta chegar ao ensino secundário. Mas antes disso, Cesário Silva defende que há um longo caminho a fazer: o currículo está muito pulverizado e o foco continua a ser nos exames nacionais. (...)"

Fonte: Observador
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NOTA

Se isto acontecesse na Região Autónoma da Madeira, provavelmente, já tinham retirado a autonomia à escola e o director tinha já um processo disciplinar que viria a resultar em, no mínimo, seis meses sem salário, tal como aconteceu com o Professor Joaquim José Sousa, da escola do Curral das Freiras. O secretário e o "inspector-mor" que leiam esta passagem: “Administrativamente, temos as turmas atribuídas, temos de ter, mas, na prática, elas não existem!"