quarta-feira, 31 de maio de 2023

Tenham consciência... a vossa política educativa está errada!


A edição de ontem do Jornal Público, assinado por António Pedro Pereira, traz um texto com o título "A tecnologia tem de estar ao serviço do aluno, que ainda é o futuro da educação". A peça fala da Escola de Alcanena, no âmbito de "Perguntar Futuro". "À boleia deste tema, Tim Vieira, fundador da Brave Generation Academy, e Ana Cláudia Cohen, directora do Agrupamento de Escolas de Alcanena, lançam-se ao futuro com entusiasmo. Com o aluno no centro das políticas educativas e no papel de agregador de forças comunitárias", salienta o jornalista.



Assume a directora do Agrupamento de Escolas de Alcanena, "(...) as escolas inovadoras conseguem pôr os agentes a trabalhar em prol de uma sociedade madura" (...) Centrar a educação no aluno é colocar o foco nas comunidades, permitindo uma partilha das responsabilidades e assim formar melhores alunos. Por seu turno, sublinha Ana Cláudia Cohen: "Colocámos os alunos a olhar para problemas que os circundam e a resolvê-los". E explica: "A aprendizagem tem de se fazer também fora dos muros da escola e, quando trazemos a comunidade científica e empresarial, então somos bem-sucedidos. Nesta equação, é importante ouvir alunos. Se queremos uma civilização transformadora, temos de saber como aprendem e como é que os professores conseguem ensinar".

Depois, são os "alunos que escolhem projectos com base na comunidade próxima e alargada", e chega-se, assim, a patamares superiores de evolução e cidadania. Tim Vieira olha para o futuro com os mesmos valores. 

"A escola tem de ser mais personalizada, não pode ser feita para todos, mas para cada aluno, e temos as tecnologias para ajudar neste processo”


- diz o fundador e CEO da Brave Generation Academy (BGA), que surgiu em Portugal e está presente em vários países com um sistema de ensino diferenciado.

"Vejo a escola a mudar bastante, o secundário e a universidade a ficar só um, a fundirem-se, não vamos ver diferenças. A educação não vai ser vista por idades, mas por maturidade, em função do interesse e da velocidade a que cada um vai”, antevê.


E, tal como Ana Cláudia Cohen, prevê que o grande foco será na formação psicossocial do aluno. 

"Vamos ter mais uma educação por projecto e menos por avaliação. Hoje, os alunos precisam sobretudo de ser mais criativos, de saber convencer pessoas. Isto é aquilo de que vamos precisar mais”, diz, sublinhando o papel do agente agregador que o aluno tem de ter." 


"A escola do futuro será mais personalizada, mais flexível", sintetiza Tim Vieira. 

"Os professores terão de ser cada vez mais virados para as pessoas e não tanto para o conteúdo e de ter mais competências psicossociais, professores mais jovens e mais velhos, uns mais criativos e outros com muita experiência de vida”, conclui.


O que significa que o sistema educativo nacional, onde se incluem as regiões autónomas, está errado. Por aqui, não é com o folclore político dos manuais digitais, das salas do futuro e dos disparos no âmbito da Inteligência Artificial ou da robotização, tudo com pés de barro, que a Escola, a verdadeira Escola de Aprendizagem compaginada com a VIDA, com os interesses das novas gerações e com as exigências que estão aí ao virar da esquina, conseguirá dar passos consistentes em direcção ao futuro. Tenham, pois, consciência: a vossa política educativa está errada. Melhor dizendo: constitui uma boa resposta para um problema errado.

Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 30 de maio de 2023

A ESCOLA E A DECISÃO DE PROMOVER UMA APRENDIZAGEM PORTADORA DE FUTURO

 

Na página de FB do Dr. Varela de Matos li um interessante texto  no que concerne aos formatos pedagógicos, melhor dizendo, entre o que a escola portuguesa é e aquela que deveria oferecer às crianças e jovens portugueses. No essencial, o texto compara a Educação tradicional da escola pública com aquela que os reis de Espanha estão a proporcionar às suas filhas. No caso concreto o da Leonor, herdeira do trono. Confesso que não conheço a história e o seu percurso em pormenor, nem tratei de estudá-las, porque o que aqui me traz resume-se a alguns aspectos da sua formação, os quais vêm ao encontro do que defendo para todos.



Diz o texto que o programa de formação de Leonor contemplou, numa escola escocesa, a filosofia, a literatura, as ciências naturais, as línguas, o ambiente e o teatro. Escola essa onde "não são utilizados computadores". E com toda a certeza, digo eu, Leonor não é uma info-excluída. Leonor, agora com 18 anos, passou por "um curso interdisciplinar comum sobre teoria do conhecimento e uma monografia com carácter de investigação. Participou num programa especial de criatividade com formação em teatro, música, arte, desportos e serviço à comunidade, apoio a escolas locais, trabalho com crianças com incapacidade intelectual, terceira idade e primeiros socorros" (...) Que trabalhou na "aquisição de conhecimentos de manutenção de costas e bosques, controlo de índices de contaminação do meio ambiente e recuperação de espécies animais (...) teoria do conhecimento, com livros, cultura, arte e vida na comunidade (...) trabalho de grupo com relações reais e não virtuais". No verão, campos de férias. Conclui o texto que a futura herdeira do trono, doravante, fará três anos de instrução militar, no exército, na marinha e na força aérea."

Salvaguardando que se trata de uma situação muito específica de uma jovem que, desde cedo, está a ser preparada para um dia exercer as mais altas funções de figura do Estado, o que sobressai desde conjunto de preocupações, é que bem poderiam ser os desígnios de toda a população escolar, notem bem, a filosofia, a literatura, as ciências naturais, as línguas, o ambiente, o teatro, a teoria do conhecimento, a criatividade, a música, a arte, os desportos, o serviço à comunidade, o apoio a escolas locais, o trabalho com crianças com incapacidade intelectual, terceira idade e primeiros socorros. Com um acento tónico nas "relações reais e não nas virtuais".

É esta mudança de paradigma que Portugal precisa. Centrar-se, cegamente, nos currículos e programas, estanques e desarticulados, é extremamente limitador. E não é com "salas do futuro" ou com "manuais digitais" que se adequa a formação que corresponda a uma efectiva resposta ao mundo que estamos a viver, tampouco o sistema conseguirá responder aos talentos e vocações que todos transportam. Repito o que ainda há dias aqui desenvolvi: é pela CULTURA transversal e integrada que o sistema deve seguir, jamais pela teimosa e incoerente segmentação das disciplinas, decompondo a totalidade da vida (aprendizagem) em partes, quando a própria vida funda-se na integralidade e na universalidade. De que serve, pela enésima vez pergunto, decorar as respostas insertas no manual (agora digital) se, por um lado, se destinam ao esquecimento após um teste, por outro, normalmente não visam a transferência para novas situações?

Vive-se, obcecadamente, o débito da matéria que consta dos programas, depois, a avaliação e, por fim, um falso mérito, onde, pasme-se, já se entregam prémios pecuniários àqueles que, no entendimento de alguns, foram os melhores. Tudo isto passando ao lado da total heterogeneidade da escola e da palavra conhecimento. Formatar é uma coisa; formar é outra! É por isso que o notável Filósofo Edgar Morin, hoje com 102 anos, se apresenta com a lucidez que faz corar de vergonha tantos "politicozinhos": "A escola mata a curiosidade (...) instigar a curiosidade da criança é a melhor forma de despertá-la para o saber (...) se vivemos em um mundo complexo e interligado, e novas informações nos fazem, a toda hora, mudar de planos, por que a escola ainda teima em ensinar certezas e conhecimentos que parecem únicos e absolutos? A educação ainda não está fazendo sua parte. O sistema educativo não incorpora essas discussões e, pior, fragmenta a realidade, simplifica o complexo, separa o que é inseparável, ignora a multiplicidade e a diversidade. As disciplinas curriculares "eliminam a desordem e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de arrumação. A educação deveria romper com isso mostrando as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem. Caso contrário, será sempre ineficiente e insuficiente para os cidadãos do futuro."

O Professor David Rodrigues publicou um texto, tem já algum tempo, onde explicita: "(...) Afirma-se que os jovens devem ser empreendedores, dinâmicos, criativos, autónomos, capazes de resolver problemas (...) mas defende-se a escola transmissiva, directiva, estrita e uniformizadora". Só em redor desta síntese, sinónima de contradição absoluta entre o que é e o que deveria ser, torna-se exigível que os governos se pronunciassem sobre que escola afinal querem! Mas não, enquanto governantes, demonstram que não entendem que o "insucesso da escola é também o insucesso da organização da vida". Pois é, regresso a Mark Twain: "(...) para quem só tem um martelo como instrumento, todos os problemas parecem pregos". Ademais, a Educação não pode ser um negócio (salas do futuro e manuais digitais), tampouco pode ser um instrumento político-ideológico com os olhos colocados na dominação. E esta existe, é factual se analisarmos os dados estatísticos.

E portanto a pergunta fica: perante isto, como pode o secretário regional da Educação da Madeira assumir (ontem) que esta escola "dá resposta a cada um dos nossos alunos, porque permite que cada um concretize o seu projecto de vida e os seus sonhos"? Só pode estar a brincar como se todos os presentes naquela plateia fossem mentecaptos. Não só não dá resposta, como mata os sonhos e justifica o provadíssimo desencanto dos alunos, o "Bernout" dos professores, as inúmeras iliteracias, mostrando-se, por outro lado, que está em contraciclo ao que dizem notáveis investigadores, pensadores, a inúmera bibliografia publicada, os bons e prestigiantes exemplos em vários países e em muitos estabelecimentos de aprendizagem, inclusive, em Portugal. 

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 23 de maio de 2023

É pela cultura que a aprendizagem se faz


Vi-os por todo o lado e lembrei-me, vezes várias, por aproximação, de Carlos do Carmo: "(...) Parecem bandos de pardais à solta". Uma vez mais, vi-os em catedrais, museus, palácios, praças, por todo o lado grupos de alunos com professores, à descoberta do que se estende para além do que a vista alcança. Vi-os alegres, vivos, interessados, tirando notas e sentindo o pulsar da verdadeira vida que não se resume àquele espaço, por vezes mórbido, da sala de quarenta metros quadrados, onde o mundo se fecha nos cubículos labirínticos dos currículos e programas impostos. Por vezes exclamei: é pela cultura que tudo o resto trazemos por arrasto. Estes alunos estão a escrever o seu futuro!



Não essa cultura sinónima de um conhecimento profundo e específico sobre qualquer área, mas aquela que absorvemos, integramos e que permite a leitura do mundo, a plasticidade de compreensão e o transfere para tudo o resto. Um exemplo comezinho: mais do que saber datas históricas, interessa perceber e conjugar a compaginação dos temas ao longo dos tempos. De resto, tudo na vida se apresenta interligado. Portanto, mais do que saber e papaguear o manual escolar com o fim último de responder ao que consideram certo (!), a cultura permite uma visão dialéctica no quadro das contradições. E por aí tudo se aprende. 

Não os vi de tablet entre mãos, vasculhado o manual digital, antes olhando e certamente reflectindo, com a importante e potenciadora presença dos tutores, a vida e toda a ciência em unidade. Não os vi sentados a escutar, voltados para a frente e em atitude não desestabilizadora, interminavelmente, o professor a debitar seja lá o que for do manual. E num determinado momento, quando vi um desses "bandos" de crianças, talvez em idade equivalente ao pré-escolar português, no museu do espantoso escultor francês Auguste Rodin (1840/1917) confirmei que a aprendizagem se conduz por aí, negando a segmentação das disciplinas nessa visão tendencialmente unívoca e estática, antes compaginando o que se vê com tudo o que rodeia e que dela faz parte. Até onde nos pode levar, de forma integrada, pergunto, Le Penseur de Rodin!

E assisto a adultos que atafulham em manuais digitais (que outros países já abandonaram) um pressuposto conhecimento, criam, pomposamente, "salas do futuro", quando a grande sala de aprendizagem não tem paredes, não tem tecto, não tem cadeiras nem mesas, faz-se em qualquer sítio ligando intimamente tudo. Não significa que a sala (tradicional) também não seja importante para a aprendizagem e descoberta, predominantemente em grupo, mas a vida real é muito mais que disciplinas conjugadas com aquela obsessão pelas avaliações, relatórios e processos burocráticos absolutamente discordantes da importância de dar asas aos talentos e aos sonhos de cada um. Ao contrário de um fatinho à medida de cada um, continuam a preferir a fábrica que produz um único fato para todos.

Tanto que gostaria de ver "bandos de pardais à solta" pelas nossas cidades escrevendo o seu futuro!

Ilustração: Google Imagens